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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2015

https://doi.org/10.18370/2176-4891.2015v1p1 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

Narrativas psicopolíticas da homofobia

 

Psycho-political narratives of homophobia

 

 

Alessandro Soares da SilvaI; Fábio OrtolanoII

IDocente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade de São Paulo. Livre-docente em Sociedade, Multiculturalismo e Direitos pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades EACH-USP, Editor da Revista Psicologia Política e líder do grupo de pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo GEPSIPOLIM - alessoares@usp.br
IIDoutorando em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - IPUSP e pesquisador do grupo de pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo - GEPSIPOLIM fabio.ortolano@usp.br

 

 


RESUMO

A homofobia opera sob diversas formas e sujeitos, e sua percepção é, portanto, muitas vezes subjetiva, própria de relações particulares experienciadas, no público e no privado, por cada indivíduo. Há, contudo, um elemento em comum que a constitui como campo de exercício do poder: a injúria é o laço psicopolítico que compreende as narrativas da homofobia.

Palavras-chave: Homofobia; narrativas psicopolíticas; paradas LGBT.


ABSTRACT

Homophobia operates on several forms and subjects, so its perception is often subjective, experiences arising from each individual's particular relations in public and private affairs. However, there is a common element that constitutes it as a field for the exercise of power: injury is the psycho-political link that consists the narratives of homophobia.

Keywords: Homophobia; psycho-political narratives; LGBT Pride Parades.


 

 

INTRODUÇÃO

Em tempos nos quais, aparentemente, a vida humana deveria encontrar-se num patamar em que todas as formas de desigualdades e injustiças poderiam ter sido superadas, é surpreendente depararmo-nos com a capacidade de resistência e ação da injúria. É a injúria um laço psicopolítico capaz de produzir um sofrimento ético-político de poder avassalador, capaz de fazer com que o sujeito que é seu objeto torne-se fragilizado, muitas vezes incapaz de superar os insultos e a escuridão dos subterrâneos da memória, o silêncio cruel vivido por quem é silenciado por outrem.

É a injúria a base psicopolítica de uma relação de dominação-exploração chamada homofobia, tão enraizada nas sociedades ocidentais, conservadoras, patriarcais, cristãs e capitalistas.

Em nossa sociedade contemporânea, de modo especial, nesta sociedade cujas bases morais são pautadas por normas, crenças, valores e costumes judaico-cristãos, vivemos um círculo vicioso em meio ao qual muitos mitos são construídos, afirmados e reafirmados diuturnamente, sendo que só se permitem existir a partir de uma relação de absoluta dependência: um existe no outro, em função do outro e para própria manutenção desse outro. A esse respeito, Oscar Guasch (2000) já teceu interessantes considerações em seu livreto La crisis de la heterosexualidad. A homossexualidade entendida como tal, nos dias de hoje, advém de tudo aquilo que compreendemos como heteronormativo, desde as expectativas quanto ao gênero de um bebê e nossos comportamentos durante sua gestação, às inscrições que deixamos nas sepulturas de nossos familiares, ao firmarmos como em nossas certidões, o nome que nos veio do pai.

É com emergência de uma visão patologizante da sexualidade no século XIX que nascem os mitos da heterossexualidade e da homossexualidade, normatizando-se práticas e controlando sujeitos (FOUCAULT, 1988). E para que a heterossexualidade se garanta como padrão normal, desejado, necessário de um comportamento público e privado, inclusive íntimo, dos seres humanos, foi necessária a invenção de uma conduta antagonista, anormal, indesejada, desnecessária, a qual deveria ser controlada, corrigida, subtraída. Na inter-relação desses mitos, nasce um aparente binarismo que, na realidade, é uma produção dialógica, até mesmo dialética, capaz de permitir a afirmação de um e a negação do outro. Essas construções, como nos mostra Laqueur (2001), atendem a um projeto político social em que concebemos o sexo, o corpo e o gênero.

 

 

Refletindo sobre isso, podemos encontrar na literatura um número bastante considerável de autores e autoras que o fazem de distintas perspectivas teóricas, epistemológicas e metodológicas. No presente manuscrito, pretendemos aprofundar nossa leitura a partir do campo interdisciplinar da psicologia política, por entendermos que deste lugar é possível considerar constructos reflexivos que se dão no interstício de diversas disciplinas. Discutiremos aqui alguns elementos extraídos de uma pesquisa de campo realizada no ano de 2012, durante as paradas do orgulho LGBT em São Paulo e em Campinas. Na ocasião, aplicamos um amplo questionário, cujo foco foi a percepção dos participantes dessas ações coletivas acerca da sexualidade e dos direitos humanos. Entre as diversas questões formuladas no instrumental, algumas abordaram a homofobia. Essas questões específicas constituem o objeto de nossa análise.

Antes de iniciarmos a análise propriamente dita, contudo, queremos descrever alguns procedimentos metodológicos utilizados para tanto. A produção do questionário foi feita nos meses de março e abril de 2012, sendo que, no mês de maio, realizamos dois pilotos, com vistas a averiguar a funcionalidade e adequação do instrumento. No mesmo mês, realizamos também uma oficina formativa com os aplicadores. Feito isso, aplicamos os questionários na 16ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, ocorrida no dia 10 de junho de 2012, e na 12a parada do Orgulho LGBT de Campinas, em 1º de julho do mesmo ano. O questionário era preenchido pelos próprios participantes com auxilio dos aplicadores. Na capital paulista, aplicamos 303 questionários e 235 em Campinas, totalizando 538 participantes contemplados. Tivemos um missing de 79 sujeitos, validando-se 449 questionários entre ambas as cidades.

