Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.62 no.3 Rio de Janeiro 2010
ARTIGOS
Terapia social: desenvolvimento humano e mudança social1
Social therapy: human development and social change
Celiane Camargo-Borges
Docente e coordenadora de pesquisa da Imagineering Academy. NHTV Breda University of Applied Sciences. Holanda
RESUMO
Este artigo teve como objetivo uma introdução aos fundamentos teórico-metodológicos da terapia social e sua aplicação prática como intervenção grupal, desenvolvida sob a perspectiva marxista pós-moderna e inspirada na teoria de desenvolvimento de Vygotsky. É uma terapia performática ainda pouco conhecida no Brasil. Neste artigo, inicialmente, apresenta-se o percurso histórico de desenvolvimento dessa perspectiva e seus principais autores. Posteriormente, serão apresentados seus conceitos e metodologia e, por fim, sua prática e a forma de trabalho em grupo, marcas registradas dessa terapia. Tendo, em sua proposta, o foco constante na construção da grupalidade e na emancipação, a terapia social tem sido apresentada como possibilidade de trabalho grupal potente na construção da mudança social.
Palavras-chave: terapia social; práticas grupais; desenvolvimento humano; mudança social.
ABSTRACT
This paper is an introduction to the theoretical and methodological assumptions of Social Therapy and its practical application as a group intervention. Developed from the post-modern Marxist approach and inspired by the Vygotksy development theory, it is a performatory therapy which is very little known in Brazil. In this paper, initially, we will present the historical background in which this approach was developed and its main authors. Later we will present its concepts and methodology and finally its practices, taking the group as the focal point of this modality of work. Having in its proposal the permanent focus in building the group and in its emancipation, the Social Therapy has been presented as a potent group intervention in the construction of social change.
Keywords: Social therapy; group practices; human development; social change.
Introdução
A psicologia, nos últimos anos, tem sofrido diversas transformações, respondendo à necessidade e demanda de um mundo globalizado e muito mais diversificado em suas formas e, consequentemente, em suas relações humanas, atitudes, crenças e valores. A psicologia vem ampliando seus horizontes de intervenção e pesquisa, deixando de estar majoritariamente restrita aos consultórios clínicos e atendimentos individuais, afirmando seu compromisso social e estendendo seu campo de atuação (BOCK, 1999). Pode-se notar que as contribuições dessa profissão já ocupam seu espaço e papel nos sistemas institucionais brasileiros, participando do sistema de saúde, da assistência social, do sistema educacional, das organizações, do sistema judiciário e do esporte.
Nesse movimento de ampliação da profissão, aparece a necessidade da geração de novos saberes e de novas práticas psicológicas, assim como a responsabilidade para responder ao novo cenário que se apresenta. Cenário este no qual as complexidades sociais, políticas e emocionais são fatores preponderantes, incitando a criação de intervenções psicológicas críticas e transformadoras, que apresentem inserção mais intensa na vida social e coletiva das pessoas.
Sendo assim, em resposta a esse novo cenário, e com base nas discussões pós-modernas, alguns profissionais têm buscado desenvolver uma prática mais emancipatória e menos estigmatizadora, que não se sustente nas dicotomias, na noção de sujeito como entidade autônoma, independente e separada de todas essas transformações que a sociedade globalizada, pós-industrial e tecnológica vem apresentando. Tais práticas psicológicas se voltam para a coletividade e para o caráter relacional e performático na construção dos sentidos do mundo, dos valores e da sociedade na qual o homem vive.
Neste artigo, apresenta-se uma versão possível de prática desenvolvida nesse novo contexto, conforme explicitado. Trata-se da terapia social, que foi sendo gerada e desenvolvida a partir de um movimento iniciado nos Estados Unidos, nos anos 1960, que se propõe emancipatório e revolucionário, apresentando a terapia de grupo como uma de suas práticas. Esse movimento nasceu no cerne de outro movimento, ainda maior, o movimento americano de contracultura.
O movimento de contracultura americano foi um movimento de resistência de uma população insatisfeita com o mundo corporativo norte-americano, com forte apelo romântico e bucólico, que buscava formas alternativas de viver. Muitos se mudaram para o campo, formando comunidades alternativas autossustentáveis e vivendo da natureza. Outros militavam contra a tecnologia e a ciência, acusando-as de poluidoras e destruidoras ambientais. Grupos políticos independentes também encontraram nesse movimento contexto para reivindicar o status quo norte-americano (FRIEDMAN, 2009).
Dentro desse âmbito político, havia o grupo composto por marxistas pós-modernos, do qual a terapia social mais tarde se desenvolveu. O movimento marxista pós-moderno emergiu como um grupo diferente dos muitos marxistas militantes daquela época, isso porque tais grupos políticos marxistas focavam seu trabalho prático e teórico quase exclusivamente em questões econômicas e políticas. Os marxistas pós-modernos, ao invés, inspirados pelos ideais da contracultura, inseriram outros aspectos em seu foco de intervenção. Acreditavam que, para ocorrer mudança social efetiva, seria necessário intervir para além do âmbito econômico, em alguns outros aspectos cruciais na constituição e manutenção da nossa sociedade, tais como o aspecto cultural e emocional, já que as formas de viver e relacionar (pessoal, sexual, familiar) também afetam e são afetadas pelas questões econômicas e políticas. Dessa forma, esse grupo marxista pós-moderno passou a organizar coletivamente seus membros, investindo e interferindo em tais aspectos (FRIEDMAN, 2009).
