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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.7 n.12 Barbacena jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Ações em saúde mental na atenção primária no município de Florianópolis, Santa Catarina

 

Actions aimed to improve mental health primary care in Florianópolis, SC, Brazil

 

 

Daiana Paula Milani BaroniI, * ; Lívia Maria FontanaII, **

I UFSC
II CAPSad, Florianópolis

 

 


RESUMO

O presente estudo busca realizar um diagnóstico da atenção à saúde mental no contexto da Atenção Primária no município de Florianópolis. Para tanto, utilizamos como instrumento para a coleta de dados entrevistas reali¬zadas com coordenadores de unidades locais de saúde. Os resultados aponta¬ram para o recente surgimento de um trabalho mais específico em saúde mental, embora os relatos pareçam indicar que as equipes ainda desenvolvam suas ações direcionadas mais para a realização diagnóstica e reabilitação do que para a promoção em saúde e prevenção de agravos maiores decorridos do sofrimento psíquico. Este estudo procurou contribuir para o conhecimento do cuidado realizado em saúde mental na atenção básica, trazendo elementos para discussões pautadas na realidade do município e na perspectiva de colaborar para o aprimoramento deste serviço.

Palavras-chave: Atenção primária, Saúde mental, Demandas, Encaminhamentos, Ações.


ABSTRACT

This study aims to do a diagnosis of mental health care within the context of Primary Care in Florianópolis, SC. Thus, interviews were conducted with coordinators of local health units to collect data besides documental analyses. The results showed that a more specific approach has been recently adopted in mental health, even though the comments of those interviewed signal that the working teams’ actions are still focused on diagnosis production and rehabilitation rather than on health promotion and prevention of further damage resulting from the mental illnesses. This study attempted to contribute to a deep understanding of mental health care provided by Primary Care Units, by offering and opportunity to discuss this issue based on the local reality, and collaborating for the improvement of this service.

Keywords: Primary care, Mental health, Demands, Conductions, Actions.


 

 

Poder pensar a inclusão das ações de saúde mental na atenção básica é consequência de sucessivas conquistas de dois importantes movimentos: reforma sanitária e reforma psiquiátrica brasileira. O primeiro garantiu, acima de tudo, o direito à saúde e o acesso universal e integral aos serviços e ações do setor. O segundo vem garantindo a reinserção social das pessoas em sofrimento psíquico que, desde muito tempo, foram excluídas da sociedade, do padrão de “normalidade” estabelecido.

A Reforma Sanitária culminou na reorganização da assistência por meio do modelo da atenção primária à saúde, enquanto a reforma psiquiátrica culminou no surgimento de um novo campo de atuação, a saúde mental, representado, na assistência, pelos serviços substitutivos. Mas como todo movimento social que se caracteriza pela incessante construção e reconstrução de possibilidades, a mais recente aposta do campo da saúde mental é incluir-se no nível primário da atenção.

A inclusão das ações de saúde mental na atenção básica extrapola o nível de atenção específica ao atendimento das demandas mais graves de sofri¬mento psíquico, como as encontradas nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), ambulatórios especializados, hospitais-dias, entre outros, e se incorpora na porta de entrada do sistema de saúde. Ou seja, aliando os ideais dos movimentos, é chegada a hora da loucura voltar para o lugar de onde ela surgiu, na comunidade, na família, nas relações cotidianas dos sujeitos.

De acordo com Ministério da Saúde - MS (BRASIL, 2003), nem sempre a atenção básica apresenta condições para atender às demandas em saúde mental, devido à falta de recursos de pessoal e à falta de capacitação da equipe, não obstante o empenho do Ministério em disponibilizar recursos para a capacitação na área, conforme o relato de 29 cursos de especialização; dezenas de cursos de capacitação em saúde mental e álcool e outras drogas; e 21 núcleos regionais em funcionamento, realizando cursos de atualização e especialização para trabalhadores da atenção básica e trabalhadores dos Centros de Atenção Psicossocial, no período de 2002 e 2006.

Buchele et al. (2006), ao entrevistarem profissionais integrantes de equipes de Saúde da Família de um município da Grande Florianópolis, puderam observar, dentre outros dados, que muitos acreditam que a assis¬tência em saúde mental está relacionada com a assistência especializada, e que, portanto, não cabe a eles resolver. Observaram que a equipe não se julga capacitada para atuar na área da saúde mental e que há uma tendência terapêutica que privilegia a medicalização do doente e da doença em detri¬mento de outras modalidades terapêuticas. Ainda constataram a existência de uma concepção da assistência prestada em saúde mental com base na separação por diagnóstico, o que evidencia o processo de institucionalização e asilamento e favorece a lógica do encaminhamento aos hospitais psiquiá¬tricos.

No mesmo sentido, Onocko-Campos et al. (2007) apontaram que a exp¬eriência de atendimento e acolhimento das demandas de saúde mental na rede básica é constatada por 56% das equipes da saúde da família 2. Entretanto, as experiências relatadas não se direcionam ao sofrimento subjetivo relacio¬nado a outras circunstâncias, como o próprio adoecer, ou decorrente da situação socioeconômica, agravada pela desigualdade, ou às situações corri¬queiras do cotidiano; somente ao “transtorno psiquiátrico instalado”.

