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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2023  Epub 03-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.79282 

CLIO-PSYCHÉ

Apontamentos Históricos do Conceito de Esquizofrenia em Escritos de Vigotski (1930-1934)

Historical Notes on the Concept of Schizophrenia in Vygotsky’s Writings (1930/1934)

Apuntes Históricos sobre el Concepto de Esquizofrenia en los Escritos de Vygotsky (1930/1934)

Luan Filipy Freire Torres* 

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas.


http://orcid.org/0000-0001-5820-2367

Oswaldo Lucas Serra Santos** 

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas.


http://orcid.org/0000-0003-1731-5773

Raíssa Matos Ferreira*** 

Psicóloga, graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas, doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Alagoas


http://orcid.org/0000-0003-3421-2899

Adélia Augusta Souto de Oliveira**** 

Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, docente pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia na Universidade Federal de Alagoas


http://orcid.org/0000-0001-5635-1510

*Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

**Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

***Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil

****Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil


RESUMO

Este artigo descreve os indícios históricos de proposições teóricas vigotskianas sobre o conceito de esquizofrenia, as quais são, comumente, apresentadas por meio de estudos de seus sintomas com intuito primordial de teorizar sobre a estrutura e funcionamento da consciência em seu desenvolvimento normal. A coleta de dados da descrição foi realizada, em 2020, em diversas plataformas de publicação de artigos e de livros em fonte secundária, com os descritores “esquizofrenia” e “Vigotski”, bem como de recentes escritos divulgados e traduzidos do autor, em fontes primárias. Os resultados indicam que os sintomas da esquizofrenia são decorrentes da desintegração do pensamento por conceitos que, por conseguinte, interferem de maneira deletéria na afetividade e consciência da realidade; que, na adolescência, o pensamento conceitual, em sua estrutura, apresenta o anterior superado; que o desenvolvimento é a chave para entender os processos patológicos, os processos de dissociação das sínteses, das unidades superiores. Conclui-se que as contribuições vigotskianas sobre a esquizofrenia apontam para a interdependência da formação e da deformação das funções psicológicas superiores, especialmente na adolescência.

Palavras-chave: Vigotski; esquizofrenia; psicologia.

ABSTRACT

This article describes the historical evidence of vygotskian theoretical propositions about the concept of schizophrenia, which are commonly presented through studies of its symptoms with the primary intention of theorizing about the structure and functioning of consciousness in its normal development. The search of description data was carried out, in 2020, on several platforms for publishing articles and books in secondary sources, with the descriptors “schizophrenia” and “Vygotsky”, as well as recent published and translated writings of the author, in primary sources. The results indicate that the symptoms of schizophrenia result from the disintegration of thought by concepts that, therefore, interfere in a deleterious way in affectivity and awareness of reality; that, in adolescence, the conceptual thought, in its structure, presents the previous overcome; that development is the key to understanding pathological processes, the processes of dissociation of syntheses, of superior units. We conclude that vygotskian contributions on schizophrenia indicate the interdependence of formation and deformation of higher psychological functions, especially in adolescence.

Keywords: Vigotski; schizophrenia; psychology.

RESUMEN

Este artículo describe los indicios históricos de las proposiciones teóricas de Vygotsky sobre el concepto de esquizofrenia, las cuales comúnmente se presentan a través de estudios de sus síntomas con la intención primaria de teorizar sobre la estructura y el funcionamiento de la conciencia en su normal desarrollo. La recolección de datos de la descripción se realizó, en 2020, en múltiples plataformas para la publicación de artículos y libros en fuentes secundarias, con los descriptores “esquizofrenia” y “Vygotsky”, así como escritos del autor publicados y traducidos recientemente, en fuentes primarias. Los resultados indican que los síntomas de la esquizofrenia resultan de la desintegración del pensamiento por conceptos que, consecuentemente, interfieren de manera deletérea en la afectividad y la conciencia de la realidad; que, en la adolescencia, el pensamiento conceptual, en su estructura, presenta la superación anterior; ese desarrollo es la clave para comprender los procesos patológicos, los procesos de disociación de las síntesis, de las unidades superiores. Se concluye que las contribuciones de Vygotsky sobre la esquizofrenia apuntan a la interdependencia de la formación y deformación de las funciones psicológicas superiores, especialmente en la adolescencia.

Palabras clave: Vigotski; esquizofrenia; psicologia.

O presente artigo objetiva uma aproximação conceitual da esquizofrenia, a partir de textos de Vigotski 1. Seu silêncio nas obras, traduzidas até o momento, tem sido uma inquietação nos grupos de pesquisa que estudam a obra do autor, interessados na implicação clínica da abordagem vigotskiana (Aquino & Toassa, 2019; Souza & Silva, 2018; Tuleski, 2019).

