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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.14 no.3 Juiz de Fora dez. 2020
https://doi.org/10.34019/1982-1247.2020.v14.30596
Modelos neuropsicobiológicos para estudo da dor e das emoções
Neuropsychobiological models for the study of pain and emotions
Modelos neuropsicológicos para el estudio del dolor y las emociones
Priscila de MedeirosI; Ana Carolina MedeirosII; Renata Cristina Pereira MartinsIII; Sylmara Esther Negrini-FerrariIV; Juliana Almeida da SilvaV; José Aparecido da SilvaVI; Norberto Cysne CoimbraVII; Renato Leonardo de FreitasVIII
IUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: prienfmedeiros@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6787-9801
IIUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: medeiros96.carol@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7743-9159
IIIUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: renatamartinsp@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9165-5525
IVUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: sylmaraferrari@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3498-5659
VUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: julisilva18@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7188-5120
VIUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. E-mail: jadsilva@ffclrp.usp.br ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1852-369X
VIIUniversidade de São Paulo - USP. E-mail: nccoimbr@fmrp.usp.br ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4676-2620
VIIIUniversidade Federal de Alfenas - UNIFAL. E-mail: defreitas.rl@gmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1799-5326
RESUMO
Dor é uma experiência pessoal e subjetiva que pode apenas ser sentida pelo sofredor. A dor aguda tem a finalidade de avisar o indivíduo que algo está errado. Contudo, a dor crônica (DC) é um problema global de saúde, que afeta a qualidade de vida e torna o indivíduo parcial ou totalmente incapacitado. A pesquisa básica utiliza diversos modelos animais para o estudo da dor aguda ou crônica, bem como para o estudo das principais comorbidades oriundas de sua cronificação como a ansiedade e a depressão. Esta revisão aborda os modelos animais mais comumente utilizados neste contexto.
Palavras-chave: Modelos animais; Dor; Comorbidades; Ansiedade; Depressão.
ABSTRACT
Pain is a personal and subjective experience that can only be felt by the sufferer. Acute pain is intended to warn the individual that something is wrong. However, chronic pain (CP) is a global health problem, affecting the quality of life and making the individual parts or disabled. Basic research uses several animal models for the study of acute or chronic pain, as well as for the study of the main comorbidities arising from their chronicity, such as anxiety and depression. This review focuses on the animal models most commonly used in this context.
Keywords: Animal models; Pain; Comorbid; Anxiety; Depression.
RESUMEN
El dolor es una experiencia personal y subjetiva que solo puede sentir la víctima. El dolor agudo está destinado a advertir al individuo que algo está mal. Sin embargo, el dolor crónico (EC) es un problema de salud global, que afecta la calidad de vida y hace que el individuo esté parcial o totalmente discapacitado. La investigación básica utiliza varios modelos animales para el estudio del dolor agudo o crónico, así como para el estudio de las principales comorbilidades resultantes de su cronicidad, como la ansiedad y la depresión. Esta revisión se centra en los modelos animales más utilizados en este contexto.
Palabras clave: Modelos animales; Dolor, Comorbilidad; Ansiedad; Depresión.
Estudo da dor em pesquisa básica
A dor é o sintoma mais comum que faz com que as pessoas busquem ajuda médica e atendimento nos serviços de saúde. Segundo a Associação Internacional para Estudo da Dor (IASP, sigla em inglês para International Association for the Study of Pain), ela é definida como "uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial" (Raja et al., 2020; Santana et al., 2020). Por ser uma experiência, com conotações subjetivas, que varia individualmente em função dos aspectos emocionais, culturais e ambientais, sua definição deixa clara a complexidade e natureza multidimensional.
A dor pode ser classificada como aguda ou crônica. A dor aguda está relacionada a afecções traumáticas, infecciosas ou inflamatórias; há expectativa do seu desaparecimento após a cura da lesão e existe delimitação temporal. Durante a dor aguda, observam-se no indivíduo respostas neurovegetativas, como: aumento da pressão arterial, taquicardia, taquipneia, ansiedade e agitações psicomotoras (Melzack, 1999; Marchand, 2014). Contudo, a dor crônica não desempenha nenhum papel fisiológico útil fundamental para a sobrevivência. Normalmente, não há respostas neurovegetativas associadas ao sintoma; mas, ansiedade, depressão, além de fadiga intensa são respostas frequentes neste tipo de dor (Melzack, 1999; Marchand, 2014).
