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TransFormações em Psicologia (Online)

versão On-line ISSN 2176-106X

TransForm. Psicol. (Online) vol.2 no.1 São Paulo  2009

 

Artigos originais

 

"O resfriado da psiquiatria": a depressão sob o ponto de vista Analítico-Comportamental

 

Lidiany Alexandre Azevedo1 , Thiago César Almeida2, Ana Helena Moreira3

Universidade Federal do Ceará

 


Resumo

A depressão é a quarta "doença" mais diagnosticada mundialmente, sendo o transtorno mental mais comum na população. Neste sentido, o presente trabalho aborda o tema por base na Teoria Analítico-Comportamental por meio da descrição dos fenômenos comportamentais presentes neste transtorno e do tipo de tratamento proposto por esta abordagem psicológica. Além disso, são feitas considerações sobre a classificação, os critérios de diagnóstico e o tratamento medicamentoso pelo viés psiquiátrico-farmacológico.

Palavras-chave: Depressão, Teoria Analítico-Comportamental, fenômenos comportamentais, tratamento.


Abstract

Depression is the fourth most diagnosed "desease", being the most common mental disorder among population. In this way, the present article approaches this subject based in the Behaviorism Theory, through the description of the behavior phenomenon presents in this disorder and of the treatment proposed by this psychological approach. Moreover, it does considerations about the classification, diagnosis criterion and the medical treatment through psychiatric-pharmaceutical approach.

Keywords: Depression, Behevioral Teory, behavioral phenomenon, treatment.


 

 

Introdução

A depressão é intitulada pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, 1995), obra elaborada pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), como episódio depressivo maior. Essa pode atingir pessoas de todas as faixas etárias, sendo mais prevalente a ocorrência em adultos e em mulheres (Machado, 2008).

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão representa hoje a quarta"doença" mais diagnosticada mundialmente e estima-se que um sexto da população apresentou ou apresentará alguma manifestação depressiva. Porém, vale ressaltar que esses dados não são fontes tão seguras, pois muitas pessoas que sofrem de depressão não buscam a ajuda profissional, não sendo realizado um diagnóstico, e ainda existe o problema de comportamentos que podem ser interpretados erroneamente como parte da classe de respostas que definem o termo"depressão", ou vice-versa, fazendo com que profissionais realizem diagnósticos errados.

Na metade dos casos o transtorno chega a ser incapacitante, comprometendo a realização de atividades nos mais diversos grupos dos quais o indivíduo participa, podendo ocasionar afastamentos, baixa produtividade, acidentes de trabalho, empobrecimento das redes sociais, outras enfermidades e risco de morte prematura devido ao risco específico de suicídio (Abreu & Oliveira, 2008).

A mídia, as fontes literárias e científicas e os profissionais da saúde têm dado cada vez mais atenção a este tipo de comportamento, discutindo seus sintomas, suas possíveis causas e as várias alternativas de tratamento. Tudo isso vem acarretando avanços nos diagnósticos e processos terapêuticos. Entretanto, ainda há um grande estigma da população em relação aos transtornos mentais; alguns simplesmente negam que sofrem; e há pouca oferta de serviços de tratamento à população de modo geral. Assim, a depressão ainda se encontra em uma condição de subdetecção e de subtratamento (Machado, 2008).

