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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.4 no.2 Juiz de Fora dez. 2010
ARTIGOS
Questões sobre Avaliação de Processos Psicoterápicos
Issues in Evaluation of Psychotherapy Process
Makilim Nunes Baptista
Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco
RESUMO
O artigo objetiva discutir formas de avaliação de eficácia em intervenções psicoterápicas, baseadas nos delineamentos de ensaios clínicos randomizados (randomized clinical trials), delineamentos quantitativos que regem as novas tendências de intervenções com base em evidências de pesquisas experimentais. Aborda-se inicialmente a definição de eficácia e eficiência e as principais características dos delineamentos que avaliam eficácia de intervenções psicológicas, tais como os ensaios clínicos e as metaanálises. Em seguida são descritos os principais problemas relacionados à complexidade em desenvolver pesquisas de eficácia em intervenções psicológicas, tendo como base os estudos que sustentam a medicina baseada em evidências. Por último, o autor relata pesquisas internacionais sobre eficácia em intervenções psicológicas e seus resultados, comparando abordagens teóricas/intervenções diversas em problemas tais como depressão, ansiedade, fobias, problemas sexuais, dentre outros.
Palavras-chave: Avaliação; processos psicoterápicos; eficácia; eficiência.
ABSTRACT
This paper aims to discuss ways of evaluating the effectiveness of psychotherapeutic interventions, based on designs of RCTs (randomized clinical trials), quantitative designs that rule the new trends of interventions based on evidence from experimental research. The article focuses, initially, on the definition of effectiveness and efficiency, and the main features of the designs that assess the effectiveness of psychological interventions, such as clinical trials and meta-analysis. Next, the main problems related to complexity in developing research on the effectiveness of psychological interventions, based on studies that support evidence-based medicine are described. Finally, the author reports on international research on effective psychological interventions and their results, comparing theoretical approaches / interventions in various problems such as depression, anxiety, phobias, sexual disorders, among others.
Keywords: Evaluation; psychotherapeutic processes; effectiveness; efficiency.
Um grande contingente de psicólogos opta pela prática da psicoterapia, seja em consultórios particulares, seja em serviços hospitalares, serviços de saúde mental e clínicas especializadas em diversos problemas de saúde. Pesquisas realizadas ou encomendadas pelo Sistema Conselhos de Psicologia vem insistentemente mostrando que a opção pela psicologia clínica ainda se mostra uma tendência da classe (CFP, 1994, 2004; CRP, 1995), inclusive em pesquisa mais recente (Gondim, Bastos & Peixoto, 2010). Nesse sentido, parece ser de suma importância que o psicólogo consiga demonstrar que os processos psicoterápicos possam ser confiáveis do ponto de vista de sua eficácia, já que diferentes tipos de psicoterapias e técnicas podem ser mais indicadas para o tratamento de problemas específicos (Abreu & Oliveira, 2009).
Com o advento do desenvolvimento de delineamentos de pesquisa metodologicamente mais controlados e confiáveis, os estudos baseados em evidência vem sendo considerados importantes ferramentas na demonstração de eficácia de processos interventivos, principalmente os estudos baseados em delineamentos de ensaios clínicos randomizados e meta-análises (Gildron, 2002; Starcevic, 2003), delineamentos baseados em controle, manipulação de variáveis e randomização de amostras e/ou métodos e técnicas estatísticas desenvolvidas para integrar resultados de pesquisas de campo (Baptista & Morais, 2007; Luiz, 2002). Na área da psicologia, diversas são as formas de se avaliar a eficácia de intervenções psicológicas, desde aquelas menos rigorosas até as mais confiáveis à luz do positivismo lógico (Myers, 2003). Por exemplo, as pesquisas de opinião com clientes e psicoterapeutas em relação à eficácia de intervenções psicológicas podem ser consideradas como menos rigorosas, pois podem ser tendenciosas à boa avaliação tanto dos clientes quanto dos psicoterapeutas. Isso se deve a diferentes motivos, já que o cliente pode tender a acreditar no tratamento sem condições técnicas de avaliação da intervenção ou devido ao tipo de relação estabelecida, o que o impediria de realizar uma avaliação mais crítica e mais aguçada do processo. Por último, o próprio psicoterapeuta pode não ter condições (impessoalidade) de avaliar o seu trabalho ou também tender a avaliá-lo de maneira positiva (Myers, 2003).
