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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.72 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2020

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 

ARTIGOS

 

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

 

Effeminacy, hyper-masculinity and hierarchy

 

Afeminación, hipermasculinidad y jerarquía

 

 

Mozer de Miranda RamosI; Elder Cerqueira-SantosII

IDoutorando em Psicologia. Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão. Estado de Sergipe. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão. Estado de Sergipe. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Afeminado é adjetivo dado a sujeitos que aparentam ou comportam-se de forma a transmitir "feminilidade" para além do que é convencionalmente concebido em um contexto cultural. A antiafeminação tem se configurado como um fenômeno recorrente nas últimas décadas, promovendo hierarquias e aprofundando a vivência da homofobia para um determinado grupo. A exaltação de uma masculinidade extrema tem se construído como modelo ideal para homens, mesmo os homossexuais e bissexuais, confirmando premissas hegemônicas, misóginas e heteronormativas. O objetivo desse artigo é delinear um panorama acerca da afeminação e suas repercussões sociais em homens gays e bissexuais, através de uma revisão crítica de literatura. Os resultados apontam para a existência de uma forte demarcação entre afeminados e não-afeminados, além de uma predileção cultural e estética por esses últimos. Além disso, a antiafeminação apresentou-se como um processo concreto de rebaixamento, discriminação e exclusão dos afeminados.

Palavras-chave: Afeminação; Masculinidade; Homossexualidade; Homofobia; Gênero.


ABSTRACT

Effeminate is an adjective given to subjects who seem or behave in ways that convey "femininity" beyond what is conventionally conceived in a cultural context. Anti-effeminacy has become a recurring phenomenon in the last decades, promoting hierarchies and deepening the experience of homophobia for a given group. The exaltation of extreme masculinity has been built as an ideal model for men, even homosexuals and bisexuals, confirming hegemonic, misogynist and heteronormative premises. The objective of this article is to outline a panorama about effeminacy and its social repercussions in gay and bisexual men, through a critical review of literature. The results point to the existence of a strong demarcation between effeminate and non-effeminate, as well as a cultural and aesthetic predilection for the latter. In addition, anti-effeminacy was presented as a concrete process of downgrading, discrimination and exclusion of effeminates.

Keywords: Effeminacy; Masculinity; Homosexuality; Homophobia; Gender.


RESUMEN

Afeminado es adjetivo dado a sujetos que aparentan o se comportan de forma a transmitir "feminidad" más allá de lo que es convencionalmente concebido en un contexto cultural. La anti afeminación se ha configurado como un fenómeno recurrente en las últimas décadas, promoviendo jerarquías y profundizando la vivencia de la homofobia para un grupo dado. La exaltación de la masculinidad extrema se ha construido como modelo ideal para hombres, incluso los homosexuales y bisexuales, confirmando premisas hegemónicas, misóginas y heteronormativas. E objetivo de este artículo es delinear un panorama sobre la afeminación y sus repercusiones sociales en hombres homosexuales y bisexuales, a través de una revisión crítica de literatura. Los resultados apuntan a la existencia de una fuerte demarcación entre afeminados y no afeminados, además de una predilección cultural y estética por estos últimos. Además, la anti afeminación se presentó como un proceso concreto de descenso, discriminación y exclusión de los afeminados.

Palabras clave: Afeminación; Masculinidad; Homosexualidad; Homofobia; Género.


 

 

Introdução

[...] Every man wants to be a macho, macho man
To have the kind of body always in demand
Joggin' in the mornings, go, man, go
Workouts in the health spa, muscles grow
You can best believe me
He's a macho man
Glad he took you down with anyone you can
Hey, hey, hey, hey, hey

Macho, macho man (macho man, yeah)
I gotta be a macho man (I gotta be a)
Macho, macho man, yeah
I gotta be a macho (ow!) ...

Every man he ought to be a macho, macho man
To live a life of freedom, machos make a stand
Have your own lifestyles and ideals
Possess the strength of confidence, that's the skill
You can best believe that he's a macho man
He's the special God son in anybody's land
Hey, hey, hey, hey, hey

Macho, macho man (macho man, yeah)
I gotta be a macho man (I've got to be a)
Macho, macho man
I gotta be a macho [...]
(Morali, Belolo, Willis, & Whitehead, 1978)

Era 1978 quando o Village People se lançou para o topo das paradas com o sucesso Macho Man (Morali et al., 1978). A música se tornou um ícone pop, mas, mais do que uma música para falar de corpo e sensualidade masculina, parece ter sido um prelúdio profético dos caminhos a serem trilhados pela comunidade gay e bissexual masculina1. Alguns pontos da música merecem atenção nesse texto: o culto ao corpo perfeito, a exaltação do homem macho e a imposição normativa de tornar-se um homem macho.