Nesse contexto, a pesquisa científica básica utiliza-se de modelos animais de laboratório na busca de uma melhor compreensão da dor e suas comorbidades. Os modelos animais são correlatos aos fenômenos encontrados na clínica e os estudos experimentais são, na maioria, realizados em roedores (ratos e camundongos), sendo sempre observados os preceitos enunciados pelo Comitê Internacional e Brasileiro de Experimentação Animal.
Em pesquisa básica, os termos dor e analgesia são substituídos por nocicepção e antinocicepção. A nocicepção dos animas pode ser mensurada através dos testes que avaliam os limiares nociceptivos, que se baseiam em estados agudos de dor e dependem de estímulos mecânicos, térmicos ou químicos para desencadear a nocicepção no animal. Alguns deles dependem da latência da aparência de um comportamento de evitação, geralmente um reflexo de retirada da pata ou da cauda do animal.
Os testes nociceptivos relacionados à estimulação mecânica comumente utilizados são os testes de von Frey (manual ou eletrônico) e Randall Selitto. O teste de von Frey avalia o limiar nociceptivo ao estímulo mecânico, principalmente a alodinia mecânica presente na dor de origem neuropática. Esse teste consiste em um conjunto de monofilamentos de nylon de várias espessuras que exercem diferentes graus de força quando aplicados sobre a área glabra da pata. Essa técnica permite quantificar a força necessária para evocar o comportamento de retirada da pata. Os animais são colocados em caixas acrílicas, dispostas sobre uma mesa com assoalho de grade de aço não maleável, com 5 mm de espaço entre as malhas. Os filamentos são então aplicados em ordem crescente de 2 a 100 g para a superfície plantar no centro da pata ou a base do terceiro ou quarto dedos da pata para induzir o reflexo de retirada da pata, lambidas ou sacudidas (Medeiros, Santos, Medeiros et al., 2019; Medeiros et al., 2020a, 2020b; Vivancos et al., 2004) (Figura 1A).
O teste de Randall-Selitto é usado para mensurar os limiares mecânicos, alodinia mecânica ou hiperalgesia. Esse teste envolve a aplicação de uma força mecânica crescente na superfície da pata ou cauda do animal. A pata ou cauda é colocada entre um elemento fixo, seja uma superfície ou um ponto, e um ponto cego móvel exercendo uma pressão controlada. Esta pressão é geralmente fornecida por um contrapeso deslizante. O parâmetro medido é o limite (em gramas) para a aparência de um dado comportamento, que pode ser uma retirada reflexa, luta ou vocalização, dependendo do protocolo (Santos-Nogueira et al., 2012) (Figura 1B).
No que diz respeito aos testes nociceptivos relacionados à estimulação térmica, estes compreendem tanto aqueles envolvendo estímulo quente como o frio. Dentre os estímulos quentes, destacamos o teste de placa quente (hot-plate test), teste de retirada da cauda (tail-flick test), e teste de hargreaves. O teste da placa quente (hot-plate test) avalia o tempo em que os animais permanecem sobre uma chapa metálica aquecida até reagirem ao estímulo térmico quente. Existem vários protocolos de ajuste da temperatura aplicada e estes podem variar entre 52 ou 55°C. O parâmetro medido é a latência para lamber ou levantar a pata ou saltos. Da mesma maneira, o tempo máximo de mensuração (cut-off) é de aproximadamente 30 segundos, dependendo do protocolo (Plone et al., 1996) (Figura 1C).
O teste de latência de retirada da cauda (tail-flick test) consiste na aplicação de uma fonte radiante de calor na cauda do animal como estímulo nociceptivo térmico, provocando a resposta reflexa de retirada da cauda. Este teste se caracteriza por mensuração da nocicepção aguda não inflamatória, e é bastante empregado quando se pretende avaliar o fenômeno antinociceptivo de mediação em nível do sistema nervoso central. Além disso, existe um tempo máximo (cut-off) de 6 segundos de permanência da cauda na fonte de calor, garantido as boas práticas éticas em experimentação animal. De fato, caso o animal não retire a cauda, o experimento é interrompido para não correr o risco de lesões (Freitas et al., 2014a, 2014b; Freitas et al., 2016) (Figura 1D).