Este panorama acaba levando pesquisadores e clínicos a estudarem e questionarem a eficácia e eficiência em psicoterapia, lembrando que a eficácia é baseada em estudos experimentais, com amostras randomizadas e grupos homogêneos (experimental e controle), ou seja, condições artificiais com alta validade interna, enquanto que pesquisas sobre eficiência testam tratamentos em condições da prática clínica, ou seja, em ambientes naturais, podendo ocorrer com desenhos quase-experimentais ou sistemáticos e naturalísticos, enfatizando a validade externa (Lutz, 2003). Baptista, Baptista e Dias (2003) destacam que a pesquisa deveria ser o ponto de partida de qualquer prática e que diversos são os delineamentos responsáveis para avaliar eficácia e eficiência em psicoterapia. Delineamentos experimentais seriam formas mais controladas de se verificar a eficácia em processos psicoterápicos pelo refinamento metodológico que norteia os seus princípios, principalmente os estudos randomizados e duplo-cegos (Baptista & Morais, 2007).
Historicamente, Neil (2003) enfatiza que as intervenções terapêuticas que lidam com problemas psicológicos não possuem mais do que 100 anos. Para Hibbs (2001), o interesse pela avaliação dos processos psicoterápicos data do pós-guerra (segunda grande guerra), sendo que a primeira geração de pesquisas em resultados de processos psicoterápicos ocorreu entre 1950 e 1960, enfocando inicialmente as mudanças de personalidade; de 1960 a 1970, enfocando a modificação do comportamento e, por último, nos anos 80, a terceira geração de estudos, abrangendo intervenções de tempo limitado e comparando diferentes tratamentos com problemas clínicos específicos, também chamados de trials.
Neil (2003) aponta para a importância de se desenvolver, na comunidade científica, pesquisas de maior qualidade metodológica para avaliar a eficácia de intervenções psicoterápicas, inclusive no sentido de se compararem os efeitos de tipos diferentes de intervenções e bases teóricas. Com relação a este ponto, já em 1967, Paul (1967) formulou uma máxima referente aos processos psicoterápicos, ou seja, "Quais tratamentos são mais efetivos, para quais pacientes, sob quais condições?". Tais especificidades das pesquisas em processos psicoterápicos podem ser fundamentais em discriminar a Psicologia baseada em evidências da psicologia baseada na "fé", sendo essa última a crença não fundamentada por pesquisa de que os processos psicoterápicos seriam eficazes para diversos problemas humanos, ou mesmo em pesquisas de levantamento com o paciente ou psicoterapeuta sobre a eficácia do tratamento.
Um dos precursores da questão da eficácia em processos psicoterápicos foi o psicólogo britânico Hans Eysenck (1952), que revisou 24 estudos de resultados em psicoterapia, concluindo que dois terços das pessoas que sofriam de distúrbios não-psicóticos melhoravam com psicoterapia. No entanto, o autor também relatou que uma porcentagem similar também melhorava no grupo daqueles que não faziam psicoterapia, como, por exemplo, aqueles que ficavam aguardando em listas de espera, sendo que a melhora poderia se dar por meio da remissão espontânea. Apesar de diversas falhas metodológicas neste estudo, tais como a falta de controle sobre os diversos delineamentos das pesquisas, instrumentos de avaliação diferentes e não padronizados, dentre outros, esse estudo chamou a atenção da comunidade científica. Assim sendo, Eysenck conseguiu disparar uma controvérsia na área, principalmente entre acadêmicos, pesquisadores e clínicos, que foi seguida por diversas pesquisas para avaliar se realmente a psicoterapia seria eficaz em diversas problemáticas (Eysenck, 1952; Kopta, Lueger, Saunders & Howard, 1999).
Pesquisas que utilizam ramdomização e avaliações cegas (double-blind) exigem profundos conhecimentos de metodologia, além de demandarem vastos recursos financeiros e tempo, pois são delineamentos longitudinais, sendo mais freqüentes na psiquiatria, com testes de medicamentos (Baptista & Morais, 2007). Em alguns países, como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, entre outros, as pesquisas experimentais sobre processos psicoterápicos são freqüentes (Balon, 2009; La Greca, Silverman & Lochman, 2009; Mohr et al, 2009), o que não ocorre no Brasil.