Assim, cabe avaliar se as ações da Atenção Básica que se destinam aos aspectos subjetivos, ou seja, à saúde mental, atingem o compromisso de atender de forma adequada, resolutiva e por uma equipe capacitada a essas demandas de maneira a manter esse âmbito da rede como base para promover a saúde em seus amplos aspectos. Cabe também ressaltar o papel da atenção básica como fonte primeira de atenção à saúde mental e, desta forma, o papel das unidades de saúde nesse processo de orientação e cuidado do usuário dentro da rede. Neste sentido, tendo em vista que o município de Florianópolis está reorganizando a sua rede de saúde mental, inserindo-a na atenção básica, o presente estudo pretende identificar como a atenção primária tem desenvolvi¬do as ações de saúde mental nesse contexto.

 

ATENÇÃO PRIMÁRIA E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde realizada em Alma-Ata, em 1978, propõe, em âmbito internacional, a discussão sobre a necessidade de os cuidados primários de saúde constituírem a chave para que todos os povos atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva, como parte do desenvolvimento, em um espírito de justiça social, tendo, portanto, como foco principal a comunidade de forma global. Esta forma de cuidado, o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, representaria o primeiro elemento dentro de um sistema continuado de assistência.

A passagem a seguir, retirada da declaração de Alma-Ata (1978), apresenta de maneira sintética como esse nível do cuidado deve ser compreendido:

(...) os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas em alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de auto¬confiança e automedicação. (p. 1)

Tendo em vista os principais problemas de saúde da comunidade, a atenção primária direciona-se, a partir da proposta advinda dessa declaração, no sentido de oferecer serviços de proteção, cura e reabilitação conforme as necessidades locais, incluindo ações de educação em saúde, prevenção e controle de doenças, promoção de condições de saúde mais adequadas, além do tratamento de doenças e lesões comuns, envolvendo demais setores além da saúde. A comunidade atuaria de forma participativa no planejamento, na organização, na operação e no controle dos cuidados primários da saúde.

De acordo com MS (BRASIL, 2003), as ações de saúde mental na atenção básica, fundamentadas nos princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e de atuação transversal com outras políticas específicas e buscar o estabelecimento de vínculos e acolhimento.

Essas ações se direcionariam no sentido de promover a saúde da comuni¬dade em um diálogo com os demais setores e sociedade, de prevenir futuras situações de sofrimento intenso e afastamento de seu meio, prestando, assim, apoio, escuta, orientação e cuidado aos indivíduos em situação de sofrimento e vulnerabilidade, além de atuar na reabilitação de pessoas que estão subme¬tidas a tratamento e cuidados especiais.

Teriam como princípios, além da noção de território e a organização da atenção à saúde mental em rede, a intersetorialidade, a reabilitação psicossocial, a multiprofissionalidade, a interdisciplinariedade, a desinstitu¬cionalização, a promoção de cidadania dos usuários e a construção de autono¬mia possível de usuários e familiares. O apoio matricial 3 atuaria nessa rede como arranjo organizacional para suporte técnico em áreas específicas às equipes de saúde das unidades, corresponsabilizando-se por determinados casos de maneira a excluir a lógica dos encaminhamentos, aumentando assim a resolutividade dos problemas em saúde mental na atenção primária.

Ao analisar essas ações e seu impacto no processo do adoecer psíquico, destaca-se a responsabilidade da atenção primária no papel de grande promotora da saúde dentro da rede, pois é neste contexto, das situações corriqueiras, do dia-a-dia, que se desenrolam e se enfrentam as dificuldades dos relacionamentos, onde se deve estar apto a resistir às condições desfavorá¬veis (econômica, social, física, psíquica), muitas vezes degradantes, que acom¬panham a experiência de muitos. É neste local onde emerge o sofrimento que ele deve ser considerado, abordado, atendido.

Dimenstein et al. (2005) consideram que a inserção da saúde mental nesse nível de atenção é estratégia importante para a reorganização da aten¬ção à saúde, na medida em que rompe dicotomias como saúde/saúde mental, exigindo a produção de práticas dentro do princípio da integralidade, inibindo a fragmentação, a parcialização do cuidado, concebendo o indivíduo de forma sistêmica e elegendo a família como locus privilegiado da intervenção.

 

OBJETIVOS

O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a forma como se estrutura a atenção à saúde mental desenvolvida pela atenção primária no município de Florianópolis. Seus objetivos específicos dividem-se em: conhecer as ações em saúde mental desenvolvidas nessas unidades nos âmbitos da promoção, da prevenção e do cuidado da saúde; conhecer as demandas em saúde mental mais frequentes nas unidades pesquisadas; conhecer os motivos de encaminhamento e o destino dos pacientes encaminhados; conhecer a articulação das unidades com os outros dispositivos da rede (equipe regional de saúde mental, CAPSs, hospitais psiquiátricos, comunidade); analisar se as unidades investem em atividades de capacitação que enfoquem as questões referentes à saúde mental; e analisar de que forma o acolhimento e o apoio matricial são realizados.

 

MÉTODO

Este trabalho trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, descritiva explo¬ratória, que visa fazer um diagnóstico da atenção em saúde mental no contexto da atenção primária no município de Florianópolis. A pesquisa teve como objetos de análise as atividades desenvolvidas nas Unidades Locais de Saúde no âmbito da saúde mental. Para analisar as atividades desenvolvidas pelas equipes, optou-se por obter informações dos coordenadores de cinco unida¬des de saúde, uma em cada regional, selecionadas a partir dos seguintes critérios: ser uma unidade de grande porte, que desenvolvesse ações de atenção à saúde na lógica da Estratégia Saúde da Família e no modelo tradicional e que não estivesse amparada por projetos da universidade. O fato de ser uma unidade de grande porte justifica-se pela pressuposição de que o local teria maior volume de atendimento e, portanto, os aspectos de saúde mental estariam contemplados. O segundo critério buscou contemplar a realidade do município que convive com os dois modelos de atenção nas unidades de saúde, e com isso pretendeu-se assegurar a fidedignidade da abordagem à saúde mental independentemente do modelo de atenção adotado pela equipe. O mesmo se aplica ao terceiro critério de seleção, em que se evitou interferência da abordagem diferenciada de outra instituição – a universidade.

