Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.14 no.1 Juiz de Fora jan./abr. 2020
https://doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.29037
DOSSIÊ TEMÁTICO ENGAJAMENTO ESCOLAR
Desenvolvimento e evidências de validade da Escala de Percepção das Práticas Docentes
Development and validity evidence of the Teaching Practice Perception Scale
Desarrollo y evidencias de validez de la Escala de Percepción de la Práctica Docente
Mayra Antonelli PontiI; Rosana Suemi TokumaruII; Patricia Ferreira MonticelliIII; Teresa VilaçaIV; Patricio CostaV
IUniversidade de São Paulo. Email: antonelli.may@usp.br
IIUniversidade Federal do Espírito Santo. Email: suemitokumaru@gmail.com
IIIUniversidade de São Paulo. Email: monticel@usp.br
IVUniversidade do Minho. Email: tvilaca@ie.uminho.pt
VUniversidade do Minho. Email: pcosta@med.uminho.pt
RESUMO
Práticas docentes personalizadas podem melhorar o desempenho escolar de estudantes. No entanto, não encontramos instrumentos específicos para avaliar estas práticas no contexto brasileiro. O objetivo deste estudo foi construir e apresentar evidências de validade da Escala de Percepção das Práticas Docentes (EPPD). Foram elaborados 25 itens avaliados por 11 juízes. A escala resultante com 17 itens foi aplicada a 477 professores, via formulário online. As análises fatoriais identificaram duas dimensões: Grupo (α = 0,79) reflete as práticas docentes dirigidas à turma; Personalização (α = 0,88) refere-se as práticas docentes dirigidas ao estudante individualmente, que explicaram 48,6% da variância. Os docentes apresentaram mais práticas para o grupo do que personalizadas. A EPPD apresentou evidências de validade e confiabilidade de conteúdo, face e construto e é uma ferramenta potencialmente útil para avaliar as práticas docentes voltadas para o grupo e para estudantes individualmente.
Palavras-chave: : Avaliação pedagógica; Validade do teste; Atitudes do professor; Atividade pedagógica; Interação professor-aluno.
ABSTRACT
Personalized teaching practices can improve students' school performance. However, specific instruments to evaluate these practices in the Brazilian context couldn't be found. The main goal of this study was to construct and present validity evidence for the Teaching Practice Perception Scale (TPPS). Twenty-five items were crated and evaluated by 11 judges. The resulting 17-item scale was applied to 477 teachers via online form. Factorial analyzes identified two dimensions: 'Group' (α = .0,79) reflects group-oriented teaching practices; 'Personalization' (α = 0,88) refers to individual-oriented teaching practices, which explained 48,6% of the total variance. Teachers presented more group than individual-oriented practices. The TPPS presented evidences of content, face and construct validity and reliability, and is a potentially useful tool for assessing group and individual-oriented teaching practices.
Keywords: : Educational evaluation; Test validity; Teacher attitudes; Educational activity; Teacher-student interaction.
RESUMEN
Prácticas docentes personalizadas pueden mejorar el rendimiento escolar estudiantil. Sin embargo, no existen instrumentos específicos para evaluar estas prácticas en el contexto brasileño. El objetivo en este estudio fue desarrollar la Escala de Percepción de la Práctica Docente (EPPD) y mostrar datos sobre su validez. Fueron construidos 25 ítems que después fueron evaluados por 11 jueces. La escala resultante de 17 ítems fue aplicada a 477 maestros a través de un formulario digital. El Análisis Factorial indicó dos dimensiones: 'Grupo' (α = .79) refleja las prácticas de enseñanza dirigidas a toda la clase; 'personalización' (α = .88) se refiere a las prácticas de enseñanza dirigidas al alumno individual, que explican el 48,6% de la varianza total. Los maestros mostraron más prácticas orientadas al grupo que al estudiante individual. La EPPD tiene confiabilidad y validez de contenido, aparente y de constructo, y es una herramienta potencialmente útil para evaluar las prácticas de enseñanza para grupos de estudiantes e individual.