Seligman (1995), um dos mais importantes críticos sobre eficácia em psicoterapia, argumenta que, em delineamentos quantitativos, algumas condições básicas devem ser respeitadas para uma pesquisa de qualidade, tais como a randomização (aleatoriedade) dos participantes em ensaios clínicos; o rigor com o grupo controle, inclusive a inserção de grupo placebo na comparação dos resultados; utilização e seguimento de protocolo de psicoterapia, com sessões gravadas e avaliadas por juízes externos; fixação de número limitado de sessões no tratamento; objetivos e resultados operacionalizados adequadamente, com a aplicação de instrumentos válidos e confiáveis, além de avaliações cegas (blind). Ressalta-se ainda a importância da exclusão de comorbidades confundidoras na escolha da amostra - por meio de diagnósticos bem estabelecidos, tais como aqueles baseados em taxonomias dos manuais de transtornos mentais - e a necessidade do seguimento dos participantes para avaliar se a intervenção foi eficaz a curto, médio e/ou longo prazo (follow-up).
Parloff (1982) relata que o Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health - NIMH´s) nos Estados Unidos vem apontando sobre a importância do desenvolvimento de pesquisas de eficácia em diversas áreas da saúde mental, inclusive para determinar quais tratamentos serão subsidiados pelos recursos federais. As entidades federais e seguros de saúde americanos traçam suas estratégias baseados em evidências de eficácia dos diferentes procedimentos psicológicos.
Mesmo assim, Schestatsky e Fleck (1999) comentam que há 12 anos atrás, não haviam tantas evidências de eficácia de psicoterapias, por exemplo, com tratamento de depressões, relatando que, provavelmente, os psicólogos e psiquiatras se baseavam mais na experiência intuitiva do funcionamento da psicoterapia com seus clientes idosos depressivos, por meio das experiências profissionais cotidianas. Scazufca e Matsuda (2002), também na tentativa de avaliar artigos sobre eficácia de psicoterapia versus farmacoterapia, no tratamento de depressão em idosos, encontraram poucas pesquisas, inclusive internacionais, de acordo com o critério de inclusão estabelecido por eles, e concluíram que as evidências sobre a eficácia da psicoterapia não são seguras, além de sugerirem a necessidade do desenvolvimento de ensaios clínicos bem conduzidos.
Hoje em dia, a quantidade de estudos relacionados a ensaios clínicos randomizados cegos e duplo-cegos, além de meta-análises, já começa a ser ampliada, principalmente quando relacionada a determinados transtornos e/ou linhas teóricas. Por exemplo, Mululo, Menezes, Fontenelle e Versiani (2009) avaliaram diversas pesquisas internacionais de ensaios controlados sobre eficácia do tratamento cognitivo e/ou comportamental para o transtorno de ansiedade social e concluíram que essas modalidades de terapias são tão eficazes quanto o tratamento farmacológico. Já Linden & Moseley (2006) encontraram em uma centena de estudos controlados (trials) eficácia comprovada de tratamento comportamental para a depressão, além de diversos outros estudos que avaliam a questão da eficácia de tratamentos farmacológicos e/ou psicossociais para problemas mais específicos, tais como tabagismo, enurese, transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, habilidades sociais, desordens alimentares, dentre outros (Bloomgarden & Calogero, 2008; Brownley, Berkman, Sedway, Lohr & Bulik, 2007; Bulik, Berkman, Brownley, Sedway & Lohr, 2007; Elder, Caterino, Chão, Shacknai & Simone, 2006; Goldstein, 2002; Manzoni et al, 2008; Meneghello, Pereira & Silvares, 2006; Prazeres, Souza & Fontenelle, 2007; Shapiro, Berkman, Brownley, Sedway, Lohr & Bulik, 2007).
Como citado anteriormente, os estudos internacionais são publicados frequentemente. No entanto, os nacionais ainda são escassos, principalmente aqueles que são publicados em periódicos brasileiros e analisam estudos nacionais, já que os publicados no Brasil analisando estudos internacionais são mais freqüentes em nossa literatura científica. Provavelmente, a pouca freqüência desses estudos está associada à dificuldade em fazer ensaios clínicos randomizados duplo-cegos e, consequentemente, ter massa crítica para, então, propor estudos de meta-análise.
