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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2019

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i1p.36-53 

ARTIGOS

 

Espaço do berçário: contribuições de um programa de acompanhamento

 

Organization of child care space: contributions of a monitoring program

 

Espacio de la guardería: contribuciones de un programa de seguimiento

 

 

Paula Neves PortugalI; Marília Reginato GabrielII; Cesar Augusto PiccininiIII

IDocente. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIDocente. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIIDocente. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou as contribuições de um programa de acompanhamento com educadoras, baseado na abordagem pikleriana, para a organização dos espaços do berçário e para a interação educadora-bebê. Foi realizado um estudo de casos múltiplos com seis educadoras de berçário de duas creches públicas, que participaram de seis encontros individuais. Seis meses após o término do acompanhamento, as educadoras responderam a uma entrevista, cujas respostas foram examinadas por meio da análise de conteúdo qualitativa. As educadoras relataram mudanças na organização do espaço físico, dos móveis e objetos, bem como uma melhor qualidade da interação educadora-bebê, percebida ao propiciar autonomia e dar mais atenção individualizada nos momentos de cuidados. Os resultados sugerem que o acompanhamento possibilitou mudanças na organização do berçário, que puderam apoiar a interação educadora-bebê e contribuir para a promoção do desenvolvimento infantil.

Palavras-chave: Organização do Espaço; Educação Infantil; Interação Educadora-bebê.


ABSTRACT

The present study investigated the contributions of a monitoring program for educators based on the Piklerian approach for the organization of child care spaces and for the child-educator interaction. Six educators of two public child care center participated in six individual meetings. Six months after the end of mentoring, the educators were interviewed and the answers were examined through qualitative content analysis: child care space characteristics and educator-child interaction. The educators reported changes in the organization of the physical space, furniture and objects. The teachers also reported a better quality of the educator-child interaction, perceived in their own attitudes providing autonomy, organizing space based on children needs, as well as giving more individualized attention to them in times of care. The results suggest that monitoring could make changes in the child care organization that could support the educator-child interaction and contribute to the promotion of child development.

Keywords: Space Organization; Child Care Center; Child-Educator Interaction.


RESUMEN

Este estudio investigó las contribuciones de un programa de seguimiento con educadoras, basado en el enfoque pikleriano, para la organización de los espacios de guardería y para la interacción educadora-bebé. Se realizó un estudio de casos múltiples con seis educadoras de dos guarderías públicas, que participaron de seis encuentros individuales. Seis meses después del término del seguimiento, las educadoras respondieron a una entrevista, cuyas respuestas fueron examinadas por medio del análisis de contenido cualitativo. Las educadoras relataron cambios en la organización del espacio físico, de los muebles y objetos, así como una mejor calidad de la interacción educadora-bebé, percibida al propiciar autonomía y dar más atención individualizada en los momentos de cuidados. Los resultados sugieren que el seguimiento posibilitó cambios en la organización de la guardería, que pudieron apoyar la interacción educadora-bebé y contribuir a la promoción del desarrollo infantil.

Palabras clave: Organización del Espacio; Educación Infantil; Interacción Educador-Bebé.


 

 

Introdução

As escolas de Educação Infantil têm sido uma escolha cada vez mais frequente das famílias brasileiras, como alternativa de cuidado, devido a mudanças sociais, como a maior entrada das mães no mercado de trabalho (Rapoport, & Piccinini, 2001; Campos et al., 2011a), bem como por se caracterizar atualmente como um direito da criança, visando o cuidado e a garantia de um espaço de aprendizado (Brasil, 1996; 2010). Assim, torna-se essencial pensar na qualidade do cuidado que tem sido oferecido aos bebês no contexto da Educação Infantil, tendo em vista que cada vez mais bebês passam grande parte do dia nas creches.

A qualidade do cuidado da criança caracteriza-se pelas práticas e ações que propiciam a adaptação social, o desenvolvimento cognitivo, as habilidades de aprendizagem (Lamb, 2000), o bem-estar infantil (NICHD, 2006), além das relações afetivas que também vão se constituindo no contexto da creche, e nem sempre são destacadas pelos autores. A literatura (NICHD, 2006) aponta dois tipos de indicadores para avaliar a qualidade do cuidado na creche: estruturais e processuais. Os indicadores estruturais referem-se às características que determinam o ambiente ao qual o bebê está exposto (por exemplo, razão adulto-criança, formação das educadoras, organização do ambiente). Já os indicadores processuais referem-se às experiências do dia a dia do bebê (por exemplo, interação educadora-bebê/criança, atividades com brinquedos e outros materiais).

Diversos estudos têm evidenciado relações entre os indicadores estruturais e processuais e o desenvolvimento e a interação dos bebês na creche (Gabriel, 2016, para revisão). Contudo, no presente estudo sobressaem aqueles sobre indicadores estruturais, mas especificamente a organização do ambiente. Dentre os autores, alguns destacam a relação entre indicadores estruturais de qualidade das escolas e a qualidade das interações educadora-bebê e bebê-bebê (Rubiano, & Ferreira, 1995; Schipper, Riksen-Walraven, & Geurts, 2006; Dowsett, Huston, Imes & Gennetian, 2007). Por exemplo, Campos-de-Carvalho e Padovani (2000) estudaram a relação entre o arranjo espacial do ambiente de berçário (indicador estrutural) e a qualidade das interações entre bebês. Foi analisada a ocupação do espaço por crianças de 2-3 anos de duas creches de Ribeirão Preto (SP), através de observação, verificando a ocorrência de agrupamentos preferenciais e não-preferenciais em três fases: arranjo aberto (habitual), arranjo aberto (introdução de estantes nas laterais) e arranjo semiaberto (montagem de duas zonas circunscritas). Os resultados revelaram que uma maior estruturação espacial acarretou em um aumento significativo nos agrupamentos de crianças. Dessa forma, zonas circunscritas no berçário favoreceriam a interação bebê-bebê. Pode-se concluir que indicadores estruturais influenciam a qualidade do cuidado oferecido às crianças e contribuem para o desenvolvimento infantil e para a interação com adultos e crianças.