Palabras clave: Evaluación Pedagógica; Validación Del Test; Actitudes Del Profesor; Actividad Pedagógica; Interacción Profesor-estudiante.
Práticas docentes que levam em conta as características individuais dos estudantes têm sido demandadas no processo de personalização do ensino (Asbury & Plomin, 2013; Morán, 2015; Pereira & Silveira, 2017). Tais práticas apresentam potencial para fomentar a interação professor-aluno (Zimmer-Gembeck, Chipuer, Hanisch, Creed, & McGregor, 2006) e melhorar o desempenho escolar e o bem-estar dos estudantes (Asbury & Plomin, 2013; Gesser & Martins, 2019; van der Lans, van de Grift, & Van Veen, 2018). Tanto as práticas voltadas para o grupo quanto as práticas voltadas para o indivíduo, desde que positivas e favoráveis à aprendizagem, constituem-se como formas de colaborar para a autorregulação do estudante (Ganda & Burochovitch, 2018). As práticas personalizadas são imprescindíveis para o incentivo à autonomia (Morán, 2015) e para a promoção da inclusão (Gesser & Martins, 2019). No entanto, não encontramos, dentre as formas de avaliação das práticas pedagógicas disponíveis no Brasil, instrumentos que acessem diretamente estas dimensões das práticas docentes.
As avaliações das práticas pedagógicas que encontramos na literatura abordam aspectos amplos da docência e têm sido realizadas de diferentes formas: utilizando-se questionários respondidos pelos estudantes (INEP, 2016); observação direta realizada pelos pesquisadores (van der Lans, van de Grift, & Van Veen, 2018) e entrevistas (Junges & Behrens, 2016) e; escalas respondidas pelos próprios professores (Beluce & Oliveira, 2018). Muitos destes estudos, no entanto, não apresentam a realização de procedimentos de validação (Silva et al., 2018; Silva, Muzardo, Suzuki, da Silva & Santos, 2017; Tessaro & Guzzo, 2004). A ausência de validade dificulta a replicação dos estudos, a comparação entre os resultados obtidos, a generalização e, consequentemente, a formação de teorias explicativas sobre as práticas docentes (Ollaik & Ziller, 2012).
O objetivo do presente estudo foi construir e validar um instrumento para acessar o uso de práticas docentes dirigidas para o os estudantes, como grupo, e de práticas docentes personalizadas. Utilizou-se o termo percepção docente sobre suas práticas em referência à forma como o próprio professor compreende e relata as estratégias de ensino que utiliza para alcançar os objetivos estipulados (Junges & Behrens, 2016; Tardif, 2008). Instrumentos respondidos pelos próprios professores sobre sua atuação podem promover a autorrevisão das práticas, levando à compreensão das estratégias de aprendizagem usadas pelos estudantes diante das mesmas (Beluce & Oliveira, 2018). Ainda, podem complementar avaliações docentes externas (van der Lans et al., 2018), contribuindo para a autorregulação e aperfeiçoamento da prática profissional.
Método
O delineamento metodológico incluiu uma fase qualitativa, na qual ocorreu a construção e a avaliação dos itens por juízes e pelo público-alvo, e uma fase quantitativa, na qual a escala foi aplicada a uma grande amostra da população de interesse e as propriedades psicométricas da escala foram analisadas.
O projeto foi aprovado por instância ética competente, sob o parecer consubstanciado nº 2.631.768. O questionário só foi acessado pelos participantes após concordarem em participar do estudo. A concordância foi expressa ao clicar no botão "Eu concordo em participar da pesquisa", colocado ao final da página em que se encontrava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Procedimentos
Fase 1.
Construção do instrumento.