Importa destacar aspectos biográficos do autor, em conexão com sua obra, especialmente, referente à temática de nosso interesse 2. Assim, Lev Semyonovitch Vigotski nasceu em 1896, na cidade de Orsha, na Bielorrússia, e se graduou na Universidade de Moscou, em 1917, ano em que começou a lecionar Psicologia em uma escola em Gomel até 1923. No ano seguinte, se mudou para a capital russa, onde criou o Instituto de Estudos das Deficiências e dirigiu o Departamento de Educação de Crianças Deficientes Físicas e Retardadas Mentais 3, em Narcompros. Até sua morte precoce em 1934, devido a uma tuberculose, Vigotski se dedicou a estudar anormalidades físicas e mentais junto a grupos de jovens cientistas da psicologia (Luria, 1991).

De acordo com Berenchtein Netto e Leal (2013, p. 74):

Vigotski e seus colaboradores começam a desenvolver os fundamentos de uma psicologia fundada no Materialismo Histórico Dialético, que ao lado de suas investigações experimentais trouxeram inúmeras contribuições para os estudos e a educação de crianças com diferentes tipos de deficiência.

Nessa direção, a teoria avança, com a apropriação da concepção de Engels sobre o trabalho e de como o homem se utiliza de instrumentos para transformar e ser transformado pelo meio. Permite assim, desenvolver sua teoria, cujo ponto principal era de que essa mediação homem-ambiente, proporcionada pelos signos (números, linguagem e escrita) que, análogos aos instrumentos, foram criados pela sociedade e provocam mudanças nas estruturas da mesma (Cole & Scribner, 1991).

A teoria vigotskiana, então, propõe em sua essência, que os fenômenos sejam estudados como processos em constante mudança, de forma que cabe ao cientista resgatar, tanto o início quanto o percurso de cada um desses fenômenos, caracterizados por suas alterações qualitativas e quantitativas (Cole & Scribner, 1991).

Até o momento, identificamos que Vigotski, ao longo dos seus trabalhos, onde abordou diretamente o tema da esquizofrenia, não apresentou uma definição do fenômeno; ao invés disso, buscou abordar as manifestações comumente apresentadas da doença e se indagava como o estudo desses sintomas poderia auxiliar no entendimento da estrutura e funcionamento da consciência em seu desenvolvimento normal. Sem dúvida, o autor destaca sua origem no social, assim como o faz com as funções psicológicas superiores. No entanto, Vigotski admite que não fez estudos etiológicos acerca da doença, trabalhando com sintomas que eram causados pela esquizofrenia e não causadores da mesma (Vygotsky, 1933/1987).

Por outro lado, as temáticas trabalhadas por Vigotski, na psicologia, apontam para esse interesse, desde sua produção sobre as crianças com “retardo mental”, a partir do ano de 1924, conforme indicam Bein et al. (1997, p. 365, tradução nossa):

Já no primeiro período de sua atividade científica, Vygotski sentiu interesse na personalidade da criança com retardo mental e deficiência física. E em Gomel, durante o período em que trabalhou dando cursos para professores, dedicou toda a atenção aos problemas de ensinar crianças com retardo mental. Ao longo de sua trajetória criativa, Vygotski examinou criticamente teorias sobre o desenvolvimento psíquico de crianças normais e anormais e analisou os vários tipos de anomalias do desenvolvimento. Sua análise foi orientada para descobrir a essência mais profunda da patologia: da gênese dos defeitos primários, à aparição, no processo de desenvolvimento, dos sintomas secundários e terciários; e mais tarde, com base nos vínculos e relações interfuncionais até a compreensão das peculiaridades estruturais da personalidade integral da criança anormal.

Esses temas de interesse de Vigotski, naquele momento, estavam circunscritos à categoria denominada de defectologia na União Soviética. Van der Veer e Valsineer (1991) discorrem que esse termo era utilizado para definir estudos sobre defeitos mentais e físicos. Os principais objetos de pesquisa eram crianças cegas, surdas-mudas, com retardo mental e algumas ditas como ineducáveis. A cooperação de especialistas das áreas de pedagogia, psicologia, psiquiatria e da medicina eram imprescindíveis para o diagnóstico e recuperação desses ditos “defeitos”.

Tendo como pressuposto que, na psicologia de Vigotski (2006), o desenvolvimento da mente humana se dá a partir das funções psicológicas superiores, as quais se desenvolvem no processo decorrente da história social (o meio ou a cultura) e da história individual (escolhas, interesses e afinidades), pretende-se identificar raízes (indícios) teóricas, no pensamento de Vigotski sobre o fenômeno da esquizofrenia, por meio de obras disponíveis, até o momento, e que tivemos acesso. Assim, dedica-se à seguinte questão: Como se apresenta, historicamente, a elaboração conceitual de esquizofrenia no pensamento vigotskiano?

Método

O estudo teórico descritivo, aqui empreendido em concordância com Dainez e Smolka (2014), é uma modalidade de pesquisa que tem como característica a realização de uma análise rígida e coerente, de alguma linha teórica com o intuito de se aprofundar nos conceitos base de determinada teoria ou de algum ponto específico da mesma.