Na coleta de dados das atividades realizadas pelas equipes, optou-se pela técnica de entrevista norteada por um questionário semiestruturado, especialmente elaborado para este estudo e aprovado pela Secretária Municipal de Saúde de Florianópolis. O instrumento de coleta dos dados apresentava 19 questões, agrupadas em três eixos: os aspectos da demanda, os aspectos do encaminhamento dos problemas de saúde mental e as ações de saúde. As entrevistas foram realizadas nas Unidades de Saúde, em horário previamente agendado, e gravadas com permissão dos participantes. Ressal¬ve-se que os itens abordados referiam-se meramente a aspectos administrati¬vos, tendo as pesquisadoras o cuidado de esclarecer inicialmente os objetivos da pesquisa para que os coordenadores se limitassem ao relato, sem emitir opiniões a respeito. Esta abordagem justifica-se pelo fato dessas informações não estarem disponíveis para coleta.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

DEMANDAS

Foram investigadas as ocorrências de queixas em saúde mental nas cinco unidades selecionadas e a resolutividade no atendimento a essas queixas, a partir de três perguntas que abordavam a demanda em saúde mental endere¬çada àquela unidade, a capacidade de absorção dessas demandas pela unidade e a maneira como elas eram atendidas naquele contexto. As unidades foram tomadas como 1, 2, 3, 4 e 5, a fim de facilitar a exposição dos resultados e preservar o anonimato quanto à origem das respostas. A numeração foi escolhida conforme a ordem cronológica de realização das entrevistas.

As demandas foram descritas pelas unidades, seguindo a terminologia diagnóstica médico-psiquiátrica, utilizando-se das categorias nosográficas presentes no DSM IV. Algumas vezes as demandas foram descritas por meio de sintomas, ou falas que denotavam a existência de sofrimento psíquico.

Os relatos dos coordenadores das unidades locais sobre as demandas em saúde mental trouxeram menções a casos de depressão, ansiedade generalizada, dependência química, uso excessivo de medicamentos (benzo¬diazepínicos), esquizofrenia e outras psicoses graves, tentativa ou ideação suicida, insônia, irritabilidade, queixas de medo, continuação de tratamento psiquiátrico, alucinações visuais e, ou, auditivas, transtornos de humor, síndrome do pânico, distúrbios de cunho social, bem como queixas de problemas na escola ou na família, manifestadas por crianças. Dentre as demandas relatadas, a mais citada foi depressão, que apareceu em três das unidades analisadas. Constatou-se que as respostas apontavam para uma avaliação satisfatória do atendimento de grande parte das demandas relatadas. Em algumas unida¬des a resolutividade do atendimento às demandas está representada pelas demandas consideradas leves.

Os resultados encontrados seguem a lógica da complexidade a ser seguida no atendimento em saúde mental, atendendo na atenção básica aos casos considerados mais simples e com resolutividade prevista de 80%, e encami¬nhando para os Centros de Atenção Psicossocial e para internações hospitalares os casos que necessitam de um acompanhamento especial.

Quanto à forma como essas demandas são atendidas no contexto da unidade, foram obtidos relatos de um trabalho de colaboração entre médicos generalistas (e em alguns casos demais profissionais da unidade como enfer¬meiros) e psiquiatras ou psicólogos de referência, na forma de apoio matricial. Também foram descritos casos de profissionais da área, como psicólogos, que atuam na unidade e atendem a essas demandas, fazendo parte do quadro da equipe.

Pôde-se observar nos relatos a presença do psiquiatra ou psicólogo como apoio às ações dos médicos generalistas no atendimento às demandas em saúde mental, sugerindo uma alta resolutividade das demandas nesse local de atenção básica, embora já apareçam nessa fase da entrevista queixas sobre o número insuficiente de profissionais para atender a essas demandas. Esses resultados não estão em conformidade com alguns estudos sobre o tema (BUCHELLE et al., 2006), que apontam para as dificuldades no atendi¬mento à saúde mental na atenção básica de forma a resolver ou atuar de maneira eficiente no apoio e no tratamento dessas demandas.

Cabe também lançar indagações a respeito das demandas relatadas em saúde mental, que quase se resumem aos quadros clínicos diagnósticos fecha¬dos e já instalados, o que pode refletir a ideia de que a atenção à saúde mental se restringe ao atendimento medicamentoso ou terapêutico curativo.

Embora, em algumas das unidades, tenham sido relatadas outras queixas que não se consolidam em um quadro diagnóstico fechado e já instalado, em sua maioria pôde-se observar que características subjetivas são logo convertidas em um perfil diagnóstico, em uma classificação para que o paciente seja dirigido ao tratamento medicamentoso ou terapêutico, com base nessa resolução diagnóstica. Não se questionou neste estudo a utilização da terminologia psiquiátrica para atender e dirigir os tratamentos em saúde mental, mas sim o que é considerado como demanda em saúde mental, uma vez que parece contemplar apenas a doença mental.

