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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.14 no.1 Juiz de Fora jan./abr. 2020
https://doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.27611
DOSSIÊ TEMÁTICO ENGAJAMENTO ESCOLAR
Clima de escola e envolvimento de estudantes do 3º ciclo do ensino básico
School climate and involvement in school of 7th - 9th grade students
Clima escolar y participación de estudiantes del nivel secundario
Madalena MeloI; Cláudia GuerraII
IUniversidade de Évora | CIDEHUS (Portugal). Email: mmm@uevora.pt
IIAgrupamento de Escolas Manuel Ferreira Patrício (Portugal). Email: claudiaguerra@ebim.pt
RESUMO
O presente estudo teve como objetivos: a tradução e adaptação de um questionário de clima de escola para estudantes portugueses (Delaware School Climate Survey-Student - DSCS-S); compreender as relações entre clima de escola e envolvimento dos alunos na escola e o seu sucesso escolar anterior. Foi também aplicada a Escala Quadridimensional de Envolvimento dos Estudantes (EAE-E4D) a 442 estudantes de escolas básicas de Évora, Portugal. Os resultados demonstram a importância das relações professor/a - aluno/a na forma como o clima de escola se relaciona com percursos escolares bem-sucedidos. Foram encontradas diferenças significativas no envolvimento afetivo e comportamental entre alunos com e sem sucesso escolar. Verificou-se uma correlação positiva e moderada entre o clima de escola e o envolvimento na escola.
Palavras-chave: Clima de escola, Envolvimento do/a estudante na escola, Sucesso escolar.
ABSTRACT
The present study aimed to: 1) translate and adapt a Portuguese school climate questionnaire (Delaware School Climate Survey-Student - DSCS-S); 2) understand the relationships between school climate and student involvement in school and their previous school success. The Four-Dimensional Scale of Student Involvement (EAE-E4D) and the adapted version of the DSCS-S were applied to a sample of 442 students from 7th - 9th grades of the city of Évora, Portugal. The main results demonstrate the importance of teacher - student relationships in the way the school climate is related to successful school pathways. Significant differences were found in the affective and behavioral involvement among students with and without school success. There was a positive and moderate correlation between the school climate and the students' involvement in school.
Keywords: School climate; Student involvement school; School success.
RESUMEN
El presente estudio tuvo como objetivos: la traducción y adaptación de un cuestionario acerca del clima escolar para estudiantes portugueses (Delaware School Climate Survey-Student - DSCS-S); comprender las relaciones entre el clima escolar y la participación de los alumnos en la escuela y su éxito escolar anterior. Además, fue aplicada la Escala Cuatridimensional de Participación de los Estudiantes (EAE-E4D) a 442 estudiantes de escuelas básicas de Évora, Portugal. Los resultados muestran la importancia de las relaciones profesor/a- alumno/a en la medida en que el clima escolar se relaciona con los logros en las trayectorias escolares. Se encontraron diferencias significativas en la participación afectiva y comportamental entre alumnos con y sin logros académicos. Se observa una correlación positiva y moderada entre el clima escolar y la participación en la escuela.
Palabras clave: Clima escolar; Participación del/ la estudiante en la escuela, Éxito escolar.
Tem havido um interesse significativo e crescente na melhoria do clima de escola nos últimos anos. O clima de escola envolve a qualidade e a consistência das relações interpessoais, o sentimento de pertença à comunidade escolar e a perceção de segurança que a Escola veicula. O clima de escola parece se refletir no ajustamento socioemocional e na saúde mental das crianças e jovens (Bear et al., 2016; Berg & Aber, 2015).
Por outro lado, a revisão da literatura indica que o envolvimento do/a aluno/a está positivamente correlacionado com diversas variáveis, tais como, o desempenho acadêmico (Fernandes, 2012; Soares, Melo & Almeida, 2014) e os resultados a nível social e emocional (Appleton, Christenson, & Furlong, 2008). Há, então, razões para acreditar que o envolvimento funciona quer como mediador, quer como moderador entre antecedentes e resultados (Lam & Jimerson, 2008).
Como antecedentes do envolvimento, têm sido descritos fatores pessoais (motivação, valores, competência e controle percebido, sistema de crenças) (Wentzel & Wigfield, 2013), bem como por fatores de natureza contextual (família, grupo de amigos e de pares, contextos de aprendizagem) (Fredricks, Blumenfeld, & Paris, 2004). Importa, então, firmar quais as relações passíveis de se estabelecer entre o envolvimento e as variáveis pessoais e contextuais que se lhe associam, bem como a natureza dessas associações. Assim, considerando o clima de escola como potencial antecedente contextual do envolvimento de alunos na escola ir-se-ão analisar as relações entre os dois constructos.