Inicialmente, realizou-se uma busca, no ano de 2020, de artigos em fonte secundária, através do uso dos bancos de dados Scielo, BVS-Psi, Periódicos CAPES, Pepsic e Lilacs, com os descritores “esquizofrenia” e “Vigotski”, sendo que este último teve adaptações feitas por conta das diferentes transliterações do seu nome 4. A busca permitiu identificar três artigos: “A Unidade do Psiquismo Humano para Vigotski e a Desagregação desta na Esquizofrenia” (Tuleski, 2019), “Esquizofrenia, clínica e saúde mental na Psicologia Sócio-Histórica e na psicanálise” (Rabêlo et al., 2018) e “Princípios fenomenológicos da compreensão da esquizofrenia fundamentados em Vigotski” (Costa & Peres, 2018), os quais foram lidos integralmente, com intuito de apropriação do entendimento contemporâneo da esquizofrenia, presentes nesses estudos, bem como identificar o percurso de leitura das obras originais de Lev Semyonovich Vigotski, listadas nas referências bibliográficas, as quais foram utilizadas como base de cotejamento para a presente discussão do tema.

Dessa forma, a partir da leitura das referências, citadas nos artigos referidos acima, selecionamos três textos originais nos quais as palavras “esquizofrenia” e “esquizofrênico” apareciam de maneira relevante, ou seja, que abordam a questão de forma direta e não apenas fazem alguma alusão. São esses: 1) Desarrollo de los intereses en la edad de transición, que compõe o capítulo 9 de Paidologia del Adolescente, presente em Obras Escogidas IV (Vygostki, 1930-31/2006); 2) O artigo The Psychology of Schizophrenia (Vygostky, 1933/1987), publicado na Revista Soviet Psychology e 3) Thought in Schizophrenia (Vygostky, 1934/1994a), que consta no livro The Vygotsky Reader (Van der Veer & Valsineer, 1994).

Os seguintes trabalhos de Vigotski, nos quais trata de esquizofrenia, receberam um tratamento diferenciado e específico: 1) o Capítulo 20 do livro Vygotsky’s Notebook (Zavershneva & Van der Veer, 2018) consiste em uma compilação de anotações pessoais datadas dentre 1931 e 1934 e foi utilizado como um documento de cotejamento das informações, dados históricos e contexto das publicações, presentes nos textos referidos anteriormente; 2) Outro capítulo de The Vygotsky Reader (Van der Veer & Valsineer, 1994), intitulado The Development of Thinking and Concept Formation in Adolescence (Vygostky, 1934/1994b), atendeu, parcialmente, aos requisitos anteriormente citados, sendo, portanto, consultado como complemento, posto que antecede reflexões teóricas importantes de Thought in Schizophrenia (Vygostky, 1934/1994a).

Munidos dos escritos acima elencados, a leitura buscou responder a indagação sobre o modo como Vigotski teorizou a esquizofrenia em sua trajetória autoral.

Um Percurso Histórico do Desenvolvimento do Conceito de Esquizofrenia para Vigotski

Optou-se pela descrição histórica das produções sobre a temática da esquizofrenia propostas pelo autor. Assim, a primeira abordagem identificada está relacionada ao conjunto de textos, escritos entre os anos de 1930 e 1931 (Vigotski, 1930-31/2006), que tratam de discussões de Vigotski acerca do desenvolvimento adolescente.

Desarrollo de los Intereses en la Edad de Transición (Vygostki, 1930-1931/2006)

O texto inicia com ponderações a respeito de algumas funções psicológicas, como memória, atenção e percepção, e de como elas evoluem de forma única e integralizada, sujeitas à sua conexão com um aspecto central, que seria a formação de conceitos.

É nesse período do desenvolvimento humano que Vigotski identifica a passagem do pensamento em complexos para o pensamento conceitual. Entretanto, o segundo não seria uma simples continuação do primeiro. Como ele mesmo adverte, “se trata de uma formação qualitativamente nova, que não pode ser reduzida aos processos mais elementares que caracterizam o desenvolvimento do intelecto em suas etapas prematuras” (p. 60). Essa qualidade nova do pensamento conceitual apresenta, em sua estrutura, a superação do anterior; ou seja, sobrepõe-se a ele, sem destruí-lo ou substituí-lo.

Com a intenção de aprimorar esse posicionamento, o autor defende a necessidade do estudo dos processos patológicos referentes à desintegração dos processos de formação de conceitos e orientação do pensamento que ele descreveu. Aqui podemos identificar a preocupação com a sua posição metodológica. Assim, ele compara esse processo de investigação com o trabalho dos geólogos, que analisam as deteriorações da camada terrestre para descobrir as leis gerais da formação dos solos do planeta e complementa que é a partir dessa investigação que se pode descobrir mais sobre o processo histórico do desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

O desenvolvimento é a chave para entender os processos patológicos, os processos de dissociação das sínteses, das unidades superiores, e a patologia é a chave para entender a história do desenvolvimento e estruturação dessas funções sintéticas superiores (Vigotski, 1930-31/2006, p. 168, tradução nossa).