O teste de Hargreaves consiste no aquecimento, por meio de uma fonte radiante de luz infravermelha, da região central da planta da pata traseira de roedores. O comportamento nociceptivo é avaliado como a sensibilidade ao calor (hipernocicepção térmica), determinada pela latência de retirada da pata do raio de luz. O limite máximo permitido para exposição da pata ao raio infravermelho é 15 segundos, no sentido de evitar danos teciduais (Cheah, Fawcett, & Andrews, 2017) (Figura 1E).
Os testes nociceptivos relacionados à estimulação térmica fria geralmente empregam o uso da acetona, que pode ser aplicada nas patas dos roedores. O processo de evaporação produz um estímulo frio, que geralmente não é detectado como nociceptivo por animais sem qualquer lesão, contudo, em animais que passaram por lesão como aquelas para indução de neuropatia, estes apresentam alodinia ao frio. Em geral, os resultados são expressos como o número de retirada, lambida ou sacudidas repetidas da pata ao longo de um minuto (Figura 1F). O teste de placa fria também pode ser usado para mensurar a nocicepção à resposta, e é determinada pela latência para a primeira resposta de retirada da pata (Trevisan et al., 2013, Medeiros et al., 2019).
Os testes relacionados aos estímulos químicos são os testes das contorções abdominais induzidas por ácido acético e teste da formalina. O teste de contorções abdominais é um modelo químico induzido pela injeção intraperitoneal de uma solução de ácido acético 0,9%. O teste se baseia na contagem do número de contorções abdominais, caracterizada por contração e rotação do abdômen, seguida pela extensão de uma ou ambas as patas traseiras. O número de contorções abdominais é avaliado durante 20 minutos, iniciando-se dez minutos após a administração de ácido acético (Coolier et al., 1968, Parada et al., 2001; Lopes et al., 2019) (Figura 1G).
O teste da formalina consiste na administração subplantar de 20 µL de uma solução de formalina a 2,5% na pata traseira dos roedores. Nesse teste, é possível analisar duas fases distintas da nocicepção. No primeiro período, que compreende os 5 primeiros minutos, estão relacionados a dor não inflamatória (neurogênica) e a segunda fase, que vai de 15 a 30 minutos após a administração, é denominada fase inflamatória, caracterizada pela inflamação local através da liberação de mediadores inflamatórios. O período entre as fases é denominado intervalo de quiescência. O intervalo de quiescência entre a primeira e a segunda fase é resultado de uma inibição da transmissão nociceptiva através de circuitos supra-espinais e espinais. A resposta comportamental característica é a da lambida da pata (Lopes et al., 2019) (Figura 1H).
Para estados patológicos de dor são utilizados modelos animais de dor inflamatória e neuropática. Muito embora esses testes sejam para estudos da dor aguda os mesmos são empregados para mensuração dos estados de dor inflamatória e ou neuropática. A maioria dos modelos de dor inflamatória depende da administração de substâncias que induzem uma resposta imune ou a administração de mediadores inflamatórios (Negus et al., 2006). Em geral, consiste na administração dessas substâncias nas patas ou articulações do animal. Os modelos de dor neuropática são baseados na maioria das etiologias em humanos, visando reproduzir lesões no nervo periférico, lesões centrais, neuralgia do trigêmeo, neuropatias diabéticas, neuropatias induzidas por quimioterapia, neuralgia pós-herpética e assim por diante (Jaggi, Jain, & Singh., 2011). Os modelos frequentemente utilizados são os relacionados à manipulação do nervo isquiático (Figura 2). Esses modelos são muitas vezes empregados para o estudo da dor crônica e comorbidades.