Um dos principais fatores que favorecem equívocos por parte dos profissionais de saúde mental em relação a diagnósticos errados e tratamentos com pouco ou nenhum sucesso é a formação acadêmica destes profissionais que freqüentemente recebem uma educação que reduz ou prioriza a determinação da doença a questões biológicas e, assim, restringe as práticas de intervenção (Campos & Soares, 2003); além de não conseguirem estabelecer um diálogo entre os diversos saberes que atuam com a Saúde Mental. Mais especificamente na Psicologia, sabe-se que os cursos ainda apresentam poucas disciplinas referentes à saúde mental (Ribeiro & Luzio, 2008) em detrimento de muitas com foco na psicopatologia - no estudo dos desvios, dos"anormais" -, estritamente teóricas. Assim, insiste-se em uma formação voltada para o ensino de estratégias de"normatização", numa perspectiva de"doença-cura" e tomando o sujeito como um ser passivo. Isso significa que ainda somos formados em um modelo clínico restrito e normativo quando, na verdade, as diretrizes curriculares colocam que o psicólogo deve ter uma"Compreensão dos múltiplos referenciais que buscam apreender a amplitude do fenômeno psicológico em suas interfaces com os fenômenos biológicos e sociais" (Brasil, 2004).

Pensando na importância da qualidade da formação acadêmica dos psicólogos, no estigma social em relação à"doença mental" e na depressão enquanto transtorno psicológico mais diagnosticado na sociedade contemporânea é que se propõe a abordar neste artigo o episódio depressivo maior, viabilizando informações que possam propiciar um diagnóstico mais preciso, o possível tratamento psicoterapêutico e farmacológico sob o ponto de vista analítico-comportamental, ressaltando a importância de tomar como foco o sujeito em seu sofrimento e não o comportamento em si e de enxergar o campo da saúde mental como interdisciplinar e de práticas múltiplas.

Classificação e Critérios de Diagnóstico

 

Classificação

A depressão é classificada, pelo DSM-IV (1995), como um Transtorno de Humor e é vista como um problema complexo que pode se originar da interação de diversos fatores (ambientais, biológicos, psicológicos, sociais e pessoais). Para a classificação são propostos alguns critérios (Méndez, Olivares & Ros, 2007):

1. A depressão funciona como o transtorno principal ou aparece como conseqüência de algum outro problema, médico ou psicológico, ou seja, ela é primária ou secundária.

2. A psicopatologia apresenta apenas episódios depressivos ou além deles apresenta também episódios hipo(maníacos), ou seja, ela é unipolar ou bipolar.

3. São apresentados os critérios do DSM-IV ou o estado de ânimo é irritável e/ou disfórico "durante pelo menos um ano, acompanhado de outros sintomas depressivos, mas sem chegar a reunir os critérios diagnósticos" (p. 144), ou seja, depressão maior ou distimia.

4."A causa desencadeante é interna (por exemplo, déficit funcional de noradrenalina) ou se produz como reação a um evento negativo claramente identificável (por exemplo, uma ruptura amorosa)" (p. 144), ou seja, endógena ou exógena.

A depressão ainda é classificada de acordo com a intensidade e o predomínio dos sintomas (Classificação Internacional de Doenças [CID 10], 1993).

1. Intensidade dos sintomas: leve, moderada, grave.

2. Predomínio de sintomas: depressão atípica, depressão ansiosa, depressão psicótica, distimia e transtorno bipolar de humor.

A classificação da intensidade dos sintomas tem o objetivo de quantificar o nível de gravidade da pessoa com depressão. Assim, o que a determina como leve, moderada ou grave é o número de sintomas presentes e, principalmente, o prejuízo funcional do indivíduo (Campos, 2007).

Critérios de Diagnóstico

O principal critério utilizado pelo DSM-IV (1995) para o diagnóstico do episódio depressivo maior é a presença de cinco ou mais sintomas depressivos específicos, quase que diariamente, num período mínimo de duas semanas. Dentro desses sintomas deve estar presente, obrigatoriamente, um estado de ânimo depressivo ou a perda de interesse ou prazer.

Os sintomas indicados pelo DSM-IV (1995) como possivelmente apresentados por pessoas em estado de depressão são: perda de interesse ou prazer em (quase) todas as atividades habituais; alteração de peso ou apetite; insônia ou hipersonia; agitação ou retardo psicomotor; redução de energia; sentimentos de inutilidade ou culpa excessivos e/ou inapropriados; diminuição da capacidade para pensar ou concentrar-se ou indecisão e pensamentos de morte recorrentes e/ou idéias suicidas.