Partindo desse pressuposto, Vigotski (1930-31/2006) cita a afasia, a histeria e a esquizofrenia - sendo essa a primeira vez que encontramos o termo em nossos estudos - como as três enfermidades que podem ser a chave para a compreensão de como essas funções psicológicas se desenvolvem no adolescente, já que, em todas essas doenças, se poderia observar a deterioração das funções psicológicas que se desenvolvem na idade de transição. Dessa forma, Vigotski parte do sintoma para a compreensão do desenvolvimento do adolescente.

O autor aborda especificamente a esquizofrenia, por meio de um contexto histórico geral sobre a doença, situando que muitos pedólogos, como Kretschmer 5, relacionavam essa doença com a psicologia adolescente. Isso decorre, a partir da compreensão de que o comportamento de um adolescente, marcado por sentimentalismo, desengonço, timidez e excentricidade, tinha bastante semelhanças com o temperamento esquizoide.

Porém, segundo Vigotski (1930-31/2006), a relação da esquizofrenia com o pensamento adolescente poderia ser estabelecida, a partir de outro ponto de comparação: o pensamento por conceitos. De acordo com ele, durante a idade de transição, ocorre a passagem do pensamento por complexos para o pensamento por conceitos, e na esquizofrenia estaria acontecendo o processo contrário, ou seja, o sistema de pensamento por conceitos, já estabelecido, estaria se degenerando e regredindo à forma anterior, o sistema de pensamento por complexos.

Ao comentar e concordar com Storch 6, Vigotski (1930-31/2006) diferencia o pensamento por complexos (“primitivo”) do pensamento conceitual (“desenvolvido”). Essa explicação se apresenta da seguinte maneira: o primeiro tem um caráter mais visual-direto, bastando apenas uma característica em comum entre duas ideias diferentes, para que se faça uma associação entre as duas, e o segundo conseguiu se libertar um pouco desse aspecto visual-direto, conseguindo alcançar relações mais abstratas.

A passagem para o pensamento por conceitos possibilita que o adolescente experiencie uma nova forma de pensar e passe a conhecer novas áreas de conteúdo do pensamento. Para um esquizofrênico, essas novas áreas se fecham e o conteúdo em sua consciência retorna ao sistema antigo de conexões por complexos, causando uma confusão no indivíduo, que está habituado a pensar conceitualmente e agora tem os dois sistemas funcionando ao mesmo tempo (Vigotski, 1930-31/2006). Vigotski aprofunda a relação dos pensamentos por conceitos e por complexos com a esquizofrenia um pouco mais à frente, no texto Thought in Schizophrenia, publicado no ano de 1931.

No entanto, ao tratar especificamente sobre a sintomatologia da esquizofrenia, Vigotski explica que:

Uma vez que como no homem normal toda a consciência da realidade e da própria personalidade está representada no sistema de conceitos, é natural que ao se decomporem e dissociarem, seja destruído também todo o sistema de consciência da realidade e da personalidade. Mudanças no conteúdo do pensamento são o resultado direto da desintegração das funções do pensamento (Vigotski, 1930-31/2006, p. 189, tradução nossa).

Para exemplificar que a alteração na função da formação de conceitos destrói todo o sistema de vivências da realidade e personalidade, causando confusão no pensamento, Vigotski apresenta o relato de um professor que havia sido diagnosticado com esquizofrenia:

Minhas ideias estão tão dispersas e tudo está tão instável que não há nada exato para mim. Meus pensamentos estão confusos, estão permeados de sentimento, tudo se junta, um objeto se transforma em outro, pareço estar sonhando, não consigo me concentrar em nada (Vigotski, 1930-31/2006, p. 190, tradução nossa).

Percebe-se, a partir do relato exposto na citação acima, que existe no pensamento esquizofrênico uma alteração na consciência da realidade juntamente com a função da percepção. Entretanto, não é apenas a forma com que ele experiencia o mundo que é afetada: a própria consciência acerca da personalidade sofre alterações (Vigotski, 1930-31/2006).

Conforme Vigotski (1930-31/2006) aponta, é comum que, em casos de esquizofrenia, haja a desintegração do eu em vários componentes, existindo assim uma similitude com estágios mais primitivos do amadurecimento da personalidade do homem.

O retorno a uma estrutura mais primitiva do ‘’eu’’ não se manifesta apenas na dissociação da personalidade em partes isoladas, mas também na perda da linha divisória entre o ‘’eu’’ e o mundo circundante. A desintegração da consciência da realidade é paralela à desintegração da consciência da personalidade (Vigotski, 1930-31/2006, p. 194).

Pode-se concluir a partir do exposto, nesse texto de Vigotski, que a função de formação de conceitos está relacionada não somente com outras funções como memória, atenção e percepção, como também com o desenvolvimento da personalidade, visto que essa se estrutura a partir de um sistema de conceitos. Sendo assim, na esquizofrenia, quando essa capacidade plena de pensamento mais elevada é perdida, vai-se junto com ela toda uma imagem do mundo, como também a autoconsciência da personalidade (Vigotski 1930-31/2006).