Clima de escola
O clima de escola reúne as características sociais, emocionais e físicas da comunidade escolar (Voight & Hanson, 2017). Apesar de haver concordância na literatura científica em que o clima de escola é um conceito multidimensional e complexo, os autores divergem muito nas dimensões que incluem no clima de escola, o que acresce alguma confusão à volta desta linha de investigação. Wang e Degol (2016) elaboraram uma revisão de literatura e identificaram e categorizaram as múltiplas dimensões descritas na literatura em 4 domínios: clima acadêmico, comunitário, de segurança e institucional. O clima acadêmico se refere à qualidade geral da atmosfera acadêmica, incluindo currículos, processo de ensino-aprendizagem, formação de professores e seu desenvolvimento profissional. O domínio comunitário enfatiza a qualidade das relações interpessoais dentro da escola. A segurança representa o grau de segurança física e emocional proporcionada pela escola, bem como a presença de práticas disciplinares efetivas, consistentes e justas. Finalmente, o ambiente institucional reflete as características organizacionais ou estruturais do ambiente escolar. Coletivamente, essas quatro dimensões abrangem quase todas as características do ambiente escolar que afetam o desenvolvimento cognitivo, comportamental e psicológico dos/as alunos/as.
No que se refere ao clima académico, foi amplamente documentada a qualidade de um ambiente acadêmico como um importante preditor do sucesso dos/as alunos/as em amostras de alunos/as do ensino básico e secundário (Lee, Smith, Perry & Smylei, 1999). As escolas com melhores resultados são aquelas que tendem a enfatizar a importância do compromisso com altos padrões acadêmicos e são caracterizados pela liderança efetiva dos/as professores/as e diretores/as.
A investigação tem demonstrado, também, a importância do clima de escola na redução de problemas ao nível do comportamento dos/as estudantes. As dimensões do clima de escola relacionadas com os recursos da comunidade e percepção de segurança são aquelas que parecem estar mais associadas às diferenças dos/as estudantes em termos comportamentais (Wang & Degol, 2016).
As relações positivas entre professores/as, alunos/as e diretores/as estão consistentemente associadas à diminuição dos problemas comportamentais em adolescentes (Way, Reddy & Rhodes, 2007). Os/as alunos/as que frequentam escolas em que os seus colegas se mostram atentos e prestativos experimentaram uma melhor adaptação à escola. Essa adaptação favorável, também, previu maior saúde e menos sintomas psicossomáticos (Hendron & Kearney, 2016).
Estes resultados sugerem que o clima escolar pode ter efeitos moderadores sobre os vários resultados de bem-estar dos estudantes (Voight & Hanson, 2017).
Envolvimento de estudantes na escola
Tem havido cada vez mais um maior consenso entre os investigadores sobre o constructo de envolvimento dos estudantes na escola enquanto fator protetor de adaptação e do sucesso acadêmico dos estudantes (Veiga, Robu, Conboy, Ortiz, Carvalho & Galvão, 2016). O envolvimento dos/as alunos/as na escola prediz resultados altamente valorizados na Escola, como o progresso acadêmico dos/as alunos/as e o seu sucesso escolar (Reeve & Tseng, 2011).
Encontramos na literatura da área, um amplo consenso sobre a natureza multidimensional do conceito de envolvimento (Veiga, Wentzel, Melo, Pereira, Faria, &Galvão, 2014). De acordo com o modelo conceptual de Lam e Jimerson (2008), o envolvimento é composto pelas seguintes dimensões e componentes: a) envolvimento afetivo, que compreende dois componentes, 1) gosto pela aprendizagem e 2) gosto pela escola; b) envolvimento comportamental, cujos componentes são 1) o esforço para aprender e 2) envolvimento nas atividades escolares (curriculares e extracurriculares) e c) envolvimento cognitivo, que engloba somente um componente, o processamento profundo ou significativo. Recentemente, o reconhecimento da dimensão agenciativa do envolvimento (Veiga, 2013, 2016) vem sendo defendido. Esta é encarada como a contribuição construtiva dos alunos/as no fluxo de instrução que recebem, processo no qual os/as alunos/as intencionalmente e proativamente tentam personalizar e enriquecer tanto o que deve ser aprendido, como as condições e as circunstâncias em que é aprendido (Reeve & Tseng, 2011).
