SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número2Procedimento de Resposta de Observação e Comportamento de Observação índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.6 no.2 São Paulo  2015

https://doi.org/10.18761/pac.2015.020 

ARTIGO

DOI: 10.18761/pac.2015.020

 

"O Espião": uma perspectiva analítico comportamental do desenvolvimento de jogos educativos de tabuleiro

 

"O Espião": a behavior-analytic perspective on the design of educational board games

 

"O Espião": una perspectiva de la analisis de la conducta do diseño de juegos educativos de mesa

 

 

Izadora Ribeiro Perkoski; Silvia Regina de Souza

Universidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apesar do crescente uso de jogos para o ensino, falta embasamento teórico e empírico para seu desenvolvimento e avaliação. Uma das possibilidades para compreender o uso de jogos como ferramenta de ensino é enquadrar seu estudo e desenvolvimento em uma teoria da aprendizagem coerente. O presente artigo tem como objetivo sistematizar um procedimento que foi utilizado para o desenvolvimento de um jogo de tabuleiro para ensinar a crianças comportamentos relacionados à prevenção do bullying. O referido jogo foi construído a partir de uma visão analítico-comportamental e utilizou o procedimento iterativo de design. Para tanto, é realizada uma apresentação e discussão das principais características dos jogos educativos, do conceito de aprendizagem da Análise do Comportamento, dos princípios da programação de ensino e de suas possíveis aplicações no desenvolvimento desses jogos. Em seguida, será descrito o jogo "O Espião" em suas características, seus objetivos e processo de desenvolvimento pelo procedimento iterativo de design de jogos. Devido à relevância social da criação de tecnologias com enfoque analítico-comportamental, espera-se que o presente estudo contribua para a apresentação do procedimento de design iterativo como uma opção coerente para o trabalho do analista do comportamento no desenvolvimento de jogos educativos

Palavras-chave: jogos educativos, game design, desenvolvimento de jogos, Análise do Comportamento


ABSTRACT

Despite the growing use of games in education, there is a gap in theoretical and empirical basis for its development and evaluation. One possibility to understand the use of games as a teaching tool is to frame their study and development in a coherent learning theory. This article aims to systematize the development of educational games by behavior analysts through the presentation of a board game, built from a behavior-analytic view and using the iterative process of design, aming to teach children behaviors related to bullying prevention. The most relevant features of educational games are presented. Then the principles of learning from a behavior analytic perspective, the principles of teaching programming and its possible applications in the development of educational games are discussed. Finally, the game "O Espião" is described in its features, its goals and development process by the iterative process of game design. Due to the social relevance of creating technologies with a behavior-analytic approach, it is expected that this study will contribute to the presentation of iterative design methodology as a coherent option for the behavior analyst to work developing educational games.

Keywords: educational games, game design, Behavior Analysis.


RESUMEN

A pesar del creciente uso de juegos en la educación, carecen de base teórica y empírica para su desarollo y evaluación. Una posibilidad de entender el uso de juegos como herramienta de enseñanza es enmarcar su estudio y el desarrollo de una teoría del aprendizaje coherente. Este artículo tiene como objetivo sistematizar un procedimiento para el desarrollo de juegos educativos para los analistas del comportamiento con la presentación de un juego de mesa, construido a partir de una visión analitico-comportamental y mediante el proceso iterativo de design, para enseñar a los niños comportamientos relacionados a la prevención de la intimidación. Para ello, una presentación y discusión de las principales características de los juegos educativos se llevan a cabo, el concepto de aprendizaje conductual, de los principios de la programación educativa y sus posibles aplicaciones en el desarrollo de estos juegos. Siguiente se describirá el juego "O Espião" en sus características, sus objetivos y su desarrollo por el proceso iterativo de design. Debido a la relevancia social de la creación de tecnologías con enfoque analítico conductual, se espera que este estudio contribuya para la presentación de una metodología coherente para el trabajo del analista de la conducta en el desarrollo de juegos educativos.

Palabras-clave: juegos educativos, game design, Análisis de la Conducta.


 

 

Os jogos são parte integrante das culturas humanas e têm sido objeto de estudo para as mais diversas áreas, como Filosofia (Huizinga, 1949; Suits, 2005), Sociologia (Caillois, 1990), Educação (Brougére, 1998) e Psicologia (Piaget, 1971). Salen e Zimmerman (2012) definem jogo como um sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido por regras, que implica em um resultado quantificável. Tal definição pode se aplicar tanto a jogos digitais quanto a jogos analógicos (jogos de interpretação de personagens, tabuleiros ou cartas). Os jogos educativos, por sua vez, são aqueles que possuem objetivo didático explícito, criados ou adaptados para o uso em contextos formais e informais de ensino e utilizados para melhorar, apoiar ou promover processos de aprendizagem (Panosso, Haydu, & Souza, 2015).

Os jogos de tabuleiro passam por um momento de ascensão no mercado de entretenimento, com convenções anuais de jogadores e desenvolvedores, como a Essen Internationale Spieltage, que chega a reunir mais de cem mil pessoas para apresentar e discutir as novidades da indústria (Batty, 2007). Esse modelo de jogo é vantajoso por incentivar a interação social presencial entre os jogadores e por representar uma mídia acessível para desenvolvedores e consumidores, permitindo uma enorme variedade de modelos e ferramentas no seu desenvolvimento (Dean, 2012).

Buscando apresentar uma proposta para o desenvolvimento de jogos educativos por analistas do comportamento, o presente trabalho apresentará um jogo de tabuleiro, construído a partir de uma visão analítico-comportamental e utilizando o procedimento iterativo de design, para ensinar a crianças comportamentos relacionados à prevenção do bullying. Serão discutidos, também, estudos sobre aprendizagem baseada em jogos, o conceito de aprendizagem da Análise do Comportamento, os princípios da programação de ensino e suas possíveis aplicações no desenvolvimento de jogos educativos. Por fim, será descrito o jogo "O Espião" em suas características, seus objetivos e processo de desenvolvimento pelo procedimento iterativo de design de jogos.

