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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

RESENHA

 

 

Entre Educação e Filosofia: Conhecimento, Linguagem e Pensamento

 

ABREU, W.F. de; OLIVEIRA, D.B.; RAMOS, J.B.S. Entre Educação e Filosofia: Conhecimento, Linguagem e Pensamento. Belém, GEPEIF, 2011.

 

Danielle Leal Sampaio

 

Este livro organizado por Abreu & Cols (2011) contém 13 artigos cujo tema geral é a Educação em articulação com a filosofia. As principais temáticas destacam um raciocínio crítico e reflexões acerca do processo de produzir conhecimento nos campos da linguagem e do pensamento. .

O primeiro artigo intitulado "O pesquisar como atividade existencialmente significativa", de Oliveira e Abreu citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), traz uma reflexão acerca do sentido real e existencial de uma pesquisa, mostrando que a atividade denota uma acepção antropológica e filosófica, não meramente técnica de produção, uma vez que o sentido do conhecimento está na ação de interrogação realizada pelos pesquisadores, "colocando em jogo o sentido de sua própria existência" (p. 11).

No texto "Paradigmas, práticas científicas e ciências do homem em Kuhn", construído por Dias citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), a prática científica é discutida por meio do modelo de construção de uma ciência baseada no pensamento de Kuhn, que busca olhar a ciência sob sua história atribuída à Sociologia e Psicologia Social, substanciando a ideia de que a maturidade científica ocorre com o consenso, com a redução da multiplicidade teórica do campo de estudo em foco, tendo uma base paradigmática, pois esta fornece ao grupo científico o modelo de solução de problemas que deverá orientar sua pesquisa segundo um padrão, sendo este o meio para a resolução do problema epistemológico das Ciências do Homem, fornecendo a possibilidade de uma disciplina unificada, constituindo uma Ciência "Madura".

Este tipo de ciência, denominada por Kuhn de "ciência normal", inova um tipo de pesquisa especializada voltada para a resolução dos problemas propostos pelos paradigmas. Ou seja, no decorrer do desenvolvimento histórico até atingir a maturidade, o desenvolvimento científico passa por diversos estágios. Dessa forma, assim como as Ciências Naturais que evoluiu historicamente, as Ciências Sociais e Humanas em transição, são multiparadigmáticas e por isso, pouco amadurecidas, segundo o preconizado por Kuhn.

O terceiro artigo cujo título é "Análise do discurso: uma ferramenta metodológica para análise da violência psicológica" traz por meio da autora Pimentel citada por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), uma reflexão sobre as diversas faces analíticas da linguagem que possibilitam o estudo fenomenológico da palavra verbalizada. A autora ressalta a abordagem gestáltica, a teoria da interpretação de Ricoeur, a teoria da resistência de Giroux e a concepção de pedagogia da autonomia de Paulo Freire como suportes teóricos e metodológicos que se vale para dialogar com os dados empíricos das pesquisas que realiza. Pimentel, ainda destaca a importância de o educador preocupar-se com o estudo da violência por meio da linguagem, a fim de contribuir em sala-de-aula, com a promoção de atos políticos e pedagógicos associados ao ato de produzir conhecimento.

O texto escrito por Lemos e Cardoso citados por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), intitulado "Foucault e a análise de documentos-monumentos como estratégia política", é baseado em analises dos documentos em uma pesquisa histórico genealógica do ponto de vista de Foucault. O autor mostra que para o filósofo os "documentos eram uma montagem que deveriam ser interrogados enquanto monumentos históricos, pois permitiam efetuar uma crítica local das práticas de saber e poder, na atualidade" (p. 74).

O autor Sarmento citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011) em seu trabalho "Foucault: a cidadania ente a disciplina e o controle" mostra que a ideia de cidadania no pensamento pós-estruturalista de Michel Foucault procura entender a mecânica das sociedades modernas em suas relações de poder na medida em que passa a ser a ideologia do capitalismo e a doutrina liberal que fundamenta uma compreensão de liberdade vinculada ao consumismo e com a sensação de exercer a liberdade, assim como a condição necessária ao próprio reconhecimento social e a dignidade humana.

Apesar dos avanços tecnológicos e políticos terem acirrado uma mudança social a partir dos séculos XIX e XX, essas diferenças provocaram indiretamente consequências sobe os direitos e deveres dos cidadãos influenciando na estrutura política das sociedades por meio das lutas sociais buscando garantias constitucionais dos direitos humanos, mas mantendo a liberdade "peculiar" do capitalismo com característica liberal. Para Foucault entre os séculos XVIII e XIX acontecem um entrelaçamento do poder com o saber, possibilitando o aparecimento das chamadas "sociedades disciplinares" orientadas para um sistema altamente disciplinar, "adestrada e moldada a partir dos princípios estabelecidos pelo poder do controle que se legitima em função dos novos mecanismos de dominação das técnicas e das ciências" (p. 100). Isto proporcionou o surgimento das técnicas disciplinares com o fundamento da "produção da verdade sobre eles mesmos" por meio da responsabilização das instituições sociais na implementação desse mecanismo com finalidade de "docilização dos indivíduos" (p.105) com uma compreensão de cidadania guerreira atrelada ao homem moderno com consciência nos discursos políticos e jurídicos.