Clima de Escola e Envolvimento de estudantes na escola
Partindo da definição de Wang e Degol (2016) do clima de escola e das suas dimensões, neste momento, a dimensão que agrega mais evidência científica do seu contributo para fomentar o envolvimento dos estudantes na escola é a comunidade. Mais especificamente, a investigação tem demonstrado que a qualidade das relações interpessoais e o sentimento de pertença à escola estão associados a níveis de envolvimento na escola mais elevados.
Furrer e Skinner (2003), por sua vez, salientaram a importância das relações positivas e apoiantes, particularmente com os pais e os/as professores/as, para o desempenho dos/as alunos/as de forma indireta, através da promoção do interesse e do envolvimento na escola. As interações comunicacionais estão associadas ao envolvimento dos/as alunos/as na escola e na sua aprendizagem, desempenhando o/a professor/a, pelo apoio prestado, um papel fundamental no envolvimento comportamental do/a estudante. O aumento do apreço pela escola, pela participação em atividades escolares (curriculares e extracurriculares) ou em sala de aula e a redução de comportamentos disruptivos são, por isso, importantes indicadores a se considerar.
Por outro lado, sabemos que os pares, na adolescência, funcionam como importante fonte de transmissão de padrões de comportamento, de valores e de atitudes, exercendo uma forte pressão social nos jovens. Estudos mostram que o apoio emocional entre amigos/as e colegas está associado a um aumento do envolvimento na escola. Para exercerem uma ação positiva no envolvimento escolar, as relações entre pares devem ser positivas e aumentar a conexão com a escola (Roeser et al., 2000, cit. por Sahil, 2010). Sendo a escola um contexto ótimo de relações interpessoais, as relações que o/a estudante estabelece neste contexto vão influenciar a forma como ele/ela se identifica com a sua escola.
Objetivos
Partindo da perspectiva sistêmica, em que se reconhece a influência da forma como os indivíduos percebem o ambiente que os envolve no seu desempenho social, emocional e acadêmico (Bronfenbrenner, 2002), o presente estudo procura contribuir para a investigação sobre o clima de escola analisando a sua relação com outras variáveis, nomeadamente o envolvimento dos/as alunos/as na escola. Para isso, o primeiro objetivo do estudo foi adaptar e validar um instrumento de avaliação do clima de escola com estudantes portugueses.
De acordo com a abordagem de Lam e Jimerson (2008), várias pesquisas têm revelado a influência positiva do envolvimento no sucesso escolar. O presente trabalho pretende analisar especificamente a influência de fatores do contexto escolar que são considerados antecedentes do envolvimento dos estudantes. Assim, pretende-se analisar as interseções entre as dimensões do clima de escola e do envolvimento dos/as estudantes na escola, bem como perceber que relações existem entre eles e o rendimento escolar. É também objetivo deste estudo averiguar se existem diferenças significativas entre subgrupos no que se refere às dimensões em estudo, nomeadamente em termos de reprovação anterior (reprovaram vs. não reprovaram no ano letivo anterior), que manifestaram diferentes níveis de gosto pela escola (Nada; Pouco; Razoavelmente; Muito), e autoavaliando-se com uma auto-percepção enquanto alunos/as diferentes (Considera-se bom ou muito bom aluno vs. Considera que não é bom aluno).
Método
Participantes
A amostra foi selecionada por métodos não probabilísticos, por conveniência, com recurso a alunos/as voluntários do 3º ciclo do Ensino Básico de quatro escolas básicas públicas da cidade de Évora. A amostra é constituída por 442 participantes (N=442). Destes participantes, 49% são do sexo masculino (N=216) e 51% do sexo feminino (N=226). A idade média dos/as participantes é de 13,5 anos, variando entre os 12 e os 18 anos (DP=1,28). Entre os/as participantes, 45% frequentam o 7º ano de escolaridade (N=201), 34% frequentam o 8º ano (N=151) e 20% frequentam o 9º ano (N= 91).