É necessário fazer algumas ressalvas de fundamental importância para um diagnóstico preciso. Não se deve incluir os sintomas que ocorrem devido outras enfermidades ou idéia delirantes e alucinantes não congruentes com o estado de ânimo da pessoa. Os sintomas não cumprem critérios para um sintoma misto. Os sintomas provocam mal-estar significativo ou déficit social, laboral ou em outras áreas de atividades importantes para o indivíduo. Os sintomas ocorrem devido a efeitos fisiológicos originados de alguma droga ou medicamento ou devido a uma enfermidade. (DSM-IV, 1995)

Acredita-se, ainda, que para um bom diagnóstico também se deve ter o olhar de outros profissionais, sendo esse"não mais consolidado a partir de uma linha de montagem entre as especialidades, mas considerando os diversos saberes, na tentativa de constituir algo da ordem do coletivo" (Guljor, 2003, p. 44), o que possibilita uma ampliação da visão dos transtornos mentais, não mais reduzidos apenas ao nível biológico, e dá a oportunidade de novas formas de intervenção. Sendo importante que não se construa rótulos a priori e que os profissionais coloquem

entre parênteses a doença mental (o diagnóstico e todo o aparato de tratamento do modelo psiquiátrico/psicológico) e entrem em contato com o sujeito, em sua experiência-sofrimento, com a finalidade de possibilitar o reposicionamento do sujeito no mundo, considerando-se sua dimensão subjetiva e sociocultural. (Ribeiro & Luzio, 2008, p. 206)

Esse tipo de atuação é que vai se tornar o diferencial para o sujeito, possibilitando não apenas a"recuperação da sua saúde" mas sua reinserção social e a sua co-responsabilização pelo processo de "tratamento".

Depressão enquanto fenômeno comportamental

 

Visão Analítico-Comportamental de Psicopatologia

Percebe-se que a literatura apresenta dados úteis para um bom diagnóstico e o estabelecimento de intervenções, porém, tem deixado de lado explicações adequadas para a etiologia e o tratamento do ponto de vista analítico-comportamental. É dada primordial importância aos processos biológicos e cognitivos, esquecendo-se das relações comportamentais. Assim, podem-se destacar dois pontos que algumas abordagens psicológicas possuem na compreensão de psicopatologia que são questionáveis quando tomamos por base uma visão analítico-comportamental: a noção de causação interna do comportamento e a definição das patologias pelos sintomas, ou seja, o comportamento visto como conseqüência de um processo interior e pela sua topografia e não por suas relações funcionais. Em relação a isso Campos (2007) ressalta que

Os sistemas classificatórios descrevem topografias e freqüências de respostas. A ênfase na topografia do comportamento deixa de ser adequada para uma análise comportamental quando se constata que um mesmo padrão de respostas pode ser resultado de histórias diversas de interação e pode, ainda, ter funções adaptativas distintas. (p. 3)

De acordo com Gongorra (2003), deve-se levar em consideração algumas proposições da Análise do Comportamento: (1) Os distúrbios devem ser entendidos como dificuldades específicas de cada pessoa em seus contextos de vida; dessa maneira, o conceito de patologia é aplicado apenas para desvios de normas biológicas; (2) Somente se deve intervir em comportamentos após avaliar se esses representam um problema e se a intervenção traria benefícios para a pessoa. Porém, deve-se lembrar que o enfoque da intervenção não se restringe à queixa, pois não tem como objetivo único eliminar os "sintomas"; (3) O comportamento é o objeto de estudo, não sendo visto como uma "conseqüência" de outros processos interiores; (4) O conceito de comportamento inclui também as atividades encobertas, ou seja, as ocorrências não observáveis de comportamento; (5) A avaliação dos comportamentos de interesse (as"queixas") deve ser feita por meio de uma análise funcional, levando em conta também a seleção por conseqüências.