Esse grupo, atualmente, conta com muitos profissionais e ativistas envolvidos sob os aspectos discutidos, estando organizados em três principais atividades: um partido independente – independence party of NY – em que a principal atividade é articular os 40% de cidadãos que não se identificam com nenhum dos dois únicos partidos existentes nos Estados Unidos, buscando maior participação e ampliação da democracia no processo político norte-americano; um teatro – Castillo Theater – que incentiva e envolve sua equipe de atores na criação de peças críticas, de cunho social e político, promovendo informação e conhecimento através da arte e cultura, com apresentações que saem do circuito tradicional; e o East Side Institute, que é um centro internacional destinado à pesquisa, educação, terapia e treinamento de terapeutas em terapia social (HOLZMAN, 2009).
No Brasil, a terapia social ainda é pouco conhecida e explorada na literatura, havendo escassez de trabalhos publicados que tratem dessa temática. Assim, neste artigo, inicia-se contando um pouco a história e o contexto em que a terapia social se desenvolveu, sua delimitação conceitual e prática e o entendimento de grupo que essa perspectiva adota, sendo considerada por muitos uma forma revolucionária de trabalho, podendo assim apontar novas reflexões e possibilidades para a área, no Brasil.
História e contexto da terapia social
A terapia social, como tem sido propagada e praticada, foi desenvolvida principalmente a partir do trabalho de um filósofo, engajado em organização comunitária e política, e uma psicóloga, pesquisadora da área de desenvolvimento humano. Fred Newman e Lois Holzman são ambos interessados em desenvolvimento humano e mudança social. A metodologia de trabalho de grupo que propõem traz o conceito de desenvolvimento para o centro das atenções, não o desenvolvimento individual, entendido como algo linear e estrutural que acontece numa linha progressiva, mas, sim, o desenvolvimento como permanente atividade, que ocorre coletivamente e que possibilita a construção de novas ações e aprendizagens num movimento dinâmico, contínuo e dialético.
Na terapia social, é isso que se entende sobre o desenvolvimento que constrói o trabalho do grupo em si e, ao mesmo tempo, atribui a possibilidade de transformação na vida dos participantes. A abordagem metodológica, empregada na terapia social, foi inspirada na teoria marxista pós-moderna (NEWMAN; HOLZMAN, 2001) e em alguns conceitos da teoria do desenvolvimento de Lev Vygotsky (NEWMAN; HOLZMAN, 1993).
Fred Newman, na década de 1960, nos Estados Unidos, era um professor de filosofia que deixou a vida acadêmica para investir em organização política e comunitária. Cansado da tradição acadêmica que, segundo ele, vê o mundo de um ponto de vista teórico, filosófico e principalmente abstrato, Newman chegou à conclusão de que a mudança social seria mais efetiva fora da universidade, no cerne do ativismo político e do cotidiano das pessoas (HOLZMAN, 2009; FRIEDMAN, 2009). Envolvido com o movimento de contracultura americana, que criticava ferrenhamente o individualismo, a competitividade e a alienação, Newman e seu grupo desenvolveram e conduziram organizações revolucionárias e comunitárias com ideologia, a qual denominaram marxismo pós-moderno.
Essa abordagem marxista pós-moderna, como se verá mais adiante, é inspirada em algumas das ideias principais da teoria marxista, tais como alienação, comodificação/mercadoria, dialética e, principalmente, a chamada atividade revolucionária, que diz sobre a atividade de mudar o mundo e a si mesmo, fazendo parte do mesmo processo, sendo ambas entendidas como revolucionárias e não podendo ocorrer separadamente. Ao mesmo tempo em que se inspiraram nessas ideias, esse grupo de Newman também expandiu o uso de tais conceitos, para pensar a questão da subjetividade e das relações humanas (FRIEDMAN, 2009).
O nome pós-moderno, nessa perspectiva apresentada, reporta ao rompimento com as verdades universais, com as dicotomias sujeito/objeto, subjetivo/objetivo, certo/errado, saber/senso comum, buscando ampliar os discursos e sentidos possíveis, dando, assim, um olhar mais fluido, polissêmico e complexo para o mundo (HOLZMAN, 2006a).
O pós-modernismo diz de um movimento que aponta o esgotamento da ciência moderna. Trata-se de duas épocas epistemológicas distintas que compõem as concepções de conceitos, de visão de mundo, de formação e legitimação do discurso social, histórico e científico. Enquanto o modernismo diz das ciências empíricas, do positivismo, do individualismo, da linguagem como representação do real, o pós-modernismo trata de uma perspectiva mais relativista, dialógica, de um contexto linguístico multifacetado e polifônico (GERGEN, 1991). Pós-modernismo também se distingue da pós-modernidade, que diz de um movimento sociocultural e estético da sociedade contemporânea. Já o pós-modernismo caracteriza-se pela visão de mundo que pode vir a surgir dentro dessa condição da pós-modernidade (PALLARES-BURKE, 2004).
Adotando a perspectiva do pós-modernismo, a abordagem da terapia social vai além da análise marxista clássica que atribuía os problemas sociais predominantemente à luta de classes, num dualismo operário explorado/patrão explorador. Numa aproximação pós-moderna, não há uma busca metafísica pela verdade com V maiúsculo nem pelo descobrimento de leis acuradas e objetivas que expliquem como se vive.
Segundo esse grupo de marxistas pós-modernos, para uma intervenção nesse contexto é necessário não somente mudança quanto à exploração econômica e à repressão política, mas, também, a ampliação do foco para outras questões, tais como emoção humana, cultura e educação (HOLZMAN, 2006a). Assim, passaram a incluir tais questões em suas análises e interpretações, tanto no plano teórico de compreensão da sociedade como no plano das intervenções planejadas pelo grupo.