O artigo "A relação entre o poder e saber em Michel Foucault" de Pimentel e Abreu citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), aborda a compreensão de Foucault em relação à construção do saber e sua relação com o poder, afirmando que existem relações múltiplas de poder que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social pela produção da verdade. Para o filósofo "os humanistas se enganam quando estabelecem a separação entre o saber e o poder" (p. 120). Foucault afirma que eles estão integrados, onde o poder indaga e institucionaliza a verdade, e o saber vem logo em seguida do poder disciplinar mostrando claramente a sua construção em vários processos de dominação, transformando "multidões confusas" em "multiplicidades organizadas" (p. 123), utilizando de um instrumento fundamental: a vigilância hierarquizada.

O estudo intitulado "Ensaios sobre a realidade e conceito de educação" dos autores Silva e Silva, citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), versa sobre a educação além do ponto de vista da evasão, desmotivação e reprovação que envolve educadores, gestores e alunos. Relata um projeto em que os alunos saíram do âmbito da sala de aula para vivenciar a realidade na disciplina de Biologia. Os resultados repercutiram em toda escola sendo apreciado por outros professores que puderem compartilhar o sentimento de impotência em trabalhar com a educação na escola pública. Os autores afirmam que trabalhar com a realidade implica em avaliar as muitas propostas de intervenção educacional e admitir que a relação professor-aluno é de criação não de apenas reproduzir o conhecimento. Utilizando os estudiosos "frankfurtianos", afirmam que é muito importante fazer valer a política da educação dentro de uma democracia efetiva, pelo desenvolvimento da capacidade de pensar a realidade através da experiência.

O manuscrito escrito de Alves citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), cujo título é "Caleidoscópio mitopoético nas narrativas de crianças: a intertextualidade Bakhtiniana", coloca a discussão que a linguagem determina a cultura entre as crianças-narradores da Amazônia paraense. De acordo com o referencial teórico de Bakhtin ressaltam a intertextualidade com o cruzamento de textos utilizados por crianças, em que o diálogo polifônico é fruto de um processo dialético e da ação de um sujeito que é ativo, contextualmente envolvido em um enredo social e histórico. A autora pondera que "pensar a cultura com o olhar de Bakhtin é pensar formas específicas de conduta, de atividade das funções psíquicas" (p. 200).

O nono artigo estrito por Falabelo: "Bakhtin e a filosofia da linguagem: contribuições à compreensão do processo educacional", citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), a materialidade da linguagem é entendida enquanto atividade prática nos atos efetivos de linguagem, na qual é dado sentido e significado, e o processo educacional é mediado por essa linguagem que passa por transformações cada vez mais complexas em seus níveis de abstração. A teoria de enunciação de Bakhtin pode ajudar a compreender o processo de construção do individuo de acordo com suas histórias de interações entre os aspectos intelectuais e afetivos-emocionais, pois a linguagem é um campo simbólico e todo pensamento materializa-se na consciência apoiando-se no sistema ideológico privilegiando a relação de intersubjetividade e linguagem como constitutivas no processo de singularização podendo haver um combate das formas expressivas materializadas em signos, em que a palavra constitui um recurso para a organização da própria atividade mental, sendo a consciência estruturada nas relações exteriores que o indivíduo estabelece no interior da cultura.

Ramos em seu texto citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), "Andares da utopia: devaneios e esperança – lugares e nãolugares do humano", aborda a utopia do homem como um animal utópico, não apenas pela sua "essência" histórica, antropológica, como especialmente pela significância de se representar a esperança, se mostrando como uma "novela de um mundo ideal confundida com a idealização mesma desse ideal" (p. 227) qualificando as narrativas de Moro, que critica a sociedade (família, Estado, costumes, moral) fundamentada na quase completa ausência de um comportamento ético, do existir do ser humano, afirmando que o ideal não pode concretizar-se no real que se manifesta sob a ótica crítica de um momento histórico, ou seja, o real é mesmo o que está para mover o utópico, e dessa forma o real e o ideal transitam concomitantemente fazendo-se mover em todo o âmbito da existência da imaginação.

O autor ainda afirma que homens e mulheres vivemos uma utopia, pela preocupação com o destino da sociedade: "o pensamento utópico energiza os mais variados campos da investigação e de busca do e pelo ser humano" (p. 236),

O artigo "Elucidação do conceito de sujeito em Paulo Freire" de Corrêa, Oliveira e Abreu, citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011), remete a uma reflexão da formação humana, orientada por uma pedagogia humanizante cotejada a obra "Pedagogia do Oprimido" de Paulo Freire. Dessa forma, seguindo a compreensão de ser humano e suas complexas dimensões (ontológicas, éticas, políticas, etc...) associa ao processo de humanização constituído de lutas por libertação, os autores afirmam que Freire fornece escopo teórico para elaborar um projeto de uma educação humanística, que compreende a realização existencial do estudante, do professor e de todos os atores que atuam na escola. Os autores consideram que a obra de Freire tem como raiz uma pedagogia humanística e libertadora baseada na realidade como fundamento de discussão e reflexão crítica. O sujeito da educação, o educador, torna-se o responsável por estimular o aluno a buscar a superação de conflitos interiores e exteriores, fazendo-os reconhecer seus direitos e deveres, tornandose responsável, e isso lhe exige a conjugação de educação, conhecimento e cultura, tendo como resultado de que o "educador e o educando são sujeitos e que ambos de educam no processo de educar" (p. 279).