Alguns desses princípios assemelham-se ao que postula o paradigma da atenção psicossocial. Esse se propõe a romper com o paradigma doença-cura e com os saberes e práticas até então instituídos, abarcando um modo mais amplo de cuidado em saúde mental e organizando novas formas de atuar na assistência em saúde mental (Campos & Soares 2003).

A saúde é concebida como um processo histórico e social, decorrente da relação do homem consigo mesmo, com outros homens na sociedade e com o meio ambiente. Enfim, a saúde é resultante das condições de vida do homem, em seu cotidiano. (Ribeiro & Luzio, 2008, p. 206)

Assim, não mais se reduz o indivíduo a uma doença, reconhecendo-o com sua história de vida, e possibilita-se uma intervenção em que o único objetivo não é a remissão sintomatológica, trazendo"em seu bojo diversos aspectos da problemática do seu cotidiano" (Campos & Soares 2003).

 

Visão Analítico-Comportamental da Depressão

Análise do Comportamento, como já foi exposto, compreende que o organismo está em constante modificação por meio da sua interação com o meio ambiente, da mesma maneira que é capaz de modificá-lo com a sua ação. Assim, pode-se entender que o comportamento depressivo

é função do ambiente e resulta da interação entre o indivíduo que se deprime e as contingências ambientais as quais ele está exposto. Para os estudiosos do comportamento a depressão não é vista como um transtorno mental, mas um conjunto complexo de comportamentos na interação com o ambiente. (Oliveira, 2004, p. 6)

Dougher e Hackbert (2003), com o objetivo de oferecer uma explicação analítico-comportamental da depressão, realizaram um estudo no qual analisaram padrões de interação com o ambiente apresentados por indivíduos classificados como deprimidos, decompondo-os em princípios. Assim, como o estudo realizado por esses autores é referência para muitos analistas do comportamento, será tomado como base nessa discussão. São enfatizadas aqui as funções conseqüenciais (baixa densidade de reforço, extinção, punição, reforço de comportamento de angústia), funções estabelecedoras e processos verbais.

 

1) Funções Conseqüenciais

1.1) Baixa Densidade de Reforço

De acordo com o DSM-IV (1995), pessoas com depressão perdem o interesse em algumas atividades habituais e apresentam alta incidência de choro e irritabilidade. A taxa baixa de determinados comportamentos, como a de atividades habituais, pode estar relacionada a uma diminuição ou escassez de reforço positivo contingente a emissão de respostas.

Segundo Dougher e Hackbert (2003),"uma falta de reforço social é particularmente importante para o surgimento e a manutenção da depressão" (p.169). Essa ausência pode ocorrer devido a um repertório social baixo ou inadequado.

Porém, sabe-se que um dos efeitos do reforço é o de diminuir a freqüência de outros comportamentos distintos do comportamento reforçado; assim, quando os comportamentos que desfavorecem a execução de atividades habituais forem mais reforçadores que os comportamentos de exercer tais atividades, podemos entender o surgimento de um dos sintomas da depressão.

Dessa forma, quando uma pessoa apresenta uma resposta de choro ou de isolamento social, muitas vezes ela é reforçada com uma atenção e um cuidado por parte de outras pessoas num nível maior do que quando estas respostas não são emitidas. Este tipo de relação contribui significativamente para a manutenção de respostas contrárias as de outras atividades.

1.2) Extinção

Ao suspender o reforço contingente a uma resposta ou classe de respostas, esses têm a probabilidade de emissão diminuída, ou seja, ela entra em extinção. Como já citado acima, quando um indivíduo passa a não ter suas atividades habituais reforçadas, ele tende a não realizá-las.

Espera-se que indivíduos com repertórios adequados encontrem outros reforçadores para suprir essa perda. Entretanto, surge um problema quando o reforço perdido era "responsável" por boa parte do repertório comportamental, inexistindo múltiplas alternativas de reforçadores (Dougher & Hackbert, 2003). Daí a enorme possibilidade de extinção da emissão de uma resposta, podendo ocasionar a eliciação de respostas emocionais (um dos efeitos da extinção). Assim, pode-se compreender que choros e irritabilidade podem estar relacionados com a retirada de reforçadores.