A construção da escala foi baseada em instrumentos que fazem parte do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), edição 2015, disponíveis no banco de dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Estes instrumentos são utilizados para avaliar as práticas docentes, o desempenho e as características sociodemográficas dos estudantes, a partir da percepção dos próprios estudantes. Os itens foram inspirados em questões do PISA, nas quais os alunos avaliam o feedback e o suporte fornecidos pelo professor e a adequação metodológica apresentada pelo professor em função de demandas dos alunos (INEP, 2016).
Avaliação por juízes e pelo público-alvo.
Os itens construídos foram submetidos à avaliação por cinco juízes especialistas, com formação superior e atuantes na área de pesquisa, e por 10 professores da educação básica. Solicitou-se a todos que avaliassem a pertinência dos itens ao construto práticas docentes e à compreensibilidade e legibilidade dos itens.
Fase 2.
Aplicação da escala.
Professores atuando na educação básica foram recrutados a partir do contato direto das pesquisadoras com professores nas escolas públicas e particulares de um município do estado de São Paulo, e através de divulgação da pesquisa por meio de e-mail e redes sociais virtuais da pesquisadora principal. A amostra de conveniência foi, portanto, formada por professores brasileiros de todos os níveis da educação básica. Aos professores que aceitaram participar, foi enviado um link de acesso ao questionário em formato online, disponibilizado pela plataforma Google Forms.
Participantes
Amostra.
Responderam à escala 477 professores brasileiros da educação básica. O N amostral foi considerado adequado para a avaliação da estrutura fatorial da escala, considerando o critério da participação de no mínimo 10 respondentes por item da escala (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). A amostra foi composta prioritariamente por mulheres (81,2%) que exercem a profissão no estado de São Paulo (71,5%), com idade média de 40,08 anos (DP = 10,23, Mín. = 20, Máx. = 70 anos). O tempo médio de atuação como docente foi de 12,7 anos (DP = 9,16), sendo que 26 participantes declararam ter menos de um ano de experiência e um participante declarou ter 49 anos de atuação. A maior parte dos professores apresentou formação no ensino superior, com ou sem especializações de curta duração (83,5%), na área de Humanidades (71,7%). A maioria atuava na rede pública de ensino (67,1%), nos diversos níveis: 37,1%, no ensino fundamental; 17,6%, no ensino médio; 9,9%, na educação infantil e; 35,4%, em dois ou mais níveis de ensino.
Análise de dados
Para avaliar a estrutura fatorial da escala, utilizamos a análise fatorial exploratória (AFE), com extração de fatores pelo método Principal Axis Factoring, e a rotação oblíqua Direct Oblimin, justificada pela suposição da relação de dependência entre as dimensões hipotetizadas. As medidas de adequação do modelo foram KMO, recomendado acima de 0,8, e teste de esfericidade de Bartlett significativo (p < 0,05). A confiabilidade dos itens foi indicada por valores de alfa de Cronbach acima de 0,7, considerados aceitáveis.
Para a análise fatorial confirmatória (AFC), foram utilizados os seguintes critérios para aceitação do modelo: estatística Chi e p-valor ; χ2/g.l entre 2 e 3; Comparative Fit Index (CFI) acima de 0,9; Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA) entre 0,05 e 0,08; Goodness-of-fit Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-fit Index (AGFI) superiores a 0,9 (Hair et al., 2009). Todas as análises foram realizadas com a utilização do pacote estatístico IBM SPSS Statistics e IBM SPSS AMOS versão 23.
Resultados
Fase 1
Construção dos itens.
Inicialmente, foram criados 25 itens, todos em formato de frase afirmativa e em primeira pessoa. As opções de resposta foram dispostas em uma escala de cinco pontos, variando de "nunca" (1) a "sempre" (5).
Avaliação por juízes e pelo público-alvo.