Tendo em vista que a organização dos espaços1 contribui para a qualidade do cuidado oferecido às crianças, recentemente, no Brasil, diretrizes para a organização dos espaços do berçário foram criadas (Brasil, 2012). Definiu-se que a sala de brincadeiras deve ser ampla, arejada, ensolarada e com cores suaves, claras e materiais estimulantes. Os espaços destinados às atividades cotidianas de atenção pessoal2, como alimentação, sono e troca de fraldas/roupas, devem ser "permeáveis", ou seja, interligados ao ambiente de brincadeira, para que as crianças que estão brincando não sejam separadas das que necessitam de cuidados, integrando o processo cuidar/educar/brincar. Aconselha-se o uso de divisórias baixas que permitam que a sala seja expandida e retraída em diferentes momentos do dia a dia. Sugere-se que haja janelas próximas ao piso, permitindo que se enxergue o exterior. O piso deve ser térmico, com tapetes antialérgicos e com almofadões de espuma para o bebê se movimentar.

Nesta mesma direção, algumas abordagens teóricas também têm se preocupado com a organização dos espaços nas creches, tendo em vista sua relação com a promoção da qualidade da Educação Infantil. Uma delas é a abordagem pikleriana, uma importante metodologia de trabalho com crianças pequenas (Sisla, 2012), baseada na experiência de Pikler desenvolvida no Instituto Lóczy (Szanto-Feder, 2006).

A abordagem pikleriana organiza-se em quatro princípios (Tardos, 2010): (1) atividade autônoma e livre do bebê baseada em suas próprias iniciativas; (2) busca constante para que cada bebê aprenda a conhecer a si mesmo e ao seu ambiente; (3) relações pessoais estáveis e dentro delas um vínculo do bebê com uma pessoa privilegiada, bem como a qualidade particular desta relação; e (4) saúde física e emocional da criança. Entende-se que o último princípio é consequência do sucesso dos três primeiros (Falk, 2011).

Ao permitir que os bebês se movimentem livremente, Pikler (1969) entende que eles conseguem, de forma autônoma, ou seja, a partir do próprio desejo, escolher suas posturas corporais (como virar e sentar). Essa escolha se dá a partir da experimentação dos bebês e da confiança que adquirem em si mesmos. O respeito à autonomia dos bebês na escolha das posturas e dos movimentos propicia que eles aprendam as posturas básicas melhor do que os bebês que são colocados em posições específicas pelos adultos, e ainda aprendem posturas diferentes ao sentar, engatinhar e caminhar. Se os bebês estão confortáveis na posição que eles mesmos escolheram, podem concentrar-se melhor na brincadeira e na exploração do ambiente (Falk, 2011). Dessa forma, a abordagem recomenda um espaço organizado de modo a propiciar a movimentação livre do bebê, sem a necessidade de interferência direta do adulto.

Assim, a partir dos três meses de vida, sugere-se oferecer aos bebês um espaço comum de brincadeiras onde são dispostos objetos simples para que eles possam brincar de forma autônoma (Tardos, 2012). O espaço deve ser organizado de modo que facilite a movimentação livre e o interesse dos bebês nos objetos que se encontram disponíveis (David, 2006). Desse modo, recomenda-se que o espaço propicie que o bebê possa se movimentar livremente, para que ele consiga começar e dar continuidade às suas atividades, respeitando seu próprio ritmo. O lugar deve ser confiável, com objetos estáveis, pois assim será possível ao bebê conhecer, reconhecer e explorá-los (David, 2006). Em suma, indica-se um espaço organizado de modo que o bebê possa explorar de forma autônoma. Ainda, recomenda-se manter sempre a mesma organização do espaço, pois isso trará segurança ao bebê, possibilitando que ele explore o ambiente de forma mais tranquila e segura.

O espaço oferecido aos bebês, segundo a abordagem pikleriana, deve contar com objetos de cores, formas, sons e usos variados (David, 2006). Além disso, indica-se que sejam oferecidos brinquedos simples (potes e copos), que seja oferecida uma grande quantidade de brinquedos, que os brinquedos estejam disponíveis em locais de fácil acesso (caixas no chão e prateleiras baixas), que sejam criadas áreas para brincadeiras temáticas, como, por exemplo, de casinha (bonecas, fogãozinho etc.) (David, 2006). Dessa forma, os bebês terão um espaço rico e estimulante para exploração e brincadeira livre.

Além disso, a abordagem também recomenda que os brinquedos atendam a critérios de segurança, de valor pedagógico e de variedade. Os brinquedos devem ser seguros para que o bebê não tenha risco de se engasgar ou se machucar, por exemplo. Contudo, como mediadores com a realidade externa, os brinquedos devem ser resistentes e inquebráveis. Precisam oferecer múltiplas formas de manipulação, como apertar, empurrar, puxar etc. Além disso, os brinquedos ofertados devem ser simples de modo a estimular a criatividade, para que os bebês se deparem com diferentes sensações e experiências táteis e auditivas (APLF, 2008).

Embora a organização do espaço seja importante na abordagem pikleriana, entende-se que as educadoras têm o papel essencial de observar os bebês nos momentos em que estão brincando livremente e de serem sensíveis as suas demandas. A partir das observações, elas podem modificar o espaço para o bebê manter seu interesse, além de perceber quando o bebê está precisando de algum cuidado mais próximo, retirando-o da área de brincadeiras e dando-lhe uma atenção individualizada. Além disso, a presença respeitosa das educadoras, agindo com sensibilidade, de forma afetiva e tranquila - não em primeiro plano, porém dentro do campo de visão dos bebês -, garante o apoio e a segurança que podem encorajar o bebê para se movimentar e explorar o seu entorno de forma autônoma (David, 2006).