 

Um breve olhar sobre as manifestações de 2012 do orgulho LGBT em São Paulo e em Campinas

Conforme temos dito (ORTOLANO, 2013), as paradas de São Paulo e Campinas apresentam algumas semelhanças desde o formato do evento e o contexto de formação à construção de suas campanhas. Não apenas por serem localmente próximas, do mesmo estado e em regiões metropolitanas, mas também por compartilharem sujeitos e apresentarem um conjunto de elementos psicopolíticos que delineiam os movimentos sociais, no caso os de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, desde a seleção de crenças e valores para a ação coletiva, até a construção da consciência política por dimensões como o sentimento de injustiça, estes também já pontuados (SILVA, 2008).

Diversos autores, como Chiochetta e Avena (2006), Facchini, França e Venturi (2007), Silva (2008), Steven Butterman (2012), entre outros, em seus trabalhos, já falaram do histórico das paradas de São Paulo. Baseados em tais pensadores, pontuamos que a primeira edição ocorreu em 1997, contudo o surgimento da parada foi no ano anterior, quando ocorreu uma manifestação de caráter sindical na Praça Roosevelt. Com o passar dos anos, a parada de São Paulo cresceu em alta progressão, primeiro pela atenção que os organizadores deram à visibilidade massiva, optando por fazer o evento junto a um feriado e, segundo, pela dinâmica da cidade de São Paulo, polo de grande recepção e fluxo de pessoas. Em 1999, institui-se uma associação responsável pela parada de São Paulo, denominada APOGLBT - Associação da Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Em seu breve histórico, ditas paradas apresentaram diversas bandeiras, desde a afirmação de identidades e a promoção e defesa dos direitos humanos, ao combate à homofobia.

Alinhado às reivindicações dos últimos anos, em 2012, o tema fora "Homofobia tem cura: educação e criminalização", denunciando a violência e a injúria sofridas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. A escolha da temática, neste ano, foi feita pelo público, via internet, apontando a evidência de tal queixa entre os participantes. "Homofobia tem cura" diz da possibilidade de coletivamente mudar a realidade de opressão e insulto de sujeitos. "Educação e criminalização" faz referência a duas pautas de âmbito nacional, a aprovação do kit anti-homofobia nas escolas e o projeto de lei 122/2006. Em um depoimento publicado no portal G1, a coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Heloísa Gama Alves, considera o tema importante, uma vez que além de pontuar a criminalização, como punição da violência, valoriza a educação como meio de superação e transformação, em consonância com a ideia de Santos (2004) ao ressaltar a importância de mecanismos de proteção e promoção dos direitos humanos.

Convém mencionar que, em 2012, o Datafolha divulgou um estudo polêmico, apresentado pelo instituto como a primeira pesquisa científica de cálculo de pessoas em multidão. Em seus resultados apontaram que nesta edição 270 mil pessoas participaram do evento. Mesmo sem ferramentas de contagem, os organizadores, que sempre se basearam em dados da Polícia militar, julgaram o resultado do Datafolha equivocado.

A parada de Campinas também vivenciou um processo de transformação em sua organização, do grupo identidade, passando pelo Fórum LGBT à Associação da Parada de Campinas em 2012. O município é reconhecido por seu pioneirismo em aprovação de algumas leis e constituição de políticas públicas voltadas à população LGBT, como o Disque-Defesa-Homossexual e o Centro de Referência GLTTB.

Em 2012, foi aprovado um Decreto municipal que designa o reconhecimento do nome social de transexuais em documentos. Neste ano, pela primeira vez, altera-se o local de concentração da Parada, saindo do Largo dos Expedicionários, no Centro da cidade, ao invés do Largo do Pará, onde tradicionalmente se iniciava o evento (ORTOLANO, 2013). Com o tema "Querem acabar com as paradas? Aprovem nossas leis!", a edição contou com a participação de mais de 120 mil pessoas, segundo organizadores. Em consonância com o tema proposto por São Paulo, houve protestos pela aprovação do PLC 122, que criminaliza a homofobia, e a favor do kit anti-homofobia nas escolas. Entre os coletivos presentes, estava o Juntos, um movimento nacional de juventude que surgiu em 2011 e se espalha pelo país, contando com um setorial LGBT, denominado Juntos pelo direito de amar.

 

Narrativas Psicopolíticas da Homofobia

Parece-nos necessário tratar a questão da homofobia como estratégia conservadora de perpetração dos subterrâneos da negação da memória, da história e da palavra às minorias sexuais e da consequente manutenção da mesmidade heterofóbica que organiza a sociedade ocidental patriarcal, branca, eurocêntrica e suas classes dirigentes, uma vez que não se aceita a voz do diferente. Nesse contexto, parece-nos que a homofobia serve a três propósitos narrativos em nossa sociedade.