ENCAMINHAMENTOS

Nesta parte da pesquisa investigou-se, através de oito questões, a conduta das unidades referente às ações de encaminhamento em saúde mental. Foram investigadas as demandas encaminhadas para outros serviços e aquelas encaminhadas com maior frequência e os locais de encaminhamento e dentre estes o mais frequente destino dos pacientes dentro da realidade de cada unidade de saúde, de acordo com as possibilidades oferecidas para atendi¬mento dessas demandas dentro do sistema de saúde. Foram abordadas também questões referentes ao acompanhamento dos pacientes encaminha¬dos para outros serviços pela equipe da unidade, quanto à realização de parceria com o CAPs e o papel da equipe de apoio matricial, de forma a conhecer a estruturação da rede de atenção, partindo da perspectiva das unidades.

Os encaminhamentos, conforme as respostas trazidas pelos coordenadores das unidades, são realizados, em sua maioria, direcionando o paciente para o psiquiatra ou para o psicólogo da equipe matricial responsável por aquela unidade, que então conduzirá os casos para os locais mais adequados ao atendimento dentro do sistema de saúde. Algumas unidades, segundo relato, encaminham o paciente diretamente para o CAPs e hospitais para internação.

O protocolo de atenção à saúde mental do município de Florianópolis de 2006, ainda utilizado na gestão vigente (2007) e que se espelha na atual política do Ministério da Saúde, traz que a ideia central ao se pensar a equipe de referência em saúde mental é que seus profissionais, em princípio psiquiatra e psicólogo, sirvam de suporte entre a Atenção Básica e os serviços especiali¬zados, como CAPs e hospitais. Portanto, a forma como os encaminhamentos têm acontecido, em sua maioria, está em consonância com as propostas nacional e municipal a serem seguidas.

Ao interrogar os coordenadores quanto à realização, pela unidade local de saúde, de acompanhamento aos pacientes encaminhados para outros serviços de atendimento em saúde mental, as respostas foram três “não” e dois “sim”. As justificativas para o “não” se dividiram entre respostas como: “(...) todos os tratamentos psiquiátricos que tenham necessidade são feitos através ou do médico de família ou do nosso psiquiatra, a gente não faz encaminhamento pro CAPs”. Ou então como os dois outros coordenadores que afirmaram não haver em sua unidade nenhum trabalho de contrarrefe¬rência formal, e que as informações que se tem sobre os pacientes encaminha¬dos são decorrentes de seu retorno à unidade para tratamento de outras queixas clínicas, embora haja meios para acompanhá-los através do sistema informatizado da unidade. Já as respostas “sim” revelaram as mesmas práticas das unidades que responderam “não” quanto a acompanhar seus pacientes encaminhados a outros serviços de saúde, porém atribuíram ao fato de obterem tais informações de maneira informal tratar-se de acompanhamento, sendo estas informações obtidas através do retorno desses pacientes para consulta de outras queixas que não as em saúde mental, ou devido às informações recebidas por seus familiares.

Quanto à investigação sobre a atuação da unidade juntamente com o Centro de Atenção Psicossocial, os resultados demonstraram em sua maioria a inexistência de um trabalho em parceria consolidado entre as unidades e esse serviço, salvo as exceções de duas unidades. Um dos dois coordenadores relatou haver cooperação entre esses dois níveis de atendimento pelo fato de haver proximidade física: “(...) a gente tem acesso a eles com bastante frequência e é porta aberta, eles acolhem os pacientes nossos”. Na outra unidade na qual se dispõe também dessa parceria, seu coordenador expõe a forma como os encaminhamentos ocorrem em sua unidade, sendo os CAPs locais com grande fluxo de encaminhamentos.

Pôde-se observar que a ausência de parceria entre esses dois serviços refletiu-se também nos relatos sobre a inexistência de acompanhamento aos pacientes durante o tratamento em outros serviços, o que denota a interrupção de sua sequência no momento do paciente retornar à unidade. Por outro lado, houve também relatos de casos em que o CAPs contata a unidade ou a equipe de referência para que estes deem seguimento ao tratamento de um determinado paciente iniciado no centro.

Quanto ao questionamento sobre a presença do apoio matricial atuando na unidade como suporte de suas ações em saúde mental, o que foi constatado é que apenas em uma das cinco unidades avaliadas não se recebe ainda o apoio da equipe de referência, mas isto está em vias de acontecer, segundo o coordenador entrevistado, com o início da atuação de um psiquiatra e de um psicólogo para discutirem os casos, supervisionarem os atendimentos junto aos profissionais da unidade e fazerem o encaminhamento quando necessário.

De acordo com o Protocolo de Atenção à saúde mental de Florianópolis (2006), a proposta de atuação da equipe de referência, serviço implantado no município há dois anos, a contar da data do protocolo, seria que esses profissionais, além de realizarem atendimentos, prestassem assessoria em saúde mental aos demais profissionais das unidades locais de saúde em cada regional, fazendo também a triagem de encaminhamento de casos graves de saúde mental que serão atendidos nos CAPs.

Nas demais unidades que dispõem de matriciamento 4, pôde-se perceber que as atribuições designadas a essa equipe vão ao encontro da proposta do Protocolo de Atenção à saúde mental do município (2006), embora haja nos relatos muitas comprovações de que os profissionais da equipe de referência não atuam em conjunto como uma equipe, e sim separadamente.