Os juízes sugeriram a substituição do termo "alunos" pelo termo "estudantes", e as respostas "nunca" a "sempre" por "raramente" (1) a "frequentemente" (5). Juízes e professores apontaram a pertinência dos itens ao construto práticas docentes. No entanto, dois juízes recomendaram a retirada de itens que foram considerados repetidos. A repetição também foi apontada pelos professores. Três professores apontaram a impossibilidade de adoção das práticas sugeridas nos itens relacionados à diversificação do ambiente e dos recursos e à personalização das atividades. Apontaram, como fatores contrários à realização destas práticas, a obrigatoriedade do uso de materiais apostilados e a ausência de apoio institucional para promoção de atividades diferentes daquelas pré-determinadas.
As sugestões dos juízes e do público-alvo quanto à repetição dos itens levou à modificação e à exclusão de itens, resultando em uma escala composta por 17 itens (Tabela 1).
Os resultados obtidos nesta fase demonstraram que a escala apresentou evidências de validade de face e de conteúdo (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014), e foi, portanto, utilizada na fase 2.
Fase 2
Análise fatorial exploratória e confiabilidade.
A análise descritiva dos itens mostrou que os respondentes utilizaram a amplitude total da escala, tendo sido selecionados os valores mínimos e máximos em todos os itens. (Tabela 2). Os valores das médias e medianas obtidos nos itens foram altos, variando entre 4 e 5, com exceção dos itens 2 e 7, que apresentaram valores menores, porém ainda superiores ao valor médio da escala de resposta. A distribuição das respostas foi assimétrica negativa em todos os itens e o achatamento variou amplamente entre os itens, com medidas de curtose variando desde K = -0,8 até K = 5,3, sendo este último valor alto, mas dentro dos limites estabelecidos por Kline (2013) (Tabela 2).
Conduziu-se, ainda, o cálculo de correlação de Pearson entre os itens que resultaram em coeficientes significativos e positivos entre r = 0,11 e r = 0,67 (Tabela 3).
Os valores de KMO = 0,926 e de esfericidade de Bartlett = 3610(136), p < 0.001 mostraram adequação dos dados para a realização da análise fatorial exploratória (AFE). Esta foi conduzida usando-se o método de extração de componentes principais e rotação Oblimin. Para a decisão sobre o número de fatores a serem retidos, utilizamos os critérios de Kaiser e de Catell. Ao contrário da hipótese inicial, a análise fatorial sugeriu a retenção de três fatores: uma dimensão com maior número de itens e duas outras dimensões com menor número de itens. As três dimensões, juntas, explicaram 48,6% da variância total do instrumento. No entanto, considerando-se como critério de corte cargas fatoriais acima de 0,4, observou-se que a terceira dimensão era formada por itens com cargas fatoriais baixas e que apresentavam cross-loading. Optou-se, portanto, por eliminar os itens com cross-loading (itens 5,6 e 10) e com carga fatorial abaixo de 0,4 (item 8).
Após as eliminações os 13 itens restantes foram submetidos a nova AFE, resultando na extração de dois fatores que explicaram 49,4% da variância total dos dados (Tabela 4).
Análise fatorial confirmatória e indicadores de confiabilidade.
O modelo de estrutura bidimensional (Figura 1) mostrou índices de ajuste adequados: c2(64) = 264, p < 0,001; c2 /gl = 4,137; CFI = 0,928, RMSEA= 0,081 (IC 90%) GFI = 0,921.
Procedeu-se à análise de confiabilidade calculando-se o alfa de Cronbach com os itens pertencentes a cada dimensão. A dimensão 1, denominada Grupo, apresentou α = 0,79 e reuniu oito itens referentes às práticas docentes voltadas para a classe de alunos como um todo. A dimensão 2, denominada Personalização apresentou α= 0,89 e reuniu cinco itens referentes às práticas docentes voltadas para os estudantes individualmente. Os escores individuais dos professores nas dimensões da escala foram calculados a partir da média aritmética dos itens componentes de cada dimensão.