Braga (2015) encontrou essas mesmas questões em sua investigação, que objetivava pesquisar as relações homoeróticas no ambiente virtual. Em sua etnografia, o autor relata como os jogos de sedução neste universo se fundamentam na valorização corporal, seja através da norma comum para os corpos (ser magro e musculoso) ou de especificidades corporais, no inflacionamento da imagem de desejo do gay macho e da normativa de ser um gay macho, expressa através da intensa fuga de aproximação do gay afeminado. Macho Man é bastante atual: "todo homem quer ser um homem macho", "todo homem deveria ser um homem macho, viver uma vida livre", "eu tenho que ser um macho" ou, ainda, "veja meu corpo/ [...] ter o corpo que sempre se exige/ [...] os músculos crescem" (traduções nossas). Uma verdadeira ode ao gay/bi macho moderno. O fenômeno de importação de padrões culturais do Norte-Ocidental do globo pelo Brasil não é novo e tem produzido na cultura local releituras e reproduções de moda, música, costumes e pensamento político (Tota, 2000). Com relação à valorização do homem macho, tal processo se manteve (Parizi, 2006).

Historicamente, há hierarquias de poder na sociedade ocidental no que concerne à organização/classificação dos homens (heterossexuais e não heterossexuais) (Fry, 1982). O poder aparece aqui como marcador, relacionado à distância dos sujeitos no espectro normativo. Quanto mais se está próximo do ideal normativo masculino, mais poder; colocando os sujeitos em um lugar que lhes atribui privilégios ou punições, ou mesmo uma mistura dos dois. Essa masculinidade ideal e hegemônica se fabrica por oposição a outras masculinidades, ou seja, a masculinidade hegemônica se estrutura a partir da produção de masculinidades subalternas, sendo que esse processo de constituição (que confere privilégios a um grupo) muitas vezes permanece invisível para os detentores de privilégios (Kimmel, 1998).

Kimmel (1988) pontua também que não existe um modelo único de masculinidade, e sim masculinidades, que seriam "um conjunto de significados e comportamentos fluidos e em constante mudança" (p. 106). Entretanto, a masculinidade hegemônica deve ser analisada como um modelo máximo e idealizado que se impõe sobre outras masculinidades (e sobre o feminino) que vem se perpetuando na cultura ocidental (no Brasil, por exemplo) (Bento, 2015).

A masculinidade hegemônica está enraizada na esfera da produção, na arena política, nas práticas esportivas, no mercado de trabalho. E, em todas estas esferas, o discurso impulsionador das práticas dos homens tem como fundamento a competição, a busca insaciável pelo sucesso, pelo poder. E é neste ponto que a masculinidade deve ser provada, e, tão logo isso ocorre, é questionada, tornando necessário que seja novamente provada: sua construção é constante, implacável e inatingível (Bento, 2015, p. 88).

Esse modelo máximo de masculinidade também está associado ao sexismo e à homofobia (englobando aqui a bifobia), visto que esses elementos são alguns dos opositores construídos no processo de estabelecimento das masculinidades hegemônicas (Kimmel, 1998). Por isso, compreender como essa masculinidade viril, máscula e estritamente heterossexual tornou-se um ideal também entre homens não heterossexuais parece desafiador. Tal demanda por masculinidade é um produto dos conflitos de poder e das hierarquias, que sempre resultam em conversão e subversão. Daí é possível imaginar porque homens gays e bissexuais utilizam tais signos para demarcar suas identidades, mesmo que de forma não intencional: de um lado o hipermasculino, em uma jornada por aprovação, tentando provar-se como macho hegemônico; do outro lado, o afeminado, denunciando as normas de gênero e tentando se desvencilhar das classificações; e entre esses modelos opositores, os gays e bissexuais reais tentando digerir tal sistema, se posicionar, identificar-se, mas ainda assim, fazendo uso dele (por exemplo, Braga, 2015).

Ser um homem macho, como exalta a música (Morali et al., 1978), é um imperativo que atravessa os homens não heterossexuais. Se a masculinidade ideal é fundamentalmente heterossexual, como ser macho sem ser heterossexual?

 

Sistemas hierárquicos masculinos

Ainda nos anos 1980, Peter Fry (1982) escreveu sobre a construção histórica da homossexualidade no Brasil, considerando aspectos como regionalidade, classe social, posturas de gênero e práticas sexuais. Ele propõe que existem diferentes modelos de estratificação sexual entre gays, em destaque um modelo baseado no binarismo macho/bicha (de um lado, heterossexuais e gays ativos, e do outro, gays passivos), chamado de hierárquico; e outro modelo baseado no binarismo homem/entendido (heterossexuais e gays, respectivamente), chamado de igualitário, também visto como gay-gay.