Dessa forma, o movimento marxista pós-moderno de Newman e seu grupo se desdobrou em diversas atividades em diferentes âmbitos. As emoções humanas, no âmbito das artes e da cultura, passaram a fazer parte de suas atividades política e revolucionária, contribuindo para o desenvolvimento e transformação da sociedade (FRIEDMAN, 2009). Uma das principais atividades desenvolvidas nesse cenário, naquela ocasião, foi a chamada terapia proletária, que se caracterizava como terapia de grupo radical contra o capitalismo. Essa terapia entendia o sofrimento humano principalmente como decorrência da vida submetida ao sistema capitalista e alienante. Seu objetivo era organizar as pessoas em grupo, para conscientização do sistema vigente, gerando empoderamento coletivo e abrindo, assim, mais possibilidades de mudança pessoal e social. Naquela época, no entanto, ainda não havia a ideia de desenvolvimento nem de performance na terapia (HOLZMAN, 2009).
Mais tarde, a terapia proletária se enriqueceu com alguns conceitos da teoria do desenvolvimento de Vygotsky e se transformou, passando a ser chamada terapia social. Quem trouxe os conceitos de Vygotsky para o âmbito da psicoterapia de grupo foi Lois Holzman, atual diretora do Instituto de Terapia Social de Nova York, o East Side Institute.
O encontro de Holzman e Newman se deu na década de 1970. Holzman era acadêmica, trabalhava com pesquisa em desenvolvimento e aprendizagem, na Universidade Rockfeller, no famoso laboratório de Michael Cole, no Rockefeller University Laboratory of Comparative Human Cognition. Sua formação vygotskiana mais tarde contribuiu na construção da terapia social da forma com que é desenvolvida hoje (HOLZMAN, 2009).
O compromisso de Holzman com as transformações sociais incentivou-a a se dedicar integralmente ao desenvolvimento das práticas da terapia social em diferentes comunidades e, a partir daí, junto a Newman, a desenvolver estudos e pesquisas, estando ambos ativamente engajados em tais práticas. Essa parceria já dura mais de 30 anos e traz, como principal inspiração, a perspectiva marxista pós-moderna e alguns conceitos da teoria de Lev Vygotsky.
Conceituando a terapia social
A terapia social, como aqui apresentado, se desenvolveu teórica e metodologicamente inspirada em conceitos do movimento marxista pós-moderno e, principalmente, do psicólogo e educador russo Lev Vygotsky. Tais conceitos se interligam e se recriam, desenvolvendo a metodologia da terapia social, chamada, por Holzman e Newman, metodologia da ferramenta e resultado – tool and result methodology (HOLZMAN, 2009; NEWMAN, 1999).
De acordo com essa metodologia, ao se inserir uma ação de intervenção no grupo, esta se modifica e se transforma no decorrer do processo interventivo, sendo muitas vezes recriada, gerando alguns resultados que promoverão outras ações interventivas, num infinito contínuo. À medida que o grupo está explorando recursos para desenvolver, discutir, resolver uma determinada questão, essa própria ação de exploração já está ativamente transformando a forma de busca, levando, muitas vezes, a que a própria busca se transforme. . Dessa maneira, o desenvolvimento alcançado não está separado da sua própria criação. Holzman aponta que esse entendimento se inspira e se legitima na teoria de Vygotsky, na qual desenvolvimento e aprendizagem são tomados como complementares e ocorrem concomitantemente (HOLZMAN, 2009).
Isso faz da atividade de criação do grupo, dessa atividade dialética de processo e produto, ferramenta e resultado, busca-encontro-busca, o objetivo principal dessa terapia de grupo, sua maior potência, e não a tradicional busca por resultados específicos e determinados a priori (NEWMAN, 1999). É por essa razão que a metodologia é chamada, por Holzman e Newman, ferramenta e resultado, pelo fato de ocorrerem juntos, articulados, diferenciando-se do conhecido processo de aplicar uma ferramenta específica para alcancar um resultado desejado.
Essa terapia está intrinsecamente ligada à busca pelo método de Vygotsky. Método, aqui, é entendido, ao mesmo tempo, como pré-requisito para uma intervenção, além de seu resultado, quebrando a tradicional ideia de que método é uma ferramenta que, ao ser aplicada, conduz a um resultado específico. Para Vygotsky, método não está separado dos resultados, mas esses se influenciam e se transformam durante uma pesquisa ou intervenção, sendo compreendido como um processo. Por esse motivo, sob tal entendimento, método não diz de uma ferramenta em si, mas uma atividade, uma prática, uma busca que gera tanto a ferramenta como o resultado, não podendo ser separado dualisticamente, nem tampouco sendo tomado como o mesmo elemento (HOLZMAN, 2009).
A compreensão de método de Vygotsky segue a mesma linha de raciocínio de sua concepção de desenvolvimento humano, uma concepção dialética, tanto como um processo quanto um produto, ou seja, tanto produzido em nós, pela cultura, sociedade e ambiente, como também produto de nós mesmos. Portanto, a metodologia da terapia social, baseada nessa compreensão de método, não está estruturada em intervenções planejadas a priori, visando resultado específico, mas em atividades que, constantemente, se criam e são criadas pelo grupo, que definem e redefinem o caminho a percorrer, o grupo a construir e, assim, seu desenvolvimento.