Procedimentos
Procedeu-se à análise da qualidade psicométrica da escala de clima de escola, nomeadamente avaliando a sua validade e a fidelidade. A escala "Delaware School Climate Survey-Student - DSCS-S" (Bear et al., 2015) foi desenvolvida com o objetivo de avaliar o clima de escola nos Estados Unidos da América em 2007. Esta escala mostrou evidências da sua validade e fiabilidade em 2011 (Bear, Gaskins, Blank, & Chen, 2011) para avaliar o clima de escola, em amostras de estudantes nos EUA, bem como da China, do Japão e do Brasil. Estudos recentes corroboraram as qualidades psicométricas desta escala com estudantes do 2º ciclo, 3º ciclo e secundário (N=38661). Foi a partir da versão mais recente em inglês, de 2016, que foi feita a tradução e a adaptação para os/as estudantes portugueses/as, com apoio da versão brasileira (Bear et al., 2016). Começou por se recolher a autorização dos autores da DSCS-S (Bear et al., 2016) e foi realizada a sua adaptação para Portugal, com recurso à versão inglesa e à brasileira. O processo de tradução da escala de clima de escola de Delaware incluiu a tradução, a retroversão e a comparação com os itens usados na versão brasileira do questionário. A escala utilizada no presente estudo incluiu 31 itens.
Relativamente à escala EAE-E4D, visto que é um instrumento já validado para a população portuguesa (Veiga, 2013, 2016), os resultados serão analisados tendo em conta a estrutura fatorial descrita na literatura, fazendo a comparação com os resultados obtidos na amostra em estudo.
O método utilizado para concretizar a análise fatorial exploratória foi a análise das componentes principais, e o método de rotação utilizado foi ortogonal, varimax. O coeficiente de saturação usado na matriz fatorial rodada foi de 0,40 para a seleção dos itens para os fatores.
Foram realizadas análises inferenciais dos resultados obtidos por forma a responder às questões de investigação, ou seja, analisar as diferenças entre grupos no que diz respeito ao clima de escola e envolvimento dos/as alunos/as na escola. Também foram calculadas as relações entre variáveis, através do Coeficiente de Correlação de Pearson. Foi ainda realizado um estudo de análise de causalidade entre variáveis, por meio da utilização da metodologia de regressão linear. Foram assegurados os pressupostos da distribuição normal, homoscedasticidade dos resíduos e independência de modo a validar estes resultados.
Resultados
Análise das qualidades psicométricas da escala de clima de escola
Os resultados da análise fatorial exploratória, com rotação varimax, realizada com a escala DSCS-S, mostram uma solução com 6 fatores, explicando 55,67% da variância total, tendo por base a regra do valor próprio superior a 1. Na Tabela 1, apresentam-se os pesos fatoriais de cada item em cada um dos 6 fatores, os seus valores próprios, a percentagem de variância explicada de cada fator, bem como a média e o desvio padrão de cada um deles. De acordo com estes valores não foi necessário eliminar nenhum dos itens na análise estatística dos dados.
A distribuição dos itens sugere que estes se agrupam de acordo com os pressupostos teóricos subjacentes à construção deste questionário e vão ao encontro da estrutura fatorial descrita pelos autores da escala noutros países (Bear et al., 2015; Bear et al., 2016). Assim, tendo em conta os resultados obtidos e os estudos anteriormente realizados com esta escala, o primeiro fator foi designado de clareza e justiça das regras, o segundo de relações entre pares, o terceiro de relações professor-aluno, o quarto de envolvimento na escola, o quinto de bullying na escola e o sexto de segurança na escola.
Os resultados das análises de consistência interna (Alpha de Cronbach) para as diferentes dimensões das duas escalas utilizadas, assim como a média, desvio padrão, valores mínimo e máximo são apresentados na Tabela 1.
Como evidência da fiabilidade da análise dos dados, os coeficientes para consistência interna variaram de .815 a .775 para os seis fatores da DSCS-S. A Escala Global do clima de escola apresentou uma consistência interna muito elevada (α = .920).
Análise da Comparação de médias de variáveis independentes
Através da comparação entre o grupo de estudantes que teve retenções escolares ao longo do seu percurso e o grupo que não teve reprovações (cf. Tabela 2), pode-se verificar que existem diferenças significativas no relacionamento professor aluno (t (434) = 2,77, p = 0.006), no envolvimento afetivo na escola (t (431) = 3,12, p = 0.002), no envolvimento comportamental (t (431) = 4,19, p <0.001) e no envolvimento global (t (431) = -3,44, p = 0.001) dos alunos/as na escola.
Deste modo, pode-se concluir que os/as alunos/as que não tiveram no seu percurso acadêmico nenhuma retenção têm uma relação com os professores mais positiva, um sentido de pertença e de ligação à escola maior.