De acordo com Dougher e Hackbert (2003)

Quando a escassez de reforço é generalizada ou persistente, freqüentemente resulta em reações emocionais que classificamos como tristeza ou desespero. Em termos comportamentais, reforço insuficiente, extinção ou punição funcionam como estímulo incondicionado que elicia uma série de respondentes classificados como tristeza, frustração e cólera. (p. 171)

1.3) Punição

Sabe-se que algumas conseqüências do comportamento o tornam menos provável. A punição caracteriza-se por suprimir rapidamente a resposta, além de apresentar alguns efeitos colaterais: eliciação de respostas emocionais - choro, irritabilidade, raiva, tristeza - (vale ressaltar que esse processo também ocorre com a extinção, como explicado acima); supressão de outros comportamentos que estiverem ocorrendo temporalmente próximos ao momento da punição; e emissão de respostas incompatíveis ao comportamento punido.

Vale lembrar que os estímulos discriminativos também exercem função de controle de estímulos envolvidos na manutenção do comportamento depressivo. De acordo com Dougher e Hackbert (2003),

eventos correlacionados com a extinção ou a punição evocam comportamento de esquiva, no entanto, o comportamento permanece sob o controle de estímulos discriminativos relevantes, mesmo quando as contingências mudam. Como resultado, os clientes podem vir a perder fontes potenciais de reforço, e a taxa de reforço positivo permanece baixa. (p. 170)

1.4) Reforço de Comportamento de Angústia

Apesar de todas essas explicações sobre a baixa taxa de comportamento emitida por pessoas depressivas, essa ainda pode ser "resultado" de uma taxa alta de "comportamento de ansiedade", entendendo-se este como uma classe de respostas de base biológica (taquicardia, hiperventilação, sudorese, dores, tremores, etc) devido a uma antecipação das conseqüências de estímulos aversivos futuros (Zamignani & Banaco, 2005). De acordo com Dougher e Hackbert (2003), o comportamento de angústia reduz a estimulação aversiva, podendo ainda ser reforçado positivamente pelo aumento de apoio social, porém, o comportamento de angústia também pode ser visto pelas outras pessoas como aversivo, fazendo com elas fujam da pessoa com depressão.

 

2) Funções Estabelecedoras

De acordo com o DSM-IV (1995) pessoas com depressão costumam perder o interesse por suas atividades habituais ou outras de seu interesse, ou melhor, perdem a motivação. Sabemos que essa perda de motivação e da efetividade reforçadora estão relacionadas com as operações estabelecedoras ou supressoras. Michael (1993) nos diz que as operações estabelecedoras "acentuam o efeito reforçador de certas conseqüências, aumentam a probabilidade de respostas que tenham produzido reforços estabelecidos no passado e elevam a efetividade evocativa de estímulos discriminativos associados a reforços estabelecidos. Operações supressoras funcionam exatamente de maneira oposta" (p.171).

Pessoas com depressão mantêm uma baixa taxa de comportamento, tendo acesso a poucos reforçadores e ainda há casos em que os reforçadores primários (alimentação, sexo) perdem a sua efetividade. De acordo com Campos (2007), eventos ou condições que produzem taxas baixas de resposta e os estados afetivos característicos da depressão podem funcionar como operação estabelecedora.

De acordo com Michael (1982, 1993) há uma relação das operações estabelecedoras com estímulos discriminativos. Nos depressivos, pensamentos e situações negativas podem funcionar como estímulo discriminativo para respostas de tristeza, pena de si mesmo, auto depreciação.

 

3) Processos verbais

A explicação analítico-comportamental da depressão refere-se também aos determinantes do comportamento verbal que caracterizam os deprimidos e como esses determinantes vêm influenciar outros comportamentos.