A terapia social, portanto, como foi visto, é prática terapêutica que está focada na atividade interativa de criação, sustentação e apoio do grupo, nas questões levantadas por ele, ajudando seus participantes a se desenvolver no sentido de gerarem recursos coletivos de ação e intervenção no mundo e em suas vidas, mais do que encontrar soluções para problemas individuais.
A emoção humana é de fundamental importância dentro desse processo terapêutico, sendo compreendida, no entanto, não como sentimentos inatos, carregados dentro de si no curso da própria vida, mas como algo dinâmico que se dá no plano relacional, numa criação coletiva entre as pessoas em interação, dentro de um contexto maior que é a história humana. O conceito de alienação, de inspiração marxista, é utilizado aqui para desenvolver a crítica e se contrapor ao entendimento clássico das emoções humanas, apontando suas implicações.
Segundo Holzman, inspirada em Marx (HOLZMAN, 2006a), a alienação é decorrente da forma organizativa privada da sociedade capitalista, que emburreceu o homem ao comodificar tudo o que existe à sua volta e criar o senso de que as coisas existem para serem possuídas concretamente, como capital. A própria intelectualidade e as emoções também foram alienadas por esse senso de ter, possuir. Tal entendimento comodificado das emoções acaba por levar à criação do senso de um mundo interno nos humanos completamente intocável, individualizado e sozinho. Para Holzman (2009), tradicionalmente, as teorias psicoterapêuticas funcionam dentro dessa lógica do capital. Tomam o humano como possuidor, dono de uma personalidade, que seria como uma entidade pertencente ao indivíduo e que provê suas emoções e o orienta em suas formas de ser, de sentir e de agir. A autora aponta que essa comodificação da personalidade e das emoções traz, como umas das principais consequências, a alienação.
Quando o paciente é analisado a partir desse foco – sua personalidade, compreendida como algo privado, individual, como um órgão cuja função é produzir comportamentos e sentimentos, muitas vezes indesejados e considerados fora do seu controle –, ele acaba sendo construído como um ser passivo e desconectado do mundo ao seu redor. Passivo quanto à própria produção e articulação de suas ações, já que as emoções estão para além de seu controle, e desconectado por ser essa personalidade algo da ordem do privado e independente das relações ao seu redor e da contingência social, cultural e histórica. A psicologia, em seu formato mais tradicional, é tomada como a instituição capacitada, a detentora das chaves da personalidade, capaz de entender e acessar as emoções, ajustando, assim, o que está fora do lugar. De acordo com Holzman (2009), como vimos, essa compreensão do humano produz sua alienação por tratar das emoções como algo da ordem do privado, desarticuladas de sua produção cotidiana de sentidos, algo desconhecido, um mistério que as pessoas não têm conhecimentos suficientes para acessar, dependendo de um expert, estabelecendo, dessa forma, uma relação passiva e alienada.
Uma das tarefas principais do grupo, na terapia social, é compreender o processo no qual determinadas interações e contextos sociais produzem certas emoções e como estas, ativamente, participam em como acontecem os relacionamentos e se vive (HOLZMAM, 2009). Esse questionamento e exploração das emoções visa aulixiar o grupo a vislumbrar a construção de tal processo, rompendo a alienação e promovendo, assim, a possibilidade de autoria nessa construção.
O trabalho da terapia social favorece um olhar àquilo que o grupo está produzindo coletivamente, com os participantes olhando para eles mesmos, engajados em uma atividade coletiva, dinâmica e focando o processo, o potencial criador, e não o produto como solução, comodificada (HOLZMAN, 2006a). Na terapia social, a compreensão do processo de produção das emoções torna-se fundamental para a desconstrução dessa relação de alienação. A criação de performances no grupo, gerando novas emoções, contribui para o agenciamento dos participantes, podendo articular tais performances em seus relacionamentos fora do grupo, ampliando, assim, suas possibilidades de ser e de se tornar, num movimento contínuo. Metodologicamente, pode-se dizer que se trata de abordagem prática, performática e dialética, de exercício do ser e do vir a ser.
Como visto, a dialética é fundamental na metodologia da terapia social. No entanto, essa é tomada mais como método e menos como o tradicional conceito tese-antítese-síntese. Tendo por base a afirmação marxista de que os homens são ao mesmo tempo produto e produtores de seu meio, a dialética foi transformada em questão prática no trabalho de Vygotsky, no âmbito da aprendizagem e desenvolvimento. A terapia social articula esse conceito/prática como um método a ser praticado. Um método que é, ao mesmo tempo, ferramenta e resultado das investigações, premissa e produto das intervenções em terapia social, principalmente no desenvolvimento das zonas de desenvolvimento proximal, as ZDPs (NEWMAN; HOLZMAN, 2003).
Uma forma que a terapia social utiliza para promover e facilitar a dialética e a performatividade no grupo, produzindo o agenciamento dos seus participantes e a sua transformação, é a criação de tais ZDPs. Na teoria do desenvolvimento de Vygostky, ZDP é a zona em que a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem na criança. Para o autor, o processo e o produto da aprendizagem estão vinculados e são desenvolvidos conjuntamente, sendo interdependentes. Nessa dialética, a criança, enquanto aprende, se desenvolve e, enquanto se desenvolve, aprende.
Nesse movimento dialético, aprendizagem/desenvolvimento em Vygotsky, a criança vai se constituindo como sujeito, apropriando-se de significados e sentidos, criando e recriando-os cotidianamente. Esse complexo processo é marcado pela trajetória de cada um e, ao mesmo tempo, delimitado pelas condições e características do contexto histórico no qual ocorre. Trata-se de um fenômeno em movimento, marcado por simetria e assimetrias, contradições e tensões (ZANELLA, 2007).