A Complexidade do Problema
A investigação sobre eficácia de processos psicoterápicos é um assunto complexo e com diversas variáveis, começando pelo número de linhas teóricas, procedimentos e nomenclaturas diferentes. As psicoterapias e intervenções também variam em relação ao tipo de objetivo proposto, foco, técnicas utilizadas, freqüência dos encontros, tempo de intervenção, voltadas à personalidade ou características do comportamento (Abreu & Oliveira, 2009; Cordioli, 1998). Alguns autores relatam a existência de mais de 250 tipos de terapias psicossociais (ex: psicoterapias tradicionais, aconselhamento, métodos de psicoeducação), chegando até a 450, isto sem pensar na quantidade de transtornos catalogados nos manuais estatísticos psiquiátricos, que formam aproximadamente 150 grupos de diagnósticos de saúde mental, o que demandaria um grande número de ensaios clínicos para abordar toda essa complexidade (Parloff, 1982; Feixas & Miró, 1993).
Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito comum a utilização de procedimentos baseados em pesquisas que utilizam algoritmos (guias de intervenções específicas para diversos casos de problemas psiquiátricos/psicológicos) ou mesmo livros de recomendações de tratamento, também denominados guidelines ou linhas de conduta para transtornos específicos (Maruish, 1998). Já no Brasil esta prática pode ser bastante diferente, ou seja, não há, de forma metódica, a manufatura, utilização e publicação de guidelines nas práticas psicoterápicas, não se sabendo, de forma padronizada, como as teorias, princípios, técnicas e procedimentos em diversas práticas psicoterápicas estão sendo ensinadas por docentes e supervisores (Campos, 1998). Nesse sentido, sabe-se que o treinamento de terapeutas necessita de estudos, a fim de obter critérios e métodos sistemáticos para o ensino e avaliação da prática da supervisão (Moreira, 2003).
Outro ponto premente na avaliação de processos psicoterápicos, também no Brasil, diz respeito à utilização de instrumentos de avaliação válidos e confiáveis no desenvolvimento de pesquisas. Por meio das Resoluções nº 025/2001 e 02/2003, o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2001, 2003) criou uma comissão especializada para avaliar os testes, chamada de Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, com o intuito de determinar quais testes possuem condições de uso nas mais variadas situações de atuação do psicólogo, como, por exemplo, diagnóstico, levantamento de sintomas, mensuração de habilidades, processos e fenômenos psicológicos. Sendo assim, a área de avaliação psicológica se mostra fundamental para contribuir com a possibilidade de expansão de pesquisas na área de eficácia em processos psicoterápico.
Além das questões metodológicas e relativas à avaliação psicológica, diversas outras variáveis estão diretamente relacionadas com a avaliação dos processos psicoterápicos e devem ser levadas em consideração nos estudos sobre eficácia, já que as linhas de pesquisa em eficácia terapêutica podem se diferenciar em avaliar os tratamentos das patologias, o estudo diferencial de técnicas dos pacotes terapêuticos e as variáveis que estão presentes no processo psicoterápicos (Gavino, 1996).
Em relação às variáveis do processo terapêutico, podem ser analisadas as do terapeuta, cliente e do processo. Algumas das variáveis do terapeuta são os níveis de conteúdo, inter-relações, linguagem utilizada, explicações, habilidades para aplicar técnicas, empatia, autenticidade, aceitação, como se propõe o conteúdo das sessões, forma de apoio, interrupções, dentre outras. As variáveis do cliente também não são em menor número e englobam características como a percepção que este tem do terapeuta, valores em comum, como é visto o psicoterapeuta, envolvimento ativo no processo, compromisso para mudar, reconhecimento da responsabilidade do processo psicoterápico, capacidade em reconhecer sentimentos, comportamento defensivo, dentre outros. Por último, as variáveis do processo terapêutico envolvem a seleção de comportamentos-problema e objetivos, o processo de tomada de decisões e soluções de problemas, os tipos de intervenções que provocam impacto, expectativa de êxito por ambas as partes e locus de controle da relação, além de outras tantas mais.