De acordo com Dougher e Hackbert (2003), há uma relação entre os processos verbais em depressivos e a equivalência de estímulos. Os estímulos verbais, em particular, "participam de uma relação de equivalência com eventos que eles representam" (p. 176). Quando palavras referentes ao sujeito e palavras com sentido negativo entram em uma classe de equivalência, vão estabelecer uma relação, ou seja, essas expressões negativas vão aplicar-se ao sujeito, exercendo uma influência no controle do comportamento.

Por exemplo, quando uma pessoa diz"eu estou triste" ou"eu não consigo fazer isto", a classe de respostas definida como "tristeza" e os comportamentos que não favorecem a execução de uma determinada tarefa, respectivamente, estão sendo diretamente relacionados ao termo"eu", ou seja, à própria pessoa que fala. Esta relação é de equivalência uma vez que tais estímulos verbais são constantemente correlacionados de maneira direta, assumindo uma função psicológica no sujeito que vai na mesma direção do significado destes estímulos.

Tratamento

Na Terapia Analítico-Comportamental, o primeiro passo seria a entrevista inicial, como um método para se avaliar as"queixas" (dificuldades atuais), podendo daí perceber os possíveis "sintomas", melhor caracterizado pela freqüência de certos comportamentos, e o início, evolução e contexto do processo depressivo.

Como segundo passo e fundamental para o sucesso da intervenção analítico-comportamental, deve ser realizada uma análise funcional, ou seja, entender os determinantes (que estão na interação indivíduo-ambiente) da ocorrência do comportamento, por meio de suas relações funcionais.

De acordo com Meyer (2003), os passos para uma análise funcional são: 1) identificação do comportamento de interesse; 2) identificar e descrever o efeito comportamental (a freqüência, a duração e a intensidade com que ocorre); 3) identificação de relações entre o comportamento de interesse e o ambiente, e/ou outros comportamentos existentes.

Após a realização dessas, têm-se várias opções de intervenções, de acordo com o comportamento de interesse. No caso de habilidades sociais deficientes é sugerido um treino de comportamentos necessários a uma relação interpessoal bem sucedida (conforme o contexto), tendo como objetivo a aprendizagem de um novo repertório de respostas.

Para uma baixa taxa de comportamento, Martell, Addis e Jacobson (2001) sugerem o tratamento por meio de Ativação Comportamental, no qual o trabalho terá como objetivo o engajamento do paciente em atividades realizadas antes da depressão e que ele tem o desejo de retomar. Dessa maneira, terá a possibilidade de obter reforços positivos contingentes a resposta emitida, aumentando a taxa de comportamentos reforçados positivamente em relação aos reforçados negativamente, aqui representados por cansaço, abatimento e sono excessivo.

Além disso, essas atividades guiadas tendem a melhorar o humor e os pensamentos negativos, ou seja, poderá se "quebrar" a relação de equivalência de palavras referentes ao sujeito e expressões negativas, fazendo com que deixem de exercer uma influência controladora sobre o comportamento e, assim, dando ao paciente o senso de controle sobre a sua vida.

Outra vantagem do uso dessas atividades guiadas é que leva o sujeito a se sentir mais motivado, pois potencializam as contingências reforçadoras ao exporem os sujeitos a experiências novas de interação social e a atividades realizadas antes do processo depressivo. Vale frisar, ainda, que a exposição dos sujeitos a experiências bem sucedidas, por meio das atividades guiadas, de acordo com Klein e Seligman (1976), tem como reverter déficits comportamentais em depressão e desamparo aprendido.

Nesse método de intervenção (Ativação Comportamental), o terapeuta deve ensinar como planejar as atividades, como reconhecer "armadilhas" e como incorporar essas novas atividades na rotina de modo a melhorar a qualidade de vida. Pode-se sugerir o uso de "agenda de eventos diários" e/ou "roteiro de atividades", o paciente continuará o trabalho iniciado em sessão durante a semana entre sessões.