Essa compreensão de aprendizagem e desenvolvimento como processos dialéticos também é central no trabalho da terapia social, de forma que quem sou e quem estou me tornando acontece ao mesmo tempo, de maneira dinâmica e fluida. E é nesse processo de ser e vir a ser, nessa atividade interativa performática que, segundo a terapia social, o homem aprende e desenvolve.
Zona de Desenvolvimento Proximal, na teoria de Vygotsky, não diz de um lugar físico, específico, mas de um ambiente social que incentiva e promove o desenvolvimento da criança, a sua liberdade de agir para além do que ela sabe. No desenvolvimento da linguagem na criança, por exemplo, segundo Vygotsky, a sua aquisição linguística não se dá como consequência do seu desenvolvimento maturacional cognitivo, numa relação linear. Para o autor, há a criação de um ambiente que proporciona a esse bebê desenvolver a linguagem e aprender a falar. Esses ambientes, concebidos como ZDPs, são conjuntamente criados pela atividade coletiva das pessoas, espaço que permite à criança ser e se tornar ao mesmo tempo, ou seja, ir além de suas atuais possibilidades e, com isso, aprender e se desenvolver.
Para ficar mais claro, Vygotsky dá o exemplo da criança e seu processo de aquisição linguística. Segundo o autor, a criança começa a falar antes de saber falar. Ela arrisca uns sons, balbucios, palavras soltas e é incentivada por todos ao seu redor. Ela é convidada a se engajar na conversação o tempo todo, mesmo sem saber falar. Ninguém a julga dizendo que seus balbucios não são palavras, ou a proíbe, por ser muito pequena para saber, ou a faz estudar gramática para aprender antes de interagir linguisticamente com adultos. Ao contrário, todos se relacionam com essa criança como se ela fosse capaz de ir além do que ela sabe fazer, ou seja, falar. Seus genitores, família e todos ao seu redor se relacionam com essa criança como parceira conversacional, completando-a e ressignificando os seus balbucios. E é essa zona criada (ZDP), esse ambiente, essa atividade coordenada entre todos que a faz ousar, acreditar e imitar as atividades que acontecem ao seu redor, dando espaço para que ela seja o que está se tornando, uma pessoa que fala (HOLZMAN, 2009). Trata-se de movimento ativo, criativo e fundamentalmente social, no qual a criança pode realizar algo que está para além dela e, com isso, aprender, desenvolver e se transformar.
Na terapia social, ZDPs são organizadas com o mesmo objetivo – criar espaços de interação nos quais os participantes possam ousar ser o que ainda não são e, nesse processo, tornando-se. Com a ajuda do terapeuta do grupo, as ZDPs são criadas, objetivando gerar desenvolvimento e transformação. Tais zonas, como visto, são processos co-criados e não espaços físico-temporais. São processos em que o grupo trabalha coletivamente, promovendo zona emocional que permita a eles desenvolver atividades performáticas, tratando das questões que estão sendo trabalhadas no grupo em determinado momento da terapia.
Da mesma forma que Vygotsky apontou essa zona, possibilitando que os bebês atuassem como falantes, mesmo sem o serem, e assim, nesse movimento, tornando-se, ou seja, desenvolvendo a linguagem, na terapia social, a ZDP é criada possibilitando ambiente em que as pessoas que compõem o grupo possam criar ações performáticas, permitindo que se realize aquilo que está para além delas mesmas e, dessa forma, possam vir a ser, tornar-se o que ainda não são, aprendendo e desenvolvendo novas formas de agir e de estar no mundo.
Performance ou performatividade é um conceito emprestado da dramaturgia e desenvolvido na terapia social, apontando como as pessoas se engajam e criam sentidos cotidianamente nas interações com outros no mundo. A performance, na terapia social, diz da atividade humana de criação, manutenção e transformação da realidade e de si mesmo. Segundo essa abordagem, as pessoas são performativas; o humano constantemente se engaja em vários tipos de performances. “O entendimento de que tudo é performance é parte e parcela do pressuposto de que toda atividade humana é social” (HOLZMAN; MENDEZ, 2003, p.85).
A metáfora da performatividade se aproxima e dá mais concretude ao caráter construído, dinâmico e contínuo das interações e comportamentos humanos. A potência disso é a consciência da vasta capacidade e possibilidade que se tem como seres criativos em nossas performances, inclusive, afetando-as, transformando-as e, consequentemente, transformando a eles mesmos.
Segundo Holzman (2006b), o homem, por ser socializado, na cultura ocidental, como indivíduo possuidor de um self singular, fixo e devendo ser consistente, no decorrer do tempo, rapidamente se acostuma a repetir as performances, a ponto de se esquecer de que é performance. O homem se torna tão bom nessa repetição que cria a ideia de um humano dotado de identidade imutável, fixa, permeada de emoções e desejos inatos a ela. Novas performances identitárias que transformem a forma de ser e agir se tornam um desafio, assim como a produção de novas relações e interações. Para a autora, quando se enrijecem as performances também se enrijece o próprio desenvolvimento humano.