O primeiro propósito que destacamos aqui é o de legitimar um estreito espectro de ideologias sexuais moralmente conservadoras e que já fora denunciada por Adriane Rich (2001) sob a denominação de "heterossexualidade obrigatória". Outra forma narrativa da homofobia é utilizada amplamente para justificar a deslegitimação excludente da sexualidade de sujeitos sociais que não se conformam com as normas da heterossexualidade obrigatória. Finalmente, a homofobia opera para narrar sua inexistência, negando a dinâmica da discriminação sexual.

A homofobia confessa a existência de participantes e não participantes no esquema da heterossexualidade obrigatória, mas não pode subscrever a proposição da heterossexualidade obrigatória, segundo a qual lhe fariam falta sujeitos desviados como forma de legitimação de si mesma, porque isto serviria para demandar a colaboração do mesmo setor, que pretende eliminar, por ser o outro ilegítimo, o tabu da primazia da dissidência.

Uma das dimensões da homofobia, que serve para justificar, de forma precária, porém de modo eficaz, as estreitas ideologias definidas dentro da heterossexualidade obrigatória, é tornar incoerentes o desejo homoerótico, como parte integral do processo de sua eliminação.

Note-se que não é a homofobia o que é incoerente: a homofobia trabalha de um modo muito direto, pelo menos no que concerne à violência física, psicológica e verbal com a que sempre se defende o heterossexismo. Assim, por mais que os parâmetros do desejo lesbigay possam variar, há uma certa globalidade acerca da forma como trabalha a homofobia. Desta maneira, opera como o racismo, o sexismo: os pormenores da identidade racial e de gênero podem variar consideravelmente de uma sociedade a outra. Nessa linha, pretendemos analisar em nossa intervenção esses elementos estruturantes da homofobia como estratégia de controle e silenciamento das minorias sexuais. Não à toa a homofobia é percebida como um fenômeno cristalizado socialmente, uma vez que diversas narrativas a sustentam cotidianamente entre as relações de poder.

A homofobia é consequência da heteronormatividade, sendo uma prática de discriminação baseada na suposição da normalidade da heterossexualidade e dos estereótipos de gênero. Ela surge e opera para dominação e manutenção de privilégios de sujeitos. Homofobia é um conceito recente que permite apreender a permanência da defesa ferrenha ao patriarcado, o que permite reconhecer sua estreita associação ao sexismo. O sexismo e a homofobia emergem como consequência do regime binário da sexualidade (Borrillo, 2000), essencializando a feminilidade e a masculinidade em identidades mutuamente excludentes e cerceadoras das possibilidades de derivação passível de apropriação pessoal, social, cultural e histórica do feminino e do masculino, por pessoas de ambos os sexos.

Nossa sociedade é não apenas heterossexual, mas marcadamente heteronormativa (BUTLER, 2003; RIOS, 2007a). Nos livros didáticos, o caráter heteronormativo das relações sociais está presente nos padrões de representação de gênero e de organizações familiares, nos discursos sobre afetos e também na absoluta ausência do tema da diversidade sexual. A heteronormatividade impõe um silêncio sobre essa temática: não há gays nas obras literárias, não há relações homossexuais nos textos de orientação sexual e, muito precocemente, as crianças aprendem a indexar o universo social pela dicotomia de gênero. Já escolhemos antes mesmo que elas nasçam as cores das roupas e seus brinquedos. Não existem corporificações para além do binarismo de gênero, por isso não se fala de homossexualidade, bissexualidade, transgêneros ou transexuais (BUTLER, 2003). O silêncio é a estratégia discursiva dominante, tornando nebulosa a fronteira entre heteronormatividade e homofobia.

Homofobia define-se como uma manifestação perversa e arbitrária da opressão e discriminação de práticas sexuais não heterossexuais ou de expressões de gênero distintas dos padrões hegemônicos do masculino e do feminino. Há várias expressões sociais da homofobia, desde atos violentos de agressão física e restrição de direitos sociais até a imposição da exclusão social às pessoas cujas práticas sexuais não são heterossexuais (MEYROU, 2005; BORILLO, 2000). A heteronormatividade da organização social fundamenta-se em falsos pressupostos de naturalização das práticas heterossexuais e no caráter desviante de outras práticas. Em outras palavras, apesar de haver uma relação de proximidade entre o silêncio sobre a diversidade sexual, a heteronormatividade e a homofobia, esses são três fenômenos sociais diferentes, mas que se comunicam e estão imbricados.

E o que vemos nos dias de hoje? Não que nos seja possível uma síntese de todo o contexto, contudo pontuamos alguns fatos que nos ilustram como tais fenômenos são percebidos em cena. Se pensarmos nos conteúdos aprendidos sobre a Idade Média, parece-nos que vivemos nos dias atuais numa "era das trevas" repaginada. Mídias anunciam "aos súditos" - nas palavras da jornalista - o nascimento do nobre bebê britânico, príncipe de Cambridge, primeiro filho de Kate e William e bisneto da Rainha Elizabeth II. Feira Internacional Cristã é organizada pelas Organizações Globo e o pastor Silas Malafaia atesta: "É business". O Estado brasileiro financia parte da Jornada Mundial da Juventude Católica e a Igreja distribui milhares de materiais se posicionando sobre seus tabus, como o aborto, a reprodução assistida, a eutanásia e a homossexualidade. Em matéria publicada na mesma semana, O Globo mostra um relatório produzido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), com a colaboração da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o qual revela indícios de que pelo menos seis instituições oferecem ilegalmente tratamento para "conversão da sexualidade". Isso num país em que as autoridades políticas se squivam de dar atenção à educação, em que milhares de mulheres morrem em hospitais e clínicas clandestinas por conta do aborto ilegal, em que diversos casais não podem ter filhos, em que pessoas morrem todos os dias pela indiferença com o Outro e em que deputados encaminham projetos de lei pela "cura gay". E o que isso tem a ver com homofobia? Tudo.