O modelo hierárquico é chamado assim pela clareza dos ditames hierarquizantes. Acima, ficam os machos, categoria ampla que abriga os homens heterossexuais e os gays ativos, ou seja, que não se aproximam do feminino, da subordinação e da afeminação, por consequente. O feminino é tomado aqui como continuação lógica da postura de passividade sexual. Esse modelo reproduz a hierarquia sexual existente na sociedade, que coloca homens acima de mulheres, em direitos, liberdades e poder (Saffioti, 2004). Aqui, as mulheres seriam representadas por aqueles que mais se aproximam dela, aqueles que também estariam submetidos à dominação, os passivos/afeminados (Almeida, 2011). A fronteira é definida pelo papel sexual, o gay ativo ainda é considerado macho, o que deixa claro como tal sistema prioriza uma imagem de masculinidade pautada pelo ser penetrador. É importante frisar que tal sistema contribui para o não estabelecimento de relacionamentos afetivos duradouros, pois isso comprometeria a imagem social do macho (avesso a sentimentalidades).

No outro modelo hierárquico citado, homem/entendido, tem-se, de um lado - acima - os heterossexuais e, na extremidade oposta, os homossexuais, independentemente do seu papel sexual. Por esse motivo, é chamado de modelo igualitário, pois coloca todos os gays (e bissexuais) em um mesmo nível hierárquico. A grande ironia aqui é que tal formato deixa ainda mais claro quem é a imagem do poder, o macho heterossexual, e nem mesmo a atividade sexual (com outros homens) é mais tolerada dentro desse formato.

Esses modelos desaguariam no que Fry (1982) chamou de modelo médico moderno, no qual existiria: o "homem normal" - macho, masculino, ativo e heterossexual; "bissexual", macho, masculino, ativo ou passivo e homo e heterossexual - e o "homossexual" - macho, masculino, ativo ou passivo e homossexual. O parâmetro deixa de ser o papel sexual ou a relação com alguém do mesmo sexo, mas uma patologia datada, baseada em conceitos morais e decadentes (Toneli, 2008). Ainda assim, é surpreendente que a afeminação não habite explicitamente esse diagnóstico. Para tal modelo, os comportamentos (ser macho, masculino) são continuidades biológicas da condição de homem que nem mesmo a "doença do homossexualismo" pode macular, desse modo, seria uma escolha atitudinal do sujeito a forma como ele se porta. A medicina não precisaria se preocupar com isso a níveis classificatórios.

Algumas ponderações precisam ser feitas sobre esses modelos: eles não são exatamente lineares ou, dito de outra forma, não são sucessões temporais na história; eles coexistem e muitas vezes se confundem. Há implicações geográficas e urbanísticas na expressão desses modelos, visto que nem todas as regiões, espaços, cidades vivenciam o mesmo ambiente cultural, como é possível observar em diversas pesquisas acerca da homossexualidade fora das grandes metrópoles econômicas e culturais do país (Gontijo, Domingues, & Erick, 2016; Lopes, 2016; Paiva, 2015; Sampaio, 2016). Essas implicações expõem o quanto tal condição geográfica fundamenta um sistema (particularidades culturais e étnicas, parâmetros morais, questões econômicas, modelos de relações) que destoa do ambiente existente em outras partes do Brasil e que são pensadas, muitas vezes, como generalizáveis (o que é um risco presente em toda produção que aborda comportamentos e questões sociais).

O modelo homem/entendido (sendo o entendido chamado de gay/bi atualmente) é possivelmente o mais potente atualmente. Ele é usado para dividir os sujeitos, por exemplo, na mídia, na academia e no próprio movimento LGBT: de um lado estariam os heterossexuais e do outro os não-heterossexuais. Nessa dicotomização, os bissexuais (categoria advinda do modelo médico moderno) ainda permanecem bastante ocultados e pouco compreendidos, visto que estão anexados aos homossexuais. As experiências da não heterossexualidade masculina não são homogêneas, há divisões de poder importantes no intragrupo. Corpo, etnia, classe e expressão de gênero são alguns dos marcadores que implicariam em diferenças intragrupais que podem ser compreendidas como dispositivos de poder.

Essas divisões permitem, atualmente, propor um outro modelo para os homens e suas sexualidades: o integrativo, em que há uma fusão dos três regimes hierárquicos citados. No âmbito mais externo, estaria o sistema homem/entendido ou heterossexuais/ não heterossexuais, demarcando o principal e mais evidente advento classificatório e divisor de poder. No âmbito interno, dentro da divisão "não heterossexuais", estaria o sistema macho/bicha, nessa configuração como macho/afeminado, essa divisão demarcaria a união de vários elementos, como as escolhas do movimento LGBT, reforço das normas heteronormativas2 e esforços para não redução/estigmatização de parte da comunidade.