Sabendo que as educadoras têm um papel essencial na organização do espaço proposta pela abordagem pikleriana, diversos estudos têm focado na importância de sua formação, visto que está associada à qualidade do cuidado em ambientes coletivos (Campos, Füllgraf, & Wiggers, 2006). Neste sentido, o objetivo do presente estudo foi investigar as contribuições de um programa de acompanhamento para educadoras baseado na abordagem pikleriana para: a (1) organização dos espaços do berçário e a (2) interação educadora-bebê.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo seis educadoras de duas turmas de berçário de duas escolas de Educação Infantil públicas de Porto Alegre, que atendiam famílias de nível socioeconômico baixo. Quatro educadoras (E1, E2, E3 e E4) eram de um berçário com 20 crianças (Berçário A) e outras duas educadoras (E5 e E6) eram de um berçário com 11 crianças (Berçário B). A Tabela apresenta alguns dados sociodemográficos e sobre a experiência profissional das educadoras.

Todas as educadoras integravam o projeto intitulado "Contribuições de um programa de acompanhamento para a promoção da qualidade das interações educadora-bebê durante os cuidados básicos"3, aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (Processo no 913.495, de 30 de novembro de 2014), sendo que todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os berçários foram indicados pela Secretaria Municipal de Educação e todas as oito educadoras (cinco do Berçário A e três do Berçário B) que trabalhavam no local foram convidadas a participar, sendo que uma educadora do Berçário A não aceitou participar do estudo maior, totalizando sete participantes. Destas participantes, uma educadora do Berçário B não estava atuando mais na escola na ocasião do presente estudo, totalizando, assim, seis educadoras.

Delineamento, procedimentos e instrumentos

Para fins do presente estudo, foi utilizado um delineamento de casos múltiplos (Stake, 2006) para investigar as percepções das educadoras a respeito das contribuições de um programa de acompanhamento para a (1) organização do espaço do berçário, e para a (2) interação educadora-bebê. Foram realizadas quatro fases de coleta de dados que envolveram o uso de diversos instrumentos, conforme detalhado em Gabriel (2016)4. Destaca-se aqui apenas os instrumentos cujos dados foram usados no presente estudo.

No primeiro encontro, as educadoras responderam ao Questionário sobre a experiência e formação das educadoras, a qual foi utilizada para investigar o tempo de experiência das educadoras na educação infantil e no berçário especificamente, bem como cursos e capacitações realizados por elas. Na sequência, foram realizados seis encontros do Programa de acompanhamento para educadoras de berçário - PROACEB5, com o objetivo de promover a qualidade das práticas de cuidado destinadas aos bebês do berçário. Os encontros do PROACEB foram organizados em três módulos, compostos de dois encontros cada, com duração de 90 minutos por encontro, realizados individualmente, em espaço separado da sala de trabalho. O programa de acompanhamento baseou-se na abordagem pikleriana (Pikler, 1969; Falk, 1997; David, 2006; Tardos, 2012; David, & Appell, 2013; Kálló, & Balog, 2013), e teve como finalidade promover a qualidade das interações educadora-bebê durante os cuidados. Destaca-se que o termo "acompanhamento" foi escolhido por retratar o modo como os encontros foram realizados, como um espaço com conteúdos previstos, mas com abertura para o diálogo, para as demandas da participante. Os detalhes dos conteúdos e dos procedimentos do PROACEB são descritos em Gabriel (2016).

Seis meses após a realização do PROACEB, as educadoras responderam à Entrevista de Avaliação do Acompanhamento que teve como foco as contribuições do acompanhamento para as mudanças relacionadas à organização do espaço e à interação educadora-bebê. Durante a entrevista, foram apresentadas às educadoras dez fotos, retiradas das observações filmadas da interação educadora-bebê, sendo que metade delas mostrava o ambiente do berçário antes do PROACEB e as demais após. As fotos foram escolhidas por retratarem o ambiente da sala, o mobiliário, a disposição dos brinquedos e os diferentes materiais disponíveis, e tinham como objetivo auxiliar as educadoras a refletirem e avaliarem as mudanças ocorridas no espaço e seus impactos para a interação educadora-bebê. A pesquisadora que fez as observações, a escolha das fotos a partir das filmagens e as entrevistas foi diferente daquela que realizou o PROACEB.

 

Resultados e Discussão

As respostas das educadoras à Entrevista de Avaliação do Acompanhamento foram examinadas através de análise de conteúdo qualitativa (Laville, & Dione, 1999), visando investigar as mudanças no espaço do berçário e na interação educadora-bebê após os encontros do PROACEB. Para fins de análise, foram usadas duas categorias de análise derivadas da abordagem pikleriana (David, & Appell, 2013; Kálló, & Balog, 2013): (1) características do espaço do berçário, e (2) interação educadora-bebê, bem como subcategorias, derivadas inicialmente da literatura, mas com modificações e acréscimos baseados nos relatos das próprias educadoras. Os resultados serão inicialmente expostos separadamente para cada categoria, e serão ilustrados com relatos das educadoras.