Segundo a IASP, cerca de uma em cada cinco pessoas sofrem de dores crônicas em todo o mundo. Os efeitos na qualidade de vida são arrasadores. Um estudo publicado em 2006, no European Journal of Pain, analisou 126 pacientes com dor neuropática crônica e identificou a presença de insônia (60%), dificuldade de concentração (36%), depressão (33%) e ansiedade (27%). Além disso, 52% dos participantes tiveram prejuízos no trabalho devido à dor (Breivik et al., 2006).
A experiência multimodal da dor foi originalmente formulada para consistir em três componentes: sensação, avaliação e efeito da dor (Melzack & Casey, 1968). Esse conceito agora é amplamente aceito, mas contrasta os dois componentes principais da dor: sensorial versus emocional. O componente sensitivo-discriminativo da dor inclui a avaliação de onde, o que e o quão forte é o estímulo nocivo, enquanto o componente emocional é geralmente aversivo, fornecendo uma base para modificar reações apropriadas de evitação e formar memórias para evitar situações dolorosas futuras. De fato, existe uma alta associação de comorbidade entre ansiedade, depressão e dor crônica. Assim, a pesquisa básica investiga os aspectos sensorial-discriminativos e também os aspectos emocionais da dor.
Modelos animais para o estudo da depressão e ansiedade
O transtorno depressivo maior é tido como um dos principais fatores associados à carga global de doenças, além de ser a principal causa de incapacidade em todas as faixas etárias (Planchez et al., 2019) Ao longo dos anos, de fato, houve grande avanço no conhecimento acerca de novas formas de tratamento além de processos fisiopatológicos associados à depressão. Em grande parte, este avanço se deve ao estudo realizado com modelos animais. Os principais modelos animais para o estudo da depressão são baseados em alterações das condições ambientais ou mesmo biológicos destes animais. A partir destas alterações podem ser observadas mudanças nos padrões comportamentais que podem ser relacionadas às alterações comportamentais observadas em pacientes na clínica. Ao considerar modelos e métodos animais para testá-los, deve-se levar em conta que o modelo deve atender a três critérios: (a) validade de face (o requisito para um grau razoável de homologia sintomática), (b) validade de construto (ou etiológico) (o requisito para fatores causais similares) e (c) validade farmacológica (que requer a reversão dos sintomas depressivos pelos antidepressivos disponíveis) (Nestler & Hyman, 2010).
Dentre os seres humanos os sintomas que caracterizam a doença estão anedonia e humor deprimido, além de sintomas adicionais como tendência de humor em relação a emoções negativas, função de recompensa prejudicada, aprendizado prejudicado e memória, sinais neurovegetativos, variação diurna prejudicada, função cognitiva executiva prejudicada, alteração psicomotora e aumento da sensibilidade ao estresse (Hasler, Drevets, Manji, & Charney, 2004). Diversos destes comportamentos podem ser observados e estudados em animais, contudo, é importante ressaltar que sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva bem como pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida ou tentativa de suicídio não podem ser observados em animais como roedores.
No que diz respeito à anedonia, a principal forma de avaliação deste comportamento em animais é por meio de dosagem de soluções ou alimentos palatáveis. Dentre os testes estão o teste de preferência pela sacarose e o teste do biscoito. No primeiro teste, o animal é exposto a duas garrafas, uma contendo água comum e outra contendo água com sacarose. Quando um roedor mostra falta de interesse na solução de sacarose, diz-se que esteja exibindo anedonia, que é um atributo clássico da depressão (Figura 3A) (Klein, 1974). O teste do biscoito apresenta a mesma premissa, mas utiliza um alimento palatável e um alimento comum. Outras formas de avaliação da anedonia incluem avaliação do comportamento sexual e autoestimulação intracraniana. Neste último caso, são implantados eletrodos em pontos de acesso hedônicos no encéfalo, nesse sentido, a recompensa autoestimulante reduzida reflete a perda de interesse, desejo e energia, a fadiga, além de comportamentos depressivos (Cryan, Hoyer, & Markou, 2003).