Os escores em ambas as dimensões apresentaram distribuição significativamente diferente da distribuição normal (Grupo KS = 0,34; g/l = 477; p < 0,01; Personalização KS = 0,21; g/l = 477; p < 0,01). Houve significativamente (Z = -11,57 p < 0,01) maior frequência de práticas voltadas para o grupo (M = 4,5 DP = 0,68) que práticas personalizadas (M = 4,01, DP = 0,92). A correlação entre as duas dimensões foi positiva e moderada (r = 0,51).
Finalmente, foram testadas as diferenças de práticas docentes entre grupos quanto ao gênero (feminino e masculino), escolaridade (ensino superior e pós-graduação), idade (mais novos - de 20 a 39 anos - e mais velhos - de 40 a 75 anos) e tempo de atuação docente (menos experientes - de zero a 11 anos - e mais experientes - de 12 a 49 anos). Estes últimos foram agrupados pela divisão em quartis e categorizados em faixa etária e de tempo. Para a comparação, utilizou-se a grupo formado pelas duas faixas menores e pelas duas faixas maiores. As práticas variaram significativamente com a idade (U = 24599,5; p = 0,04), sendo menor a frequência do relato de práticas voltadas para o grupo pelos professores mais velhos (M = 4,4; DP = 0,71) do que pelos mais novos (M = 4,6; DP = 0,64). Houve também significativamente (U = 24121,5; p = 0,02) maior relato de práticas personalizadas pelos professores mais velhos (M = 4,1; DP = 0,90) que pelos novos (M = 3,9; DP = 0,93). Houve diferença significativa no relato de práticas personalizadas quanto ao gênero (U = 13926,4; p=0,02) e a escolaridade dos professores (U = 12773,0; p = 0,05). Mulheres relatam maior frequência destas (M = 4,1; DP = 0,9) que os homens (M = 3,7; DP = 0,9). Os professores graduados relataram maior frequência das práticas personalizadas (M = 4,1; DP = 0,91) do que os professores pós-graduados (M = 3,7; DP = 0,95).
As práticas docentes não diferiram em relação ao tempo de experiência do docente. Professores mais e menos experientes relatam frequências semelhantes de práticas voltadas o grupo (M = 4,5; DP = 0,73 e M = 4,5; DP = 0,62, respectivamente) e de práticas personalizadas (M = 3,9; DP = 0,91 e M = 4,0; DP = 0,93, respectivamente).
Discussão
Nossos resultados demonstram que o processo adotado para a construção da Escala de Percepção das Práticas Docentes (EPPD) levou ao desenvolvimento de um instrumento que apresentou evidências de validade de conteúdo, de face e de construto. A estrutura do instrumento revelou-se bidimensional, conforme esperado a partir da elaboração dos itens iniciais. A dimensão denominada Grupo apresentou itens referentes às práticas do professor em relação ao grupo de estudantes, e a dimensão denominada Personalização apresentou itens relativos às práticas do professor direcionadas para os estudantes individualmente. Partimos do pressuposto de que estas dimensões poderiam representar práticas frequentes dos professores, relatadas por eles, como encontrado em amostras das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do país (Silva et al., 2017; Silva et al., 2018) e relatadas pelos estudantes, como na amostra Brasileira do PISA 2015, na qual mais de 80% dos estudantes Brasileiros declararam que seus professores oferecem suporte nas aulas de ciências (INEP, 2016). De fato, constatamos que os escores médios em ambas as dimensões foram altos, próximos ao extremo superior da escala de resposta.