 

 

Como já ponderamos, nestas sociedades cujas bases morais são pautadas por normas, crenças, valores e costumes judaico-cristãos, o patriarcado tem sido concebido ideologicamente como modelo único em nossa cultura. Assim, a família, o Estado e as religiões são instituições centrais para manutenção desse arquétipo, que nada mais é que um constructo social de dominação. E nesse ínterim, as classes dirigentes não têm poupado esforços para manutenção da propriedade privada, dos privilégios e da soberania, haja vista os fatos que pontuamos. E as narrativas psicopolíticas da homofobia respondem a tudo isso.

Para exemplificarmos tais afirmativas, fazemos aqui uma breve reflexão sobre o manual bioético para juventude, elaborado pela Fundação Jérôme Lejeune, em parceria com a Comissão Nacional da Pastoral Familiar, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o Centro de Estudos Biosanitários (Espanha) e com Fundação Jérôme Lejeune (USA) e entregue na Jornada Mundial da Juventude - JMJ - em 2013. Parece-nos que diante de um cenário em que o número de brasileiros que se declaram católicos caiu de 64% em 2007 para 57% em 2013, segundo o instituto Datafolha, em que a Igreja Católica perde espaço para as igrejas evangélicas pentecostais e não pentecostais, como aponta Somain (2012) sobre os resultados do Censo 2010, divulgado pelo IBGE, a Igreja tenta a qualquer custo recuperar seus fiéis e soberania. Não à toa, ela e aqueles que a servem buscam, assim como em toda nossa história, promover a catequização do povo com base em valores e ideais eurocêntricos, sexistas, machistas e, certamente, homofóbicos.

Recebemos uma cartilha que dita sobre uma ética da vida, que, na nossa leitura, versa sobre o controle das populações. Senão um controle sobre as práticas, um domínio e influência sobre a ideologia e cultura que vigoram em nossa conjuntura social. E assim ao querer falar repetidamente sobre uma ética da vida, o discurso soa-nos como algo que já nos disse Michael Foucault sobre a sexualidade: "A pastoral cristã inscreveu, como dever fundamental, a tarefa de fazer passar tudo o que se relaciona com o sexo pelo crivo da palavra" (FOUCAULT, 1988, p. 27). Torna-se, contudo, uma questão de polícia, afinal, cabe ao Estado regular o sexo por meio dos discursos úteis e públicos. E a relação intrínseca entre Estado e as religiões, como mostra os últimos acontecimentos no país, como acordos e proposições polêmicas associados às bancadas religiosas fundamentalistas, não sugere grandes mudanças conjunturais. Foucault atesta que, entre os séculos XVIII e XIX, destacaram-se os discursos médicos, sobre as doenças dos nervos; da psiquiatria, acerca das perversões sexuais e da justiça penal, quanto aos crimes antinaturais, somando um conjunto de relatórios e diagnósticos que davam fôlego a uma discursividade reguladora sobre o sexo, que remete ao controle e a dominação em sociedades sexistas e heteronormativas. Notemos que os valores, crenças e princípios operam sob diversas instituições, pessoas, tempo e espaço, no público e no privado.

Em um material semelhante, produzido pela Associação Famílias e pela Associação de Defesa e Apoio da Vida, em Portugal, faz-se o seguinte questionamento: "Que há de mais íntimo à vida que a própria vida, a história dos nossos primeiros momentos e dos nossos últimos instantes?". O material é pretensioso, dita sobre uma ética do íntimo e ainda propõe uma correção num ensino julgado, por vezes, desvirtuado. Apontam um erro de perspectiva na abordagem da procriação e um erro científico na concepção da gravidez, contudo, não pontuam que as afirmativas contidas no manual advêm de uma perspectiva criacionista que, muitas vezes, nega a ciência, e legitimam suas crenças como verdades, quando na realidade, são formas de ler o mundo, inclusive, a partir de mitos. Segundo Brissolla, da Folha de São Paulo, o kit distribuído na JMJ foi encaminhado aos 60 mil voluntários da Jornada e a mais de seis mil jornalistas credenciados para a cobertura do megaevento.

Notemos que as narrativas psicopolíticas da homofobia respondem a tudo isso. Pensemos, então, na vulnerabilidade daqueles que, nesse campo de exercício do poder e luta simbólica, são as vítimas da injúria social.

Lionço (2008) relata que, aos finais da década de 1990, cria-se o Disque Defesa Homossexual no estado do Rio de Janeiro, o qual deu visibilidade a tipos de violência que não apareciam nas mídias, trazendo à baila uma homofobia silenciada.

(...) passou-se a reconhecer o caráter amplo e silencioso da homofobia, que emerge como prática discriminatória que atravessa campos cotidianos da vivência de GLBT, como a família, a vizinhança, a escola e o trabalho, partilhando agressor e vítima da mesma rede social, na maior parte das vezes (LIONÇO, 2008, p. 14).