Outro comportamento que pode ser observado é o desespero, que pode ser avaliado por teste nos quais os animais são colocados em situações inescapáveis. Neste contexto, o teste de natação forçada (Figura 3B) avalia o desespero com base em como um roedor reage a um ambiente desagradável (Porsolt, Bertin, & Jalfre, 1977). Neste teste o animal é colocado na água e se exibir um comportamento mais depressivo, simplesmente flutuará sem tentar escapar até ser resgatado. O teste de suspensão da cauda (Figura 3C) é outro teste importante de comportamento para medir a resposta na situação de estresse. Para isso os animais ficam suspensos pela cauda e o tempo de imobilidade é contabilizado. O indivíduo que exibir um aumento na quantidade de tempo de imobilidade é considerado com comportamento do tipo depressivo. É importante salientar que este teste é usado apenas em camundongos e não em ratos devido ao tamanho e peso maiores (Steru, Chermat, Thierry, & Simon, 1985).Uma vez que a depressão está associada a outras alterações como a cognição, o condicionamento do medo pode ser usado para aferição da resposta ao medo, além da memória e a ansiedade. Animais com fenótipo de ansiedade/depressão terão períodos mais longos de congelamento quando expostos a caixa de condicionamento, bem como uma maior incidência de congelamento antecipado em comparação aos controles (Ledoux, Thompson, Iadecola, Tucker, & Reis, 1983).
A apatia, ou seja, déficit no comportamento direcionado a objetivos, também está presente num quadro considerado depressivo (Levy & Dubois, 2006). Em animais, pode ser avaliada pela construção prejudicada dos ninhos, a falta de cuidados pessoais, o cuidado materno e interesse social reduzido além de diminuição do interesse por novos objetos (Cathomas, Hartmann, Seifritz, Pryce, & Kaiser, 2015). Em todos os modelos apresentados, os comportamentos interpretados como do tipo depressivo são revertidos por meio de tratamento com antidepressivos, se mostrando de acordo com a validação farmacológica.
Nos testes de nado forçado, suspensão pela cauda e desamparo aprendido é possível observar alteração da função motora. Além disso, a partir destes testes é possível inferir alterações na sensibilidade central e periférica a dor (Krishnan & Nestler, 2011). Assim como na clínica, em sua grande maioria, quadros de dor estão associados a comorbidades e, neste sentido, os modelos comportamentais são uma importante ferramenta para a avaliação destas alterações associadas à dor. Além da depressão, normalmente há sobreposição com outras alterações psiquiátricas como a ansiedade. Em modelos animais, é difícil determinar a distinção entre esses comportamentos e aqueles do tipo ansioso, e isso é intensificado pelo fato de que os dois tipos de comportamento respondem aos antidepressivos.
A ansiedade é descrita como "um estado psicológico, fisiológico e comportamental induzido em animais e seres humanos por uma ameaça ao bem-estar ou à sobrevivência, real ou potencial" (Steimer, 2002). Em uma perspectiva mais ampla, as respostas comportamentais e os mecanismos cerebrais associados à ansiedade são essenciais para a sobrevivência e provavelmente são altamente conservados entre os seres vivos (Stein & Bouwer, 1997). Este estado ansioso se torna patológico quando sua função adaptativa se perde e, então, passa a interferir na capacidade de lidar com vários desafios ou eventos estressantes da vida diária e até alterar a condição corporal; também como uma consequência de fatores que resultam de inúmeras interações gene-ambiente.
A inibição do comportamento contínuo é um dos primeiros sintomas comportamentais de um estado de ansiedade ou medo (Steimer, 2011) e, por isso, é um dos comportamentos observados em modelos animais. Por ser uma condição associada a diversos fatores, o uso de diferentes testes se mostra mais eficiente para avaliar o fenótipo comportamental de cada indivíduo (van Gaalen & Steckler, 2000).