 

O uso de jogos para o ensino

Os jogos educativos têm, como características básicas: a motivação e o engajamento, ainda que não sejam necessariamente divertidos; a exigência de que os aprendizes participem ativamente das situações de ensino; a presença de objetivos claros e definidos no jogo com os conteúdos acadêmicos mesclados à narrativa; o uso de cenários que reflitam a experiência no mundo real; a liberdade para interagir no jogo por meio de um conjunto de ações definidas; o fornecimento de feedback claramente definido para toda ação tomada; a possibilidade de juntar lição e avaliação de aprendizagem no mesmo material educativo; a evolução no ritmo do aprendiz e a possibilidade de uso desses materiais em larga escala (Connoly, Stansfield, & Boyle, 2009).

A definição de jogo educativo está, principalmente, ligada às suas aplicações para o ensino (Connoly et al., 2009) e, por isso, pode englobar tanto jogos comerciais quanto jogos adaptados ou desenvolvidos especificamente com objetivos educacionais. Um exemplo de jogo comercial utilizado como ferramenta educativa é o Civilization III (Firaxis, 2001), um jogo digital adaptado de um jogo de tabuleiro em que o objetivo do jogador é construir um império em algum contexto da história mundial a partir do ano 4.000 antes de Cristo. O jogo permite simular a construção de cidades, exércitos, pesquisas tecnológicas, agricultura e relações diplomáticas. Seu uso no ensino de História e Geografia tem sido relatado na literatura (Lee & Probert, 2010; Squire, 2004).

Entre os jogos desenvolvidos com objetivos educacionais, pode-se citar o trabalho de Kahazâl et al. (2013) e Bowers (2011). Kahazâl et al. (2013) avaliou os efeitos de um jogo de tabuleiro sobre o comportamento de fumantes. O jogo desenvolvido pelos autores consistia em perguntas, divididas em nove categorias, sobre o comportamento de fumar dos jogadores e conhecimentos sobre as consequências do fumo, bem como do processo e mecanismos de mudança de tal comportamento. O jogador avançava no tabuleiro e obtinha pontos pelas respostas corretas, que mais tarde eram trocados pelo avanço ao cair nas "casas de tentação". Cartas surpresa que permitiam que os participantes bloqueassem ou ajudassem outro jogador durante a partida também estiveram presentes. O tabuleiro foi construído de modo a permitir que os jogadores escolhessem caminhos mais longos e com menos casas de tentação (i.e., seguros) ou mais curtos e com mais casas de tentação (i.e., inseguros). Os efeitos do jogo foram avaliados por meio de um estudo randomizado controlado, com delineamento de grupos, no qual foram comparados os efeitos da utilização do jogo para um grupo, sessões de psicoeducação para outro e um grupo controle de lista de espera. Os hábitos de fumo e a inclinação a interromper o uso de nicotina foram avaliados por meio de pré e pós-teste, questionários e do autorrelato dos participantes. Os resultados sugeriram que, em comparação com a psicoeducação e a fila de espera, o jogo de tabuleiro pode ser uma opção de intervenção útil tanto para fumantes que pretendem parar quanto para os que não pretendem, apresentando uma taxa de desistência relativamente baixa e redução do número de cigarros diários entre os participantes. De um ponto de vista qualitativo, os autores relatam que os jogadores pareceram apreciar o jogo, e que este pareceu uma opção para informar os fumantes sobre o tratamento. Por fim, os autores sugerem que sejam construídas e testadas variações do jogo para avaliar sua efetividade e atratividade.

Bowers (2011) apresenta um jogo com o objetivo de ensinar a enfermeiros habilidades de resolução de problemas e tomada de decisão. O tabuleiro do jogo representa um pronto-socorro, e os aparatos de cada espaço são representados por símbolos. Os pacientes que chegam ao pronto socorro, com ferimentos que variam em sua gravidade, causados por uma explosão, são representados por cartas. O jogo deve ser jogado em dois grupos, cada um com um tabuleiro e conjunto de cartas idêntico. Cada grupo deve alocar seus pacientes nos espaços mais adequados do pronto-socorro. Após o primeiro posicionamento das cartas, novos pacientes são apresentados e os jogadores devem reposicionar as cartas de modo a acomodá-los. A avaliação do jogo foi feita qualitativamente, por meio do relato dos estudantes que o utilizaram sobre o que aprenderam e se gostaram do jogo. Os participantes avaliaram o jogo como muito útil e disseram ter gostado da experiência.

Apesar do grande potencial para a utilização de jogos no ensino, diversos autores citam a falta de embasamento teórico e empírico para a utilização e avaliação de jogos educativos (Amory, 2007; Kebritchi & Hirumi, 2008; Connoly et al., 2009; Tan, Goh, Ang, & Huan, 2013). Além do problema da compreensão dos processos de aprendizagem empregados nos jogos educativos, há também uma dificuldade em realizar avaliações eficazes da qualidade da ferramenta. Tan et al. (2013), por exemplo, afirmam que a maioria das avaliações atuais foca nos aspectos de entretenimento do jogo, mais do que em sua eficácia para o aprendizado de conceitos formais importantes. Essas dificuldades estão relacionadas ao fato de que o crescimento da indústria de jogos é muito mais rápido que o das pesquisas sobre seu design e efetividade e há pouca compreensão sobre como aplicar o que sabemos sobre a aprendizagem no ensino mediado por jogos (Kebritchi & Hirumi, 2008). Uma das soluções para essa lacuna na compreensão dos efeitos do uso de jogos na aprendizagem é enquadrar o estudo e desenvolvimento dessas ferramentas em uma teoria da aprendizagem.

A necessidade de uma teoria da aprendizagem para embasar as decisões de criação e avaliação de estratégias educativas é ressaltada na literatura (Cronjé, 2006; Ertmer & Newby, 1993, 2013). Ertmer e Newby (1993), por exemplo, apontam dois papéis principais das teorias da aprendizagem para o desenvolvimento de metodologias de ensino: (a) servir como fonte de táticas e técnicas verificadas cientificamente e (b) servir como fundamentação para a seleção das estratégias mais adequadas ao contexto e objetivo de ensino. Estes autores destacam como as três principais teorias da aprendizagem para o desenvolvimento de metodologias de ensino o Cognitivismo, o Construtivismo e o Behaviorismo.

 

A visão analítico-comportamental de aprendizagem e suas possíveis contribuições para a criação e uso de jogos educativos

Apesar de suas contribuições para a compreensão do comportamento humano (Skinner, 1953/2003) e para o desenvolvimento de tecnologias de ensino (Skinner, 1968/1972; 1984; 1989/2002), a Análisedo Comportamento, campo científico de aplicação da filosofia Behaviorista Radical (Tourinho, 2003), ainda é vista com preconceito, especialmente na área da educação.