Performance, na terapia social, é, portanto, compreendida como atividade de criação e transformação de formas de ser, e não como atividade de representação e de dramatização do que já se é (HOLZMAN, 2006a). Essa compreensão de performance está apoiada no entendimento de dois conceitos centrais da teoria linguística de Wittgenstein: “formas de vida” e “jogos de linguagem” (HOLZMAN; MENDEZ, 2003). Linguagem, dentro dessa perspectiva, perde seu caráter determinístico e representacional e passa a ser entendida como construtora da realidade. A visão pragmática de linguagem de Wittgenstein se fundamenta a partir do entendimento da linguagem como ação social, situada no contexto da práxis comunicativa e nas implicações que daí se sucedem. O grande giro linguístico, desenvolvido por Wittgenstein, foi transformar a linguagem de sua função de significar para o entendimento da linguagem em uso.
Segundo Wittgenstein, a linguagem está sempre articulada a uma forma de vida específica, contextualizada em prática comunicativa, e como conduzimos uma conversa está sempre inserido num jogo, que é o jogo linguístico, que contém regras para que se possa ser entendido e entender. Apesar de a função fundamental da linguagem ser designativa, ela não se reduz a isso. No conceito do autor, não se trata de mera designação de objetos isolados em que cada palavra representa algo, mas de uma atividade humana situada cultural e historicamente. A forma com que são realizadas a fala e a expressão diz de um determinado entendimento de mundo. Portanto, dentro desse entendimento, junto com a linguagem, há uma determinada forma de vida (WITTGENSTEIN, 1958). A performance na terapia social, em conformidade com o entendimento de linguagem de Wittgenstein, tem a função de criação de outros modos de expressão, de conscientização dessa criação e assim de apropriação de outras formas de vida (HOLZMAN; MENDEZ, 2003).
Na terapia social, a criação da ZDP tem exatamente a função de quebrar a rigidez, a determinação, promovendo ambiente frutífero para novas performances, novos desenvolvimentos e aprendizagens (HOLZMAN, 2009). Assim como crianças exercitam constantemente novas e desconhecidas performances, na terapia social, adultos também exercitam jogos linguísticos que ainda não sabem, arriscando novas performances e, com isso, aprendendo e desenvolvendo novas formas de ser e estar no mundo, transformando-se e transformando-o.
Terapia social em ação
A terapia social é, por definição, uma terapia de grupo, apesar de essa se iniciar individualmente. As primeiras sessões são sempre individuais, preparatórias, para posterior encaminhamento ao grupo. Esse início geralmente dura de um a dois meses, podendo variar, segundo o paciente. O principal objetivo desse momento individual da terapia social é preparar o paciente para a particular forma de terapia de grupo à qual ele irá adentrar. Durante as sessões individuais, ele pode trazer sua motivação para a terapia, suas questões que, junto ao terapeuta, vão ser trabalhadas de forma a integrá-lo ao grupo (HOLZMAN; MENDEZ, 2003).
Ainda, na terapia social, o grupo é geralmente composto entre 10 e 25 pessoas, sendo necessariamente um grupo heterogêneo. Isso porque não se está falando de entidades fixas, de emoções inatas ou de ferramentas específicas para se atingir um resultado, mas de performances com infinitas possibilidades de serem criadas; então, o objetivo é justamente desafiar identidades fixas, e, assim, um grupo heterogêneo pode contribuir, principalmente, pela riqueza de possibilidades e questões que a diversidade de pessoas traz, auxiliando na ampliação da oferta de material de trabalho.
Mesmo após a formação do grupo, a entrada de novos membros é sempre negociável. A terapia social, de forma geral, questiona conceitos como loucura, problema, mudança e emoções, promovendo a redefinição coletiva de sentidos. Especificamente, objetiva ajudar as pessoas a experienciar o fator social, cultural e coletivo da existência humana, exercitando a criatividade, dando expressão à capacidade humana dialética de ser e se tornar e favorecendo a construção da coletividade e de novas histórias individuais e grupais (HOLZMAN, 2009).
As novas histórias são criadas sempre numa relação ativa e direta entre o indivíduo e o grupo, numa autoria coletiva, promovendo engajamento e protagonistas. Como protagonistas, as pessoas passam a se responsabilizar mais por seus atos e emoções, assim como se tornam mais ativas no grupo terapêutico, no qual estão inseridas (NEWMAN; HOLZMAN, 1999).
Quanto à duração da terapia, não há tempo determinado de duração para o término do grupo ou para a alta de pacientes. Alguns ficam por anos e outros apenas alguns meses, a depender da própria motivação em se engajar nesse tipo de trabalho grupal.
Nessa perspectiva, alta e cura têm significados bastante diversos do que tradicionalmente está posto nas psicoterapias. Newman (1991) considera mudança, ou o que é caracterizado por cura na terapia, quando as pessoas se fortalecem e se transformam ao redefinirem sentidos que há muito tempo estavam estabelecidos e estigmatizados, e que as posicionava como passivas e meras espectadoras de suas vidas. Nesse processo de ressignificação coletiva, reconstroem-se outros sentidos no grupo e, dessa forma, as pessoas passam a ser agentes e protagonistas dessa nova configuração.
Essa forma de compreensão de cura na terapia social desconstrói também o entendimento de alta. Sendo a vida dinâmica e o desenvolvimento humano algo processual e contínuo, esse exercício de criar e recriar novas formas de ser e estar no mundo não tem fim. Portanto, o tempo do paciente em terapia e sua alta não é decidido pelo diagnóstico/prognóstico do terapeuta, mas, também, coletivamente, entre terapeuta, paciente e o grupo.