Ambas as dimensões tratam da aplicação de estratégias educacionais que contemplam a reavaliação e a modificação das práticas docentes a partir da interação entre o professor e os alunos, como um grupo ou individualmente. A aproximação entre professor e estudante foi considerada uma prática associada com o engajamento escolar (Zimmer-Gembeck et al., 2006), além de colaborar com a autorregulação da aprendizagem (Ganda & Boruchovitch, 2018), com os processos de transição escolar (Pereira & Silveira, 2017) e com o aumento do interesse e da qualidade da aula (Junges & Behrens, 2016). Há indícios de que os professores utilizem estas estratégias de forma ativa, com o propósito de melhorar a aprendizagem (Tessaro & Guzzo, 2004). Uma amostra de professores de 5º ano enfatiza a formação integral do aluno e reforça a importância da adaptação da metodologia de ensino às características dos alunos e do papel do professor como um guia no processo de ensino e aprendizagem (Pereira & Silveira, 2017).
Constatou-se, no entanto, que as práticas voltadas para o grupo são mais frequentemente utilizadas do que as personalizadas, corroborando com resultados acerca das práticas docentes percebidas pelos estudantes: entre 44,2% e 48,2% estudantes relatam que os professores adaptam as aulas de acordo com o perfil do grupo e 41,6% declaram a prática de ajuda individual como rotina (INEP, 2016). Alguns professores que avaliaram a validade de face da EPPD apontaram obstáculos à realização de modificações das práticas docentes voltadas para o atendimento individual de estudantes no grupo. Dentre estes foram apontadas a obrigatoriedade do uso de materiais apostilados e a ausência de apoio institucional para a promoção de atividades diferentes daquelas pré-determinadas, apontando que as condições de trabalho se configuram como um fator importante para o desenvolvimento dos saberes docentes (Tardif, 2008). Outros autores indicam ainda que, para além das dificuldades materiais e institucionais, "Os métodos de ensino ativos e a diferenciação estão entre os últimos e mais complexos comportamentos de ensino a serem desenvolvidos" (van der Lans et al., 2018, p. 249). Apesar de os presentes resultados indicarem que os professores apresentam alta frequência destas práticas não podemos excluir a possibilidade de que a forma de coleta tenha influenciado estes resultados. Para aumentar a confiabilidade dos resultados aqui obtidos, sugerimos a utilização de metodologias, complementares à aplicação da EPPD, que se baseiem na observação direta das práticas docentes.
Professores mais velhos - e não os mais experientes - apresentaram mais práticas personalizadas e voltadas para o grupo do que professores mais jovens, indicando que o tempo de experiência docente por si não promove a exibição destas práticas docentes, mas que características relacionadas ao desenvolvimento podem promovê-las. Não investigamos, no presente estudo, os possíveis motivos deste resultado, mas sugerimos que a investigação desta questão em estudos futuros pode contribuir para a compreensão das condições que promovem tais práticas.
Docentes do sexo feminino relataram mais práticas personalizadas que docentes do sexo masculino. As diferenças entre gêneros resultam da interação entre fatores biológicos, psicológicos, sociais, históricos e culturais (Schmitt, 2015), originando muitas possíveis interpretações para os resultados obtidos. Uma hipótese, dentre as muitas possíveis, que levantamos aqui para explicar este resultado refere-se à diferença entre os gêneros na empatia e na relação entre empatia e o uso de estratégias personalizadas de ensino. Vários estudos apontam que as mulheres apresentam maior desempenho que os homens em testes que avaliam a empatia, sensibilidade social e reconhecimento de expressões faciais de emoção (Schulte-Rüther, Markowitsch, Shah, Fink, & Piefke, 2008). Além disso, alguns estudos apontam que a empatia pode promover o uso de estratégias personalizadas de ensino (Warren, 2014). Desta forma, podemos supor que as docentes do sexo feminino apresentam maior orientação empática e que esta poderia promover a exibição de práticas docentes personalizadas. Sugerimos que esta hipótese seja testada em estudos futuros e que o uso da EPPD, desenvolvida, no presente estudo, pode ser um instrumento útil para este teste.