Ferster (1973) verificou que terapias verbais com pacientes depressivos oferecem melhoras, justificadas pelo aumento da taxa de interação verbal que passa a funcionar como um reforçador; por poderem revelar as relações funcionais entre a forma do cliente responder e as suas possíveis conseqüências e por provocar uma maior freqüência de interação, aumentando assim as possibilidades de obter reforço positivo (Dougher & Hackbert, 2003).

Para finalizar, não se pode deixar de falar sobre o tratamento com medicações. De acordo com Scazufca e Matsuda (2002)

Na depressão maior, os antidepressivos são eficazes no período de crise e na manutenção do tratamento, mas a recaída ou recorrência da depressão ocorre com freqüência. (...) As medicações antidepressivas têm efeitos colaterais que podem ser desagradáveis, tornando sua aceitabilidade ou tolerabilidade difícil. Assim, os tratamentos psicológicos tornam-se uma opção atrativa para essa população. (p. 65)

Essas possíveis respostas parciais dos fármacos mostram, mais uma vez, que não se pode reduzir esse sofrimento, tão pouco seu tratamento, ao nível biológico, devendo-se compreender que sua "origem" tem a possibilidade de estar relacionada a diversas variáveis: biológicas, históricas, ambientais e psicológicas.

Dessa maneira, concorda-se com Cavalcante (1997), em que uma combinação de Terapia Analítico-Comportamental e medicação antidepressiva parece ser melhor que uma das alternativas isoladamente. Entretanto, há pesquisas que apontam a Terapia Analítico-Comportamental como tão efetiva quanto a medicação no tratamento da depressão.

Medicamentos na Depressão

A farmacoterapia oferece uma ampla e variada gama de medicamentos, desde antidepressivos específicos até aos inespecíficos. Dessa maneira, a escolha dos antidepressivos deve se basear em diversos fatores: eficácia, segurança, tolerabilidade, toxicidade em superdosagem, ocorrência de situações individuais que exijam antidepressivos com poucos efeitos adversos e, claro, o custo, se o paciente conseguirá ter acesso ao medicamento e assim iniciar e dar a continuidade necessária ao tratamento farmacológico (Wannmacher, 2004).

Atualmente os fármacos para a depressão de dividem em dois grandes grupos: os antidepressivos tricíclicos e os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), os quais, segundo a literatura, são igualmente eficazes. A diferença entre os dois encontra-se na maneira como agem – os tricíclicos inibem a recaptação da serotonina e noradrenalina; e os ISRSs inibem a recaptação pré-sináptica da recaptação da serotonina e deste modo aumentam a disponibilidade da serotonina sináptica. Outra distinção entre esses grupos de antidepressivos é os números de efeitos adversos, os quais se devem a maneira como cada um age no organismo, os tricíclicos apresentam mais (anticolinérgicos e cardiotóxicos quando usados em doses elevadas) e por isso, os pacientes que utilizam os ISRSs tem o índice de abandono do tratamento inferior aos que utilizam os tricíclicos (Bahls, 1999).

Porém, para garantir a adesão ao tratamento farmacológico, deve-se ter o cuidado de realizar uma explicação sobre a importância de utilizar a medicação de acordo com a prescrição médica, sobre a maneira como o antidepressivo vai agir e o tempo que vai levar para começar a diminuir os sintomas. Assim, é importante esclarecer que durante a primeira semana de tratamento eles podem sentir alguns efeitos adversos menores, mas estes habitualmente desaparecem na segunda semana, e que a melhora clínica pode ser observar a partir da segunda semana, mas a resposta completa pode demorar de seis a oito semanas (Wannmacher, 2004).