A Análise do Comportamento propõe o estudo científico do comportamento (Skinner, 1953/2003), sendo este definido como a interação entre organismo e ambiente (Todorov, 2012). Essas interações são estudadas por meio de unidades de análise chamadas contingências, ou seja, relações funcionais entre estímulos ambientais e respostas (Catania, 1999). Tais relações podem ter caráter respondente, quando um estímulo ambiental elicia uma resposta, ou operante, quando um comportamento é afetado pelos estímulos consequentes de sua ação em um contexto específico.

Para a Análise do Comportamento, "estudar aprendizagem é estudar como o comportamento pode ser modificado" (Catania, 1999; p. 27). Assim, esse campo de estudo lida, principalmente, com mudanças nas relações funcionais entre estímulos antecedentes e respostas, no caso do comportamento respondente, e entre estímulos antecedentes, respostas e estímulos consequentes, no caso do comportamento operante. Para promover essas mudanças são realizadas manipulações nos arranjos das contingências de reforço e estabelecimento de controle por estímulos específicos do ambiente (Skinner, 1968/1972).

Os princípios de aprendizagem da Análise do Comportamento, estudados pela Análise Experimental do Comportamento, são aplicados com o objetivo de desenvolver tecnologias de ensino baseadas em "programar condições para o desenvolvimento de comportamentos e utilizar o que for programado coerentemente com as descobertas feitas no âmbito da Análise Experimental do Comportamento" (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013, p. 485).

Há relações muito próximas entre os jogos educativos e as metodologias de ensino com enfoque analítico-comportamental. Algumas semelhanças são citadas por Linehan, Roche, Lawson, Doughty e Kirman (2009). São elas: a presença de objetivos claros e mensuráveis, a exigência de ocorrência em alta frequência das respostas requeridas para alcançar esses objetivos, o uso de reforçadores específicos para respostas também especificadas, feedback constante quanto à qualidade da performance e planejamento do ritmo de avanço ao longo das fases. Valentim et al. (2013) corroboram essa visão ao destacar a presença de consequências cumulativas e a presença de feedback constante em estratégias de ensino inspiradas em jogos. Linehan et al. (2009) complementam afirmando que, aparentemente, o que mantém o engajamento do jogador são as estratégias comportamentais empregadas. Essa afirmação pode ser relacionada ao conceito de behavior traps (Alber & Heward, 1996): contingências de reforço naturais que, a partir de quatro características principais, são capazes de manter mudanças generalizadas de comportamento. São essas características: a presença de um reforçador bastante poderoso que leve o estudante a "começar" a cadeia comportamental; a necessidade de apenas uma resposta discreta e de fácil performance que faça parte do repertório do estudante para iniciar a cadeia; a presença de contingências de reforço inter-relacionadas que levem o estudante a alcançar e manter as mudanças e, por fim, que as contingências mantenham seus efeitos por longo tempo com o estudante mostrando poucos efeitos de saciação. Essas quatro características são facilmente identificadas em diversos jogos.

Skinner (1984) demonstra preocupação ao apontar para o baixo aproveitamento do tempo e inexistência de planejamento de consequências reforçadoras no ensino e sugere o uso das "máquinas de ensinar" como uma possível solução para o sistema educacional. As máquinas de ensinar são descritas por Skinner (1972) como aparelhos que apresentam um material "cuidadosamente planejado, no qual cada problema dependerá da resposta ao anterior e onde, por isso, é possível fazer progresso contínuo até a aquisição de um repertório complexo" (p.23). É interessante notar que, assim como nas máquinas de ensinar, a preocupação com o ritmo de avanço, com o planejamento tanto dos objetivos quanto das contingências a serem programadas estão presentes nos jogos educativos, e que autores do game design propõem que os jogos sejam adotados como alternativas no sistema educacional (McGonigal, 2012; Prensky, 2001).

Apesar disso, a maioria dos jogos educacionais enfatiza pesadamente o conteúdo a ser ensinado, negligenciando os aspectos motivacionais e de engajamento (Linehan et al., 2009; Nicholson, 2011).

É importante que tais aspectos sejam mesclados de maneira efetiva, já que os jogos parecem ser mais bem-sucedidos tanto nos quesitos motivacionais quanto educacionais quando o que se pretende ensinar é parte do que o jogador faz durante o jogo (Linehan et al., 2009). Por exemplo, em vez de utilizarem-se jogos no estilo perguntas-e-respostas, programam-se situações para que as habilidades que se pretende ensinar sejam, de fato, aplicadas.

O desenvolvimento de jogos educativos pode ser visto como uma ferramenta adicional para a programação de ensino. Seu objetivo final não é apenas criar um jogo, mas criar um ambiente de ensino em concordância com princípios de aprendizagem em todas as suas dimensões, inclusive do ponto de vista motivacional, em que jogos costumam mostrar um bom desempenho (Connoly et al., 2009). Como sugeriu Skinner (1984):

"É característico da espécie humana que a ação bem sucedida seja automaticamente reforçada. A fascinação dos jogos eletrônicos é uma evidência adequada. O que os industrialistas não dariam para verem seus funcionários tão envolvidos no trabalho quanto os jovens em um jogo eletrônico? O que os professores não dariam para verem seus alunos tão aplicados e com a mesma avidez? (Ou, para esse assunto, o que qualquer um de nós não daria para nos vermos igualmente apaixonados por nosso trabalho?) Mas não há mistério: é tudo uma questão do planejamento de reforços" (p. 952)

 

O design de jogos educativos como planejamento de contingências para o ensino de novos comportamentos

São raras as publicações em Análise do Comportamento que tratam, especificamente, do uso de jogos educativos como ferramentas de ensino e principalmente dos procedimentos de desenvolvimento de tais ferramentas. Ainda que a Análise do Comportamento possa contribuir amplamente com a compreensão dos processos de aprendizagem envolvidos no ensino de novos comportamentos, bem como com os procedimentos de programação de ensino, os jogos possuem, enquanto tecnologia, determinadas peculiaridades que exigem atenção do analista do comportamento ao utilizá-los. Skinner (1972) ressalta: "muito do que a criança deve fazer na escola não tem a forma de um jogo ou de um brinquedo, com suas consequências naturalmente reforçadoras" (p.23). Bruckman (1999), por sua vez, alerta: mesmo alguns jogos educativos falham na manutenção do engajamento do jogador e são chamados "brócolis com chocolate": jogos que não são nem tão gostosos ou divertidos quanto chocolate, nem tão bons para o aprendiz quanto o brócolis.