Características do espaço do berçário

Essa categoria diz respeito aos espaços do berçário, incluindo o mobiliário e os brinquedos, bem como a organização e disposição dos mesmos. Os relatos foram classificados em quatro subcategorias: (1) brinquedos disponíveis para os bebês, (2) mobiliário do berçário, (3) superfícies disponíveis para os bebês e, (4) áreas de conforto, cuidado e brincadeira. Em relação aos brinquedos disponíveis, os relatos das educadoras referiram-se aos tipos de brinquedos, à quantidade por crianças e a sua disposição na sala. Após os encontros do PROACEB, pode-se perceber mudanças nos brinquedos disponíveis, no que se refere a uma maior adequação à faixa etária dos bebês, especialmente em relação a sua segurança, que aparece nos relatos de educadoras (quatro)6 de ambos os berçários: "Eram muitos brinquedos que eu acreditava que não seriam adequados para a faixa etária [antes dos encontros]" (E4). Além disso, após o PROACEB, as educadoras (duas) referiram ofertar aos bebês brinquedos que puderam servir como obstáculos para o movimento amplo, como escalar, entrar e sair: "Tem as caixas, que antes a gente não tinha, que eles usam pra entrar dentro, pra se apoiar" (E1). Antes do PROACEB, apenas as educadoras (duas) do Berçário A relataram que, muitas vezes, era percebida uma quantidade excessiva de brinquedos: "Acho que talvez tinha excesso de brinquedos [antes]" (E4). Uma das educadoras também referiu que, após o acompanhamento, foi oferecida uma quantidade maior de brinquedos do mesmo tipo para os bebês, a fim de evitar conflitos entre eles e possibilitar uma exploração mais rica: "Não adianta tu ter um brinquedo lindo que daí só gera briga, mordida. Eles não conseguem fazer comparação, nem explorar de maneira tão rica quanto se eles tivessem mais do mesmo pra poder explorar, comparar" (E2). Educadoras (quatro) dos dois berçários relataram que os brinquedos passaram a estar mais acessíveis aos bebês, e guardados de acordo com o seu tipo (por exemplo, carrinhos em uma mesma caixa): "[Antes] a gente não classificava, não botava em cestas à disposição no chão, e agora tá tudo mais disposto no chão ou em caixas ao alcance deles" (E1). Também uma das educadoras referiu modificações na forma como os brinquedos eram oferecidos aos bebês que ainda não se locomoviam, passando a deixá-los mais expostos, a fim de que eles os buscassem conforme seus interesses: "[Antes] tinha aquela tendência da gente entregar o brinquedo pro bebê, [depois] deixar mais no entorno dele pra que ele pudesse buscar aquilo que no caso interessasse" (E3). Educadoras (três) de ambos os berçários também relataram mudanças no que se refere à permanência dos brinquedos em lugares pré-determinados: "Eles [brinquedos] tem que ficar na ordem pro bebê ter aquela segurança, que vai naquela direção e vai tá aquele objeto que ele tá procurando" (E6).

Com relação ao mobiliário do berçário, somente educadoras (duas) do Berçário A relataram mudanças nos tipos de móveis, ao destacarem a introdução, após o PROACEB, de móveis de tamanho adequado aos bebês e que facilitassem que eles próprios pudessem, por exemplo, sentar-se na cadeira de alimentação: "Aqui [referindo-se à foto realizada após os encontros] tem uma mesinha pequena onde eles comem quando eles começam a comer sozinhos" (E1). Além disso, as duas educadoras também referiram a introdução de móveis que possibilitaram que eles executassem determinados movimentos e posturas de forma livre: "Tem uma barra onde os nenês se apoiam, que também não tinha" (E1). As educadoras (quatro) de ambos os berçários que, após o PROACEB, os móveis foram reordenados com a finalidade de proporcionar um espaço amplo o suficiente para a circulação dos bebês: "[caixas com brinquedos] eram em cima do tapete, agora não, agora o tapete é mais livre" (E5). Educadoras (três) de ambos os berçários referiram mudanças na disposição dos móveis com a intenção de criar recantos no berçário, possibilitando a existência de diferentes áreas de brincadeiras: "[Antes dos encontros] eu não tinha nenhum elemento de divisão de espaços. A sala era toda ampla, não tinha recantos" (E2).

Com relação às superfícies, somente uma educadora do Berçário A relatou que passou a priorizar superfícies mais macias que o chão, como tatame e tapete, evitando opções muito macias, como colchões, que podem dificultar o equilíbrio e o apoio firme para a mudança de posição e para os deslocamentos: "Esse colchonete não tem mais, que era uma superfície mais molenga. Agora tem o chão e tem o tatame" (E1). Outra educadora do Berçário A relatou preocupação com a variedade de superfícies disponíveis aos bebês: "Não tinha tanta diversidade da questão de firmeza do chão. Era só o colchão e o chão. Depois a gente pegou um colchão menor, colocamos os tatames e o chão também" (E2).

Com relação às áreas de conforto, cuidado e brincadeira, apenas educadoras (três) do Berçário A relataram mudanças na organização do espaço após o PROACEB, destinando uma área para atividades mais calmas e para o conforto do bebê, separada da área de brincadeiras mais ativas: "Aqui vários dormem. Tem uma rede aqui nessa janela. Muitas crianças gostam de ir ali, e embaixo às vezes se põe um colchonetezinho" (E3). Antes do PROACEB, a área de brincadeiras compartilhava o mesmo espaço da área de cuidados pessoais nos dois berçários. Já após o PROACEB, todas as educadoras dos dois berçários referiram que o espaço destinado à brincadeira livre passou a ser separado por barreira física do local de atenção às questões de higiene, alimentação e sono: "A questão da mudança da alimentação não ficar junto com a sala de circulação. Isso é a primeira mudança positivíssima que teve" (E4). As educadoras (duas) de ambos os berçários pontuaram que essa divisão possibilitou uma atenção mais individualizada para cada bebê nos momentos de cuidados, mas, ainda assim, permitiu a supervisão dos outros bebês que permaneciam brincando: "Essas divisões favoreceram que, ao mesmo tempo em que eu estou dando comida pra um, eu também tenho a visão do que está acontecendo do outro lado" (E5).

