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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.6 n.2 Florianópolis dez. 2006

 

RESENHA

 

Dicionário de Trabalho e Tecnologia: o mundo do trabalho revisitado sob a ótica multidisciplinar

 

 

Mário César Ferreira

Doutor em Ergonomia, Instituto de Psicologia da UnB (mcesar@unb.br)

 

 

Você está lendo um artigo e depara com a palavra "nanotecnologia", que o impede de compreender melhor o conteúdo do texto. Ali postada no caminho da sua leitura, ela faz lembrar uma passagem da poesia de Drummond "No meio do caminho tinha uma pedra... " e provoca um desequilíbrio cognitivo - na acepção piagetiana. Nesses momentos, os dicionários são uma espécie de "amigo para todas as horas". Aqui reside uma primeira contribuição relevante do Dicionário de Trabalho e Tecnologia: remover dificuldades para a compreensão de uma diversidade de noções fundamentais que estão presentes no mundo do trabalho. Mas, diferentemente de outros dicionários análogos, nesse, os verbetes são redigidos numa perspectiva crítica, ancorada na dialética de que o conhecimento é um saber que serve e desserve a interesses postos na sociedade.

Todos os anos surgem conceitos novos no cenário das aceleradas mudanças que invadem as esferas das tecnologias e do trabalho. "Teletrabalho" e "trabalho em domicílio" são dois exemplos eloqüentes dessa usina conceitual que tomou impulso com a chamada globalização ou mundialização da economia. O Dicionário de Trabalho e Tecnologia, organizado pelos professores Antonio David Cattani e Lorena Holzmann, do Departamento de Sociologia da UFRGS, oferece aos leitores uma útil ferramenta para a compreensão teórica e básica de conceitos-chave que habitam o mundo do trabalho. Essa importante publicação tem uma história singular. Trata-se de uma evolução editorial do Dicionário Crítico de Trabalho e Tecnologia (A.D. Cattani, 1997), cuja aceitação pelo público-alvo é atestada por outras três edições lançadas - a última em 2002 - e já esgotadas. Quanto às versões anteriores, é pertinente um registro aqui de uma experiência docente com o uso do Dicionário no âmbito da Universidade de Brasília, pois ela é afirmativa de sua qualidade como ferramenta pedagógica.

Por três edições, na primeira quadra dos anos 2000, o Dicionário foi o livro-âncora de uma disciplina que ministrei, em parceria com o professor Sadi Dai Rosso, para mestrandos e doutorandos no âmbito da Pós-Gradução da Universidade de Brasília. Sempre muito bem avaliado pelos alunos que para lá confluíam (não só da Psicologia e da Sociologia, mas de outras áreas afins), o conteúdo da disciplina era estruturado com base nos verbetes do Dicionário, o que permitia aos estudantes uma melhor recontextualização de seus respectivos temas e objetos de investigação ou intervenção. Tal recontextualização consistia basicamente em identificar, caracterizar e desenhar, de modo mais preciso, os elementos de fundo de seus respectivos recortes temáticos de interesse. Usando a linguagem fotográfica, a disciplina possibilitava um movimento de zoom out no exame de suas problemáticas de investigação científica. A composição multidisciplinar das turmas ensejava, quase sempre, acalorados debates. A nova versão do Dicionário certamente possibilitará dar continuidade e renovar essa experiência docente bem sucedida.

A nova obra não tem apenas um novo título, mas foi inegavelmente aprimorada na forma (projeto gráfico arrojado e atrativo) e, principalmente, no conteúdo (ampliação do número de verbetes e participação de novos autores), reforçando o traço multidisciplinar que caracteriza o Dicionário. Portanto, merece registro a qualidade do trabalho de equipe da Editora da UFRGS no que tange à capa, editoração eletrônica e revisão.