Diversos autores, como Mott (2006) e Ramos (2011), relatam como homossexuais experenciam a discriminação diferentemente de outras minorias. Não se trata de comparar sofrimentos ou de subjugar ou enaltecer a opressão de cada um deles, contudo, há de se pontuar as particularidades. A população LGBT nunca fora maioria como as classes menos abastadas, é altamente desvalorizada e ridicularizada socialmente por fundamentalistas religiosos, nunca teve o mesmo respaldo institucional que o movimento operário e não se identifica com o modelo heteronormativo de seu núcleo familiar, aliás, em muitos casos, o preconceito e violência ocorrem na esfera doméstica.

Lionço (2008) acredita que a discriminação, a afronta à dignidade da pessoa humana e o desrespeito aos direitos fundamentais comprometem outros direitos, como o direito à saúde, uma vez que o sujeito ou grupo vítima dessa discriminação e violência muitas vezes são acometidos por sofrimentos psíquicos, abuso de álcool e outras drogas, incluindo as lícitas, como cigarros e medicamentos antidepressivos.

Em se tratando de saúde, cabe mencionar que assim como o histórico de luta e resistência do movimento homossexual, os primeiros discursos sobre os direitos sexuais, associaram-se à epidemia da AIDS, quando era preciso pôr em voga assuntos tabu em nossa sociedade. E os direitos sexuais dizem respeito ao acesso à informação, a atenção do serviço público, às práticas de saúde etc.

Outra pauta dos direitos humanos de LGBT é a violência vivida no cotidiano, a qual cerceia a liberdade e a dignidade humana. Vivemos hoje uma realidade triste para a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) no Brasil e no mundo. Suicídios de jovens, punição e até pena de morte em algumas nações, assassinatos etc. No cenário brasileiro, notamos o alto índice de violência direcionada a outrem, motivada pela homofobia.

Convém insistir num ponto: não se tratam esses assassinatos de crimes comuns, fruto de assalto ou bala perdida, nem de "crimes passionais" como as páginas policiais costumam noticiar. São crimes de ódio, em que a condição homossexual da vítima foi determinante no modus operandi do agressor. Portanto, "crime homofóbico", motivado pela ideologia preconceituosa dominante em nossa sociedade machista, que vê e trata o homossexual como presa frágil, efeminado, medroso, incapaz de reagir ou contar com o apoio social quando agredido. Tais crimes são caracterizados por altas doses de manifestação de ódio: muitos golpes, utilização de vários instrumentos mortíferos, tortura prévia. Em nosso país, vergonhosamente, a homofobia tem inspiração e se legitima no próprio discurso oficial de personalidades de grande destaque institucional na elite brasileira. Que o leitor faça seu próprio julgamento dessas abomináveis declarações de ódio, desprezo e estímulo à violência anti-homossexual registradas em plena virada do terceiro milênio: seus autores também são responsáveis por tais crimes (MOTT, 2006, p. 514).

As ponderações de Mott (2006) dizem respeito a uma desvalorização/desqualificação social e moral dos sujeitos homossexuais. Exemplos disso são os discursos de líderes religiosos fundamentalistas que julgam tais indivíduos como impuros, pecadores, degenerados etc.

Segundo o Grupo Gay da Bahia - GBB, o número de assassinatos de homossexuais aumentou 27% no Brasil neste ano que passou. De acordo com o levantamento, foram 338 assassinatos motivados por homofobia em 2012, respondendo a 44% do total de execuções em todo o mundo, conferindo ao Brasil o título de país em que mais homossexuais são assassinados. Isso quer dizer que, quase todos os dias, um homossexual é morto em nosso país devido à intolerância e ao ódio.

Dessa população, segundo o GGB, as principais vítimas são travestis e transexuais. Mesmo sendo os Estados Unidos um país mais populoso que o Brasil, em 2011, foram 15 assassinatos de travestis em terras norte-americanas, ao passo que registramos 128 execuções de pessoas trans nas regiões brasileiras. Atesta-se ainda que o nordeste é a região mais violenta do país.

Em se tratando de violência, cabe mencionar que muitos casos nem são registrados, devido a um silenciamento dos sujeitos violentados, seja pelas represálias sociais, seja por suas subjetividades em optar por não fazer as denúncias, também influenciadas pelos contextos que as cercam. Além disso, há os casos de suicídio, estes dificilmente são expressos em números. O relatório do GGB aponta que suicidas homossexuais também são considerados vítimas da homofobia, uma vez que o suicídio é consequência da baixa autoestima, de bullying etc. No documento, encontramos que 44% desses mortos tinham menos de 30 anos e 8% mais de 50.

Outro levantamento é o da Secretaria de Direitos humanos da Presidência da República (SDH-PR), iniciativa pioneira na América Latina, em que o governo federal divulga dados oficiais da homofobia no país, a partir de denúncias feitas junto ao poder público, através dos disque-denúncias. Segundo Calaf, Bernardes e Rocha (organizadores), as informações levantadas apontam para urgência em lidar com questões graves em nossa sociedade.