Os relatos apresentados acima revelam diversas mudanças nos espaços do berçário, após a participação das educadoras no PROACEB. Com relação aos brinquedos, mudanças relatadas pelas educadoras corroboram com a ideia de que os tipos, quantidade e disposição dos brinquedos devem ter como base a fase do desenvolvimento do bebê, permitindo que ele possa explorar, conhecer o mundo e a si mesmo por meio da sua atividade com o brinquedo (APLF, 2008; Kálló & Balog, 2013). Por exemplo, em termos de desenvolvimento, o bebê nos primeiros seis meses de vida deve ter brinquedos dispostos ao redor de seu corpo (e cabeça), uma vez que ele não se desloca para acessá-los. Além disto, precisam ser leves, para que ele tenha força para segurá-los e levá-los até próximo de sua face, desenvolvendo a habilidade de manipulação óculo-manual (APLF, 2008).

Os relatos das educadoras indicaram que, após o PROACEB, elas passaram a ter mais preocupação com a segurança dos bebês, e ofereciam tipos de brinquedos indicados para a faixa etária e que não ofereceriam riscos, assim como indicado pela literatura (APLF, 2008). Considera-se quase impossível que a segurança seja totalmente garantida sem falhas somente pela supervisão dos adultos. O espaço seguro pode contribuir para que a educadora possa se dedicar, por exemplo, a uma troca de fraldas de um bebê, sabendo que os bebês que estão brincando se encontram em segurança (Richter, & Barbosa, 2010).

Ainda, no relato das educadoras, percebeu-se a inclusão de brinquedos que poderiam servir como promotores do desenvolvimento. Ao colocar caixas no chão, as educadoras estimularam que os bebês fizessem associações cognitivas como dentro e fora, e motoras amplas, como subir e descer. Contudo, percebeu-se que não foi enfatizado o valor pedagógico dos brinquedos escolhidos (APLF, 2008). Isso pode ser explicado pela possível dificuldade de ver como um objeto simples, como uma argola de madeira, pode ter um valor para o desenvolvimento dos bebês (David, & Appell, 2013).

Após o PROACEB, as educadoras passaram a perceber que vários objetos de tipos diferentes pouco auxiliavam os bebês em seu desenvolvimento, especialmente cognitivo e social. Ainda, as educadoras apontaram que o aumento da quantidade dos mesmos tipos de brinquedos foi importante a fim de evitar disputas e conflitos entre os bebês. A existência de uma maior quantidade de brinquedos simples, como copos, argolas, chocalhos e peças de encaixe faz com que os bebês não tenham que disputar os brinquedos ou a atenção da educadora (David, 2006). A grande quantidade de brinquedos do mesmo tipo oferecido aos bebês, auxiliando na diminuição da ocorrência de disputas, pode fazer também com que haja uma menor necessidade de interferências das educadoras na interação dos bebês com seus pares e com os objetos, promovendo interações mais duradouras (APLF, 2008).

Após o PROACEB, as educadoras também relataram mudanças no que se refere à acessibilidade dos brinquedos e à permanência nos mesmos locais. Além de entender que a acessibilidade dos brinquedos é essencial para que os bebês desejem e possam ir até eles, colocando seu processo de desenvolvimento em ação, dispor os brinquedos ao alcance dos bebês pode retirar da educadora o papel central de oferecê-los (Campos-de-Carvalho, Meneghini, & Mingorance, 1996; Meneghini, & Campos-de-Carvalho, 1997). Assim, a acessibilidade dos brinquedos torna-se fundamental para a autonomia dos bebês, que passam a fazer suas próprias escolhas, não dependendo da presença ativa da educadora. Ainda, a permanência dos brinquedos nos mesmos lugares promove segurança, fundamental para a aquisição de senso de estabilidade e previsibilidade do ambiente. Os bebês que se sentem seguros conseguem explorar de forma mais autônoma, sem solicitar a presença do adulto com tanta frequência (David, 2006).

Percebeu-se, ainda, uma preocupação das educadoras em criar zonas de interesse para os bebês, e por outro lado, uma preocupação com a amplitude do ambiente do berçário para a locomoção dos bebês. Esse último entendimento é frequente em berçários, tendo como consequência um espaço amplo e vazio no meio da sala, o que significaria um espaço seguro para os bebês (Moreira, 2013). No entanto, estudos têm demonstrado que a presença de algumas zonas circunscritas (áreas delimitadas pelo menos em três lados por barreiras físicas) promove um aumento da ocorrência de interações intensas e duradouras entre bebês e crianças pequenas, pouco comprometendo a locomoção ou o desenvolvimento motor (Campos-de-Carvalho, & Padovani, 2000; Moreira, 2013). Destaca-se que as mudanças no espaço físico realizadas pelas educadoras, ou seja, intermediadas por elas, parecem provocar interações de maior qualidade entre os bebês e com os objetos.

Por fim, com relação às áreas de conforto, cuidado e brincadeira, percebe-se que a organização do espaço em diferentes tipos de áreas denota a sensibilidade das educadoras em adequá-lo de acordo com as necessidades dos bebês, bem como de oferecer diversidade de experiências (David, 2006). A organização de recantos destinados ao conforto dos bebês revelou o reconhecimento por parte das educadoras de que o bebê não precisa estar em atividades ativas o tempo inteiro - ele precisa de um tempo para descansar ou realizar atividades calmas, sem a interrupção da educadora e dos outros bebês (Portugal, 2010).

Quanto à área de brincadeiras e de cuidados, recomenda-se que estes espaços sejam separados para que a educadora possa oferecer atenção individualizada aos bebês nos momentos de cuidado (Seabra, & Moura, 2005; David, & Appell, 2013). Com a separação destas áreas, os bebês que não estão sendo alimentados, por exemplo, podem aguardar a sua vez brincando na outra área. Além disso, se este bebê solicita atenção da educadora que está ocupada com o cuidado individual de outro bebê, ela pode responder à solicitação verbalmente, sem que interrompa diretamente a atividade individual. Do contrário, sem as divisões, as educadoras tendem a ter dificuldades em realizar as atividades individuais, pois os bebês que estão aguardando podem acabar interrompendo sua atividade, buscando interações físicas com a educadora. Sem a divisão do espaço, as educadoras acabam recebendo demandas de muitos bebês ao mesmo tempo. Isso afeta os cuidados individualizados, uma vez que se sabe que grupos pequenos de bebês permitem trocas com mais intimidade e segurança, possibilitando que as educadoras ofereçam cuidados mais responsivos e sensíveis. Além disto, em pequenos grupos ocorrem menos barulhos e menos interferências, e as trocas afetivas entre as educadoras e os bebês tornam-se facilitadas (Portugal, 2010).