The Psychology of Schizophrenia (Vygostky, 1933/1987)

Nesta obra, publicada em 1933, Vigotski inicia suas reflexões com uma contextualização de como os psicólogos e psiquiatras da época encaravam a esquizofrenia e seus sintomas como algo único e extraordinário que não poderia ser comparado com qualquer outro fenômeno descrito antes. Para ele, a esquizofrenia se apresentava como um exemplo único de um tipo de desenvolvimento e alteração da consciência e de suas funções, podendo assim, ajudar a compreender a organização da consciência em sua normalidade (Vygotsky, 1933/1987). Tal afirmação concorda com o exposto em Vygostki (1930-31/2006), onde o autor defende que o estudo da patologia seria a chave para o entendimento do funcionamento normal da mente.

Antes de chegar ao ponto principal de seu argumento no texto, Vigotski comenta um pouco sobre como os psicólogos e psiquiatras de sua época enxergavam a relação entre a consciência e suas funções, apresentando os dois pontos de vista principais a respeito da ligação entre esses processos. O primeiro é de que a consciência é um atributo abstrato e que é inerente a todos os tipos de atividade mental e inerente a cada função psicológica e a segunda vertente é a de que a consciência é um espaço mental que iria abrigar todas as funções e seria anterior, em termos de desenvolvimento, a todas elas (Vygotsky, 1933/1987).

No entanto, para ele, baseando-se nesses pontos de vista, a psicologia estaria descrevendo a consciência como algo separado de suas atividades, dando mais foco a suas funções e descrevendo-as, ao invés de tentar afirmar algo sobre a consciência em si. Do seu ponto de vista, a psicologia não deveria estudar as atividades da consciência separadamente da própria consciência, já que elas operam em conjunto (Vygotsky, 1933/1987).

Partindo disso, Vigotski comenta que o estudo dessa relação entre a consciência e suas funções de maneira unificada por parte do que ele denominou de psicologia contemporânea trouxe contribuições importantes para o entendimento de algumas patologias, e a maior delas em relação ao estudo da esquizofrenia foi a caracterização da dissociação (Vygotsky, 1933/1987).

Essencialmente, Vigotski define essa função como inerente ao funcionamento normal e patológico da consciência, sendo assim, uma função natural e necessária. Por sua vez, opera juntamente com outras funções como abstração, atenção voluntária e formação de conceitos, da mesma forma que contribui para a gênese de um quadro de esquizofrenia (Vygotsky, 1933/1987).

Juntamente com a possibilidade de estudar a esquizofrenia, sob a luz da função da dissociação, é apresentada outra descoberta a partir da psicologia clínica, realizada por V. A. Vuknov 7, que percebeu nos pacientes esquizofrênicos a existência de um negativo para cada sintoma apresentado pelo sujeito, o contrassintoma (Vygotsky, 1933/1987).

O autor exemplifica a existência dos contrassintomas, em conexão com aspectos afetivos, em pacientes esquizofrênicos da seguinte maneira:

Observamos uma perturbação da afetividade, um embotamento emocional, uma frieza da vida afetiva; mas, ao mesmo tempo, ninguém negaria que os aspectos afetivos adquirem uma importância anormalmente grande no pensamento de um esquizofrênico. Ninguém negaria que os esquizofrênicos tendem ao pensamento abstrato. Mas, por outro lado, um aspecto-chave de seu pensamento é a tendência para um tipo gráfico e primitivo de processos intelectuais (Vigotski, 1933/1987, p. 75, tradução nossa).

Vygotsky (1933/1987) afirma ainda que em sua época, devido à escassez de estudos da esquizofrenia no campo da clínica, não existia uma explicação precisa sobre a estrutura complexa da esquizofrenia, mas que esta resposta poderia ser encontrada a partir da hipótese da estrutura sistêmica e sensorial da consciência.

Para tal compreensão da esquizofrenia, deve se tomar a função da dissociação como qualquer outra função psicológica, o que significa que ela “não permanece inalterada; ela se desenvolve à medida que a consciência se desenvolve, mudando qualitativamente no processo” (Vygotsky, 1933/1987, p. 76). Partindo daí, sabe-se então que essa função serve como uma instância subordinada que trabalha em conjunto com as outras, servindo como uma força de coesão na estrutura psicológica do pensamento em conceitos.

O pensamento por conceitos, por conseguinte, seria o responsável por definir os limites da dissociação e da interação de outras funções psicológicas. Pode-se inferir então, em concordância com o exposto em Vygostki (1930-31/2006) sobre o pensamento por conceitos, que a própria desintegração dessa forma de pensamento conceitual interferiria na definição de limites da dissociação, fazendo com que essa função fique desregulada.