Além de todos os pontos assinalados anteriormente, Starcevic (2003) ainda levanta o dilema da ortodoxia em análises baseadas na avaliação positivista encontrada nas ciências médicas, especificamente na medicina baseada em evidência, que impõem a medida de eficácia baseada em um sistema já moldado em um paradigma que propicia as próprias análises positivistas, tema também abordado por Kuhn (1975). Sendo assim, os ensaios clínicos randomizados seriam considerados os padrões-ouro em termos do reconhecimento da eficácia em intervenções. No entanto, há algumas diferenças importantes entre uma pesquisa para avaliar eficácia de medicamentos e eficácia de intervenções psicossociais.
Algumas das razões que Starcevic (2003) aponta para as dificuldades de se utilizar o delineamento de ensaio clínico ramdomizado na avaliação de intervenções psicoterápicas se baseiam, por exemplo, na dificuldade em se diagnosticar precisamente um transtorno psiquiátrico no cliente que busca a psicoterapia, já que o mesmo pode começar um processo psicoterápico com comportamentos-problema específicos que não se encaixariam em um modelo diagnóstico psiquiátrico. O segundo fator seria a dificuldade de se utilizar um placebo em pesquisas com psicoterapia, já que qualquer tipo de intervenção tipo placebo poderia ter elementos ativos no desempenho do cliente. Um terceiro fator se refere à dificuldade em se ter avaliações duplo-cegas em pesquisas com psicoterapias, pois os psicoterapeutas saberiam que tipos de tratamento (teoria, intervenção) estão oferecendo aos clientes. Por último, Starcevic (2003) ainda comenta sobre a dificuldade em se ter guias de tratamento ou mesmo intervenções padronizadas em algumas linhas teóricas ou intervenções psicológicas.
Mesmo com todas as dificuldades apontadas anteriormente, há diversas formas para se estabelecer protocolos de avaliação e demonstrar resultados de eficácia nos processos psicoterápicos, mesmo que todos os delineamentos possuam limitações e as pesquisas possam estar sujeitas a vieses em seus métodos. Neste sentido, Starcevic (2003) também sugere que, independente das limitações do estabelecimento de delineamentos de ensaio clínico randomizado para intervenções psicológicas, é de suma importância que os psicólogos e pesquisadores avaliem a eficácia dos processos psicoterápicos, mesmo que, para isto, haja a necessidade de adaptações nos delineamentos de pesquisa utilizados. O autor ainda complementa que, independentemente das questões que envolvam paradigmas positivistas, a comprovação de intervenções psicológicas pode auxiliar na aprovação de tais práticas por parte da comunidade científica mais cética e/ou na maior valorização destas práticas por profissionais de psicologia e de áreas afins, além da própria população, tendo como "efeito colateral" a padronização de determinadas intervenções para problemas específicos.
Evidência de Eficácia em Processos Psicoterápicos
Passados mais de 50 anos desde que Eysenck publicou seu artigo que motivou a busca de evidências da eficácia dos processos psicoterapicos, já é possível encontrar, em diversas pesquisas, dados que confirmem o valor de alguns procedimentos psicossociais, como visto anteriormente. Além do reconhecimento do valor dos procedimentos psicológicos, Parloff (1982) comenta que os planos de saúde nos Estados Unidos subsidiam diversos serviços de profissionais de saúde baseados em estudos de eficácia, tais como nos casos de psiquiatras, psicólogos clínicos, assistentes sociais, enfermeiras psiquiátricas, além da crescente demanda por outros profissionais como nos casos de aconselhadores matrimoniais (ou terapias de casal), aconselhadores sexuais e familiares.
Além dos trials, o procedimento mais importante nos últimos anos para se avaliar eficácia em psicoterapia é a meta-análise, procedimento estatístico baseado em revisão sistemática da literatura de pesquisas com delineamentos experimentais, ou seja, de ensaios clínicos randomizados, a fim de consubstanciar evidências de eficácia em processos de intervenção medicamentosa e psicoterápica (Chaves, Soares e Mari, 1995; Streiner, 1991). Segundo Neil (2003), os resultados expressos por meta-análises usam o termo tamanho do efeito ("efect-size"), nada mais sendo que uma medida que utiliza diferença de médias e expressa desvios-padrão, no sentido de demonstrar a diferença entre medidas realizadas antes e após a intervenção estudada. Sendo assim, o tamanho de efeito denominado pelo número zero não indica mudança, já um valor positivo indica um aumento na medida, geralmente relacionado com a melhora do problema do cliente.