Docentes graduados relataram maior frequência de práticas personalizadas do que docentes pós-graduados. A menor frequência de práticas personalizadas pode refletir menor valorização destas por parte dos professores pós-graduados ou menor investimento destes nestas práticas, ainda que as valorizem igualmente. Não investigamos, no presente estudo, possíveis motivos para esta diferença. No entanto, é possível que esta esteja relacionada a muitas outras diferenças entre os professores graduados e pós-graduados na nossa amostra que não foram investigadas no presente estudo. Uma possível explicação pode estar relacionada às atividades desenvolvidas por estes docentes. É possível supor que enquanto os professores graduados se dedicam exclusivamente ao ensino, os professores pós-graduados se dedicam ao ensino e a atividades de pesquisa. Desta forma, a dedicação exclusiva ao ensino poderia levar ao desenvolvimento de práticas personalizadas, que consomem mais tempo e maior conhecimento do professor das estratégias de ensino de forma geral. Outra possível explicação pode estar relacionada à área de formação dos professores da presente amostra. É possível que dentre os professores graduados haja maior número de docentes com formação em pedagogia, atuando principalmente nos níveis fundamental e básico. A formação em pedagogia enfatiza o conhecimento de múltiplas estratégias de ensino privilegiando o contato com saberes curriculares (Tardif, 2008) sobre a diversidade encontrada no ambiente educacional. Este contato tem sido apontado como uma maneira de acelerar o desenvolvimento de práticas docentes personalizadas (Gesser & Martins, 2019). Não investigamos a formação específica dos professores neste estudo. No entanto, sugerimos que pesquisas futuras investiguem esta questão e a relação entre formação e práticas personalizadas.
Conclui-se, a partir dos resultados e das discussões apresentadas, que a Escala de Percepção das Práticas Docentes é um instrumento válido e confiável para uso em pesquisa com professores no contexto brasileiro. Considerando a preocupação atual com a promoção de práticas docentes individualizadas e suas consequências para a aprendizagem, a EPPD apresenta-se como instrumento viável e de fácil aplicação permitindo a realização de pesquisas comparativas em nível nacional.
Referências
Asbury, K., & Plomin, R. (2013). G is for Genes: The impact of genes on education and achievement. Wiley Blackwell. [ Links ]
Beluce, A. C, & Oliveira, K. L. (2018). Learning Strategies Mediated by Technologies: Use and Observation of Teachers. Paidéia (Ribeirão Preto), 28, e2809. Epub 07 de junho de 2018. doi: https://dx.doi.org/10.1590/1982-4327e2809 [ Links ]
Cohen, R. J., Swerdlik, M. E., & Sturman, E. D. (2014). Testagem e Avaliação Psicológica: Introdução a Testes e Medidas [Psychological Testing and Assessment: An Introduction to Tests and Measurement]. Porto Alegre: AMGH Editora. [ Links ]
Ganda, D. R., & Boruchovitch, E.. (2018). A autorregulação da aprendizagem: principais conceitos e modelos teóricos. Psicologia da Educação, (46), 71-80. doi: https://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20180008 [ Links ]
Gesser, M., & Martins, R. M. (2019). Contributions of a Teacher Training Program to Inclusive Education. Paidéia (Ribeirão Preto), 29, e2907. doi: https://dx.doi.org/10.1590/1982-4327e2907 [ Links ]
Hair, J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados [Multivariate Data Analysis]. Porto Alegre: Bookman Editora. [ Links ]
INEP (2016). Brasil no PISA 2015: Análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros. São Paulo: Fundação Santillana, 2016. Recuperado de https://goo.gl/naEkpK. [ Links ]