O autor comenta, em seguida, que não deveríamos observar o sujeito com esquizofrenia apenas como um paciente, mas sim prestar atenção no processo de reestruturação e reorganização da personalidade e dos sistemas psicológicos que ocorrem concomitantemente com a perda e desintegração patológica das capacidades semânticas e sistêmicas da consciência. Temos assim que:

O quadro clínico da esquizofrenia nunca pode ser entendido meramente como algo emanando diretamente da revelação das consequências destrutivas do próprio processo, mas deve ser visto como uma reação complexa da personalidade a um processo tão destrutivo para ela (Vygotsky, 1933/1987, p. 77, tradução nossa).

Em síntese, o autor nesse momento, destaca a inter-relação entre as “aparentes” diferenças das funções psicológicas superiores, com ênfase nos aspectos afetivos envolvidos na desestruturação do pensamento e dissociação da consciência, que podem ser observadas no processo de reorganização da personalidade e do pensamento do esquizofrênico.

Thought in Schizophrenia (Vygostky, 1934/1994a)

Esse texto, escrito em 1934, mantém o esforço de Vigotski em discutir, de forma exclusiva, os fenômenos relacionados à esquizofrenia, aprofundando-se na explicação do que seria o pensamento em conceitos e de que forma sua deterioração influenciará na maneira de pensar de um indivíduo com esquizofrenia. Aqui Vigotski (1934/1994) evidencia novamente a importância de integrar a Psicologia Comparativa, a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia Clínica como forma de se compreender o funcionamento de certas funções psicológicas, bem como avaliar a forma com que se desintegram, o que ocasiona patologias.

O autor retoma a comparação feita em Vygostki (1930-31/2006) entre a psicologia do adolescente e a esquizofrenia, tendo como ponto em comum o pensamento por conceitos, já que, enquanto no primeiro o pensamento conceitual está se desenvolvendo, no segundo, está ocorrendo a desintegração dessa estrutura, o que desencadearia os sintomas e perturbações advindos da doença. A relação entre a puberdade e a esquizofrenia, então, não estaria ligada a uma patologização da adolescência, mas sim à semelhança do fenômeno de construção do pensamento por conceitos, uma vez que na esquizofrenia ocorre um processo antagônico, ou seja, a sua destruição.

Através de experimentos descritos ao longo desse texto, Vigotski tenta observar de diferentes ângulos o pensamento por complexos e conceitos no pensamento do esquizofrênico, seja a capacidade de formação de conceitos artificiais, a continuidade ou impermanência do significado das palavras, ou então a observação da modificação desses significados. Num primeiro momento, ele descreve o experimento elaborado, juntamente com seus companheiros, para avaliar a criação de novos conceitos artificiais que só poderiam existir num ambiente experimental, dando como exemplo a utilização de palavras monossilábicas como ‘bik’ e ‘lag’, cujos significados deveriam ser associados a conceitos específicos, como ‘largo e pequeno’, ou ‘largo e alto’, respectivamente (Vygotsky, 1994a).

A partir dos resultados desse experimento foram observadas quatro estruturas associativas, primitivas e anteriores ao pensamento conceitual, as quais Vigotski (1994) denominou de pensamento coletivo, pensamento por complexos em cadeias; pensamento por complexos associativos e pensamento por pseudocomplexos em cadeia. Em todas essas estruturas de pensamento, as associações eram feitas de maneira concreta e mecânica, a diferença se daria apenas na forma com que essas combinações eram realizadas.

É a essa associação mais mecânica e visual-diretiva que Vigotski dá o nome de pensamento por complexos associativos. No experimento supracitado, pôde ser observado que, ao solicitar que os pacientes agrupassem os objetos de acordo com uma das palavras inventadas, as cadeias associativas apresentadas pelos pacientes demonstravam uma conexão entre os elos, mas não mantinham uma relação que apresentasse uma característica única que unisse todos os elementos do conjunto, resultando assim numa organização bastante heterogênea (Vygotsky, 1994a).

Por exemplo, ao apresentar um objeto e a palavra inventada para que o paciente agrupe todos os objetos pertencentes a esse conjunto, o indivíduo esquizofrênico escolheria uma peça que teria uma característica em comum com a primeira, para, em seguida, escolher um outro objeto que teria algum atributo similar apenas ao segundo e assim sucessivamente.

Em contraste com essas formas mais primitivas de associação, Vigotski apresenta como a maneira mais desenvolvida - e imediatamente posterior em termos de desenvolvimento - pela qual é possível realizar associações: o pensamento por conceitos. Ele se destaca das outras formas por possuir um princípio abstrato geral que atua nessa associação conceitual, o signo (Vygotsky, 1994a).

Apesar de serem conceitualmente diferentes, Vigotski (1994a, p. 319, tradução nossa) explica que “os ‘complexos’ podem e, às vezes, coincidem com os conceitos, em sua referência aos objetos, mas não necessariamente em seus significados”. Por exemplo, uma porta é um objeto, cuja função é a de abrir e fechar, mas pode adquirir significados diferentes, por exemplo, impedir a entrada de alguém, em algum lugar, ou seja, o conceito se apresenta como pseudo-conceito, que significa, em síntese, que as palavras se convizinham às nossas em relação aos objetos, mas não nos significados deles. Assim, para todas as pessoas, o objeto porta serve para abrir e fechar, ou seja, é convizinho, porém, no pensamento esquizofrênico ele pode ganhar significado de impedimento de entrada.