Os noventa e seis verbetes do Dicionário cobrem um vasto campo conceitual, oferecendo ao leitor uma multiplicidade de temas que perpassam o território do trabalho e da tecnologia neste início do século XXI. Dentre os verbetes, o leitor encontrará, no Dicionário, algumas das temáticas abordadas neste número especial da rPOT, como: assédio moral no trabalho, gestão, qualidade de vida no trabalho, subjetividade e saúde no trabalho. Além desses, há uma diversidade de verbetes que tratam de noções recorrentemente utilizadas na literatura (por exemplo: taylorismo, fordismo, reengenharia) e também verbetes que, mais recentemente, têm habitado textos, palestras e conversas de especialistas (por exemplo: globalização, educação corporativa, lesões por esforços repetitivos, precarização do trabalho, teletrabalho, trabalho em domicílio, trabalho imaterial). Há, ainda, alguns verbetes que fornecem uma visão panorâmica de algumas áreas das ciências do trabalho: Ergonomia, Sociologia do Trabalho, Psicodinâmica do Trabalho e Sociologia Econômica.

Cada verbete tem uma estrutura-padrão, o que garante uniformidade no tratamento do conteúdo e uma "trilha" segura e não cansativa para a leitura. A quantidade de texto de cada verbete é fortemente semelhante, buscando-se uma solução de compromisso entre a síntese de idéias e a profundidade nos argumentos. Caso o interesse seja, por exemplo, conhecer o conceito-chave "globalização", o leitor encontrará, no texto do verbete: definição, gênese do conceito, aspectos históricos, principais abordagens, controvérsias, principais autores e referências bibliográficas básicas. Tais tópicos constituem a "estrutura óssea" que dá sustentação ao conteúdo dos verbetes. As referências, por sua vez, convidamo leitor a permanecer na trilha da leitura, oferecendo-lhe fontes bibliográficas importantes sobre o tema. Assim, cada verbete é uma espécie de "bilhete aéreo" que conduzo leitor a uma viagem conceitual, instigando-o a visitar novos verbetes. Ao final da viagem, toma-se consciência da trama de verbetes que estruturam o Dicionário, tecendo uma rede conceitual.

O caráter multidisciplinar da obra não se manifesta so mente pelo mosaico temático que a compõe, mas também pela diversidade de autores que assinam os 96 verbetes. Eles são oriundos de distintos campos disciplinares: Engenharia, Ergo nomia, Economia, História, Medicina, Pedagogia, Psicologia, Serviço Social e Sociologia. O perfil dos autores, situado ao final do Dicionário, coloca em primeiro plano algumas características que imprimem uma espécie de selo de qualidade aos verbetes. Nesse sentido, cabe mencionar como traços característicos do coletivo de autores três aspectos: a inserção em programas de pós-graduação, a produção bibliográfica (posto que muitos são autores de livros publicados) e o vínculo com instituições de pesquisa (por exemplo: CNPq).

A importância da obra comporta três aspectos interdependentes. Do ponto de vista social, disponibiliza aos interessados uma leitura de fenômenos humanos e sociais que marcam e vêm marcando a história recente da tecnologia e do trabalho, com destaque para suas implicações e conseqüências para o mundo atual e seus distintos atores. Do ponto de vista institucional, ou seja, para o dia-a-dia das organizações, o Dicionário oferece aos protagonistas do mundo do trabalho uma ferramenta auxiliar na aplicação de conhecimentos, contribuindo para uma melhor sintonia entre teoria e prática. Do ponto de vista acadêmico, tratase de uma obra de referência para agregar maior consistência teórica no processo de produção do conhecimento (pesquisa) e robustecer a prática docente por meio da disseminação dos conhecimentos produzidos.

Para além das bibliotecas clássicas, o Dicionário constitui um desses livros de referência que devem compor a biblioteca 202 pessoal dos estudiosos do trabalho. Deve ocupar, também, as estantes das bibliotecas institucionais (os famosos Cedoc's), para uso cotidiano de todos os que atuam nas organizações. O conteúdo do Dicionário fortalece um pressuposto que sobrevive ao tempo: para uma boa prática, nada melhor de que uma boa teoria.

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