Apesar de diversas controvérsias em relação à interpretação dos resultados, Neil (2003) aponta que um dos mais utilizados parâmetros de interpretação é aquele fornecido por Cohen, no qual um valor de até 0,2 seria considerado fraco ou pequeno, a partir daí até 0,5 moderado, e maior do que 0,5 até 0,8 grande ou expressivo. O primeiro autor também atenta para a importância da interpretação dos resultados, já que nem sempre um valor de tamanho do efeito considerado como pequeno deve ser interpretado como tal, já que dependeria de que tipo de variáveis estão sendo interpretadas. Como exemplo, comenta que mesmo um tamanho de efeito pequeno de um comportamento ou transtorno de difícil mudança deve ser interpretado de forma diferenciada, já que pode ser mais expressivo do que um tamanho de efeito grande em um comportamento ou transtorno de fácil tratamento e/ou modificação.
Uma das pioneiras meta-análises de evidências de eficácia em terapia foi realizada por Smith e Glass (1977), por intermédio da seleção de 375 estudos que tinham pelo menos um grupo de terapia comparado com um grupo sem tratamento ou um outro grupo também tratado com outra modalidade terapêutica, excluindo-se algumas modalidades de terapia tais como hipnoterapia, biblioterapia, terapia ocupacional, social, aconselhamento de pares, psicodrama, além de estudos com drogas. Em média, 75% dos clientes que receberam psicoterapia melhoraram quando comparados à aqueles que não receberam algum tipo de tratamento. As modalidades de psicoterapia/procedimentos inclusos na pesquisa e as médias do tamanho do efeito foram: psicodinâmica (0,59), Adleriana (0,71), análise transacional (0,58), racional-emotiva (0,77), gestalt (0,26), centrada no cliente (0,63), dessensibilização sistemática (0,91), implosão (0,64) e modificação do comportamento (0,76). Neste estudo, foram levados em consideração diversos problemas, tais como redução de ansiedade e medo, aumento de auto-estima e dificuldades relacionadas com trabalho e escola, portanto, diversas variáveis e tipos de abordagens e intervenções, o que, de certa forma, exige muita cautela na interpretação dos resultados globais.
O trabalho de Smith e Glass foi replicado por Shapiro e Shapiro (1982) com alguns refinamentos metodológicos, tendo como objetivo melhorar pontos críticos metodológicos inerentes à época em que foi escrito. Shapiro e Shapiro revisaram 143 pesquisas, com pelo menos três grupos de comparação. O tamanho do efeito de algumas modalidades de psicoterapia/intervenções foi: comportamental (1,06); procedimentos comportamentais (biofeedback, dessensibilização sistemática, reforçamento, modelagem, treino de habilidades sociais - 0,99); métodos cognitivos (1,0) e métodos dinâmicos e humanísticos (0,40). Os problemas pesquisados foram muito mais variados que a pesquisa anterior e agruparam-se em: ansiedade e depressão, fobias (agorafobia, cobra, aranha, ratos, dentista, avião), problemas de saúde (hipertensão, dor de cabeça, obesidade, abuso de substãncias, insônia, etc), problemas sociais e sexuais (assertividade, inadequação social, comunicação de casal, dificuldades sexuais) e outros (inabilidade acadêmica, indecisão vocacional, etc).
O tamanho do efeito de todos os procedimentos psicoterápicos compilados por Smith e Glass (1977) foi de 0,68 (média), mais baixo do que o mesmo índice compilado por Shapiro e Shapiro (1982), que calcularam o índice de 0,93, lembrando que, dos trabalhos da primeira pesquisa, apenas 15% foram incluídos. Um fato bastante interessante é que Smith e Glass consideraram em seu estudo não só os artigos de periódicos, mas também as dissertações levantadas na época, o que diminuiu o tamanho do efeito, não ocorrendo o mesmo com a pesquisa de Shapiro e Shapiro. Talvez o tamanho do efeito seja realmente menor na pesquisa dos últimos autores, pois provavelmente ocorreu um viés de publicação na área, sendo que há uma maior probabilidade de só serem publicadas as pesquisas que demonstram a maior eficácia dos procedimentos psicoterápicos.