Vale salientar que a literatura aponta a eficácia dos antidepressivos no tratamento da depressão aguda, moderada e grave por meio da melhora dos sintomas (resposta) ou eliminando-os (remissão completa) (Scazufca & Matsuda 2002). Porém, novamente, se vê que o foco está na sintomatologia e outro aspecto sobressai: elimina-se os sintomas (a topografia) sem ter um olhar para a história de vida daquele sujeito, sem entender as relações funcionais que mantém aquele comportamento e se ele apresenta ou não funções adaptativas.

 

Conclusão

Este artigo buscou trazer informações a respeito da classificação e critérios diagnósticos da depressão, bem como da visão da terapia analítico-comportamental acerca desse transtorno e suas possibilidades de tratamento. Para tanto, inicialmente, foi necessário tratar da noção de psicopatologia numa perspectiva analítico-comportamental

Verificou-se, por meio da bibliografia pesquisada, que o início e evolução da depressão estão ligados a variáveis biológicas, históricas, ambientais e psicológicas, incluindo distúrbios dos neurotransmissores, histórico familiar de depressão, perda ou negligência precoce dos pais, eventos negativos, perdas significativas, falta de apoio social adequado e falta de motivação a longo prazo, dentre outros.

Pode-se perceber também que os estudos da depressão ainda se baseiam bastante em aspectos fisiológicos, cognitivos, sintomáticos e no tratamento voltado unicamente para a farmacologia, ou dela com apoio da terapia.

Esse posicionamento parte de uma compreensão de doença centrada no paradigma doença-cura, levando a uma intervenção pautada apenas na eliminação dos sintomas, ocasionando a crença de um retorno a uma suposta normalidade, ou seja, uma tentativa de ajustamento do indivíduo. Dessa maneira, entende-se que deve haver uma maior preocupação com a formação dos profissionais, garantindo que eles se posicionem criticamente e que levem em consideração aspectos da realidade, bem como aprendam a importância de uma atividade integralizada com os outros especialistas, ou seja, que transcendam o trabalho multidisciplinar, no qual cada um se posiciona dentro de sua especialidade, e atuem de maneira inter e/ou transdisciplinar na perspectiva de compreender o sujeito por completo e não de maneira fragmentada.

Outro ponto que merece destaque é que a visão analítico-comportamental da depressão implica em uma compreensão mais particular e contextual sobre a epidemiologia deste transtorno. Isso quer dizer que os fatores que contribuem para a depressão, assim como a parcela da população que sofre deste transtorno e as políticas de promoção da saúde e prevenção da "doença", dependem diretamente da qualidade das respostas de cada indivíduo no contexto sócio-histórico e cultural em que estão inseridos.

Isto ocorre porque as respostas comportamentais só podem ser estudadas na sua relação específica com o ambiente em que são emitidas, podendo variar sua função com a mudança de lugar, de tempo, de intensidade e de outros aspectos contextuais, mesmo mantendo sua topografia. Desse modo, a epidemiologia da depressão, assim como de transtornos mentais em geral, quando orientada por uma abordagem analítico-comportamental, deve considerar as possibilidades de variação na validade de seus dados estatísticos.

Ao final, pode-se compreender que o tratamento de pessoas com depressão é difícil, pois a pessoa que emite esta classe de respostas tem os comportamentos inadequados bem estabelecidos, além de os indivíduos, na maioria das vezes, não apresentarem um bom repertório social. Extremamente importante para o tratamento é a idéia de que para enfrentá-la não se pode trabalhar apenas amenizando sintomatologias que incomodam e incapacitam, mas que se faz necessário obter uma reestruturação na vida dos indivíduos que se comportam dentro de certos padrões comportamentais que poderiam ser classificados como depressão, ou seja, se faz relevante que o tratamento envolva, com igual responsabilidade e dedicação por parte do paciente e dos profissionais, os fármacos e a psicoterapia.

 

Referências

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1 Graduação em Psicologia, endereço eletrônico: lidianyazevedo@bol.com.br
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Graduação em Psicologia

3Graduação em Psicologia