É preciso fazer ao menos duas considerações sobre o modelo integrativo3. A primeira é explicitar o quanto tal modelo também continua a reproduzir um sistema de dominação maior, do homem sobre a mulher, machista, patriarcal. Mesmo existindo avanços no processo de aceitação social do homossexual, o aproximar-se do feminino (simbolicamente, através de signos legitimados, porém incongruentes e redutivos), ainda é um estigma, ocasionando o estabelecimento do modelo hierárquico citado. Um outro ponto merece ser reiterado: a produção de valores a partir da performance sexual (ativo/passivo4) ainda é significativa, não a ponto de ser o elemento que divide os grupos hierárquicos. No entanto, é notório que há um reconhecimento social amplamente difundido e poderoso, dentro e fora da comunidade, pois o papel de atividade/potência/dominação que é preconizado pelas normas de gênero ainda produzem repercussões poderosas. Isso corrobora com o que outros autores expõem em sua investigação, defendendo que a performance ou postura sexual é o elemento chave de estratificação desses sujeitos (Souza Neto & Rios, 2015). Contraponto a isso, destaca-se como toda essa discussão se encaminha para as diferenças básicas, e até primitivas, de gênero (divisão de funções sociais, força/fragilidade, atividade/passividade, dominação/dominado), fazendo com que todas essas questões estejam inseridas em um sistema heteronormativo de respeito às normas de gênero. Reafirmando como a questão de ser macho ou ser afeminado tem sido o cenário estruturante (Almeida, 2011; Braga, 2015; Lopes, 2011; Souza & Pereira, 2013). Em uma pesquisa que analisa discursos presentes em uma revista gay brasileira da década de 1980, tal direção já pôde ser identificada:

Homens "assumidos sem deixarem de ser viris" (Rose, n. 65/1982, p. 41) são desejados por aqueles que publicam seus anúncios em "Encontro gay". E aqui a virilidade não está apenas vinculada à atividade sexual, mas, sobretudo, a uma conduta masculinizada. Nesses pequenos "classificados pessoais", não há o estabelecimento de uma hierarquia valorativa entre aqueles que são ativos ou passivos nas relações sexuais, como é possível observar em outros momentos na revista. A figura do "gay passivo, assumido e discreto" (Rose, n. 51/1981, p. 41) é legítima na medida em que ele seja discreto, portanto, masculinizado. De fato, o que torna viável a existência desses sujeitos é a ausência de "afetação ou frescura homossexual" (Rose, n. 65/1982, p. 40) (Lopes, 2011, p. 179).

 

Quem quer ser um afeminado?

Até o início da década de 1990 - antes da eclosão do advento da AIDS5, popularizada como "câncer/peste gay" (Lopes, 2017) -, o "movimento gay" (sic) estava conseguindo manter uma postura de distanciamento da heteronormatividade branca6 e de seus modelos tradicionais de formatação de vida. Porém, através de uma estratégica inserção na sociedade de consumo midiática, que teve como feitos ampliar o reconhecimento social e diminuir a estigmatização, houve também um processo de filtragem da comunidade através da peneira heteronormativa, incorporando massivamente uma imagem e um modelo para o homossexual. Entretanto, a comunidade gay/bi (pelo menos), desde a década de 1970, principalmente em grandes metrópoles, tem iniciado sua jornada a uma idealização do homem macho e adoção de parâmetros caricatos de masculinidade (Braga, 2015; Lopes, 2011; Lopes, 2017; Parizi, 2006; Pollak, 1984).

Ainda um "ponto fora da curva", o movimento de gays afeminados denuncia o discurso do ativismo homossexual tradicional, de certa maneira vitorioso na luta pelos direitos civis, como igualmente dominante e excludente, na medida em que marginaliza um reconhecimento mais amplo da comunidade gay, ou seja, ignora ou ridiculariza o segmento que se apresenta fora do padrão dominante representado pelos estereótipos da heteronormatividade branca, mais próximos da família tradicional (Lopes, 2017, p. 414),

Desse modo, à medida que a comunidade LGBT ascende à sociedade de consumo midiática, em particular os homens gays e bissexuais, haveria ocorrido um processo de legitimação de um modelo de homossexualidade largamente atravessado pela heteronormatividade e seus padrões. Dentre eles, a valorização e legitimação das normas de gênero, valorização da hipermasculinidade e a consequente estigmatização/ocultamento dos gays/bis afeminados, não binários, travestis etc., ou seja, aqueles que se afastam mais profundamente da masculinidade hegemônica e da heteronormativadade (Lopes, 2011; Lopes 2017; Parizi, 2006).

O estabelecimento do homem hipermasculino, macho, superviril como tipo ideal entre homossexuais foi também uma tentativa de redefinir a identidade homossexual, que, até então, era "na melhor das hipóteses, um homem efeminado (sic) e, na pior, uma mulher que não deu certo" (Pollak, 1984, p. 68). Para tal, até mesmo a patologização da afeminação é tomada como caminho. A ideia de produzir um homossexual viável, passava pela negação da afeminação e exaltação do signo de discrição, altamente associado com expressões de masculinidade (Lopes, 2011).

As proposições da revista insistem no fato de que existiria um homossexual natural, ou seja, um homem gay que não apresentaria afetações, trejeitos efeminados. Logo, um indivíduo discreto e masculinizado. Nesse sentido, a presença em corpos masculinos de comportamentos socialmente considerados adequados para mulheres é vista como uma espécie de desvirtuamento moral, quando não uma patologia passível de intervenção médica. Desde que esses homens efeminados compreendessem que tais manifestações refletem uma fixação na figura da mãe e uma consequente negação da figura o pai, eles poderiam ser "curados" pela psicanálise. Ao que parece, somente um movimento de aproximação da figura paterna esboçado por esses sujeitos os tornaria naturalmente viris e discretos e viáveis como homossexuais (Lopes, 2011, p. 176).

Existem outros fatores associados a esse fenômeno, diante da iminente negativa da categoria de "homem" para homossexuais, inicialmente passivos (visto que só esses eram considerados como tal), e posteriormente todos os gays/bis. O processo de agarrar-se à heteronormatividade e seu modelo de estruturação das vidas e dos corpos funciona como uma tentativa de afastar-se da estigmatização de não ser "homem" aproximando-se o máximo possível da categoria de homem ideal. No entanto, esse processo não foi e não é abraçado por todos os gays/bis (ao menos não conscientemente), visto que muitos não acreditam no projeto (alguns, inclusive por serem afeminados), o que tornaria essa jornada rumo à heteronorma ainda mais deficiente do que a de alguns homens gays/bis masculinizados. Afastar-se da afeminação é um fenômeno associado a afastar-se da conjuntura social reservada ao gay/bi afeminado, significando, portanto, que há um processo sistemático de negação desses sujeitos, condenados por infligirem as normas de gênero, tornados corpos abjetos.

Levine localiza o que ele chama de "nascimento do gay macho" em fins da década de 1960, a partir da divisão dos ativistas gays entre "liberacionistas" e "reformistas", que divergiam quanto à visão do "homossexual pós-armário", figura que surgiria após a explosão da luta por direitos e visibilidade nessa década. Os primeiros pareciam herdar certa ideologia hippie e viam esse homem como um ser politizado que recusava a masculinidade tradicional, as convenções e as instituições estabelecidas, misturava masculino e feminino, barbas e vestidos, e evitava o sexo rápido associado ao mercado sexual. Já os segundos apostavam no gay macho portando sinais da masculinidade tradicional, com uma sexualidade desenfreada; o homossexual pós-armário participaria ativamente do mercado sexual em bares, ruas, onde quer que fosse. Este perfil acabou por se tornar mais difundido, já que para muitos gays a imagem gender fuck dos liberacionistas, que busca implodir as oposições dos símbolos de gênero, parecia muito radical (Levine,1998) (Braga, 2015, p. 245).

A debandada de parte da comunidade gay/bi em direção a valorização da heteronorma, sendo em parte uma forma de aliviar o peso de sua transgressão, acaba por expor os afeminados como ainda mais desviantes, direcionando a eles os holofotes do controle social, da estigmatização e da homofobia. Mesmo que esse mecanismo não funcione plenamente livrando gays/bis masculinizados do controle social, do estigma da homossexualidade e da homofobia, ele permite que os maiores tensionamentos estejam concentrados em outro público-alvo (Souza & Pereira, 2013).

A questão da abertura da orientação sexual (o quanto ela está pública) pode ser utilizada como um dos efeitos desse processo: afeminados costumam ter pouca ou nenhuma escolha acerca de sua exposição como gays (Cornejo, 2015; Ferreira & Ferreira, 2015; Gallas, & Reis, 2016). Ainda que maiores níveis de abertura sejam preditores de bem-estar, quando se está relacionada a uma "expulsão" do armário que expõe os sujeitos a violências e discriminações, pode desencadear desfechos traumáticos e negativos (como em crianças, adolescentes, pessoas em contextos culturais ou religiosos aversivos) pois contribui para uma identificação negativa com a homossexualidade (Mosher, 2001; Whitman & Nadal, 2015).

Dessa forma, para muitos sujeitos afeminados, a homossexualidade não se apresentou inicialmente como uma descoberta afetivo/sexual, mas como uma sentença. Algo que foi anterior ao conhecimento de si ou mesmo do significado de algumas palavras, como "viado" e "bicha", empregadas para estigmatizar e ofender sujeitos. A afeminação é o principal marcador utilizado no Brasil para identificar a homossexualidade, criando uma patrulha implacável (intensificada e legitimada na infância e adolescência por diversas instituições, como a família e a escola) a gestos, tom de voz, aparência, sensibilidade, forma de andar e a diversos outros elementos tidos como expressões de gênero. A família e a escola, por vezes, promovem sessões de emasculação desses jovens, seja através do apontamento de algum gesto ou pela humilhação pública (Bento, 2011; Cornejo, 2015; Junqueira, 2015; Takara, 2017).

Seria necessário perceber que não são apenas os alunos os que vigiam cada garoto "afeminado", mas sim a instituição inteira. E todos o fazem à medida que, de maneira capilar e permanente, controlam os demais e a si mesmos. E mais: "Vira homem!", mesmo que potencialmente endereçável a todos os rapazes, costuma configurar um gesto ritual por meio do qual seu alvo é desqualificado ao mesmo tempo em que seu enunciador procura se mostrar como um indivíduo perfeitamente adequado às normas de gênero. Assim, um professor que, aos berros, cobra de um aluno que vire "homem" pode sentir-se um emissor institucionalmente autorizado, orgulhosamente bem informado pelas normas de gênero (Junqueira, 2015, p. 229).

Entretanto, é fundamental demarcar que orientação sexual e expressão de gênero não são continuidades, não há uma interlocução determinista entre eles, apesar de historicamente haver formulações para fixar isso como verdade (Antunes, 2017). Desse modo, tal processo em si já se mostra equivocado e arbitrário, além de produzir alguns problemas: por ser falho e pela "afeminação" também ser uma característica possivelmente presente em homens heterossexuais, cria-se um grande esforço nos meninos para não ser afeminado, a todo custo. Esse esforço pode incluir a legitimação por oposição, destacando em outros meninos características que seriam afeminadas (eis aqui uma das bases do bullying homofóbico que, por vezes, também se direciona a outros heterossexuais); bem como a legitimação por mérito, fazendo com que o menino exiba características e comportamentos estereotipicamente hipermasculino, como violência, repressão afetiva, gestos duros etc. (Braga, 2015; Ferreira & Ferreira, 2015; Junqueira, 2015; Paiva, 2015; Rezende & Cotta; 2015; Souza & Pereira, 2013). Gays e bissexuais afeminados muitas vezes recorrem aos mesmos recursos para tentar não se enquadrar no papel do afeminado que, por consequência, seria o papel do homossexual e, portanto, de baixo prestígio (por mais que tais processos ocorram por vezes antes mesmo dos sujeitos entenderem tais classificações).

As narrativas que apresentam os meninos afeminados em artefatos culturais midiáticos oportunizam vislumbrar as angústias, as ansiedades, os sofrimentos, as incertezas e as inseguranças que os sujeitos têm em instâncias sociais como as escolas, as empresas e em espaços de socialização. Alimentados pelas piadas maldosas, pelo bullying, pela prática de desmerecimento e desvalorização de seus trejeitos, gostos, práticas e encantos, os meninos afeminados são ensinados que são errados, são abjetos, estranhos e que tudo que produzem não condiz com o que deveria ser feito. Primorosos, descuidados, ou mesmo sonhadores, esses meninos sofrem com a fúria de um machismo que se apresenta nas figuras dos pais, das mães, dos tios, dos professores, das professoras, dos alunos e das alunas que dividem o espaço social e a escola com eles (Takara, 2017, p. 238-239).

Como forma de evitar o lugar do afeminado, visto que as patrulhas não se encerram na infância, cria-se então o hipermasculino como imagem normativa ideal, mesmo dentre gays e bissexuais. Com claro apelo heteronormativo, a imagem hegemônica do hipermasculino funciona como uma paródia de exaltação de traços considerados constituintes do homem macho, tais características são abstratas e extensivamente amplas, habitando as roupas, os padrões afetivos, os espaços de interação, os pelos corporais, a voz etc. Isso acaba por funcionar também como um padrão de requisitos (para amizades, interações, desejos e relacionamentos), pois aproximar-se do afeminado é expor-se à possibilidade de confundir-se com tal e assim perder patentes de masculinidade. Isso atravessa as amizades e relacionamentos de gays e bissexuais na sociedade, tornando esse processo mais custoso (Rezende & Cotta, 2015; Souza & Pereira, 2013). Certamente, apesar de dominante, não se quer dizer que esse discurso seja totalitário e não enfrente resistência entre masculinizados e afeminados (Santiago, Castello, & Rodrigues, 2017; Takara & Teruya, 2016).

 

Antiafeminação

Afeminado é adjetivo dado a sujeitos que aparentam ou comportam-se de forma a transmitir "feminilidade" para além do que é convencionalmente concebido em um contexto cultural. A afeminação seria uma fuga dos ideais de masculinidade, e como a masculinidade é construída por oposição, tudo que não reforça o padrão hegemônico é tomado como feminino (Bento, 2015; Sánchez & Vilain, 2012). Essa transgressão às normas de gênero provoca efeitos diversos para o sujeito, visto que a sociedade e o próprio grupo (gays e bissexuais) discriminam afeminados. Em diversos contextos - trabalho, escola, relações interpessoais - a afeminação é um marcador negativado (Braga, 2015; Rezende & Cotta, 2015; Takara, 2017).

No contexto de trabalho, há repercussões para afeminados. Mesmo que as empresas estejam se mostrando mais abertas à contratação de gays, até mesmo como "estratégia funcional e como uma ferramenta de controle sobre as minorias" (Moura, Nascimento, & Barros, 2017, p. 9) uma forma de abocanhar o "pink money". É comumente exigido que os gays e bissexuais não escapem dos padrões heteronormativos, mais especificamente, que não sejam afeminados, o que configuraria uma espécie de "afeminofobia" (ou "sissyphobia") (Moura et al., 2017). O preconceito contra afeminados no ambiente de trabalho por parte de homossexuais também já foi observado por pesquisas, de forma bastante direta, inclusive: discriminar, odiar, afastar-se. Entrevistados relataram tentar se desvencilhar da imagem negativa dos afeminados, e para tal adotavam atitudes negativas contra esse grupo e tentavam maximizar seus comportamentos mais másculos. Entretanto, tal esforço não os fazia escapar das piadas, exclusão do convício social e das dificuldades de crescer na carreira por serem homossexuais (Souza & Pereira, 2013).

Apesar de muitos deles tentarem camuflar traços afeminados, a maioria não consegue atingir seu intento. Desse modo, o problema é desviado para outro campo, não se concentrando no fato de ser gay ou não, mas sim de como é a percepção do seu comportamento pelos outros no dia a dia, ou seja, se suas condutas são masculinas ou femininas (Souza & Pereira, 2013, p. 93).

Um "menino afeminado" no sistema educacional brasileiro pode desencadear ou expor inúmeros fatos: a culpabilização do próprio sujeito calcada nos seus "trejeitos"; a presença da heteronormatividade e da homofobia impregnadas no currículo em ação; a violência direta ou indireta dirigida para esses sujeitos (Junqueira, 2015). Ferreira e Ferreira (2015) abordam a vivência escolar sob a ótica de adolescentes afeminados, mostrando como isso atravessa sua existência escolar, afetando, por exemplo, seu desenvolvimento, socialização e relacionamentos; além de revelar uma certa negociação com a violência para subsistir. A escola não é um lugar seguro para garotos afeminados, uma vez que todo esse histórico de violência repercute em evasão escolar, isolamento, patologização e internalização do preconceito (Bento, 2011; Cornejo, 2015; Takara, 2017). Em um relato autobiográfico, bastante difundido atualmente, Cornejo (2015) ilustra como a escola e a Psicologia somaram esforços para "consertar" o menino afeminado que ele foi, muitas vezes por meio da hostilidade.

Vários autores relatam os espaços de relacionamento online para gays (redes geossociais, sites de encontros, aplicativos de relacionamentos) como espaços aversivos, ou ao menos, onde impera um discurso aversivo a gays afeminados. Rezende e Cotta (2015) direcionam sua pesquisa ao Grindr7, e apontam a existência de uma exaltação à "macheza", "perpetuando ódio, intolerância e, muitas vezes, a violência, a partir de corpos erotizados e discursos homofóbicos" (p. 363). Zago e Seffner (2008) fizeram investigação no site de relacionamentos para gays "Disponível.com" e perceberam que a discrição e o sigilo seriam os signos mais valorizadores entre aqueles usuários. Além disso, as referências a feminilidade ou a afeminação são vistas como depreciativas: "para os internautas, ser homem gay não é um problema; para eles a questão principal é ser homem" (p. 6), visto desse modo, o gay/bi afeminado perde muito do seu status de homem por não atender aos ideais de hipermasculinidade. Nesse mesmo sentido, Braga (2015) fez ampla investigação e encontrou formulações extremamente específicas do homem desejado, muitas delas pautadas na valorização de signos secundários de masculinidade "'jeito', 'atitude', 'voz', 'postura'" (p. 236), além de ostensiva rejeição dos afeminados e diversas evidências de desqualificação.

A todo custo, na apresentação de si que faz a maior parte dos usuários, enfatiza-se a negação da feminilidade; tal negativa é tão ou mais citada do que a própria afirmação da masculinidade, destacando o caráter relacional das atribuições de gênero, aqui distribuídas irregularmente por todos os praticantes do homoerotismo - como vemos, nem todos alcançam o atributo de "homem" (Braga, 2015, p. 237-238).

O "não sou/não curto afeminado" é exaustivamente difundido nesses ambientes. Justificado muitas vezes por "gosto pessoal", a intensa quantidade de restrições e mensagens de ódio não é capaz de esconder a antiafeminação presente: "odeio afeminado"; "afeminados não"; "fora aos afeminados"; "afeminados serão bloqueados"; "odeio bichinha"; "tenho pavor de afeminados". Frases como essas podem ser encontradas em diversos espaços virtuais de relacionamento entre homens, como atestou Almeida (2011), Braga (2015) e Zago e Seffner (2008). Gays/bis passivos precisam ser "machos" para ter sucesso nesse mercado.

[...] o afeminado está relacionado ao passivo (e muitas vezes, também, a toda a comunidade gay) e não é visto como uma característica positiva. Muito pelo contrário, é tido como defeito, como algo a ser evitado e é considerado como base na seleção do parceiro. Ou seja, a negação de ser afeminado ou a sua exclusão influenciam na aceitação por parte do outro (Almeida, 2011, p. 14).

Tudo isso é também um projeto de produção do homossexual "viável", ou melhor, em consonância com as normas de gênero: másculo, discreto (Lopes, 2011). As repercussões são as mais diversas na cultura gay/bi: exaltação de corpos musculosos, misoginia, racismo, recrudescimento do armário, violência etc.

Os espaços gays/bi vão sendo geridos pela valorização da negação da afeminação - para alguns justificada pela aversão ao feminino -, para outros, pela aversão à estigmatização que o afeminado carrega e teria o poder de estendê-la aos que com ele se relacionam. Assim, diversas máximas vão se firmando nesses ambientes de socialização: se for passivo, que seja macho; se é gay, que seja discreto; se quer ser desejado, que pareça homem heterossexual. É evidente a priorização estética e essencialista do homem heterossexual hipermasculino entre os gays/bis.

Tal situação de desvantagens reservada aos afeminados ajuda a ilustrar o machismo estrutural ao qual a sociedade está fundada, levantando profundas reflexões para as mulheres (Saffioti, 2004). Toda essa fuga/ojeriza/rejeição/ódio do feminino denuncia a persistente situação das mulheres. As violências dirigidas aos afeminados não são coincidências, compartilham estruturas e motivações existentes nas violências contra as mulheres. Isso serve de alerta aos estudos de gênero voltados para as mulheres sobre as dimensões do sexismo e o poder (e consequências) associado à hierarquia do macho hegemônico.

 

Consideração finais

A afeminação pode ser compreendida como um elemento de autoidentificação de pessoas, nomeável de identidade pessoal, referindo-se a um processo identitário interno ou como identidade social, no sentido da identificação com determinado grupo ou enquanto categoria social, externa ao sujeito, quase imposta. Esses diferentes usos aparecem imbricados, dialogando e compondo teias complexas na sociedade (Deschamps & Moliner, 2014).

A antiafeminação é um desdobramento da homofobia (social e internalizada), do sexismo e da heteronormatividade. É também um fenômeno que, de forma semelhante à homofobia internalizada, apresenta indícios de introjeção, visto que a rejeição do feminino e o processo de valorização cultural da hipermasculinidade são normas majoritárias (Antunes, 2017).

A questão da afeminação e da antiafeminação apresenta-se como uma interlocução entre gênero e orientação sexual. Para ser compreendida, precisa ser observada no campo da orientação sexual, mas refere-se insistentemente às normas de gênero. Tal entrelaçamento produz um fenômeno complexo que confunde os próprios protagonistas, seus pares e a sociedade.

É mais que urgente que esses marcadores passem a ser encarados como variáveis de análise nas pesquisas brasileiras sobre saúde, sexualidade e sociabilidade de homens gays e bissexuais. O escopo de pesquisas que considera essas dimensões ainda é tímido, o que tem reflexos negativos para a formulação de políticas públicas e para a acurácia das análises na área. A rejeição desse tema na academia e nos espaços de socialização tem reforçado esse sistema hierárquico que penaliza afeminados, além de expor como tal fenômeno tem sido naturalizado.

 

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Endereço para correspondência:
Mozer de Miranda Ramos
mozeramos@gmail.com

Elder Cerqueira-Santos
eldercerqueira@gmail.com

Submetido em: 01/03/2019
Revisto em: 20/05/2019
Aceito em: 01/06/2019

 

 

1 Decidiu-se por se referir à comunidade gay e bissexual em todo o corpo desse artigo por lidarem com o mesmo cenário cultural, apesar das especificidades identitárias. Relacionar-se com homens implica fazer parte desses fenômenos: produzindo-os, reproduzindo-os e sendo alvo deles.
2 A heteronormatividade se ampara na ideia de que a heterossexualidade total é utópica, a sua dinâmica consiste em fazer com que os que escapam da norma possam em certa medida agir como heterossexuais, não subvertendo o gênero (ponto importante para afeminados), e não se distanciando dos ditames de uma vida heterossexual socialmente aceita, casamento, filhos, divisão de papéis em casa etc. (Miskolci, 2015).
3 Para maior aprofundamento sobre os modelos de masculinidade, sugere-se consultar Oliveira (1998).
4 A própria figura contemporânea do versátil representa uma quebra dos valores tradicionais produzidos pelos papéis sexuais, tornando menos engessadas as práticas sexuais de homossexuais.
5 A epidemia de AIDS foi significada socialmente como algo proveniente e direcionado para homossexuais. Demorou algumas décadas para que esse estigma começasse a ser desconstruído. Esse evento abalou consideravelmente a imagem e credibilidade dos homossexuais e do movimento gay.
6 Conceito empregado por Lopes (2017) para referir-se ao modelo ideal de concentração de poder, integrando da branquitude à heteronormatividade.
7 Aplicativo para smartphones destinado aos homens gays, em que o usuário tem acesso a fotos, descrições e distância de outros usuários, interessados em paqueras, encontros e relacionamentos.

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