Interação educadora-bebê

Essa categoria de análise incluiu os relatos das educadoras sobre os momentos de interação com os bebês, tanto nas brincadeiras quanto nos momentos de cuidado. Também foram enfocados os comportamentos autônomos dos bebês e o movimento livre. Os relatos foram classificados em quatro subcategorias: (1) autonomia dos bebês nas brincadeiras; (2) movimento livre e posturas dos bebês; (3) cuidados e trocas afetivas educadora-bebê e (4) observando a brincadeira dos bebês. Com relação à autonomia dos bebês nas brincadeiras, as educadoras destacaram que eles estavam brincando e explorando a partir das suas competências e interesses, sem necessitar a participação direta das educadoras. Uma das educadoras do Berçário A relatou que, após o PROACEB, os bebês passaram a iniciar mais as brincadeiras: "Então tu tendo esses objetos à disposição, tu não precisa sempre tá oferecendo, o nenê pode ir direto e, às vezes, eles trazem pra gente interagir" (E1). Além disso, educadoras (4) dos dois berçários relataram que os bebês passaram a buscar brinquedos que fossem de seu interesse: "Eles escolhem com o que eles brincam, não é uma coisa que a gente dá. Eles pegam os brinquedos, eles escolhem" (E5). Nesta mesma direção, educadoras (2) de ambos os berçários referiram uma menor demanda para estarem ativamente presentes nas brincadeiras dos bebês, após o PROACEB: "Uma coisa que eu me lembro bem era de [antes dos encontros] passar pro lado da cerca e vir todos ao meu redor, eu me sentia uma galinha com os pintinhos. Agora eu vejo que eles conseguem ficar mais sozinhos, continuar fazendo aquilo que tão fazendo" (E2).

Com relação ao movimento livre e posturas dos bebês, educadoras (2) de ambos os berçários relataram que, após o PROACEB, foram percebidas mais oportunidades para que os bebês se movimentassem mais livremente e escolhessem posturas que os deixassem mais confortáveis: "Aprendemos a não ficar trocando os bebezinhos de movimento. Se ele está bem, deitado de costas, não está chorando, deixa ele ali, deixa ele se mover como quiser, não fica trocando ele" (E6). Uma das educadoras do Berçário A também apontou que a organização do espaço, após os encontros, propiciou que os bebês pudessem escolher suas próprias posturas: "Já que o ambiente está propício, a gente tem outras coisas pra eles ficarem mais deitados, sem ter a preocupação de estar sentando [os bebês]" (E3).

No que se refere aos cuidados e trocas afetivas educadora-bebê, uma educadora do Berçário A referiu que, após o PROACEB, foi possível dar uma atenção mais individualizada aos bebês durante as atividades de atenção pessoal: "A questão da alimentação deles [foi uma mudança positiva]. Antes os bebês ficavam ali [na área de brincadeira] junto com a gente e a gente não conseguia dar uma atenção pra aquela criança que está comendo porque todos os outros subiam na gente" (E2). Essa educadora ainda referiu que mudanças na organização do espaço e na interação bebê-bebê também a auxiliaram a poder atender individualmente os bebês: "Porque se eles tão bem ali, brincando, se eles conseguem se distrair nos recantos, se dividir pela sala pra brincar, não brigar pelos brinquedos, é um tempo que tu tem pra estar dando uma atenção individualizada pra outra criança, sem estar te preocupando com aqueles que tão ali se matando" (E2). Ainda, educadoras (2) de ambos os berçários referiram que passaram a ter mais oportunidades de identificar as necessidades dos bebês: "Se tu tá brincando ou tu tá sentada no chão e tu vê que tem uma criança que tá chorando muito ou tá com sono, tu vai ver se é a fraldinha ou se ela tá com sono" (E1).

Quanto à observação da brincadeira dos bebês, educadoras (4) de ambos os berçários relataram que, após o PROACEB, passaram a observar mais os bebês nos momentos de brincadeira, e com isso refletir e organizar os espaços conforme as necessidades e as demandas que apresentavam: "[a partir da observação foi possível] remover esses brinquedos que não chamavam atenção, e foram colocados outros que chamaram" (E4). Ainda, educadoras (4) dos dois berçários, relataram que passaram a intervir menos na brincadeira: "Ela [educadora] está fazendo um registro e a criança está interagindo sozinha brincando. Já começou a mudar o foco de não ficar ali grudado na criança" (E5).

Os relatos das educadoras a respeito dos bebês terem passado a buscar os brinquedos por conta própria e a brincar sozinhos, sem necessitar tanto da presença ativa das educadoras, sugerem a presença de comportamentos mais autônomos durante as brincadeiras. Estas experiências de autonomia estão associadas às competências emocionais e a um desenvolvimento global harmonioso. Além disto, também estão associadas às competências intelectuais, visto que um bebê que obtém algo por meio de um comportamento autônomo adquire um conhecimento diferente de um bebê a quem é oferecida uma solução prévia (Falk, 2011). Pode-se também pensar que o fato de os bebês solicitarem menos a participação das educadoras pode contribuir para uma brincadeira mais rica por parte deles. Ou seja, se os bebês não necessitam da presença da educadora isso pode indicar que estão mais concentrados e interessados na exploração, e que a brincadeira segue um ritmo guiado por eles e não pelos adultos (Falk, 2011).