As características motivacionais do jogo estão, segundo Salen e Zimmerman (2012), relacionadas à criação de "interações lúdicas significativas"1 entre jogadores e/ou entre um jogador e o jogo (Fullerton, 2008; Salen & Zimmerman, 2012). Para os analistas do comportamento, "interação lúdica significativa" pode ser entendida como uma maneira de falar sobre o comportamento do jogador. Assim, a maneira como o jogador interage com o jogo é resultado do trabalho do designer, cuja função é a de programar contingências de reforço que aumentem a probabilidade de comportamentos como, por exemplo, o de interagir em uma comunidade virtual, sentimento de imersão no jogo, entre outros. Ao construir um jogo educativo, é necessário conhecer, além dos processos de aprendizagem descritos pela Análise do Comportamento, as particularidades do jogo e os elementos que os diferenciam de outros tipos de material instrucional, bem como ser capaz de organizar esses elementos de forma a favorecer a aprendizagem e a interação lúdica significativa. A Figura 1 apresenta um esquema das três fases do desenvolvimento de um jogo educativo, e ela é seguida pela explicação de cada uma dessas fases.

 

 

Definir quais comportamentos (ou experiências e interações) o designer pretende aumentar em probabilidade é uma das decisões iniciais para o desenvolvimento de qualquer jogo; em seguida, deve-se perguntar que tipos de contingências seriam capazes de evocar tais comportamentos e só então se inicia o planejamento do processo de design, ou seja, a organização dos elementos formais do jogo como o enredo, a mecânica, a estética e a tecnologia de forma a criar um produto – o jogo.

Um dos procedimentos mais largamente adotado para o desenvolvimento de jogos comerciais é chamada de design iterativo (Fullerton, 2008; Salen & Zimmerman, 2012; Zimmerman, 2003). "Iterar" significa, literalmente, repetir. Nesse procedimento, a criação de protótipos funcionais, ou seja, que possam ser jogados, é feita tão precocemente quanto possível, sendo as decisões seguintes baseadas no desempenho de tal protótipo em partidas-teste (essa fase do processo é chamada playtest). Dados sobre o desempenho do jogo são coletados durante as partidas de playtesting com a utilização de questionários direcionados aos jogadores e observação direta de seus comportamentos.

A principal vantagem de utilizar um procedimento iterativo de design é a economia de tempo e recursos, já que mudanças podem ser feitas precocemente no projeto (Zimmermann, 2003). Além disso, o design iterativo permite a coleta de dados sobre os comportamentos do jogador – e do funcionamento do jogo – que podem ser difíceis de prever. Os primeiros protótipos podem ser bastante rudimentares e os testes podem começar utilizando, por exemplo, membros da equipe, para fins de ajustes no funcionamento do jogo, e irem se estendendo para outros tipos de jogadores conforme a evolução do projeto, até que se tenha um protótipo que finalmente possa ser testado pelo público alvo (Fullerton, 2008). Da perspectiva analítico-comportamental, as sessões de teste têm como objetivo levantar informações que possam servir como estímulos adicionais, sob controle dos quais o designer emite respostas que resultam no refinamento do jogo. O processo de construção do jogo ocorre por meio da modelagem do comportamento do designer, no qual os dados coletados durante as sessões de teste servem como estimulação adicional sob controle das quais o designer toma decisões, e as decisões incorporadas ao protótipo são selecionadas por seus efeitos sobre o comportamento dos jogadores.

Além do procedimento iterativo de design, o processo de desenvolvimento de um jogo é também orientado por um modelo teórico que caracteriza os componentes principais dos jogos. O modelo adotado no presente trabalho é o da tétrade elementar de Schell (2008), no qual tais componentes são organizados em Tecnologia, Estética, Enredo e Mecânica. A Tecnologia trata do tipo de mídia que dará suporte ao sistema (e. g., tabuleiro, deck de cartas, um console eletrônico); a Estética refere-se aos elementos do jogo com os quais o jogador entra em contato (e. g., imagens e sons); o Enredo é a história contada e a Mecânica é o conjunto de regras que determina o funcionamento do jogo. Cada um dos elementos da tétrade tem igual importância para a qualidade da experiência criada pelo jogo e, consequentemente, para sua efetividade como ferramenta de ensino (Amory, 2006; Schell, 2008).

 

Jogo "O Espião": Processo de desenvolvimento e Características

O jogo "O Espião" foi desenvolvido a partir de um procedimento iterativo de design. O objetivo geral foi criar uma ferramenta educativa para ensinar a crianças comportamentos relevantes para a identificação e combate de episódios de bullying escolar.

O bullying pode ser definido como um subconjunto de comportamentos agressivos com quatro principais características: intencional, repetitivo, não provocado e envolvendo algum desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima (Lopes Neto, 2005; Olweus, 2001; Swearer, Espelage, & Napolitano, 2009). Tal definição inclui tanto os comportamentos agressivos prontamente observáveis, chamados bullying direto, quanto aqueles menos facilmente detectáveis, chamados bullying indireto. Os episódios de bullying direto caracterizam-se por agressões, físicas ou verbais, direcionadas de maneira explícita à vítima; os episódios de bullying indireto, por sua vez, envolvem, por exemplo, indiferença, isolamento e difamação (Lopes Neto, 2005).

Os modelos explicativos do bullying mostram uma tendência a considerá-lo, assim como os demais tipos de violência, multideterminado, envolvendo tanto os fatores relacionados as habilidades individuais quanto características do ambiente social que contribuem para a manutenção das respostas violentas (Biglan, Carnine, & Flay, 2003; Costa, Williams, & Cia, 2012; Danby & Osvaldsson, 2011; Espelage & Swearer, 2003; Mihalic et al., 2004; Stelko-Pereira & Williams, 2008). Swearer et al. (2009) citam que, se as condições ambientais que permitem que o bullying ocorra forem alteradas, é possível reduzir ou eliminar esses eventos. As intervenções mais bem-sucedidas para lidar com o problema atualmente são aquelas que envolvem o ambiente escolar como um todo, as relações familiares e comunitárias nas quais as crianças estão envolvidas e estratégias focadas em seu repertório individual – estes últimos comumente focados no desenvolvimento de habilidades sociais e as chamadas "life skills" (Mihalic et al., 2004). Os programas mais bem avaliados e que apresentam melhores resultados a partir dos estudos atuais são aqueles de orientação comportamental ou cognitivo-comportamental (Mihalic et al., 2004; Stelko-Pereira & Williams, 2008).