Aproximadamente 302 estudos de eficácia em processos psicoterápicos (intervenções psicológicas, educacionais e tratamentos comportamentais) foram avaliados por Lipsey e Wilson (1993), comparando uma vasta gama de tratamentos, desde os mais tradicionais, como psicoterapia comportamental individual, grupal (diversas faixas etárias), até programas de tratamento para delinqüência juvenil, tratamentos baseados em meditação e hipnose, programas de desinstitucionalização para doentes mentais crônicos e programas educacionais de instrução computadorizada. Apesar da miscelânea de processos psicoterápicos e educacionais, delineamentos, amostras e tratamentos estatísticos diferentes, 85% das pesquisas obtiveram o tamanho do efeito de 0,20 ou mais. Quando avaliados os delineamentos com grupos controle e estudos randomizados, o tamanho do efeito, em média, foi de 0,47, aumentando para 0,76 em delineamentos que utilizaram um grupo pré e pós-teste, sendo que os autores concluem favoravelmente sobre a eficácia de diversos tratamentos psicológicos.
No ano de 2000, Shadish, Matt, Navarro e Phillips realizaram uma meta-análise diferenciada, com critérios que não abarcaram a rigidez de pesquisas totalmente controladas, tais como os ensaios clínicos randomizados clássicos. As 90 pesquisas de eficiência avaliadas incluíram, em três blocos de análises, clientes clinicamente representativos, ou seja, mais parecidos com clientes do "mundo real" (ambos sexos, status sócio-econômico); diversas modalidades de psicoterapias praticadas pelos terapeutas; sem manual de tratamento pré-cursado pelos terapeutas (guidelines); sem definição exata de número de sessões, dentre outras condições. Os autores concluíram, de forma geral, apesar de algumas limitações metodológicas, que, mesmo sob condições de representatividade de amostra, sem controles ou alta especificidade dos clientes e terapeutas, ainda assim as terapias psicológicas apresentam resultados favoráveis em termos de eficácia. Kopta e colaboradores (1999), por exemplo, afirmaram que centenas de estudos demonstram que a psicoterapia funciona mais do que os placebos, relatando que nos últimos anos a psicoterapia passou por momentos de avaliação, tais como questionamentos sobre a eficácia, questionamentos sobre os tipos de desenhos metodológicos utilizados no passado para provar tal eficácia, além de críticas sobre as técnicas utilizadas em psicoterapias.
A afirmativa que, de forma geral, a psicoterapia é eficaz vem sucedida, segundo Kopta e colaboradores (1999), de alguns questionamentos, tais como a incerteza do porque as psicoterapias funcionam, inclusive pela possibilidade de diversos tipos de processos psicoterápicos terem uma espécie de princípio ativo, como observado nos medicamentos, que talvez seja uma combinação de variáveis inespecíficas do processo, tais como a lealdade, aliança terapêutica, espaço de troca de questões pessoais, aceitabilidade, incondicionalidade, dentre outras. Os autores ainda sugerem que desenhos de pesquisas devem englobar os fatores inespecíficos quando avaliam eficácia de processos psicoterápicos, a fim de identificar a importância de tais variáveis na eficácia.
Por último, como aponta Hine, Werman e Simpson (1982), nas ciências naturais, as medições e o controle de variáveis são mais precisos e, conseqüentemente, mais fáceis de se mensurar, desenvolvendo-se um conhecimento mais preditivo, o que não ocorre com os eventos psicossociais. Sendo assim, o fenômeno psicoterapia talvez requeira metodologias diferenciadas daquelas utilizadas nas ciências médicas, necessitando-se de uma concepção mais "relaxada" de ciência.
Hine e colaboradores (1982) ainda apontam que provavelmente os pesquisadores estudam fragmentos do processo psicoterápico e que, dependendo do olhar e das bases científicas adotadas, alguns delineamentos podem ser menosprezados perante outros pela comunidade científica mais positivista. Um dos exemplos deste tipo de "preconceito científico" são os estudos de caso que, quando julgados pelo prisma do positivismo-empiricismo, seria considerado como um delineamento ineficaz para explicar os fenômenos psicológicos, já que não possuiria validade externa, além da também questionável validade interna, o que poderia ser considerado um erro em questão de julgamento, já que este tipo de delineamento pode ser altamente valioso para o desvendamento de determinadas relações que os estudos quantitativos não teriam (pelo menos ainda) domínio ou condições de estudar.