As reflexões de Silva e Oliveira citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011) contidas no texto "O que a palavra caboclo quer dizer: representações simbólicas e análise de discurso na interpretação histórica estigmatizadora sobre a Amazônia", acerca da categoria do caboclo como uma etnia nomeada por um tipo de dominação simbólica construída ao longo do tempo por classes sociais dominantes da Amazônia, representada por um determinado tipo físico que mora na floresta e "coloca-se como obstáculo ao desenvolvimento do processo de desenvolvimento na nossa região" (p. 284), acabando por se construir um processo de subjetividade referentes a um imaginário pela condição criada exogenamente sobre a suposta inferioridade civilizatória da Amazônia estigmatizada aos seus habitantes com forte influência na consciência social, podendo ser considerada até uma representação social. Ou seja, "os representados caboclos são considerados primitivos, contrapondo-se aos não cablocos, representados como civilizados (p. 287).

Em consequência do processo de construção do caráter histórico e social do caboclo, o exercício discursivo do poder simbólico na Amazônia está relacionado diretamente com a cultura e a linguagem, sobretudo um discurso de um "padrão de indivíduo classificado como alguém que é atrasado porque habita a floresta" (p. 291). Dessa forma, a palavra caboclo refere-se a um sentido pejorativo, pois está relacionando a uma condição de vida de traços econômicos e culturais considerados interioranos, não podendo ser utilizado para um grupo apenas de forma reducionista, o termo está apoiado no processo de situações históricas de indivíduos articulados com o meio que somente acha-se na Amazônia, compreendendo por ser uma categoria de atribuição pelo outro e não de autoatribuição.

O ultimo artigo é "A gestão universitária e a lógica gerencialista: reflexões sobre as mudanças das últimas décadas e a ‘nova' concepção", escrito por Ribeiro e Chaves citado por Abreu, Oliveira e Ramos (2011). O texto desvela a necessidade de interiorizar uma educação que venha a mudar aquela baseada nos moldes neoliberais pela lógica generalista assumindo uma proximidade do modelo de produção empresarial, por meio de uma nova gestão universitária. "Neste cenário, a educação em geral e a educação superior em particular é redirecionada para o mercado" (p. 315), onde as universidades públicas deixam de ser prioridade para as políticas de Estado, transformando o gerenciamento da educação voltado para a competitividade e produtividade, e seus sujeitos para o atendimento do mercado e não da sociedade. A expansão da globalização da economia exige do trabalhador uma racionalidade polivalente com uma formação que possibilitem adaptar-se ao modelo de produção flexível, rompendo fronteiras científicas, com novos arranjos entre os conteúdos de múltiplas áreas disciplinares, articulados por eixos temáticos e definidos pela sociedade atual determinantes para a necessidade dos processos produtivos na formação profissional inseridos no neoliberalismo. "Nesse sentido, a ética dá espaço a eficiência entre custo benefício, portanto, maior produção e lucro" (p. 323) construindo uma ótica de formação tratando os profissionais como "capital humano", e dentro da educação superior, especialmente por ser considerada um "bem público" e não um "direito", o Estado criou mecanismos regulatórios que concebem a educação como um serviço que pode ser ofertado pelas iniciativas privadas e pelas organizações sociais, ferindo constitucionalmente as instituições públicas, onde a universidade acaba passando por um processo de adequação com novas relações institucionais e sociais que formam profissionais para desempenhar suas atividades de acordo com o novo, exigindo uma gestão correspondente a essa era moderna que possa corresponder as expectativas do mercado profissional e missão social, mas buscando sempre estigar a sua essência e seu pensamento crítico.

Embora a universidade tenha um papel na lógica da eficiência e uma função social a cumprir dentro do seu campo de atuação, tem, a obrigação de criticar o mecanismo neoliberal de mercado. A formação profissional de um pesquisador não pode visar o trabalho como ferramenta de lucro, distorcendo as ações de fazer ciência, transmitir conhecimento e mostrar aos alunos a importância de construir pensamentos críticos sobre a realidade.

O livro resenhado ressalta a importância de configurar uma filosofia para a educação enquanto processo de aprendizagem e ciência humana: metodologias, disciplinas e representações sociais, de modo a quebrar paradigmas, desvelar conhecimento e permitir aos sujeitos o questionamento da realidade utilizando estratégias de linguagem sempre renovadas.