Os programas de treinamento em habilidades sociais geralmente são multifacetados, utilizando modelagem, ensaio comportamental e roleplay, feeedback, reforçamento social e, em alguns casos, punição branda por meio de perda de fichas ou pontos (Mihalic et al., 2004). O relatório do Escritório de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinquência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos aponta dois programas modelo, com foco em otimização de repertório individual de competências sociais: Promoting Alternative Thinking Strategies (PATHS), com foco no ensino de autocontrole, competência social e solução de problemas interpessoais e Life Skills Training (LST), focado em autocontrole, manejo de ansiedade, tomada de decisão e resolução de problemas (Mihalic et al., 2004).

Com base na literatura relacionada ao tema do bullying escolar, foram definidos os objetivos de ensino e a faixa etária para a qual o jogo "O Espião" seria destinado. O jogo foi desenvolvido para crianças de 8 a 11 anos, e tal escolha orientou-se pela necessidade de que os jogadores possuíssem habilidades de leitura com compreensão e pelos dados da literatura, que mostram que o bullying aumenta entre alunos de quinto a oitavo ano (Swearer, et al., 2009).

A definição dos comportamentos-objetivo é um ponto central para as tecnologias de ensino com base analítico-comportamental. Botomé (1977) sugere que os objetivos sejam descritos em termos que especifiquem "o que o aluno deverá ser capaz de fazer" (p.2), da maneira mais específica possível, sem confundir o objetivo com a atividade de aprendizagem a ser realizada. Assim, os comportamentos-objetivo elencados para os jogadores de "O Espião" foram:

1. Descrever bullying como um tipo de agressão ou violência recorrente que ocorre entre pares com disparidade de poder entre agressor e vítima (definição adotada por Lopes Neto [2005] e Olweus [2001]).

2. Reconhecer episódios de bullying.

3. Caracterizar as consequências para o agressor: o isolamento social, o risco de envolvimento em atividades ilegais e a associação com pa-res desviantes (Mount, 2005).

4. Caracterizar as consequências para a vítima: isolamento social, baixo desempenho acadêmico, agressividade e respostas emocionais de tristeza e/ou raiva (Mount, 2005).

5. Descrever formas de lidar, quando vítima, com situações de bullying: pedir ajuda aos pais e/ou professores e/ou solicitar mudança de comportamento.

6. Descrever formas de lidar, quando testemunha, com situações de bullying: apoiar e acolher a vítima e denunciar para os pais e/ou professores.

7. Tomar decisões, de acordo com o contexto, sobre a forma mais adequada de lidar com situações de bullying.

8. Oferecer ajuda e demonstrar interesse e preocupação pelo outro (componentes do repertório de empatia descritos por Del Prette & Del Prette [2005])

9. Fazer e recusar pedidos; lidar com críticas e gozações; defender os próprios direitos e resistir à pressão de colegas (componentes do repertório de assertividade, descritos por Del Prette & Del Prette [2005]).

Em seguida, definiu-se a tecnologia a ser utilizada. Schell (2008) define tecnologia como o elemento da descrição dos jogos que diz respeito aos materiais por meio dos quais a mecânica ocorre, a estética aparece e o enredo é contado. Decidiu-se pela utilização de tabuleiro e cartas tanto pelas restrições de custo e tempo quanto pelo fato de os jogos de tabuleiro apresentarem bons subsídios para uma compreensão dos jogos eletrônicos, apesar de serem modelos simplificados, possibilitando assim um estudo da teoria e do método empregados na construção do jogo. Embora geralmente empreguem uma tecnologia mais simples, a mecânica dos jogos de tabuleiro varia em um amplo espectro de complexidade – desde a mais simples, consistindo no rolamento de dados e avanço de casas, até a mais complexa envolvendo cooperação entre os jogadores e estratégia. A tecnologia tem um papel especial do ponto de vista analítico-comportamental, já que ela determina os meios pelos quais os estímulos antecedentes e consequentes serão apresentados ao jogador.

A mecânica de um jogo, segundo Schell (2008), é constituída pelas regras e procedimentos a serem seguidos pelos jogadores. É especialmente relevante por descrever as contingências em vigor, definindo as condições antecedentes, as respostas que serão reforçadas durante a partida e especificando os tipos de consequência a serem empregadas ao longo da partida e o critério de vitória. Para criar uma mecânica adequada aos objetivos de ensino do presente jogo, empregou-se o avanço por pontuação descrita nas cartas. Essa mudança permite maior controle do número de cartas que serão sorteadas por cada participante, garantindo assim que o jogador não pulará muitas casas a cada rodada. Ao analisar como a mecânica apresentada se relaciona com os objetivos de ensino, percebeu-se a necessidade de não apenas apresentar os conceitos, mas permitir que os jogadores tivessem a oportunidade de tomar decisões e vivenciar suas consequências.

Assim, o jogo foi desenvolvido contendo três tipos de cartas. As cartas de Nível 1 trazem descrições de situações que exemplificam os conceitos a serem ensinados, bem como uma pontuação e um número de casas que o jogador deve avançar ou retroceder.

 

 

As cartas do Nível 2 apresentam um trecho de uma história e o jogador deve escolher, dentre outras cartas, aquela que melhor complete a história. Durante os testes de protótipo, percebeu-se que havia a possibilidade de mais de uma resposta para cada pergunta e, assim, foram definidas diferentespontuações para cada uma das respostas possíveis. Essas pontuações estariam disponíveis para os jogadores em um pequeno manual de respostas.

 

 

As cartas do Nível 3 apresentam uma situação e o jogador deve escolher uma maneira de responder a ela. As respostas nesse nível são apresentadas como diálogos, em que a resposta é dada em primeira pessoa, descrevendo possíveis falas na situação.