É interessante ressaltar nesses relatos como o contato entre a equipe de apoio matricial e a equipe da unidade pareceu se voltar com maior exclusivi¬dade à figura do médico clínico geral, excluindo dessas discussões os demais profissionais de saúde também responsáveis pelo acolhimento e pelas práti¬cas de promoção e prevenção, ações-chave de atuação no nível primário. Um outro ponto relevante é que ao perguntar aos coordenadores sobre a equipe matricial, prontamente a resposta trouxe a atuação do médico psiquiatra, o que reflete também a centralidade atribuída à figura do médico neste contexto da atenção.

Os resultados apresentaram indícios de que, apesar de ser ainda recente a implantação no município das equipes de referência, e que embora essas cinco equipes ainda representem um número insuficiente para suprimir as demandas em saúde mental do município, foram constatadas nesses depoi¬mentos, e em todo decorrer das entrevistas, demonstrações do valor significa¬tivo atribuído à atuação dessas equipes como apoio às ações das unidades voltadas para a saúde mental.

AÇÕES EM SAÚDE MENTAL

Neste item da entrevista, investigaram-se quais ações em saúde mental eram realizadas nas unidades e qual o preparo das equipes em atender às demandas e em realizar essas ações. Foram feitas perguntas abertas sobre o trabalho de promoção à saúde e de prevenção de agravos em saúde mental, além de uma questão fechada, listando as diferentes atividades na área. Indagou-se também sobre a realização, ou não, de acolhimento e como ele é oferecido.

Constatou-se que nas unidades 1, 2, 4 e 5 não ocorre nenhum trabalho voltado para a promoção da saúde mental, conforme ilustra a fala de um dos coordenadores: “Não temos nada de promoção em saúde mental”. Entretanto, uma vez que promoção da saúde não possui uma especificidade (promoção à saúde mental, promoção à saúde bucal, promoção à saúde física), retificou-se a pergunta sobre quais eram as ações de promoção da unidade, de forma genérica. A resposta imediata de que “não existe nada de promoção em saúde mental”, alerta para o conceito de promoção, e até mesmo para os conceitos de saúde e saúde mental que estão implícitos. Não são realizadas ações de promoção à saúde nas unidades, porque não há uma promoção à saúde mental, mas sim promoção à saúde.

Seria possível promover a saúde mental sem promover a saúde física? Seria possível promover a saúde bucal, sem promover a saúde mental? Antes mesmo da discussão acerca do conceito de promoção à saúde que esses dados trazem, faz-se necessário refletir sobre o conceito de saúde e saúde mental intrínsecos a ele. Pois, na mesma medida em que essas unidades “não têm nada de promoção em saúde mental”, elas têm atividades de promoção à saúde. Essas atividades foram relatadas como grupos de hipertensos, diabéticos, tabagismo, adolescentes, gestantes e de nutrição, visitas domiciliares, reuniões na comunidade e atividades educativas. A questão que se coloca é se isso não é promover saúde mental também? Entendendo-se que não, reproduz-se a dicotomia cartesiana corpo e mente como se um funcionasse independente do outro. A superação dessa dicotomia parece ser algo banal a ser discutido, uma vez que, em meios acadêmicos, acredita-se estar superada. Porém, vê-se que não está.

Além disso, pode-se inferir também que a saúde mental está entendida, nesses dados, como uma especialidade, como uma área específica para tratar da “doença mental”. Ela não está contida num conceito ampliado de saúde guiado pelo princípio da integralidade, onde se deve ver o sujeito em todos os seus aspectos, do funcionamento orgânico às condições socioeconômicas, passando pelas relações familiares e, por fim, chegando à dimensão subjetiva do sujeito, aos significados atribuídos a tudo isso, aos desejos e conflitos.

Diferentemente da resposta imediata das outras unidades, na unidade 3 o coordenador relatou ter grupos de tabagismo e relaxamento como atividades de promoção à saúde. Não se pode negar que grupos como os de tabagismo, hipertensos e diabéticos possam vir a ser uma ação de promoção à saúde, mas isso depende muito do objetivo e da forma como eles são trabalhados. Vale salientar que a despeito de este não ter sido o foco na pesquisa, entende-se que promoção à saúde não é a simples ideia de lidar com a doença e suas restrições, mas a capacidade do indivíduo gerir sua própria saúde, fazer escolhas e buscar seus direitos.

A ideia de lidar com a doença, de evitá-la a prevenir e as suas complicações está contida no conceito de prevenção, conceito que foi abordado nas entre¬vistas. Os coordenadores das unidades 1, 4 e 5 relataram não ter nenhum trabalho de prevenção de agravos em saúde mental. A fala de um deles pode “ilustrar: Saúde mental, normalmente, é à parte do nosso trabalho. Aí é um trabalho que faz toda a equipe de saúde mental. Nós não fazemos nada a respeito de saúde mental para fazer prevenção”. Pode-se ver de novo, nesta fala, a saúde mental sendo encarada como especialidade; por não ser da alçada dos diferentes profissionais, encaminha-se, ao passo que se esquece da integralidade do sujeito, desresponsabilizando-se.

Já os coordenadores das unidades 2 e 3 trouxeram como ações de preven¬ção de agravos em saúde mental grupos de tabagismo, relaxamento, hiperten¬sos e diabéticos. Ao contrário das outras unidades que também oferecem esses grupos, mas os consideram como ações de promoção em saúde (como já discutido anteriormente), nessas duas unidades eles são colocados como ações de prevenção. Na unidade 3 os grupos de tabagismo e relaxamento foram considerados como ações de promoção e prevenção (foi a mesma resposta para as duas perguntas), no entanto, nota-se que os mesmos grupos e ações são encarados como promoção em algumas unidades e como preven¬ção em outras, o que demonstra uma certa confusão em torno desses dois conceitos.