Ainda, os relatos das educadoras apontaram para mudanças na organização do espaço que foram essenciais para diminuir a centralidade de sua presença nas atividades dos bebês, contribuindo para que fossem mais ativos. Em um espaço com uma grande quantidade de brinquedos acessíveis, os bebês conseguem buscar os que lhe interessam por iniciativa própria, não dependendo de que as educadoras iniciem ou proponham as brincadeiras. Isso é importante, pois, em um espaço com escassez de brinquedos, as educadoras acabam sendo mais solicitadas, e o bebê poderia ficar mais dependente da iniciativa da educadora para iniciar uma atividade (Meneghini, & Campos-de-Carvalho, 1997).

Quanto ao movimento e às posturas livres dos bebês, os relatos das educadoras também evidenciaram uma prática de trocar menos os bebês de posição, defendida pela abordagem pikleriana. David (2006) afirma que os bebês que adquirem suas posturas de forma natural, sem a interferência do adulto, conseguem explorar e brincar melhor por estarem confortáveis na posição que eles mesmos escolheram. Assim, eles não precisam manter sua atenção no equilíbrio necessário para permanecer na posição em que foram colocados (Falk, 2011). Além disso, facilitar o movimento livre contribui para a ampliação do repertório de movimentos das crianças e é bastante importante para que elas conheçam o próprio corpo, suas possibilidades e também seus limites (Iza, & Mello, 2009).

Ainda, percebe-se que o fato de as educadoras passarem a respeitar mais a movimentação e as posições dos bebês após o PROACEB pode denotar uma nova concepção em relação às competências do bebê. Ao respeitar a autonomia dos bebês em seu movimento e em suas posturas, as educadoras passaram a destacar o potencial do bebê em relação ao seu desenvolvimento motor, reconhecendo que eles são capazes de se desenvolver naturalmente, sem a interferência direta do adulto (Falk, 2011). No entanto, é importante que este respeito quanto à movimentação e à postura conviva com a sensibilidade e a contribuição das educadoras de incentivar que os bebês realizem novos movimentos. Assim, as educadoras também precisam estimulá-los a se deslocarem, disponibilizando objetos e instigando a curiosidade e o interesse em explorar (Iza, & Mello, 2009).

Com relação aos momentos de atenção pessoal e trocas afetivas educadora-bebê, após o PROACEB, notaram-se mudanças na interação com os bebês depois de o espaço do berçário ter sido organizado de forma a promover mais autonomia aos bebês. Após as mudanças, elas puderam estar mais disponíveis aos bebês, possibilitando uma leitura mais efetiva de seus sinais. Quando a organização do espaço coloca nos bebês a centralidade das atenções e ações, o papel da educadora tende a mudar. Se antes ela era uma educadora ativa, que deveria iniciar a maioria das interações, agora a sua função está em observar os bebês e detectar seus sinais para respondê-los da forma mais adequada e rápida possível (Tardos, & Szanto-Feder, 2011).

Ainda, com a mudança da organização do espaço, as educadoras puderam dedicar-se a cada bebê de forma mais individual, enquanto os outros estavam envolvidos com suas próprias atividades. Estes momentos individuais são entendidos como ricos para a interação educadora-bebê, pois a díade tem a oportunidade de realizar trocas afetivas singulares, percebidas através do toque no bebê, da troca de olhares e das verbalizações (Tardos, 1992). Segundo Chokler (2013), a forma de sustentar e de manipular o corpo do bebê nos momentos individuais provoca sentimentos de segurança e confiança, contribuindo para a constituição de um vínculo de apego seguro educadora-bebê.

As educadoras também relataram que passaram a se dedicar mais a observar os bebês nos momentos de brincadeira, ao invés de intervir na atividade deles. Essa menor interferência das educadoras se apresenta como um aspecto importante da relação com o bebê, pois respeitar a iniciativa autônoma, sem interromper sua atividade oferecendo outras distrações, seria uma forma de se relacionar com ele respeitando sua individualidade (Monsú, 2012). A presença das educadoras junto aos bebês permite que elas apoiem e os encorajem a iniciar ou seguir com as atividades e as explorações (David, 2006).

Ainda, as educadoras, a partir da observação, parecem ter conseguido olhar criticamente para o espaço que era oferecido aos bebês. Desta forma, puderam modificar o espaço de maneira a se adequar mais às necessidades e aos interesses dos bebês (David, 2006). Nesta perspectiva, o papel da educadora na brincadeira deixa de ser central no sentido de comandar as interações diretas, para focar na observação do desenvolvimento e na interação do bebê com o ambiente. Apesar de a educadora ficar mais vezes em segundo plano, ela irá influenciar na qualidade das brincadeiras, tanto a partir da escolha dos objetos de acordo com os interesses do bebê, quanto por meio do apoio às brincadeiras, com palavras e olhares que remetam a sua disponibilidade (Freitas, & Pelizon, 2011).

 

Considerações Finais

Os relatos das educadoras revelaram mudanças nos espaços, mobiliário e outros elementos que compunham as salas de berçário, que parecem ter contribuído para o reconhecimento das competências dos bebês e para a promoção do seu desenvolvimento, bem como para qualificar a interação educadora-bebê. Cabe destacar que a participação no PROACEB pode ter influenciado as educadoras para além da organização dos espaços dos berçários, que foi particularmente focado neste estudo. A partir da escuta que lhes foi oferecida, pode-se criar um espaço para uma maior reflexão e sensibilidade para as questões envolvendo o cuidado de um bebê (Gabriel, 2016).