 

 

A utilização de pontos como reforçador em estratégias de ensino ou mudança comportamental não é novidade, e seus efeitos são estudados desde os anos 30 (Hackenberg, 2009). Pontos, no contexto dos jogos, são reforçadores condicionados, ou seja, adquirem tal função quando emparelhados a outros estímulos reforçadores condicionados ou incondi-cionados, podendo inclusive adquirir função de reforçador generalizado quando emparelhados com outros reforçadores diversos (Skinner, 1953/2003). Esse tipo de estímulo também pode ser útil quando há uma lacuna grande entre a emissão da resposta e a apresentação do reforçador natural.

As consequências que podem ser apresentadas no jogo não se resumem a reforçadores. Quando o jogador emite uma resposta inadequada, ele pode ser solicitado a não avançar casas (presente nos Níveis 2 e 3), caracterizando situação de extinção dessas respostas, ou pode ser solicitado a voltar casas (presente no Nível 1), caracterizando uma situação de punição. A utilização de punição de baixa magnitude em jogos é citada por Fullerton (2008) como uma possibilidade para construir tensão, o que evoca um maior envolvimento do jogador.

Em relação ao enredo, Schell (2008) o define como a história contada pelo jogo. É um elemento com especial relevância para a criação da interação lúdica, por favorecer a ocorrência de comportamentos de imersão e engajamento no jogo. No jogo "o Espião", optou-se pelo tema investigação. Os jogadores assumem o papel de detetives que precisam descobrir pistas que informam sobre algo que tem acontecido na escola – episódios de bullying – e, a seguir, buscam formas de lidar com o que descobriram. O enredo também orientou decisões quanto à estética do jogo.

A estética envolve os elementos que entram em contato imediato com o jogador, englobando aspectos sensoriais como cores, formas e cheiros, por exemplo (Schell, 2008). Refere-se especificamente às propriedades físicas dos estímulos apresentados ao jogador. No jogo "O Espião" foram atribuídos padrões de cores diferentes a cada grupo de cartas e casas, correspondentes a cada nível do jogo.

A versão atual do jogo contém um tabuleiro, um manual de respostas para os Níveis 1 e 2, e 60 cartas, distribuídas da seguinte forma: 28 cartas para o Nível 1; 11 cartas-pergunta para o Nível 2; 11 cartas-resposta para o Nível 2; 5 cartas-situação para o Nível 3; 5 cartas-resposta para o Nível 3. Cada uma das cartas aborda um dos objetivos listados anteriormente. A Figura 5 apresenta o tabuleiro do jogo.

 

 

Considerações finais

O presente artigo tem como objetivo principal apresentar um procedimento de desenvolvimento de jogos educativos coerente com a filosofia do Behaviorismo Radical e a ciência da Análise do Comportamento. Contudo, neste artigo, descreve-se apenas o início do processo: a fase de delimitação de, planejamento de condições de ensino para alcançar tais objetivos e organização dos elementos do jogo de forma a maximizar as chances de sucesso desse material. A decisão de ater-se a esses aspectos iniciais do desenvolvimento se deve, principalmente, à carência de literatura sobre esse tema com enfoque analítico-comportamental. O jogo "O Espião" serve como exemplificação de como o procedimento aqui descrito pode ser implementado.

É importante ressaltar que, ao contrário do que é tradicionalmente feito nas avaliações de jogos educativos (Kebritchi & Hirumi, 2008), ao criar jogos com base analítico-comportamental, a avaliação deve envolver tanto quanto possível a observação direta das mudanças no comportamento do aprendiz, e adotar delineamentos de sujeito único. Acreditamos que é exatamente aí que reside a mais forte aproximação entre a Análise do Comportamento e o procedimento iterativo já adotado pelos desenvolvedores de jogos: a necessidade de acessar a qualidade do material desde as etapas iniciais do projeto, tendo a avaliação não como um momento à parte da criação, mas como uma etapa fundamental e integrada às outras.

Geralmente, ao se ensinar comportamentos novos em ambiente escolar, as contingências planejadas diferem das contingências naturais em que essa resposta deve ocorrer. Esses arranjos especiais de estímulos antecedentes e consequências para o ensino de uma nova habilidade são chamados contingências instrucionais (Vargas, 2009). Pode ser utilizada como situação antecedente, em uma contingência instrucional, a apresentação de estímulos verbais que descrevem contingências ausentes no momento do ensino – regras – com o objetivo de preparar o aprendiz para contingências de reforço que ele poderá encontrar no futuro (Skinner, 1989). No contexto do jogo "O Espião", o seguimento das regras descritas é consequenciado de maneira imediata e arbitrária, buscando fortalecer esse comportamento, e o não seguimento é consequenciado negativamente. Baum (1999) descreve que o seguimento de regras é mantido tanto por suas consequências arbitrárias e imediatas quanto pelas consequências atrasadas e naturais especificadas na regra.

A apresentação imediata das consequências busca garantir a efetividade na manutenção de comportamentos evocados durante o jogo, caso ocorra um processo de reforçamento e, assim, o alcance dos objetivos de ensino. Além disso, Salen e Zimmerman (2012) afirmam que a "interação lúdica significativa" – objetivo principal do designer de jogos – só surge se houver relação entre as ações do jogador e o desfecho do jogo e se essas relações forem discerníveis e integradas entre cada ação do jogador e seu resultado. Ou seja, além de haver relação de contingência entre a resposta e a consequência para o jogador, essa relação deve ser explicitada durante a partida. Uma das maneiras de assegurar esse feedback claro a respeito dos efeitos da ação dos jogadores é por meio da apresentação de pontos.

Retomando as semelhanças apontadas por Linehan et. al. (2009) entre jogos educativos e estratégias de ensino programado com embasamento analítico comportamental, podemos apontar que o jogo "O Espião" possui a presença de objetivos claros e mensuráveis, já que nos Níveis 2 e 3, a criança deve escolher respostas adequadas para cada uma das situações especificadas, sendo as respostas reforçadas diferencialmente (com diferentes pontuações para cada uma das respostas escolhidas), ou seja, há feedback constante do desempenho do aprendiz. Algumas das opções de resposta do jogo são incompletas, e sua escolha acarreta em menor ganho de pontos. As respostas a serem modeladas ocorrem em alta frequência, já que são exigidas em todas as casas e são pré-requisitos para que o jogador avance e assim o avanço para as próximas casas ocorre no ritmo do aprendiz-jogador.