Listando algumas ações de promoção e prevenção, junto com outras atividades em saúde mental, com o objetivo de investigar quais ações são oferecidas nas unidades, foram obtidos os resultados que se seguem. A atividade oferecida em todas as unidades é a de grupos temáticos, que segundo relato dos coordenadores se referem aos grupos de hipertensos, diabéticos, gestantes, tabagismo e adolescentes. Outras atividades se sobres¬saíram, na medida em que não apareceram somente em uma das unidades pesquisadas, quais sejam: práticas educativas de maneira geral (somente a unidade 3 não a oferece), apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade: desempregados, vítimas de violência, acometidos por doenças crônicas ou degenerativas (somente a unidade 2 não a oferece) e diagnóstico e tratamento medicamentoso na área de saúde mental (somente a unidade 1 não a oferece). Por fim, a atividade de se trabalhar temas como relações familiares, álcool, drogas, violência, suicídio, exclusão social e transtornos mentais nas atividades de grupos existentes também chama a atenção, pois é oferecida somente na unidade 5.

Ressaltou-se o fato de a unidade 1 não oferecer a atividade de diagnós¬tico e tratamento medicamentoso na área de saúde mental. Sabe-se que todas as unidades locais de saúde dispõem desse serviço, uma vez que o médico de família diagnostica e prescreve o medicamento, controlado ou não. Além disso, a unidade 1 é referência de psiquiatria para uma das cinco regionais de saúde do município, ou seja, mesmo que os médicos de família não oferecessem essa atividade, o psiquiatra está lá na sua maior parte do tempo. Mas, mesmo assim, a resposta do coordenador da unidade foi negativa.

Nesse sentido, faz-se necessário refletir acerca de uma limitação deste estudo. Até que ponto essas informações deixam de ser dados institucionais e passam a ser a percepção do coordenador? Esse é um risco ao qual se está sujeito quando se pretende fazer uma pesquisa em saúde mental, pelo menos por enquanto. Pois, diferentemente de outros dados em saúde que são coletados e sistematizados periodicamente, além de serem disponibilizados publicamente, não existem muitos dados em saúde mental. O máximo que se consegue utilizar de dados secundários nessa área são os números de internações psiquiátricas nos hospitais através do Sistema de Informações Hospitalares (SIH). Sendo assim, em saúde mental, tanto os dados qualitativos quanto os quantitativos, só são possíveis de serem coletados da forma como se fez nesta pesquisa. Tal dificuldade é tão presente nos meios acadêmicos que, segundo MS (2003), uma das propostas de inserção das ações de saúde mental na atenção básica é inseri-la também no SIAB (Sistema de Informações da Atenção Básica), criando indicadores de saúde mental.

No que se refere à implantação do acolhimento, nas unidades 1, 3 e 4 ele é oferecido; na unidade 2, a oferta é parcial; e na unidade 5, não se faz acolhimento. Ao questionar de que forma o acolhimento é oferecido nas unidades onde ele é oferecido, encontraram-se respostas como:

Acolhimento nesse caso de saúde mental é feito diretamente através do médico (unidade 1). Embora não tenhamos espaço para isto, para casos clínicos faze¬mos no corredor, quando é mais íntimo fazemos na salinha da triagem (unidade 3).

Ele é oferecido em equipes constantes, em todo o período que a unidade está aberta tem sempre um técnico, um enfermeiro e a equipe médica se divide. São cinco médicos, cada um tem cinco vagas, por período, reservadas para o acolhimento (unidade 4).

Partindo do pressuposto de que o acolhimento é a humanização da prática, caracterizado por uma escuta qualificada e inclusiva, que cria e estabelece vínculo, acolhendo os diferentes afetos manifestados, podem ser constatadas algumas deturpações desse conceito nos relatos anteriores. Na fala do coordenador da unidade 1, além de o acolhimento possuir um endereço: “Acolhimento nesse caso de saúde mental...”, ele é feito pelo médico. Em outros casos, o indivíduo pode ser atendido por outros profissionais? Sem falar que para chegar até o médico o usuário do serviço passou pela recepção e alguém pode tê-lo acolhido lá mesmo. Acolhimento não tem endereço e nem formação profissional, mas sim disponibilidade, responsabilidade e vínculo.

Nas outras duas falas (coordenadores das unidades 3 e 4), pôde-se ver uma certa preocupação dos coordenadores em oferecer o acolhimento, na medida em que o fazem no espaço que estiver disponível e durante todo o período de atendimento. Entretanto, ainda assim, observa-se uma institu¬cionalização do acolhimento, como se houvesse hora, profissional e espaço predeterminados para poder oferecê-lo. Segundo Pereira (2006), “as equipes de saúde frequentemente deparam-se com questões como: quem acolhe? qual é o horário do acolhimento? em qual lugar? Tais perguntas mostram, muitas vezes, a dificuldade de apreensão, por parte dos trabalhadores, do que vem a ser o acolhimento” (p. 4). Ou seja, antes de qualquer coisa, acolhimento é postura e não mais um tipo de consulta que os profissionais são obrigados a fazer e a reservar espaços em suas agendas. Acolher significa acolher uma tristeza mórbida, uma alegria euforizante, uma dúvida pertur¬badora, uma espera angustiante, uma grosseria estúpida; tais afetos não têm hora para acontecer.