No entanto, o autor comenta que “os significados das palavras se tornam patologicamente alterados na esquizofrenia” (Vygotsky, 1994a, p. 320, tradução nossa), o que pôde ser confirmado por meio de experimentos, envolvendo metáforas e ditados populares.

Quando diante de palavras em sentido metafórico, os pacientes não conseguiam entender o sentido figurado da expressão, apenas o sentido literal, citando como exemplo “o navio ara o mar”. A mesma coisa ocorria diante de ditados populares: os que não possuíam um sentido figurado - se você vai devagar, chegará mais longe no final - eram compreendidos pelos pacientes, enquanto os ditados com um sentido alegórico - quando o gato estiver longe, os ratos brincarão - eram entendidos ao pé da letra (Vygotsky, 1994).

Ao final do texto, Vigotski (1994a, p. 323, tradução nossa) sintetiza seu pensamento sobre a esquizofrenia, retomando sua ideia principal que é a de que “o distúrbio intelectual, tanto quanto os distúrbios nos campos das percepções, emoções e outras funções psicológicas, estão em relação causal direta com o distúrbio das funções da formação de conceitos”. Coloca assim, novamente essa função psicológica como fator chave para a compreensão e investigação da doença.

Discussão

Zavershneva e Van der Veer (2018) demonstram, através de um trabalho quase arqueológico, parte do caminho percorrido por Vigotski na elaboração da sua teoria sobre a esquizofrenia. O uso de materiais que vão desde anotações escritas, em marcadores de página, até laudas avulsas que careciam de qualquer contexto. Essas informações, combinadas com fatos históricos, ajudam na tarefa de compreender a construção do pensamento de Vigotski sobre a esquizofrenia. O fato de que em 1934, ano de sua morte, Vigotski organizou uma reunião com a temática de esquizofrenia na infância, pode evidenciar sua insatisfação com o que já havia publicado e pretendia dar sequência ao tema com um outro foco, como podemos observar a seguir:

Os especialistas daquela revista deram excelentes descrições dos fenômenos psicóticos, sugeriram muitas classificações diferentes dos sintomas, discutiram sobre a relevância do conteúdo dos delírios (alguns acreditavam que era totalmente irrelevante; outros pensavam que fornecia a chave para a compreensão), postulavam que esquizofrenia era uma doença, ou muitas doenças, ou nenhuma doença, acreditavam que era principalmente uma doença orgânica ou estavam convencidos de que era desencadeada por circunstâncias ambientais etc., mas nenhum deles tinha qualquer ideia real sobre o que causava os graves problemas dos pacientes. Quase todos os especialistas internacionais acreditavam que havia alguma predisposição genética; a maioria acreditava em alguma causa orgânica; alguns até pensaram que poderiam identificar partes específicas do cérebro que foram danificadas; e alguns acreditavam que podiam relacionar a doença à constituição corporal. Quando se tratava de curar os pacientes enfermos, os especialistas estavam igualmente divididos e desamparados (Zavershneva & Van der Veer, 2018, p. 325, tradução nossa).

A partir de seus estudos, Vigotski conseguiu elaborar um ponto de vista sobre a esquizofrenia sob uma perspectiva voltada para o desenvolvimento da consciência e suas funções psicológicas.

Como apresentado, ele teorizou que só se poderia obter um conhecimento total do desenvolvimento dessas funções, a partir do estudo das patologias que envolviam essas funções. Daí se apresentam, as razões pelas quais se devia estudar a esquizofrenia, que se relacionava com o pensamento conceitual - base para a formação da consciência, e noção de realidade.

O ponto principal da elaboração teórica de Vigotski a respeito da esquizofrenia em todos os três textos é a desintegração do sistema de pensamento por conceitos, que à medida que vai acontecendo, não só afeta a forma com que o indivíduo pensa - de conceitos para relações visuais-diretas - mas também afeta todas as outras funções psicológicas superiores, que se estruturaram a partir desse sistema que se deteriora.

A partir dos exemplos que ele traz nos textos por meio de casos clínicos e experimentos práticos, é possível observar os sintomas da esquizofrenia como decorrente dessa desintegração do pensamento por conceitos que, por conseguinte, interfere de maneira deletéria na afetividade e consciência da realidade, como no exemplo do professor, na atividade de formação de novos conceitos e também no embotamento afetivo que afetava a forma com que o paciente se relacionava com os outros.

A questão do contrassintoma, abordada apenas em um dos textos utilizados, se mostra como um conceito interessante e que poderia ser um pouco melhor abordado e desenvolvido, visto que estaria intrinsecamente relacionada à reestruturação e reorganização constante da personalidade e de outros sistemas que também estão interligados ao sistema de conceitos. Entretanto, é necessário destacar que os estudos clínicos de V. A. Vuknov, nos quais ele se baseou para citar essa teoria, não foram encontrados, o que dificulta um aprofundamento teórico nesse conceito.