Apesar de seu alto potencial para uso em contextos educacionais, os jogos também encontram algumas limitações. No caso da prevenção do bullying, esta não depende apenas de habilidades individuais dos alunos para lidar com o fenômeno, mas de uma reorganização do ambiente escolar e mudança de práticas culturais que acabam manten-do não só o bullying, mas também outros tipos de violência escolar. Para que as competências adquiridas com a utilização do jogo sejam generalizadas e os comportamentos desejáveis por ele ensinados se mantenham, é importante que tanto escolas quanto pais estejam preparados para responder de maneira adequada às denúncias.

Conceitos de habilidades sociais também são abordados pelo jogo – especialmente empatia, habilidades de resolução de problemas interpessoais e assertividade. Há estudos que ressaltam a importância dessas habilidades para a prevenção do bullying escolar e correlações negativas entre a presença dessas habilidades e a vitimização e/ou agressão (Caravita & Di Blasio, 2009; Nickerson, Mele, & Princiotta, 2008). Os repertórios de habilidades sociais são extremamente complexos e para que um programa de treino em habilidades sociais seja bem-sucedido, é necessário utilizar situações de ensaios comportamentais e modelagem (Del Prette & Del Prette, 1999). Apesar disso, a utilização de um jogo educativo que aborde esses conceitos fornece a possibilidade de ensinar alguns comportamentos componentes do repertório adequado, como a própria identificação e caracterização do desempenho assertivo e empático em situações de violência escolar.

A utilização de jogos educativos pelos analistas do comportamento é, ainda, pouco explorada, apesar de seus procedimentos serem similares àquelas adotadas pela programação de ensino e da grande possibilidade de aplicação dos princípios da Análise do Comportamento. Devido à relevância social da criação de tecnologias com enfoque analítico-comportamental, espera-se que o presente estudo contribua para a apresentação do procedimento de design iterativo como uma opção coerente para o trabalho do analista do comportamento no desenvolvimento de jogos.

 

Referências

Alber, S. R., & Heward, W. L. (1996). " GOTCHA!" Twenty-five behavior traps guaranteed to extend your students' academic and social skills. Intervention in School and Clinic, 31(5), 285-89.         [ Links ]

Amory, A. (2007). Game object model version II: A theoretical framework for educational game development. Educational Technology Research and Development, 55(1), 51-77.         [ Links ]

Baker, L. B. (2011). Factbox: A look at the $65 billion video games industry. Reuters: UK. Recuperado de: http://uk.reuters.com/article/2011/06/06/us-videogames-factbox-idUKTRE75552I20110606        [ Links ]

Batty, W. (2007). Four days in the center of the board game universe. Gamasutra. Recuperado de: http://www.gamasutra.com/view/feature/2007/four_days_in_the_center_of_the_.php        [ Links ]

Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Biglan, A., Mrazek, P. J., Carnine, D., & Flay, B. R. (2003). The integration of research and practice in the prevention of youth problem behaviors. The American Psychologist, 58 (6-7), 433–440.

Botomé, S. P. (1977). Atividades de ensino e objetivos comportamentais: No que diferem. [manuscrito não publicado]         [ Links ].

Bowers, S. (2011). Making a game of urgent care: Simulation for nursing students. Emergency Nurse, 19(7), 26-27.         [ Links ]

Brougere, G. (1998). Jogo e educação. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Bruckman, A. (1999). Can educational be fun? Trabalho apresentado na 1ª Game developers conference. San Francisco: UBM Tech Network.         [ Links ]

Caillois, R. (1990). Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia.         [ Links ]

Caravita, S. C. S., Di Blasio, P., & Salmivalli, C. (2009). Unique and interactive effects of empathy and social status on involvement in bullying. Social Development, 18(1), 140-163.         [ Links ]

Carvalho, J. E. (2013). Os benefícios das atividades lúdicas para a prevenção do bullying no contexto escolar (Tese de Doutorado). Universidade Do Minho. Braga-POR         [ Links ]

Castronova, E. (2008). Synthetic worlds: The business and culture of online games. Chicago: University of Chicago Press.         [ Links ]

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Connolly, T., Stansfield, M., & Boyle, L. (2009). Games-based learning advancements for multi-sensory human computer interfaces: Techniques and effective practices. New York: Information Science Reference.         [ Links ]

da Costa, C. S. L., Williams, L. C. de A., & Cia, F. (2012). Intervention with Non-Governmental Organization staff: Reducing children's behavior problems. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(3), 411–421. http://doi.org/10.1590/S010279722012000300001

Cronjé, J. (2006). Paradigms regained: Toward integrating objectivism and constructivism in instructional design and the learning sciences. Educational Technology Research and Development, 54(4), 387-416.         [ Links ]

Danby, S., & Osvaldsson, K. (2011). Bullying: The moral and social orders at play. Children & Society, 25, 225-257.         [ Links ]

Dean, P. (2012). Board Games are back. Eurogamer. net. Recuperado de: http://www.eurogamer.net/articles/2012-08-02-board-games-are-back        [ Links ]

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: Teoria e prática. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Del Prette, Z. A., & Del Prette, A. (1999). Psicologia das habilidades sociais: Terapia e educação. Petrópolis: Vozes         [ Links ]

Ertmer, P. A., & Newby, T. J. (1993). Behaviorism, cognitivism, constructivism: Comparing critical features from an instructional design perspective. Performance Improvement Quarterly, 6(4), 50-72.         [ Links ]

Ertmer, P. A., & Newby, T. J. (2013). Article Update: Behaviorism, cognitivism, constructivism: comparing critical features from an instructional design perspective. Performance Improvement Quarterly, 26(2), 43-71.         [ Links ]

Espelage, D. L., & Swearer, S. M. (2003). Research on school bullying and victimization: What have we learned and where do we go from here? School Psychology Review, 32(3), 365–383.