Assim, a terapia social funciona como um exercício coletivo de novas emocionalidades e produção de novos sentidos. Newman (1994) faz uma comparação com o exercício físico para a boa forma do corpo. O exercício coletivo emocional do grupo também promove indivíduos em boa forma com suas emoções. Esse processo não objetiva, no entanto, encontrar soluções aos problemas individuais de cada um, mas sim promover sua transformação em virtude da sua relocação e recriação coletiva de outras possibilidades, outras performances.
A duração de uma sessão é de noventa minutos. Os participantes trazem para a terapia suas questões a serem trabalhadas, sendo o desafio o como se conversa sobre tais questões, de forma a contribuir com a construção da grupalidade. O papel do terapeuta é auxiliar nessa construção da grupalidade, que se trata de atividade em que todos devem estar envolvidos e se desenvolver por meio dela, dialeticamente. Essa atividade favorece a construção da zona de desenvolvimento proximal. Há um trabalho conjunto de criação dessa zona, dessa atividade, que auxiliará o grupo a encontrar novas, criativas e potentes maneiras de estar no mundo. Os próprios membros do grupo, junto ao terapeuta, são responsáveis por criar um ambiente terapêutico, no qual novas atividades emocionais e novas performances possam emergir. Essas atividades favorecem a interação grupal e maior entendimento das emoções como da ordem relacional, tornando possível gerar uma atividade coletiva que escape da armadilha da emoção, como produto individual e solitário.
A emoção, sob a perspectiva da terapia social, é compreendida em seu caráter social e relacional, favorecendo assim maior interligação e proximidade entre os membros do grupo, tornando estes mais conectados entre si, fortalecidos pelo suporte grupal e mais articulados às suas emoções. Dessa forma, o exercício constante de construção da grupalidade vai incrementando o repertório do grupo na relação com suas emoções, na interação com seus membros e na performatividade coletiva. Assim, exercitando novas performances dentro do grupo, também se está construindo recursos de ação que podem ser exercitados fora do grupo.
Dessa forma, o terapeuta auxilia o grupo a conversar sobre os temas trazidos. Os membros do grupo podem trazer qualquer assunto para a terapia; no entanto, o mais importante é como conversam. O trabalho do grupo é desenvolver formas coletivas de se aproximar e interagir e, nessas conversas, criar novos sentidos. Nesse processo, o grupo vai percebendo sua potência na criação coletiva enquanto conversa, compreendendo o importante papel que possui nesse processo, produzindo novos sentidos e, ao mesmo tempo, se conhecendo melhor através dessa atividade coletiva.
Inspirada em Marx, a terapia social entende o paciente como um ser revolucionário, no sentido de sua capacidade de transformação e mudança. Segundo essa perspectiva, é característica fundamentalmente humana a capacidade de se engajar e desenvolver atividades revolucionárias (HOLZMAN, 2006a). Na terapia social, por ser abordagem que conta com a participação ativa das pessoas na construção do grupo, da terapia e da mudança, o terapeuta se relaciona com o paciente como alguém capaz de revolucionar, no sentido de que ele é capaz de criar e recriar emocionalidade no grupo. Assim, o paciente não é tomado como passivo e vulnerável, mas alguém poderoso, agente e produto de sua própria mudança (HOLZMAN, 2009). Terapeuta e paciente, nessa perspectiva, são co-criadores de novas práticas, num processo participativo entre seres humanos exercitando criar e recriar o mundo e a si mesmos, num constante devir.
A intervenção do terapeuta, portanto, é de facilitador e de suporte ao grupo, sendo flexível e improvisador, variando sua intervenção de acordo com a interatividade e a conversação do grupo. Há momentos em que atua mais como espectador da construção da grupalidade e, em outros momentos, aponta recursos do próprio grupo ao grupo, especialmente quando este se perde em questões mais individualizadas. Apesar de não haver técnicas rígidas de atuação do terapeuta, uma postura bastante enfatizada é a postura improvisadora do terapeuta.
A improvisação também é um método da dramartugia, trazido para a terapia social. Apesar de remeter à ideia de sair do script, há algumas regras para atuar como improvisador. Improvisação seria um complemento da preparação. Significa estar preparado ao mesmo tempo em que se está aberto para o inesperado que virá. Na terapia social, ser improvisador é saber ouvir e aceitar a oferta que vem ao grupo, criando com ela. Dessa forma, o terapeuta deve ouvir o grupo sem julgar ou negar o que foi dito, mas utilizando-se das conversações para construir a partir delas. Assim, a improvisação é utilizada pelo terapeuta na terapia social como uma atividade colaborativa, de descoberta e de criação coletiva de novos sentidos. Segundo Holzman (2006), a postura improvisadora do terapeuta significa aceitar o inesperado, acolhendo os participantes e incentivando-os a correr riscos, expressando-se e expondo-se, também promovendo a escuta e a criação de contextos para interação criativa no grupo, preocupando-se muito mais como se conversa do que com o conteúdo da conversa em si.
Terapia social e mudança
A terapia social, como foi descrito, é um método interventivo, desenvolvido a partir de conceitos do marxismo pós-moderno e da teoria de Vygotsky. Não é terapia focada na investigação e intervenção de questões individuais, assim como não visa à resolução de problemas ou da adaptabilidade humana. Seu eixo principal, que sustenta todo o seu referencial teórico e metodológico, é o desenvolvimento social, utilizando o grupo e a coletividade como recurso interventivo potente. A visão de homem, nessa abordagem, é de um ser que se constrói dialeticamente, a partir de sua interação com o mundo e com os outros. Um ser performático, em constante desenvolvimento.