Em relação à etiologia da esquizofrenia, Vigotski faz questão de explicar que era um erro comum entre os psicólogos da época acreditar que a desintegração do sistema de pensamento por conceitos seria a causa da esquizofrenia, mas que na verdade, segundo ele, essa desintegração seria apenas um sintoma da esquizofrenia e não sua causa (Vygotsky, 1994a).

Apesar de não dar uma explicação exata das causas da doença, Vigotski, assim como outros psicólogos contemporâneos a ele, é enfático quando diz que “o estudo da mente deveria ser baseado em dados da Psicologia Comparativa, Psicologia do Desenvolvimento e da Psicologia Clínica” (Zavershneva & Van der Veer, 2018, p. 319, tradução nossa); portanto, entende-se que a esquizofrenia deve ser enxergada como um fenômeno complexo e marcado por fatores diversos.

Considerações Finais

Ao longo dos trabalhos em que abordou diretamente o tema da esquizofrenia, Vigotski não procurou emitir uma definição do fenômeno; ao invés disso, buscou discorrer sobre as manifestações, comumente apresentadas, da doença e sobre como o estudo desses sintomas ajudaria no entendimento da estrutura e funcionamento da consciência em seu desenvolvimento normal (Vygotsky, 1987).

Apoiado nos estudos contemporâneos que eram produzidos, Vigotski fez uso de estudos de reflexão para compreender a esquizofrenia e, assim, corroborou algumas ideias vigentes e se contrapôs a outras. Pode-se usar, como exemplo, sua crítica aos modelos de estudos de esquizofrenia que se limitavam apenas à tentativa de descrever o funcionamento da consciência e do pensamento esquizofrênico (Vygotski, 2006).

Observa-se também a complexidade de compreensão desse fenômeno no que se refere à sua etiologia, visto que o próprio Vigotski (1994a) afirma que seu estudo sobre esquizofrenia, no que tange ao processo de formação de conceitos, considerado por ele como o cerne da patologia, apenas demonstra os resultados da esquizofrenia e não a sua origem.

Naquilo que diz respeito ao que poderia ser a origem da esquizofrenia, Vigotski (1994a) não afirma, diretamente, em momento algum, mas dá pistas de que esta seria como a origem de todas as funções psicológicas superiores, incluindo a fala e o pensamento conceitual: seria social.

Podemos identificar ainda que seus escritos apontam a importância de olhar além da psicopatologia e enxergar o sujeito, complexo e completo, por trás do diagnóstico. Pontuam ainda a reconstrução constante de sua personalidade e processos psicológicos, que estão sendo a toda hora destruídos pelo transtorno psicótico, mas, ao mesmo tempo, se renovando num processo contrário.

Essa reflexão permitiu observar as contribuições de Vigotski ao tema da esquizofrenia, especialmente, na interdependência das funções psicológicas e suas alterações. Desafio presente, que aguarda novas publicações originais e traduções da obra deste autor.

Notas

1 Essa é a transliteração que escolhemos utilizar ao longo do texto. Em alguns momentos aparecerão outras grafias, mas isso dar-se-á pela grafia utilizada pelos autores de referências.

2 A abrangência da obra de Vigotski, vinculada a outras temáticas, é apresentada pelos seus biógrafos e especialistas contemporâneos, conforme Valsiner e Van der Veer (1996). Destaca-se ainda, o prefácio de Luria, presente em “Formação Social da Mente”, Vigotski (1991) acerca da trajetória do autor.

3 Por uma questão de fidelidade histórica, utilizaremos, em alguns momentos, o termo “retardadas”, já que era assim que Vigotski e outros cientistas da área da defectologia contemporâneos se referiam a esses tipos de condição. Hoje esse termo já caiu em desuso por ter uma conotação extremamente negativa sobre os sujeitos com alguma deficiência mental.

4 As grafias encontradas em teses e dissertações brasileiras da área da Psicologia, analisadas no estudo de Lima (2014) são: Vigotski, Vigotskianos, Vigotsky, Vygotski, Vygotsky, Vygotsky/Vygotskiana e Vygotskyi.

5 Ernst Krestchmer (1888-1964) foi um psiquiatra alemão que desenvolveu uma classificação biotipológica da personalidade. Vigotski criticou Kretschmer por compreender a personalidade como fixa (Toassa & Souza, 2010).

6 O psiquiatra alemão Alfred Storch (1888-1962) é um dos autores a que Vigotski se refere para discutir sobre a regressão na esquizofrenia. O autor afirma que há uma cisão da personalidade, conforme Rabêlo (2018).

7 Não foram encontrados outros estudos e citações sobre esse autor.

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Recebido: 28 de Agosto de 2021; Revisado: 21 de Maio de 2023; Aceito: 17 de Julho de 2023

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