O relatório organizado pela SDH-PR mostrou alguns números referentes à homofobia em 2011. Ainda que consideremos a subnotificação devido aos entraves que limitam as denúncias, cabe destacar os altos números que revelam um cenário de grave violência homofóbica: foram denunciadas 6.809 violações de direitos humanos contra LGBT, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. Foram mais de 18 denúncias por dia de violação dos direitos humanos de cunho homofóbico em 2011. Os estados com maior incidência foram São Paulo (1.110), Minas Gerais (563), Rio de Janeiro (518), Ceará (476) e Bahia (468). Contudo, se relativizado pela população de cada localidade, destacam-se o Piauí e o Distrito Federal como as unidades federativas com maior índice de denúncias homofóbicas. Quanto aos locais de ocorrência das agressões destacam-se as violações em casa (42,0%) e na rua (30,8%), seguidas das ocorridas em instituições governamentais (5,5%) e locais de trabalho (4,6%). Quanto à faixa etária dos relatores, 47,1% tinham entre 15 e 29 anos. Com relação aos principais tipos de violação, 42,5% dos casos registrados foram de violência psicológica; 22,5% de discriminação; e 15,9% violência física.

Em se tratando do sexo biológico, o levantamento atesta que 67,5% das vítimas se identificaram como sendo do sexo masculino; 26,4% do sexo feminino; e 6,1% não informaram sexo. A respeito de quem pratica a violência, em 61,9% dos casos o agressor é próximo da vítima, um conhecido, em destaque, familiares (38,2%) e vizinhos (35,8%), 29,4% dos agressores são desconhecidos. Com relação ao sexo dos suspeitos e o grau de relacionamento entre vítima/agressor, o levantamento traz informações interessantes. Praticamente equiparam-se os sexos dos suspeitos de agressão, sendo homens 49,6% e mulheres 42,9% dos agressores. Paralelamente a isso, nota-se que um maior índice de agressão por conhecidos é realizado por mulheres, ao passo que as agressões de desconhecidos são mais exercidas pelos homens. Isso nos remete as construções sociais de gênero, em que se institui à mulher a responsabilidade pelo privado e ao homem o público.

Tais dados da homofobia no Brasil, revelados pelo Grupo Gay da Bahia e pela Secretaria de Direitos humanos da Presidência da República, mostram um pouco da realidade opressora da qual a população LGBT é vítima. Os números trazem em seu bojo como temos tratado dos direitos humanos no Brasil. Ainda que se reconheçam os avanços através de políticas e programas do executivo ou de ações do judiciário, o cenário não nos parece alinhado aos direitos humanos, desde o cumprimento de parâmetros internacionais - como os princípios de Yogyakarta - ao atendimento das especificidades de grupos minoritários, o qual, num sistema democrático, deve ser considerado.

 

A homofobia para participantes das paradas LGBT de São Paulo e Campinas e as narrativas psicopolíticas

Questionados sobre a homofobia e como a compreendem, os participantes das paradas do orgulho LGBT de São Paulo e de Campinas marcaram, entre as opções expostas na questão, os termos compreendidos no significado da palavra. "Para você homofobia é (...)".

 

Gráfico 1

 

Notemos que há um conjunto de elementos ao se significar a homofobia entre os participantes das paradas de São Paulo e Campinas, ficando evidente a relação que estabelecem com outras palavras, como preconceito (75%), que diz de um pré-julgamento carregado de estereótipos e valores morais. Para Crochik (1995), o preconceito estrutura-se a partir de conflitos internos e externos do indivíduo, sendo que cada qual expressa o preconceito conforme sua particularidade, ainda que os estereótipos sejam produtos de uma cultura. Assim, notemos que a homofobia, o preconceito e os estigmas, dizem de um constructo social. Somado a essa leitura, 13% pensam homofobia como estereótipo.

Ainda que apenas 15% dos respondentes tenham apontado a homofobia como injúria, outros termos escolhidos pelos participantes - como uma forma de controle social (12%); uma forma de dominação (11%); uma forma de discriminação (29%); uma forma de violência psicológica (22%); uma forma de violência simbólica (15%) e uma forma de defesa da sociedade (8%) - compreendem-na como elemento psicopolítico que opera nas relações sociais. A injúria é a desvalorização moral dos sujeitos que se pretende deixar na subalternidade e isso acontece quando estes indivíduos e coletivos já estão desqualificados socialmente, como nos revelam Mott (2006) e os dados do GBB e da SDH-PR registrados acima.

A homofobia também é compreendida como medo dos iguais (16%); como medo dos diferentes (34%); como aversão (18%) e como transtorno mental (21%), entendimentos que associamos ao destino e projeto de vida socioindividual, em que nos deparamos com a indiferença ao Outro e, por conseguinte, a si mesmo, como Costa (1997) nos fala, ao tratar da relação entre as classes dirigentes brasileiras e os marginalizados. Como já mencionamos anteriormente, a homofobia não é incoerente com o que a produz, sendo compreensível o medo dos iguais e dos diferentes, uma vez que os sujeitos são educados para um projeto e destino individual. Não se tolera o diferente, nem sequer o igual, que também é significado por aquele que difere. Nesse ínterim, a lógica é que a culpa recaia sobre sujeito e não sobre o social, daí o comprometimento da saúde mental, posta como transtorno exclusivo do indivíduo. 25% dos respondentes apontam a homofobia como violência física e 27% como ódio.