As mudanças relatadas pelas educadoras, seis meses após participarem do PROACEB, vão ao encontro dos princípios da abordagem pikleriana sobre a importância da organização do espaço do berçário, que precisa propiciar ao bebê estabilidade e segurança. Essa estabilidade é essencial em um momento em que as relações afetivas estão sendo estabelecidas e que, a partir das experiências iniciais, terão impacto no desenvolvimento emocional dos bebês. Ademais, a organização dos espaços com base nessa abordagem busca promover a autonomia dos bebês ao oportunizar que tenham a iniciativa de interagir com os brinquedos, com os pares e com as educadoras. Com um espaço organizado com esse propósito, as educadoras ficariam mais disponíveis para observar os bebês, para refletir sobre o ambiente disponibilizado (espaço e rotina) e para apoiá-los em suas iniciativas. De modo especial, a organização proposta pela abordagem pikleriana possibilitou uma atenção mais individualizada aos bebês durante os cuidados, sendo esses momentos essenciais para que o bebê tenha suas necessidades físicas e afetivas atendidas de modo singular em meio a um contexto coletivo.

Dessa forma, pode-se pensar que o PROACEB oportunizou às educadoras momentos de reflexão não somente sobre a organização dos espaços dos berçários, mas também sobre suas concepções sobre o desenvolvimento do bebê. Os resultados permitem pensar que as referências sobre os bebês migraram de um bebê passivo, com pouca iniciativa e competências para brincar e cooperar, para um bebê com mais protagonismo frente as suas necessidades físicas e afetivas. Para tanto, parece que a organização dos espaços, das rotinas e das interações é central, permitindo o estabelecimento de relações afetivas mais estáveis e de atenção individualizada. Essas concepções sobre os bebês é um referencial importante para que as educadoras possam organizar os espaços do berçário de modo a apoiá-las na sua principal função, que é atender as necessidades do bebê, entre as quais se incluem desde físicas, afetivas e sociais (Carvalho, Pedrosa & Ferreira, 2012). Ressalta-se que a intensa demanda de trabalho das educadoras no berçário pode fazer com que os momentos individualizados sejam, por vezes, realizados com menos qualidade, mesmo que o espaço possa estar organizado de forma a oportunizar uma melhor qualidade das interações. A quantidade de bebês por educadora parece nem sempre permitir que as educadoras atendam às necessidades dos bebês de forma imediata ou que realizem os cuidados sem pressa.

Os resultados do estudo apontaram para melhorias na qualidade do cuidado e das interações promovidas pelas mudanças e na organização dos espaços oferecidos aos bebês. Estes achados corroboram com estudos que apontam que acompanhamentos e formações dirigidas às educadoras, mesmo curtas e pontuais como a desse estudo, podem sensibilizá-las com relação às necessidades do bebê, com implicações a longo prazo (Biringen et al., 2012; Fabiano et al., 2013). Percebeu-se que o PROACEB pode oportunizar melhorias na qualidade do cuidado e na sua sensibilidade por permitir que elas se aperfeiçoem a partir de suas próprias experiências cotidianas (Campos, 1994). Apesar das contribuições importantes reveladas neste estudo, pode-se pensar que uma formação continuada poderia beneficiar ainda mais as educadoras e os berçários, ampliando as mudanças implementadas e criando novas oportunidades de melhorias na qualidade do cuidado, visto que a formação continuada tem sido muito destacada na literatura (Burchinal, Howes & Kontos, 2002; Campos et al., 2011a).

Destaca-se, por fim, que mesmo um acompanhamento pontual como o PROACEB apresentou impactos após seis meses de sua realização. De um lado, isso indica o quanto o PROACEB tem potencial para ser utilizado na qualificação de educadoras de berçários e o quanto elas são receptivas e sensíveis às questões trazidas pela abordagem pikleriana. De outro, pode indicar a carência de qualificação que existe nos berçários e o quanto até ações pontuais podem ter um impacto tão relevante nas vidas dos que convivem nos berçários, especialmente os bebês, que precisam sempre ser o foco da atuação dos profissionais da infância.

 

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Endereço para correspondência:
Paula Neves Portugal
paulanport@gmail.com

Marília Reginato Gabriel
gabrielmarilia@yahoo.com.br

Cesar Augusto Piccinini
piccinini@portoweb.com.br

Submetido em: 12/03/2018
Revisto em: 07/10/2018
Aceito em: 19/11/2018

 

 

1 Neste trabalho será utilizado o termo "organização dos espaços" para definir os elementos que compõem a sala do berçário (por exemplo, móveis, brinquedos, piso e superfícies), bem como a forma como esses estão dispostos (por exemplo, recantos, diferentes áreas de interesse).
2 Com base em David e Appell (2013), será utilizada a expressão "atividades cotidianas de atenção pessoal" para se referir aos momentos em que o adulto e a criança estão envolvidos em uma atividade que diz diretamente ao cuidado corporal da criança. Bem como as autoras, também serão utilizadas expressões como "atenção pessoal", "momentos de cuidado" ou "cuidados" simplesmente, que correspondem ao termo original (David & Appell, 2013).
3 Gabriel, M. R., & Piccinini, C. A. (2014). Contribuições de um programa de acompanhamento para a promoção da qualidade das interações educadora-bebê durante os cuidados básicos. Projeto de pesquisa não publicado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
4 Além dos instrumentos usados no presente estudo, no Projeto maior foram utilizados os seguintes instrumentos: Fase I (antes do PROACEB) - entrevista sobre práticas de cuidados e observações da interação educadora-bebê no berçário; Fase II: PROACEB; Fase III (um mês após o PROACEB) - entrevista sobre práticas de cuidados e observações da interação educadora-bebê no berçário; Fase IV (seis meses após o PROACEB) - entrevista de avaliação do programa de acompanhamento.
5 Gabriel, M. R., Martins, G. D. F., Becker, S. M. S., & Piccinini, C. A. (2014). Programa de acompanhamento para educadoras de berçário (PROACEB). Projeto de pesquisa não publicado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
6 Entre parênteses o número de educadoras que abordou o tema.

 

 

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