AVALIAÇÕES E PROJEÇÕES

Foram feitas quatro perguntas para investigar as avaliações e projeções acerca do atendimento em saúde mental nas unidades, quais sejam:

Quais são os problemas enfrentados pela equipe e unidade para desenvolver ações da área de saúde mental?; O que poderia ser implantado para trazer maior resolutividade ao atendimento das demandas em saúde mental na unidade? A unidade está preparada para dar assistência às demandas em saúde mental? Os profissionais da unidade participam de atividades de educação continuada ou de capacitação em saúde mental?

Com relação ao preparo, o coordenador da unidade 1 respondeu que sim, pois “temos um psiquiatra, temos uma psicóloga”. Nas unidades 2 e 5, as respostas foram negativas porque faltam profissionais capacitados para esta demanda. Já nas unidades 3 e 4, os coordenadores responderam que estão preparadas em parte, conforme elucidam as respectivas falas:

Em relação aos profissionais sim, mas em relação à estrutura física não, é precário. O psiquiatra utiliza a sala da administração (ambiente insalubre, servidor) e a psicóloga utiliza uma sala emprestada no Centro Comunitário (unidade 3).

Porque eu acho que os médicos de família e os clínicos não estão preparados para atender os pacientes psiquiátricos. Esquizofrêni¬cos, os pacien¬tes mais graves eles precisam de um treinamento para poder atender. Não é a especialidade deles. Então eles preci¬sam passar por esse aperfeiçoa¬mento (unidade 4).

Apesar de se ter obtido somente uma resposta afirmativa, pode-se consi¬derar que, na unidade 3, as equipes também se sentem preparadas para o atendimento na área, uma vez que a fala do coordenador se refere ao espaço físico, e não aos profissionais. Assim, considerando as respostas positivas dos coordenadores das unidades 1 e 3, não se pode deixar de ressaltar que ambas são referência de psiquiatria para as suas regionais e ambas evidenciam a presença dos dois profissionais da saúde mental: psicólogo e psiquiatra.

Na medida em que as respostas positivas trazem como justificativa a presença desses profissionais e as respostas negativas justificam exatamente o oposto, não estão preparadas porque não possuem profissionais capacitados, evidencia-se que a presença mais assídua e periódica (ou talvez fixa) da equipe de saúde mental nas unidades auxilia no atendimento às demandas.

A resposta do coordenador da unidade 4 pode apontar para uma preocu¬pação de corresponsabilização na medida em que considera importante que os médicos de família e clínicos passem por algum treinamento ou aperfeiçoa¬mento em saúde mental. Contudo, tal fala coloca outro problema: saúde mental não é apenas uma questão de especialidade, mas será que é, somente, uma questão médica? Ou, qual face da saúde mental está sendo abordada: medicamentos, escuta, vínculo?

A discussão realizada até aqui também aparece nos resultados da questão sobre os problemas enfrentados para desenvolver ações em saúde mental. O coordenador da unidade 1 não se sentiu capacitado para responder tal pergunta, “porque eu não acompanho a saúde mental”. De novo, retoma-se a discussão feita anteriormente da percepção do coordenador se sobrepor aos dados institucionais. Na unidade 2, a dificuldade apontada foi em relação à própria teoria e prática da área, uma vez que os profissionais não se preparam para isso nem na graduação e nem quando chegam à unidade. Destacando, também, o fato de a referência em saúde mental e o apoio matricial não serem específicos na sua unidade, o que acaba por não dar conta de tantas demandas. Os problemas trazidos pelo coordenador da unidade 3 foram pouco espaço físico e pouca colaboração dos médicos do PSF, que parecem não estabelecer critérios de encaminhamento: “O médico não deve apenas encaminhar o paciente que pede para ser encaminhado ao psiquiatra ou psicólogo, mas deve se interar do caso e saber se é motivo de encaminhamen¬to”.

A dificuldade de estabelecer critérios de encaminhamento, a falta de apoio de um especialista para discutir os casos e a falta de um espaço de educação continuada em saúde mental para as equipes como um todo foram os problemas apontados pelo coordenador da unidade 4. Por fim, a unidade 5 não destoou das anteriores, e o coordenador trouxe os seguintes problemas: não ter o profissional junto para ajudar, a demanda ser muito grande e o tempo de consulta ser limitado.

No que se refere aos problemas enfrentados pelas unidades observou-se, mais uma vez, a ocorrência da falta de profissionais nas unidades e da falta de espaços de educação continuada. Conforme se encontra na literatura (BUCHELE et al., 2006), os dados direcionam para o despreparo dos profis¬sionais da atenção básica, mas apontam, positivamente, para uma preocupação em aprender, discutir e corresponsabilizar-se pelas demandas em saúde mental. A necessidade de mais profissionais da área parece estar aliada não somente ao atendimento da enorme demanda da população, mas também à demanda de educação e suporte dos profissionais.

Além disso, três dados contribuem para outras discussões. Pouco espaço físico, pouca colaboração dos médicos do PSF e tempo limitado de consulta são problemas tão difíceis de superar quanto os anteriores. As unidades, além de serem pequenas, são desenhadas na lógica dos atendimentos indivi¬duais; dificilmente encontra-se uma unidade que tenha uma sala para atendi¬mento em grupo. Por isso, a psicóloga, como relata o coordenador da unidade 3, precisa de uma sala emprestada no Conselho Comunitário.