Além disso, 32% marcaram a homofobia como um crime; 33% como um ato de ignorância; 3% atribuem outro significado e do total de questionários válidos, 1,5% não souberam ou não quiseram responder.

Quanto ao tipo de agressão sofrida por conta da sexualidade, os participantes pontuaram:

 

Gráfico 2

 

Quanto ao tipo de agressão sofrida devido à sexualidade, 1,7% marcaram violência institucional; 1,3% responderam chantagem ou extorsão; 0,4% violência sexual; 0,4% Boa noite Cinderela; 28,1% agressão verbal ou ameaça de agressão; 2% agressão física; 17% apontaram ter sido vítima de mais de um tipo de agressão e 1,3% pontuaram outro tipo de agressão entre as pontuadas. Observemos que o tipo de violência mais vivenciada pelos participantes é a agressão verbal e ameaça de agressão, o que evidencia a injúria como um dos principais elementos da homofobia. Injúria esta, que se sustenta como uma violência psicológica e uma forma de ofensa pela dominação; pelo controle social e pela defesa individual, tal como temos pontuado como uma indiferença com o Outro. Tal dado alinha-se aos números da Secretaria de Direitos humanos da Presidência da República (SDH-PR), os quais mostram que 42,5% dos casos de violação registrados foram de violência psicológica e 22,5% de discriminação. A baixa notificação de violação física pela SDH-PR (15,9%) e a baixa porcentagem desse tipo de violência expressa pelos participantes desse estudo, pode trazer à baila uma das narrativas da homofobia, a de que ela não existe, uma vez que a violência verbal muitas vezes não é entendida como tal, sendo justificada por outros fins, ocultando a discriminação sexual em nome, por exemplo, da liberdade religiosa. E o material distribuído na Jornada Mundial da Juventude - manual de bioética para juventude - representa um tipo de discurso que pretende instituir parâmetros ético-morais e, certamente, políticos e de controle, que revelam uma violência simbólica.

 

 

Notemos como o tipo de violência sofrida relaciona-se com a categoria sexual auto atribuída. Entre gays e bissexuais, destaca-se a agressão verbal e ameaça de agressão, entre travestis e transexuais mais de um tipo de agressão. Entre as lésbicas, observamos que se equilibra o número de agressão verbal e ameaça de agressão com os casos de não agressão. Entre os heterossexuais e aqueles que apontam outra categoria sexual, a maioria não sofreu agressão. Os(as) entendidos(as) marcam em proporções semelhantes mais de um tipo de violência, violência verbal e ameaça de agressão e que não sofreram violência.

Pontuados os tipos de agressão, convém nos atentarmos ao âmbito em que são realizadas denúncias, quando executadas.

 

Gráfico 4

 

As denúncias dessas agressões foram direcionadas à polícia/delegacia/190/disque-denúncia (7,2%); à defensoria homossexual (1,1%); a ONGs (0,9%); a amigos/familiares (11,8%); a outros (1,1%) e 5,2% dos respondentes marcaram terem feito o relato em mais de uma alternativa dessas apresentadas. O que nos salta aos olhos é a baixa incidência de denúncias em instituições especializadas de proteção e registro dos casos de violência direcionada a LGBT, o que deduzimos dever-se senão à invisibilidade desses equipamentos públicos, à sua escassez, pelo menos pelo fato de tais espaços, institucionais, ainda representarem locais opressivos de silenciamento. Convém mencionar que, do total de questionários válidos, 21,4% dos respondentes não denunciaram seus violadores e os fatos.

Outro aspecto a ser analisado em nossas inferências sobre a homofobia é como ela se associa à religiosidade, uma vez que, amiúde, discursos religiosos são conservadores, fundamentalistas e homofóbicos. Questionamos por que os participantes das paradas LGBT de São Paulo e Campinas não frequentam uma religião, quando alegam não o fazerem. Apresentamos, a seguir, os motivos que os respondentes apontaram para isso.

 

Gráfico 5

 

Destacamos aqui quando os respondentes apontam uma causa em específico para não participar de alguma religião, 9,6% dos participantes de São Paulo e Campinas ponderaram que não possuem uma religião devido à sexualidade; 6,8% devido à orientação sexual; 9,2% devido ao conservadorismo da religião e 13,7% por estar desmotivado com a instituição Igreja. Tais fatores são compreendidos nas narrativas da homofobia, pois dizem de uma discriminação e negação das sexualidades desviantes, tratando-as como anormais, da heterossexualidade obrigatória e compulsória ou dizem de instituições fundamentalistas, que afirmam a opressão e dominação de sujeitos sob a prerrogativa de valores morais e éticos. Além disso, 4,6% dos respondentes justificam não participar por desacreditar em Deus; 19,8% por falta de tempo; 13,1% por outro motivo e 4,6% marcaram mais de uma causa.

 

Gráfico 6

 

No gráfico que relacionamos os motivos pelos quais não frequentam uma religião e as categorias sexuais auto atribuídas, podemos notar que a sexualidade e a orientação sexual aparecem como determinantes entre entendidos(as), travestis, bissexuais, lésbicas e gays: todos grupos sexuais que não se encaixam no modelo da heterossexualidade obrigatória/compulsória. Já os heterossexuais, os transexuais e aqueles que apontaram compor outra categoria sexual, não pontuaram tais fatores como determinantes para não participarem de alguma religião. Exceto entre os transexuais, o conservadorismo da religião e a desmotivação com a instituição Igreja aparecem como motivos em todas as categorias sexuais. Em todas elas, notamos que a falta de tempo influencia na participação e, sem contar os travestis, outro motivo não mencionado é apontado por todos os grupos.