Os modelos animais para avaliação da ansiedade podem ser divididos em duas classes: os que medem conflitos não condicionados, definidos como etológicos (comportamentos não aprendidos), e aqueles que envolvem condicionamento clássico (comportamentos aprendidos). Os modelos etiológicos simulam em laboratório situações que ocorrem na natureza. O labirinto em cruz elevado (Figura 3D) é um destes modelos, um dos mais utilizados. Este teste consiste na observação da exploração do animal em um aparato elevado do chão com dois braços abertos e dois braços fechados (Handley & Mithani, 1984). Baseia-se na tendência natural dos roedores de explorar novos ambientes e na prevenção inata de locais desprotegidos, luminosos e elevados (representados pelos braços abertos). O animal com comportamento do tipo ansioso tende a permanecer mais tempo nos braços fechados, enquanto que animais tratados com ansiolíticos exploram mais os braços abertos (Pellow & File, 1986). Outros modelos se baseiam no mesmo pressuposto, alterando apenas a forma do aparato, como o labirinto zero elevado (Figura 3E), o qual dispensa a interpretação ambígua do posicionamento do animal no centro (Shepherd, Grewal, Fletcher, Bill, & Dourish, 1994). Outro teste é o labirinto em T (Figura 3F), o qual consiste em um braço cercado por uma parede lateral perpendicular a dois braços abertos opostos de igual dimensão, elevados do chão. Neste teste, é possível melhor avaliação de medicamentos que interferem diretamente na neurotransmissão serotoninérgica (Viana, Tomaz, & Graeff, 1994). A caixa claro-escuro também é baseada na aversão inata de roedores para locais com luz forte (Crawley & Goodwin, 1980). No teste da placa de furos (Figura 3G) o animal é colocado em uma plataforma com furos e avaliado o comportamento de mergulho com a cabeça, uma medida da atividade exploratória e ansiedade (File & Wardill, 1975).
Outra forma de avaliação de comportamentos do tipo ansioso é por meio do teste de interação social (Figura 3H) (File & Hyde, 1978). O comportamento do tipo ansiolítico é inferido por um aumento no tempo de interação social, enquanto a atividade motora geral permanece inalterada. Também há como determinar ansiedade em animais pela latência para que um animal, privado de alimento por 24 horas, chegue ao centro de uma caixa onde há ração (Figura 3I). Este é o teste de supressão da alimentação (Cryan & Sweeney, 2011).
Em relação aos modelos condicionados, estes estão relacionados a respostas espontâneas emitidas pelo animal a uma mudança ambiental, conhecida como reforço, que pode ser positiva ou negativa. O teste de Vogel é um destes. Nele o animal é privado de comida por 24 horas e treinado para pressionar uma alavanca e obter uma bebida adoçada com açúcar em intervalos variáveis. Há uma sessão de teste, na qual um estímulo de sinalização é introduzido, indicando a associação entre o comportamento de pressionar a alavanca a uma recompensa, mas, ao mesmo tempo, é punido por um choque elétrico, produzindo um conflito. A tendência do animal de pressionar a alavanca diminui, enquanto os medicamentos ansiolíticos mostram um efeito anticonflito, aumentando a probabilidade de respostas punidas (Millan & Brocco, 2003). Outros modelos são baseados no condicionamento pavloviano, envolvendo aprendizado e associação a estímulos inócuos. É possível avaliar comportamentos de congelamento, expressão reflexa e autonômica além de respostas endócrinas (Rudy, Huff, & Matus-Amat, 2004). Nestes testes, a administração de ansiolíticos reduz comportamentos de congelamento.
Há uma gama de testes disponíveis para a avaliação de comportamentos relacionados à depressão e à ansiedade, sendo assim, o investigador deve reconhecer as vantagens e limitações de cada paradigma. O estudo envolvendo modelos animais deve buscar sempre diminuir a distância entre os campos básico e clínico da investigação, para que os problemas observados na clínica possam ser traduzidos e avanços sejam possíveis.
Considerações finais
De fato, a dor se apresenta como uma experiência complexa e multifatorial, contrastando componentes sensoriais e emocionais que, associados a comorbidades entre ansiedade, depressão e dor crônica, constituem um grande problema de saúde. A partir dessas alterações, mudanças nos padrões comportamentais em pacientes na clínica podem ser observadas mediante o estudo em modelos animais de laboratório. Os testes comportamentais em animais devem ser incluídos de maneira cautelosa, com refinamentos e objetivos que possam traduzir a realidade da clínica e assim compreender melhor os aspectos que envolvem a dor.
Agradecimentos
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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Endereço para correspondência:
Priscila de Medeiros
priscila.neuro@usp.br
Recebido em: 13/05/2020
Aceito em: 20/08/2020