Firaxis Games Inc. (2001). Sid Meier's Civilization III [PC game]. New York: Take-Two Interactive Software.         [ Links ]

Fullerton, T. (2008). Game design workshop: A playcentric approach to creating innovative games. New York: Taylor & Francis US.         [ Links ]

Hackenberg, T. D. (2009). Token reinforcement: A review and analysis. Journal of the experimental analysis of behavior, 91(2), 257-286.         [ Links ]

Huizinga, J. (1949/1971). Homo ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Kebritchi, M., & Hirumi, A. (2008). Examining the pedagogical foundations of modern educational computer games. Computers & Education, 51(4), 1729-1743.         [ Links ]

Khazaal, Y., Chatton, A., Prezzemolo, R., Zebouni, F., Edel, Y., Jacquet, J., Ruggeri, O., Burnens, E., Monney, G., Protti, A. S., Etter, J. F., Khan, F., Cornuz, J., & Zullino, D. (2013). Impact of a board-game approach on current smokers: A randomized controlled trial. Substance Abuse Treatment, Prevention, and Policy, 8(1), 3.         [ Links ]

Kienen, N., Kubo, O. M., & Botomé, S. P. (2013). Ensino programado e programação de condições para o desenvolvimento de comportamentos: Alguns aspectos no desenvolvimento de um campo de atuação do psicólogo. Acta Comportamentalia, 21(4), 481-494.         [ Links ]

Lee, J. K., & Probert, J. (2010). Civilization III and whole-class play in high school social studies. Journal of Social Studies Research, 34(1).         [ Links ]

Linehan, C., Roche, B., Lawson, S., Doughty, M., & Kirman, B. (2009). A behavioural framework for designing educational computer games. Vienna Games Conference: Future and Reality of Gaming.         [ Links ]

Lopes Neto, A. A. (2005). Bullying: Comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, 81(5), 164-172.         [ Links ]

McGonigal, J. (2012). A realidade em jogo: Por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Rio de Janeiro: Bestseller.         [ Links ]

Mihalic, S. F., Irwin, K., Elliott, D., Fagan, A., & Hansen, D. (2001). Blueprints for violence prevention. Washington, DC: US Department of Justice, Office of Justice Programs, Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention        [ Links ]

Mount, G. R. (2005). Bullying: Characteristics, consequences and interventions. Journal of Police Crisis Negotiation, 5(2), 125-129.         [ Links ]

Nicholson, S. (2011). Making Gameplay Matter: Designing Modern Educational Tabletop Games. Knowledge Quest, 40(1), 60-65.         [ Links ]

Nickerson, A. B., Mele, D., & Princiotta, D. (2008). Attachment and empathy as predictors of roles as defenders or outsiders in bullying interactions. Journal of School Psychology, 46, 687-703.         [ Links ]

Olweus, D. (2001). Peer harassment: A critical analysis and some important issues. In uvonen, J., & Graham, S. Peer harassment in school: Theplight of the vulnerable and victimized. New York: Guilford Press.         [ Links ]

Panosso, M. G., Haydu, V. B., Souza, S. R. (2015). Características atribuídas a jogos de tabuleiro educativos: Uma interpretação analítico-comportamental. Revista Brasileira de Psicologia escolar e educacional, 19(2), 233-241        [ Links ]

Piaget, J. (1971). A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Editora Vozes.         [ Links ]

Prensky, M. (2001). Digital natives, digital immigrants part 1. On the Horizon, 9(5), 1-6.         [ Links ]

Rubin-Vaughan, A., Pepler, D., Brown, S., & Craig, W. (2011). Quest for the golden rule an effective social skills promotion and bullying prevention program. Computers & Education, 56, 166-175.         [ Links ]

Salen, K., Zimmerman, E. (2012). Regras do jogo: Fundamentos do design de jogos. São Paulo: Blucher.         [ Links ]

Schell, J. (2008). The art of game design: A book of lenses. New York: Taylor & Francis.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1968/1972). Tecnologia do ensino. São Paulo: Herder.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1984). The shame of American education. American Psychologist, 39(9), 947.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1989). The behavior of the listener. In Rule-Governed Behavior. In Hayes, S. C. Rulegoverned behavior: Cognition, contingencies, and instructional control. New York: Springer US.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1989/2002). Questões recentes na análise do comportamento. São Paulo: Papirus.         [ Links ]

Squire, K. D. (2004). Replaying history: Learning world history through playing Civilization III. Bloomington: Indiana University.         [ Links ]

Stelko-Pereira, A. C. & Williams, L. C. A. (2010). Contribuições da análise do comportamento para o enfrentamento da violência escolar. Em: M.R. Garcia, P.R. Abreu, E.N.P. Cillo, P.B. Faleiros & P. Piazzon (Orgs.). Sobre comportamento e cognição: Terapia comportamental e cognitivas (vol. 27). (pp. 194-200). Santo André: ESETec.         [ Links ]

Suits, B. (2005). The grasshopper: Games. life and utopia. Toronto: University of Toronto.         [ Links ]

Swearer, S. M., Espelage, D. L., & Napolitano, S. A. (2011). Bullying prevention and intervention: Realistic strategies for schools. New York: Guilford Press.         [ Links ]

Tan, J. L., Goh, D. H., Ang, R., & Huan, V. S. (2013). Participatory evaluation of an educational game for social skills acquisition. Computers & Education, 64, 70-80.         [ Links ]

Todorov, J. C. (2012). A Psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5(3), 347-356.         [ Links ]

Tourinho, E. Z. (2003). A produção de conhecimento em psicologia: A análise do comportamento. Psicologia: ciência e profissão, 23(2), 30-41.         [ Links ]

Valentim, A. S., Saconato, A., Gaeta, G., Boarati, L., Guimarães, L. S., Azoubel, M. S., Pergher, N. K., & Silveira, R. S. M.(2013). Gameficação: Uma tecnologia que favorece o desempenho e o engajamento? Revista Behaviors, 17, 18-32.         [ Links ]

Vargas, J. S. (2009). Behavior analysis for effective teaching. London: Routledge.         [ Links ]

Zimmerman, E. (2003). Play as research: The iterative design process. In Laurel, B. Design research: Methods and perspectives. MIT press.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Izadora Ribeiro Perkoski
Universidade Estadual de Londrina
Departamento de Psicologia Geral -Análise do Comportamento PGAC
Rodovia Celso Garcia Cid Pr 445 Km 380 Campus Universitário
Centro de Ciências Biológicas CCB. Cx. Postal 10.011
CEP 86.057-970 Londrina-PR
E-mail: izaperkoski@gmail.com

Submetido em: 06/07/2015
Primeira decisão editorial: 19/08/2015
Aceito em: 21/10/2015
Editor Associado: Edson M. Huziwara

 

 

1 Interação lúdica é a tradução proposta na edição brasileira de Salen e Zimmerman (2012) para o verbo "to play" (jogar, em tradução literal). O uso do termo "interação lúdica" busca facilitar a leitura, evitando confusões entre o jogo e o comportamento de jogar.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons