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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.4 no.1 Juiz de Fora 2010
RESENHA
Enfoques Conceptuales y Técnicos em Psicología Comunitária
Enfoques conceptuales y técnicos em psicología comunitária
Enrique Saforcada e Jorge Castellá Sarriera (Orgs.)
Buenos Aires: Paidós, 2008.
Rafael Alves Baracho
Departamento de Psicologia - Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Este livro tem por objetivo construir de forma objetiva e didática junto ao leitor conceitos e estratégias relativas à psicologia comunitária e às demais disciplinas que se ocupam em fortalecer as potencialidades e minimizar as vulnerabilidades de setores marginalizados da população. Desta forma, evitar a reprodução de modelos de dominação faz-se fundamental, principalmente com medidas teóricas que vão muito além da mera transposição das práticas positivistas clássicas à realidade de intervenção no campo social e da saúde.
Como principal característica destaca-se o enfoque no modelo teórico de psicologia ecológico-contextual e sua compreensão integral das pessoas e seus contextos. Mais do que isso, há uma tentativa de afastamento da prática atual e ainda clássica em saúde, que trata as pessoas como sendo possuidoras de instâncias biológicas, psicológicas e socais separadas e independentes, desconsiderando a importância de uma visão holística e multifatorial dos fenômenos biopsicossociais.
Na introdução, o autor propõe uma discussão referente às possíveis definições do termo comunidade, a partir de uma reflexão sobre os conceitos de ser humano e de social, elementos fundamentais para a construção de uma prática sólida por parte do profissional.
O capítulo 1 consiste em uma apresentação do contexto da intervenção comunitária e sua complexidade, convocando o leitor a refletir sobre a necessidade em se elaborar uma teoria explicativa e técnicas adequadas para o trabalho neste campo. Para além, serve como apoio ao profissional que pretende uma intervenção comunitária, descrevendo algumas das análises que deverão estar presentes em sua construção prática utilizando-se a abordagem ecológico-contextual.
O capítulo 2 propõe, em superação ao modelo médico-clínico predominante no contexto latino-americano, alternativa de considerar-se o processo saúde-doença como objeto de trabalho dos profissionais da saúde, privilegiando-se a salutogênese e buscando-se prevenção e promoção de saúde na comunidade. Desta forma, o caráter biopsicossocial de análise deve ser privilegiado por meio de intervenções em psicologia comunitária que estimulem psicologicamente o sistema psicoimunoneuroendócrino (bio), desenvolvam ao máximo as habilidades para a vida (psico) bem como que reforcem e estendam as redes sociais e de apoio (social), exemplificando o que, sem dúvida, coaduna com a perspectiva em se construir cada vez mais práticas profissionais que se distanciem do modelo flexneriano de formação acadêmica dos profissionais da saúde.
O capítulo 3 ressalta a importância das redes sociais refletindo sobre as possíveis conseqüências que algumas práticas do Estado podem fomentar nestas dinâmicas, tanto positiva quanto negativamente alertando para o fato de que o fundamental seria a construção de medidas facilitadoras de desenvolvimento crítico, de inserção social e participação ativa das pessoas em suas comunidades.
O capítulo 4 discute o campo da psicologia social comunitária levando em conta o momento histórico pelo qual passa o contexto alvo do trabalho, promovendo processos de tomada de consciência e de mudança social na comunidade. O autor enfatiza a riqueza das trocas entre o saber popular e o saber acadêmico, reforçando a intenção da psicologia comunitária em ser uma ciência de construção de práticas, nas quais se envolvam efetivamente todos os membros constituintes desta vivência. Reafirma que, ao contrário de suas condições de origem, a psicologia social comunitária atual não comporta mais um caráter assistencialista, pois acredita que esta postura seria, por si, uma prática de exclusão contrária a sua vocação libertadora.
O capítulo 5 discute o movimento psicologia da libertação, cuja origem não advém da psicologia, mas sim de Paulo Freire e a Educação Popular, no Brasil, e de Orlando Fals Borda e sua Sociologia Crítica ou Militante, na Colômbia. De acordo com esta visão, fica claro que o papel do profissional não é o de possuidor do saber, mas sim o de agente promotor dos saberes populares, fato que é muito caro à conceitualização das práticas do psicólogo comunitário. Aprofunda suas discussões, todas coadunando com um modelo de sujeito e de sociedade que tem como pano de fundo as teorias de Vigostki, Lewin e Mead, nas quais o sujeito tem a capacidade de atuar ativamente sobre o meio, podendo modificá-lo e ser modificado por ele, apostando, pertinentemente, nesta plasticidade tanto do ponto de vista da comunidade como sob a perspectiva da pessoa e suas funções relacionais e até mesmo neurais de adaptação e modificação.
O capítulo 6 da obra discute as metodologias participativas, dando maior ênfase à chamada IAP (Investigação Ação Participante) que agrega o conhecimento científico, de técnicos, ao das pessoas da comunidade, os investigadores internos. Esta soma de cosmovisões é fundamental no momento de análise das necessidades da comunidade, pois evidencia o caráter a posteriori do trabalho em psicologia comunitária, no qual a construção conjunta de uma estratégia de ação junto à população é privilegiada.
O capítulo 7 aprofunda a discussão sobre a Investigação Ação Participante, tratada como método de excelência em psicologia comunitária. Aborda suas implicações metodológicas junto ao conhecimento científico apresentando, também, problemas já enfrentados pela IAP, discutindo críticas e posturas que podem ser reavaliadas por aqueles que pretendem aplicar este método de investigação em suas práticas.
O capítulo 8 discute um método bastante utilizado originalmente pela antropologia, o diário de campo, e reitera que seu caráter de subjetividade não o torna menos eficiente para uma intervenção. Sobre esta técnica das notas de campo, outra nomenclatura possível, o autor discorre sobre as várias formas possíveis de realizá-las e, de maneira clara e didática, fornece "dicas" sobre o procedimento de anotações, fato que reforça o caráter introdutório e altamente prático para aqueles que pretendem maior intimidade com o tema.
O capítulo 9 apresenta o chamado grupo focal, tratado como método investigativo das relações das pessoas em grupo. Um dos pontos principais desta técnica é a possibilidade de discussão contextualizada, a fim de não apenas entender o que ocorre, mas sim também o porquê de determinado comportamento, crença ou sentimento envolvidos na temática discutida.
Assim como em grande parte do livro, o autor dá ao leitor exemplos de frases e estratégias de condução de um grupo como este, esclarecendo os papéis de moderador e de observador que podem ser ocupados pelo investigador nesta prática. Apresenta, por fim, técnicas de análise destes dados recolhidos que enriquecem a interpretação destes resultados.
O capítulo 10 trata da entrevista psicossocial e da visita domiciliar (VD). Discute a relevância em se diferenciar entrevista psicossocial e entrevista clínica ressaltando, também, o exercício de uma postura de acolhimento diante das demandas da comunidade. O profissional, porém, não deveria fazer-se essencial à comunidade, mas sim parte ampliadora de uma rede de apoio que deve propiciar autonomia e liberdade a essas pessoas.
A VD, neste contexto, tem um caráter de integração dos diversos profissionais envolvidos na saúde da comunidade e, neste ponto, o autor discute de maneira clara e rica os conceitos de multi, inter e transdisciplinaridade.
O capítulo 11 propõe uma discussão sobre aspectos éticos da prática do profissional em psicologia comunitária que, apesar de trazidos à tona em forma de capítulo isolado e final, foram introduzidos durante toda a obra, o que é muito importante, uma vez que a ética não pode ser considerada como prática ou conhecimento isolado, mas sim integrante de toda a prática dos profissionais da saúde.
De um modo geral, a obra é extremamente relevante para aqueles profissionais que pretendam implementar seus trabalhos junto à comunidade de maneira embasada, tanto do ponto de vista teórico-metodológico quanto do prático. Aponta para uma tendência, que avalio positivamente, de discutir conjuntamente aspectos sociais, biológicos e psicológicos, evidenciando o caráter dinâmico entre estas instâncias. É certo que o âmbito social ainda recebe maior atenção, mas a discussão sobre psiconeuroimunoendocrinologia trazida no capítulo 2 nos mostra a possibilidade de realização de estudos envolvendo o papel integrativo das neurociências e seu potencial preventivo e promotor de saúde, tanto para as pessoas em sua autonomia e qualidade de vida quanto para a comunidade de maneira integral.