No que respeita às diferenças de médias em relação ao sexo, não existem diferenças significativas entre participantes do sexo feminino e participantes do sexo masculino ao nível do clima de escola. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de idade, ao nível do fator relações professor-aluno (F (3, 439) =3,13, p =.026). O Teste Post-Hoc HSD de Tukey revelou que as diferenças detectadas dizem respeito a diferenças estatisticamente significativas entre os/as alunos/as do grupo de idade 12 anos e o grupo mais de 14 anos (p<.05). Foram ainda notórias as diferenças entre os grupos de 12 anos e 14 anos no que respeita à perceção de bullying na escola (F (3, 439) = 2,93, p = .033).
Como podemos observar na Tabela 3, existem diferenças significativas entre os/as estudantes que gostam muito, razoavelmente, pouco e nada da escola. Estas diferenças são notórias em todas as dimensões do clima de escola, excetuando a percepção de situações de bullying na escola, e em todas as dimensões do envolvimento dos/as alunos/as na escola. O Teste Post-Hoc HSD de Tukey demonstra que as diferenças verificadas nas dimensões do clima de escola dizem respeito a diferenças estatisticamente significativas entre os/as estudantes que gostam muito e os outros 3 grupos e os/as estudantes que gostam razoavelmente e os restantes grupos (p<0.05).
No que se refere à percepção de si enquanto aluno/a, os resultados obtidos mostram que os/as alunos/as/as que se percebem como bons ou muito bons alunos/as têm em média uma maior percepção de segurança (F (3, 436) = 2.275, p = 0.023). O mesmo acontece em todas as dimensões associadas ao envolvimento: o grupo de alunos/as que se considera bons ou muito bons alunos/as apresenta médias significativamente mais elevadas que o grupo que considera não ser bom aluno/a (p≤0.001) (cf. Tabela 4).
Análise das relações entre variáveis - Correlações de Pearson R
Os resultados descritos na Tabela 5 permitem analisar as correlações existentes entre os fatores da própria DSCS-S, os fatores da própria EAE-E4D, bem como as correlações existentes entre os fatores da DSCS-S e os fatores da EAE-E4D.
Em termos de correlações, entre as duas escalas no global, regista-se uma associação positiva e moderada (r=.423, p<0.001). Verificou-se que o envolvimento cognitivo tem uma relação significativa e positiva com todas as dimensões de clima de escola, exceto com o bullying. O envolvimento afetivo tem uma associação significativa com todas as dimensões de clima de escola, sendo mais elevada com a relação com pares e segurança na escola. Esta associação é negativa com a perceção de situações de bullying na escola. O envolvimento comportamental se relaciona positivamente com a clareza e a justiça das regras, relações professor-aluno, envolvimento global na escola e segurança na escola, sendo esta relação mais forte para as relações professor-aluno. O envolvimento agenciativo está associado significativamente e positivamente a todas as dimensões de clima de escola, à exceção da perceção de situações de bullying na escola.
Entre os fatores da escala de clima de escola, verifica-se uma associação moderada entre, por exemplo, a qualidade da relação entre professor/aluno e a percepção de que as regras da escola são claras e justas (r=.649, p<0.001). Também se destaca uma associação positiva e moderada entre o envolvimento na escola e a relação com os pares (r=.544, p <0.001), bem como uma relação negativa e moderada entre as situações de bullying percebidas na escola e a qualidade da relação com os pares (r=-.417, p<0.001). A percepção de segurança na escola se relaciona positiva e moderadamente com todos os outros fatores de clima de escola, exceto com o bullying.
No que se refere aos fatores da escala de envolvimento dos alunos/as na escola, verifica-se uma associação moderada e positiva entre o envolvimento nas tarefas acadêmicas, processamento da informação e planificação dos trabalhos e na iniciativa que têm em termos de intervenção nas aulas e no diálogo com o professor (r=.499, p<0.001).
Análise das relações de causalidade - Regressão linear
Através deste tipo de análise, tentou-se compreender se entre as variáveis em estudo (gosto pela escola, auto percepção enquanto alunos, dimensões do clima de escola e do envolvimento) existem algumas que podem ser consideradas preditores significativos do clima de escola e do envolvimento dos alunos na escola (cf. Figura 1).
Variáveis preditoras do clima de escola e do envolvimento dos alunos na escola.
O gosto pela escola demonstrou, assim, ser preditor quer do clima de escola, quer do envolvimento dos alunos na escola. O clima de escola influencia significativamente o envolvimento podendo ser considerado um de seus seu percursores, explicando 18% da variância dos dados. O gosto pela escola e, principalmente, quando este se associa à autopercepção enquanto alunos prediz o envolvimento dos alunos na escola, explicando assim 20% da variação dos resultados.