Considerações Finais
Em diversos países de primeiro mundo já é bem definida a superioridade da psicoterapia, em várias intervenções, com inúmeros problemas, quando comparada com placebo ou grupos de não-tratados, por intermédio de estudos de eficácia, como ensaios clínicos randomizados e/ou meta-análises. Neste sentido, ainda são escassos estudos brasileiros utilizando tais delineamentos para determinar quais procedimentos psicoterápicos (técnicas, linhas teóricas, pacotes terapêuticos) são mais eficazes para quais problemas, sob quais circunstâncias, direcionando assim as decisões de clínicas, planos de saúde e profissionais. Assim, julga-se importante a formação de grupos de pesquisa, associações ou mesmo linhas de pesquisa de programas de pós-graduação em avaliação de processos psicoterápicos, pois provavelmente a forma de fazer psicoterapia e as imensas diferenças culturais entre os países de primeiro mundo com o Brasil justificariam a necessidade de ensaios clínicos regionais e nacionais.
Por intermédio de um corpo de pesquisa controlado e confiável, seria possível argumentar, de forma mais concisa, com os planos de saúde, dirigentes hospitalares, médicos, outros profissionais de saúde, políticos e sociedade, o valor e eficácia dos processos psicoterápicos. Pesquisas brasileiras que possam demonstrar a eficácia da psicoterapia, quando comparada com placebos e/ou medicamentos, podem ser uma excelente forma de se pressionar os políticos e dirigentes de planos de saúde a incluírem os serviços psicológicos no rol de especialidades obrigatórias, o que geraria um vasto campo de trabalho para milhares de psicólogos que desejam oferecer seus importantes serviços à população, seja por meio de atendimento clínico particular ou por intermédio de planos de saúde.
Apesar dos dados sobre eficácia dos processos psicoterápicos baseados em meta-análises internacionais serem razoavelmente confortáveis, a sua generalização para o Brasil não parece ser confiável, já que as diferenças culturais e de formação na área da psicoterapia são muito relevantes entre os diversos países. Os livros de conduta psicoterápica (guidelines) também não fazem parte da cultura psicológica brasileira. O treinamento clínico e os alicerces teóricos que profissionais de psicologia de diferentes países recebem também devem ser levados em consideração, já que estes fatores podem modificar a noção de qual deve ser o objetivo da psicoterapia, além, é claro, de se levar em consideração as diferenças políticas e culturais entre os países.
Como afirma Parllof (1982), são necessários estudos de eficácia de qualquer procedimento, seja ele médico ou psicológico, e estas condições acabam por motivar cientistas e estudiosos a desenvolverem estratégias metodológicas mais precisas, a fim de se avaliarem com maior acuidade as evidências de eficácia das intervenções, levando-se sempre em consideração as questões sociais, éticas e também econômicas, apesar de que, algumas formas de psicoterapia, à luz do positivismo lógico, não estejam formatadas à avaliação por ensaios clínicos ramdomizados. Por outro lado, muito cuidado deve ser tomado em relação ao desenvolvimento da psicologia baseada em evidências, pois a partir do momento em que as decisões são tomadas em detrimento de evidências de eficácia, a psicoterapia pode se reduzir aos princípios regidos pela política do capital e somente direcionada ao impacto do resultado, gerando uma visão também distorcida. Um dos grandes desafios na área da psicologia, legado aos pesquisadores, estudiosos e clínicos no Brasil seria tentar encontrar uma forma de desenvolver estudos capazes de avaliar a eficácia de intervenções, sem a necessidade de subordinar a psicologia a uma visão estritamente positivista e/ou capitalista.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Universidade São Francisco - Programa de Pós Graduação Stricto-Sensu em Psicologia.
Av. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 - Centro
CEP 13251-900 - Itatiba/SP
Tel: (11) 4534-8040 / (11) 4534-8020
E-mail: makilim.baptista@saofrancisco.edu.br
Recebido em Abril de 2010
Revisto em Agosto de 2010
Aceito em Outubro de 2010