O trabalho em grupo nessa perspectiva, portanto, não se propõe resolver os problemas individuais dos seus membros, mas criar uma força coletiva criativa, desenvolvida e legitimada pelo grupo, promovendo esse espaço de construção dialética, permitindo novas formas de sentido e de ver uma questão, gerando, assim, outras formas de agir, outras realidades.
A terapia social aposta que o exercício da atividade performática de certos processos humanos coletivos tem a potência de gerar outras novas performances, contribuindo para o empoderamento das formas de agir de cada um e do coletivo, apontando um vir a ser. Esse movimento dialético do ser e do devir, do individual e do coletivo, segundo a terapia social, promove o desenvolvimento emocional do sujeito e a possibilidade de construção de relações menos fixas, mais flexíveis e livres.
Essa abordagem se diz revolucionária por desafiar as terapias tradicionais que trabalham com a necessidade de adaptação emocional do indivíduo, propondo métodos interventivos de cura ou ajustamento. Ao contrário, a terapia social está interessada em trabalhar com o desenvolvimento humano em sua perspectiva coletiva, nos seus processos interativos de construção e desconstrução da emocionalidade, apontando sua relacionalidade e sua capacidade de ser continuamente recriada.
Para a terapia social, a saúde mental individual está sempre interconectada à saúde mental coletiva, assim como com a saúde mental da sociedade, numa unicidade maior. Portanto, a mudança coletiva e social está intrinsecamente ligada à mudança individual, num interligamento sempre dialético. A terapia social se faz revolucionária também por fazer parte de um movimento maior, que desafia o status quo. Um movimento que investe na liberdade política, que investe em uma cultura e arte polissêmica, dando voz a valores periféricos e legitimando sua existência.
Por não se propor diagnóstica, interpretativa nem adotar um arcabouço de conceitos universais que determinam como uma intervenção deve ser conduzida, a terapia social é muitas vezes compreendida como terapia controversa. No entanto, seus autores consideram que sua força revolucionária e subversiva é justamente essa proposta de ser contextual. Sua forma de atuação se dá de acordo com o material de trabalho oferecido pelo grupo, desenvolvendo atividades emergentes de uma dada realidade local e em constante movimento.
Assim, a terapia social se apresenta como mais uma forma possível de se trabalhar sob uma perspectiva pós-moderna, que pode servir de inspiração para o desenvolvimento de trabalhos terapêuticos de grupo, oferecendo algumas ferramentas para o exercício da coletividade, do engajamento e da mudança social.
Referências
BOCK, A. M. B. A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Estudos de Psicologia, Natal, v. 4, n. 2, p. 315-29, 1999. [ Links ]
FRIEDMAN, D. Introduction toward a postmodern marxism. [Texto não publicado, 2009] [ Links ].
GERGEN, K. The emergence of postmodern culture. In: ______. The saturated self: dilemmas of identity in contemporary life. New York: Basic Books, p. 111-38, 1991. [ Links ]
HOLZMAN, L. Vygoskty at work and play. New York: Routledge, 2009. [ Links ]
_____________. Activating postmodernism. Theory & Psychology, Calgary, v. 16, n. 1, p. 109-23, 2006a. [ Links ]
____________. Lev Vygotsky and the new performative psychology: some implications for business and organizations. In: HOSKING, D. M; MCNAMEE, S. (Eds.). The Social construction of organization. Danska: Liber & Copenhagen Business School Press, p. 254-68, 2006b. [ Links ]
____________.; MENDEZ, R. (Eds.). Psychological investigations: a clinician’s guide to social therapy. New York: Brunner-Routledge, 2003. [ Links ]
NEWMAN, F. A therapeutic deconstruction of the illusion of self. In: HOLZMAN, L. (Ed.). Performing psychology: a postmodern culture of the mind. New York/London: Routledge, p. 111-32, 1999 [ Links ]
___________. Re-doing the past: a few social therapy success stories and their morals. In: ___________. Let’s develop: a guide to continuous personal growth. New York: Castillo International, p. 77-90, 1994 [ Links ]
__________. Community as a heart in a havenless world. In: ______. The myth of psychology. New York: Castillo International, p. 140-70, 1991. [ Links ]
__________; HOLZMAN, L. All power to the developing. Annual Review of Critical Psychology, v. 3, p. 8-23, 2003. [ Links ]
______. Beyond narrative to performed conversation (“In the beginning” comes much later). In: HOLMAN, L. (ed.). Performing Psychology, A postmodern culture of the mind. New York/London, Routledge, p. 87-110, 1999. [ Links ]
______. La relevancia de Marx en la Terapeutica del siglo XXI. Revista Venezolana de Psicologia Clinica Comunitaria, Caracas, n. 2, p. 47-55, 2001. [ Links ]
_______. Lev Vygotsky: revolutionary scientist. London: Routledge, 1993. [ Links ]
PALLARES-BURKE, M. L. G. Entrevista com Zigmunt Bauman. Tempo Social, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 301-25, 2004 .WITTGENSTEIN, L. Philosophical investigations: bilíngue alemão/inglês. Oxford: Blackwell, 1958. [ Links ]
ZANELLA, A. V. et al. Questões de método em textos de Vygotski: contribuições à pesquisa em psicologia. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 25-33, 2007. [ Links ]
Celiane Camargo-Borges
E-mail:celianeborges@gmail.com
Recebido em: 25/02/2010
Aprovado em: 01/11/2010
Revisado em: 06/08/2010
1Agradecimentos - Emerson Rasera, Murilo Moscheta, Lois Holzman e Dan Friedman pela revisão e sugestões ao texto.