Isto vai ao encontro do esperado, demonstrando que variáveis de contexto influenciam significativamente o envolvimento.
Discussão
A análise psicométrica da escala de Clima de escola - DSCS-S permitiu aferir e confirmar a qualidade do instrumento utilizado para medir as dimensões pretendidas. Os resultados obtidos com a versão portuguesa desta escala vão ao encontro aos resultados já obtidos nos estudos originais dos autores e nas adaptações do questionário a outros países e realidades culturais (Bear et al., 2016). Chegaram-se aos mesmos seis fatores - relações professor-aluno, relações entre pares, segurança, clareza e justiça das regras envolvimento dos estudantes no contexto escolar e bullying na escola.
Numa perspectiva comparativa entre os alunos que já tiveram retenções no seu percurso escolar e aqueles que têm tido sucesso escolar, em termos de clima e escola, a única dimensão onde foram encontradas diferenças significativas é na relação professor aluno. Os/as estudantes com o percurso escolar marcado pelo sucesso apresentam uma relação professor-aluno significativamente mais positiva. Assim, nas escolas onde se promovem os relacionamentos interpessoais de alta qualidade, comunicação, coesão e sentimento de pertença, também se promovem o desempenho e os resultados acadêmicos. A qualidade das relações professor-aluno tem sido associada a um maior envolvimento e resultados acadêmicos melhores (Bear et al., 2016).
Os resultados deste estudo destacam que os alunos cujo o percurso foi marcado pelo sucesso escolar têm maior envolvimento afetivo, maior envolvimento comportamental e maior envolvimento global. Em estudos anteriores, concluiu-se que rendimento acadêmico tem correlações positivas com o envolvimento global e as dimensões envolvimento cognitivo, envolvimento comportamental e envolvimento afetivo, o que vai ao encontro dos resultados do presente estudo. Também têm sido relatadas correlações positivas com o bem-estar (Charneca & Melo, 2013).
No que e refere à associação entre auto percepção como alunos e envolvimento dos/as estudantes na escola, bons e muito bons alunos têm maiores níveis de envolvimento em todas as suas dimensões, corroborando a ideia de que fatores pessoais interferem no envolvimento na escola, podendo, uma vez mais, tratar-se de uma relação biunívoca. Esta correlação vai ao encontro de outros estudos já realizados em Portugal, em que também foram encontradas correlações significativas e positivas entre autoconceito ou autopercepção de si e envolvimento (Leite, 2017).
Através da análise das correlações entre dimensões, foi possível detetar uma associação moderada entre a escala global de clima de escola e de envolvimento dos/as alunos/as na escola. Os estudos anteriores já tinham indiciado que os conceitos de clima de escola e de envolvimento na escola estavam globalmente associados (ThapaCohen, Guffey, &Higgins-D'Alessandro, 2013; Wang & Degol, 2016). Esperar-se-ia que, especialmente, a dimensão comunidade do clima de escola, que integra as relações interpessoais positivas e o sentimento de pertença estivesse fortemente correlacionada com o envolvimento (Finn, 1989; Wang & Degol, 2016), resultado que não foi totalmente corroborado na presente amostra. Existem associações estatisticamente significativas nas relações entre pares, relações entre professores-alunos e as várias dimensões de envolvimento. Estas relações apesar de positivas são fracas, destacando-se mais nas relações professor-aluno e envolvimento cognitivo, comportamental e geral e nas relações entre pares e envolvimento afetivo.
O envolvimento afetivo está correlacionado positivamente com as relações entre pares. Os resultados do estudo de Estell & Perdue (2013) sugerem que os pares se relacionam com o envolvimento afetivo da escola, ideia que o presente estudo corrobora. Os itens da dimensão afetiva têm a ver com os sentimentos que os estudantes têm em relação às suas aprendizagens (Veiga, et al., 2009) e com os sentimentos de pertença dos alunos/as à escola, local onde desenvolvem relações positivas com os grupos de pares e restante comunidade (Goodenow, 1993).
Neste sentido, torna-se essencial desenvolver intervenções globais na escola, promotoras das dimensões de clima de escola e envolvimento dos/as estudantes na escola, que tenham em consideração estes resultados e que atuem na prevenção do decréscimo dos resultados de clima de escola e de envolvimento dos/as alunos/as na escola.
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Endereço para correspondência:
Madalena Melo
mmm@uevora.pt
Recebido em: 12/08/2019
Aceito em: 25/11/2019