Uma vez pontuados os significados atribuídos à homofobia pelos participantes das paradas de São Paulo e Campinas; os tipos de agressão das quais são acometidos; onde e para quem denunciam e como relacionam a religiosidade à sexualidade, julgamos necessário apontar como os respondentes reconhecem um projeto de lei de 2006 que criminaliza qualquer prática, indução e incitação da homofobia.

 

Gráfico 7

 

 

Gráfico 8

 

Quanto ao PL 122/2006, 64,9% dos respondentes são a favor do PL; 8,9% são parcialmente a favor e 7% são contra. 19,2% não souberam ou não quiseram responder. Convém lembrar que, como já pontuamos acima, 32% entende a homofobia como um crime. Observando como as categorias sexuais respondem ao PL 122, não percebemos muita distinção entre os grupos na percepção que têm do projeto de lei. Exceto os(as) entendidos(as), em todas as demais categorias a maioria é a favor, sendo justamente entre os entendidos(as) que se concentra o maior número de respondentes, em proporção, contra o projeto de lei. 54,7% dos heterossexuais são favoráveis; 10,5% deles são parcialmente a favor; 9,3% são contra e 25,6% não sabe ou não quiseram responder. Ao passo que as demais categorias sexuais unidas representam 67,3% a favor, 8,6% parcialmente a favor, 6,4% contra e 17,7% não sabe ou não quiseram responder.

O PL supracitado vai de encontro às narrativas da homofobia, uma vez que institui o que socialmente se convenciona ser violência homofóbica, disposta no documento como qualquer forma de prática, indução e incitação a homofobia. Em suma, além de se estabelecer do que se trata, considera como um dado do cotidiano, contestando os discursos de que a violência dirigida a LGBT não existe em muitas práticas e hábitos culturalmente cristalizados em nossa sociedade. Logo, mostrar-se a favor da criminalização dessa homofobia que vislumbramos de diversos tipos e manifestações, é reconhecer as injustiças, de forma a construir uma consciência coletiva, como temos falado:

(...) os sentimentos e injustiça são uma oportunidade de ressignificar as memórias dolorosas de sujeitos e grupos, ao mesmo tempo em que tais memórias coletivas podem tornar-se memórias políticas que atuam positivamente, que impulsionam a vontade de agir coletivamente e na produção da consciência política, seja ela individual e coletiva (SILVA, 2008, p. 468).

Assim, a aprovação de um projeto de lei que criminaliza a homofobia, além de deliberar sobre um trato social da violência, é uma forma de fazer frente a todas as narrativas da homofobia.

 

Considerações finais

Posto que a homofobia é entendida a partir de diversos termos e significados, consideramos que sua compreensão relaciona-se à subjetividade e à experiência de cada um. Algo em comum, contudo, aproxima os sentidos atribuídos, nas palavras escolhidas pelos respondentes. A injúria, traço psicopolítico da relação estabelecida entre vítimas e algozes, opressores e oprimidos, dominadores e dominados, expressa uma série de práticas entre sujeitos, seja o controle, a defesa, a dominação e a manutenção de um ego modelo.

Os tipos de agressão com as quais os respondentes são acometidos revelam como as narrativas da homofobia operam sobre os sujeitos, em que, na maior parte dos casos, a agressão verbal ou simplesmente a ameaça de agressão são as principais formas de violência, ambas sendo formas de exercício do poder embutidas em práticas discursivas.

O âmbito em que denunciam e aquele a quem dirigem dita denúncia revelam o silenciamento da homofobia. Além de parecerem escassos os equipamentos públicos e instituições especializadas em denúncia e proteção, as vítimas têm preferido não tornar pública a agressão, pelo menos não em entidades específicas para tanto e optam, preferencialmente, por falar com amigos e familiares. Assim, mesmo já sendo alarmantes os números da homofobia apresentados pelo GGB e pela SDH-PR, ponderamos a subnotificação dos casos. Tendo em vista o alto índice de violência direcionada a LGBT, verificamos a alta aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia, PL122/2006, inclusive entre heterossexuais participantes das paradas de São Paulo e Campinas.

Consideramos a sexualidade e a religião elementos indissociáveis, ainda que os sujeitos não participem de qualquer coletivo religioso ou igreja, pois tanto a religião quanto a sexualidade são atravessadas por valores morais construídos coletiva e socialmente a partir de ideologias e crenças, inclusive religiosas. Essas podem estar carregadas de fundamentalismo, como vimos no material entregue durante a JMJ. Assim, entendemos por que sexualidade, orientação sexual e o conservadorismo da religião se tornam elementos determinantes para os participantes não frequentarem um culto, cerimônia, encontro religioso etc.

Os significados atribuídos à homofobia, as formas como os sujeitos lidam com a homofobia e como se relacionam com valores e crenças, mostram como as narrativas psicopolíticas da homofobia operam sobre sujeitos, coletivos e instituições e são campos de exercício do poder.

 

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Recebido em: 15/10/2014
Aprovado em: 03/03/2015