Junges, S. K., & Behrens, M. A. (2016). Uma formação pedagógica inovadora como caminho para a construção de saberes docentes no Ensino Superior [An innovative educational training as a way to build teaching knowledge in Higher Education]. Educar em Revista, (59), 211-229. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.42282. [ Links ]
Kline, R. (2013). Exploratory and Confirmatory Factor Analysis. In Applied quantitative analysis in education and the social sciences.(p 183-217). Nova York: Routledge. [ Links ]
Morán, J. (2015). Mudando a educação com metodologias ativas. Coleção Mídias Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens, 2, 15-33. Recuperado de http://rh.unis.edu.br/wp-content/uploads/sites/67/2016/06/Mudando-a-Educacao-com-Metodologias-Ativas.pdf [ Links ]
Ollaik, L. G., & Ziller, H. M. (2012). Concepções de validade em pesquisas qualitativas. Educação e Pesquisa, 38(1), 229-242. doi: https://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022012005000002 [ Links ]
Pereira, L. O. de A., & Silveira, L. M. de O. B. (2017). Percepção das professoras sobre seus alunos do 5º ano. Psicologia da Educação, (45), 77 86. doi: https://dx.doi.org/10.5935/2175-3520.20170019 [ Links ]
Schmitt, D. P. (2015). The evolution of culturally-variable sex differences: Men and women are not always different, but when they are… it appears not to result from patriarchy or sex role socialization. In The evolution of sexuality (pp. 221-256). Springer, Cham. doi: https://dx.doi.org/10.1007/978-3-319-09384-011 [ Links ]
Schulte-Rüther, M., Markowitsch, H. J., Shah, N. J., Fink, G. R., & Piefke, M. (2008). Gender differences in brain networks supporting empathy. Neuroimage, 42(1), 393-403. doi: https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2008.04.180 [ Links ]
Silva, F. L., Muzardo, F. T., Suzuki, A. L. S., da Silva, C. E. G., & Santos, D. (2017). Eficácia na sala de aula: autoavaliação de professores de uma escola pública [Effectiveness in the Classroom: Teachers' Self-evaluation of a Public School]. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, 18(3), 239-243. doi: http://dx.doi.org/10.17921/2447-8733.2017v18n3p239-243 [ Links ]
Silva, F. L., Muzardo, F. T., Zamariam, J., Santos, F. L. M., Bazante, B., Alves, C. O., ... & Quintiliano, W. P. (2018). Eficácia Docente: Autoavaliação de Professores da Educação Básica [Teacher Effectiveness: Self-Assessment of Elementary School Teachers]. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, 19(3), 277-282. doi: http://dx.doi.org/10.17921/2447-8733.2018v19n3p277-282 [ Links ]
Tardif, M. Saberes docentes e formação profissional. (9. Ed). Petrópolis: Vozes, 2008.
Tessaro, N. S, & Guzzo, R. S. L. (2004). Auto-avaliação da competência para ensinar: estudo preliminar de uma escala [Self-evaluation of teaching competence: preliminary study from a scale]. Psicologia Escolar e Educacional, 8(2), 157-165. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141385572004 000200004&ln=pt&tlng=pt [ Links ]
van der Lans, R. M., van de Grift, W. J., & Van Veen, K. (2018). Developing an instrument for teacher feedback: using the rasch model to explore teachers' development of effective teaching strategies and behaviors. The journal of experimental education, 86(2), 247-264. doi: https://doi.org/10.1080/00220973.2016.1268086 [ Links ]
Warren, C. A. (2014). Towards a pedagogy for the application of empathy in culturally diverse classrooms. The Urban Review, 46(3), 395-419. doi: https://doi.org/10.1007/s11256-013-0262-5 [ Links ]
Zimmer-Gembeck, M. J., Chipuer, H. M., Hanisch, M., Creed, P. A., & McGregor, L. (2006). Relationships at school and stage-environment fit as resources for adolescent engagement and achievement. Journal of adolescence, 29(6), 911-933. doi: https://10.1016/j.adolescence.2006.04.008 [ Links ]
Endereço para correspondência:
Mayra Antonelli Ponti
antonelli.may@gmail.com
Recebido em: 12/11/2019
Aceito em: 14/02/2020