A pouca colaboração dos médicos não pode ser generalizada. É até interes¬sante apontar que alguns coordenadores entrevistados, eles mesmos, são médicos. Mas a prática da Medicina é marcada por profissionais que pouco dialogam e muito dominam. Aliado a isso, está o tempo limitado da consulta, que por um lado tem a ver com essa prática médica e, por outro, responde à lógica capitalista de produtividade.

Em suma, os problemas enfrentados no atendimento às demandas de saúde mental são os mesmos enfrentados em outros âmbitos da saúde pública. São todas questões que dependem da ideologia e da boa vontade dos gestores. Se o problema mais evidenciado aqui foi a falta de profissional de saúde mental em cada unidade, por que não se tem isso até hoje? A inserção de outros profissionais, não só dos chamados profissionais de saúde mental, amplia o leque de possibilidades de resolutividade da rede básica, inserindo novos olhares, perspectivas e intervenções.

Na mesma direção, as respostas sobre o que poderia trazer maior resoluti¬vidade ao atendimento em saúde mental apontam possíveis soluções e algumas projeções. O coordenador da unidade 1 apostou num maior número de recursos humanos, enquanto nas unidades 2 e 3, os coordenadores ratifica¬ram as suas respostas da pergunta anterior:

Atendimento localizado no posto, nem que seja apenas um período como a psicóloga. Apoio dos profissionais especializados em saúde mental. Mais cursos sobre o assunto (unidade 2).

Educação continuada, mais profissionais na saúde mental, maior participa¬ção de todos os demais funcionários da área da saúde para que saibam como funciona o fluxo e para saber como dar informação correta, mais espaço físico também (unidade 3).

O coordenador da unidade 4 insistiu na implantação e garantia de espaços de educação continuada entre as equipes de saúde mental e saúde da família: As equipes de matriciamento funcionarem de verdade. Somado a essas soluções apontadas até aqui, na unidade 5, também se sugeriu a implantação de mais grupos onde o psicólogo possa atuar junto aos demais profissionais da equipe de saúde da família e a implantação efetiva do acolhimento.

As soluções levantadas alternam entre mais recursos humanos e espaços de educação continuada. Este fato é apontado, algumas vezes, como algo que vem acontecendo ou que está em fase de implantação, o que caracteriza as projeções como positivas, pois são esperados avanços na proposta de apoio matricial da saúde mental e na contratação de mais funcionários.

Finalizando os resultados, a última pergunta, referente à participação dos profissionais em atividades de capacitação e educação continuada, foi sendo respondida ao longo de todo tópico.

Os coordenadores das unidades 1 e 5 responderam que sim, mas que somente os profissionais da saúde mental participam dessas atividades quando tem algum curso sendo ofertado, ou pela secretaria ou fora dela. Já nas outras unidades, 2, 3, e 4, os coordenadores responderam que os profissionais não participam deste tipo de atividade: “Até agora não tivemos nenhum preparo, nenhuma jornada, nenhum congresso, nenhum fórum que fizesse parte desse treinamento. Acho que isso já tá em discussão na instituição, já tão preparando esse aperfeiçoamento (unidade 4)”.

Essas respostas vão ao encontro dos problemas relatados anteriormente e às projeções esperadas. Podem-se ampliar as ações em saúde mental na atenção básica indo além do atendimento à população, e incluindo e garantindo, nas agendas dos profissionais de saúde mental, o suporte aos profissionais que estão na porta de entrada do sistema de saúde.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa alcançou os objetivos propostos, uma vez que seus resultados apresentaram uma hipótese diagnóstica da atenção à saúde mental no contex¬to da atenção primária no município de Florianópolis, a partir da análise das ações realizadas em unidades locais de saúde.

Os resultados indicaram o fato de que embora seja ainda recente a implan¬tação no município das equipes de referência e que estas equipes ainda representem um número insuficiente para suprimir as demandas em saúde mental do município, foram recorrentes, nos relatos, demonstrações do valor significativo atribuído à atuação dessas equipes como apoio às ações das unidades voltadas para a saúde mental.

Com isso, pôde-se concluir que nessa fase de inclusão das ações de saúde mental na atenção básica, primeiro com o início da atuação das equipes de referência em saúde mental, em seguida com a inserção da estratégia do matriciamento, a política municipal tem buscado atender às diretrizes estabele¬cidas. Aponta-se, ainda, como uma possibilidade futura o atendimento das outras estratégias: formação como estratégia prioritária e inclusão da saúde mental no SIAB.

 

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Artigo recebido em: 28/1/2009
Aprovado para publicação em: 4/9/2009

 

 

1 Este artigo apresenta dados obtidos em pesquisa para obtenção do grau de especialista em Saúde Pública pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, em 2007.
2 Dados apresentados pelo Levantamento do Departamento de Atenção Básica em Seminário Internacional sobre saúde mental na atenção primária – OPAS/MS/Universidade de Havard/UFRJ, abril de 2002.
3 Segundo a OMS (2003), o apoio matricial da saúde mental ás equipes da atenção básica constitui um arranjo organizacional que visa outorgar suporte técnico nesta área específica.
4 Embora o termo utilizado seja “matriciamento” (modelo de atenção em saúde mental do município), o Protocolo de 2006 traz o termo “equipe de referência”.
* Psicóloga, especialista em Saúde Pública e mestranda em Psicologia pela UFSC. Rua Tereza Lopes, 316, apto 302, Campeche, Florianópolis-SC. 88.066-065, daianapaulam@yahoo.com.br
** Psicóloga, especialista em Saúde Pública, especialista em Saúde Familiar, psicóloga do CAPSad/Florianópolis, liviafontana@gmail.com

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