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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.42 no.1 Rio de Janeiro jun. 2010

 

SEÇÃO LIVRE

 

Entre os abismos da melancolia e depressão - o Eu abismado e o campo das timopatias

 

Between melancholy and depression's abysms - the decayed Ego and the mood disturbances field

 

 

Francisco Moacir de Melo Catunda Martins

Psicanalista; Psicólogo; Psiquiatra; Professor Titular da Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

Um quarto campo estrutural que toca as psiconeuroses é aqui proposto, o das timopatias, em articulação com as estruturas clássicas: perversões, neuroses e psicoses. É distinguida a melancolia da depressão de um ponto de vista psicanalítico e na especificidade do campo timopático. A dinâmica inconsciente de uma e de outra é realizada com especial referência à obra de Freud e de Lacan. É defendida a hipótese de que a melancolia se vê articulada com a dimensão do ir e vir pulsional e a depressão como sendo essencialmente ligada ao conflito. Em ambos o Eu se vê comprometido e abismado: na melancolia levando à falta de apoio, caindo o sujeito no abismo sem fundo; na depressão estagnando o sujeito como um zumbi que passeia na beira de precipícios.

Palavras-chave: melancolia; depressão; psicopatologia; psicanálise.


ABSTRACT

We propose that a fourth structural field concerning psychoneurosis is to be added to those of neurosis, perversions and psychosis. Melancholia is distinguished from depression from a psychoanalytic point of view, in the specificity of the timopathic field. This distinction between their unconscious dynamics is carried out using Freud's and Lacan's works. Melancholia is linked to the movement of the drive dimension, while depression is linked to psychic conflict. In both, the Ego is involved. In melancholia the subject has fallen in an abyss without bottom and in depression the subject, as a zombie, is always walking at the board of precipices.

Keywords: melancholia; depression; psychopathology; psychoanalysis.


 

 

O presente trabalho visa introduzir a posição da Escola de Louvain acerca dos distúrbios do humor como sendo parte do campo estrutural das psiconeuroses, constituindo o quarto campo relacionado às timopatias. Este último termo busca reunir em um campo só as dimensões do sentir fundamental, do acontecimento e do contacto como tendo uma especificidade estrutural. O termo depressão designa duas vertentes principais do humor alterado: a depressão neurótica e a melancolia. Pensamos, juntamente com Vergote (2003), que depressão é uma problemática que diz respeito tanto à clínica quanto à teoria psicanalítica. Mais ainda, juntamente com Jacques Schotte ([1982] 1990), pensamos ser necessário não excluílas do campo psicanalítico e nem redistribuí-las como uma neurose clássica, uma perversão ou uma psicose na nosografia freudiana das psiconeuroses, posto que estes distúrbios não são nem neurose, nem psicose (esquizofrenia, paranoia) e menos ainda uma perversão.

A melancolia tem sido relacionada com o biológico somático de um lado; os efeitos dos antidepressivos e de remédios etiologicamente específicos reforçam esse entendimento desde que Roland Kuhn (2005) utilizou a imipramina em melancólicos. A depressão, à causalidade psíquica do outro. Arriscamo-nos até a dizer que a depressão é um problema biológico, uma perturbação neurovegetativa, mas a questão é saber por que e como ela surge - ou melhor, por que e como a pessoa cai em depressão. Esta questão continua demandando respostas na dimensão do sentido, seja como significado ou como sentir em ato.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, lembramos o parentesco com as afecções psicossomáticas, sobretudo se pensarmos nas depressões mascaradas (depressio sine depressio) ou camufladas, sem participação psíquica direta, quer dizer, sem tristeza, ruminação mental, ideias negras, perturbações afetivas, lentificação ideativa e psicomotora - signos considerados durante muito tempo, pela psiquiatria clássica, como sintomas primários da depressão endógena, perturbação dos sentimentos vitais segundo Schneider (1968). Porém, ao invés de falar de psicossomático, noção que implica o hiato que se trata precisamente de superar, convém mais falar, com Lacan ([19531954] 1975), de epistemossomático, termo que enfatiza a necessidade de uma análise epistemológica do discurso sobre o corpo no que diz respeito ao seu investimento libidinal e à sua função imaginária.

De fato, os sintomas depressivos de ordem somática não falam per se. Não são sintomas conversivos nem formações de compromisso no sentido psicanalítico dos sintomas simbólicos (Martins, 2009), com significações latentes, enquanto realização parcial de desejos recalcados, no nível de um discurso inconsciente; eles são mais sinais do que signos comunicacionais. São sinais que lidos pelo médico, a partir do seu saber, conhecimento prévio, indicam uma síndrome, uma doença (Martins, 2004). O sinal é pesquisado pelo médico e não comunicado pelo paciente: um exemplo seria, no caso das melancolias clássicas, o sinal ômega na testa, ou as alterações de peso e dos ritmos nicdemerais. Eles não são, então, significantes linguísticos, pertencem mais a uma semiologia natural do que à convenção das línguas. Estes sintomas expressam algo, problemas intrapsíquicos, tensões, conflitos, distúrbios de registros básicos (isto é, narcísicos), mas não significam, não revelam ao exemplo de palavras, conforme a distinção mantida por Lacan. Em suma, estes sintomas depressivos não são analisáveis, situando-se num registro pré-discursivo.

Certamente temos que ir mais além do que fazer uma semiologia de sinais naturais. Esta foi a via iniciada por Freud. Qualificando a palavra diferentemente do enfoque médico-psiquiátrico, que insiste sobre os aspectos negativos, o menos que se expressa nos sintomas depressivos - considerados então como deficiências -, Freud ([1915] 1987) se volta para o discurso do melancólico e descobre que suas queixas são acusações - seine Klagen sind Anklagen. A partir daí, Freud desenvolve sua teoria sobre os processos inconscientes operantes na patogênese da melancolia: a sombra do objeto (perdido) caiu sobre o Eu.

Destarte Freud não tenha distinguido rigorosamente depressão de melancolia, existem indicadores de um esboço distintivo na sua obra. Nos "Estudos sobre a histeria", lemos que na neurose "falta raramente um traço de depressão ou antecipação ansiosa" (Breuer & Freud, [1893-1895] 1987: 92). Neste sentido vemos o pensamento freudiano que qualifica a neurose, na qual "falta a diminuição da consciência de si (Selbstbewusstsein)" (Breuer & Freud, [1893-1895] 1987: 92), e que, por isso mesmo, aproxima-a da depressão e não da melancolia, assinalamos. Paralelamente na relação entre neurose e depressão encontramos a neurose e a depressão em oposição à melancolia, precisamente por esta noção do si, do Selbst - que, aliás, reencontramos nos textos "Sobre o narcisismo" (Freud, [1914] 1987) e em "Luto e melancolia" (Freud, [1915] 1987) sob a forma do sentimento de si (Selbstgefulh), particularmente perturbado na melancolia.

A distinção entre depressão e melancolia remanescerá fundamental e bem mais pertinente do que a oposição, estéril e duvidosa porque baseada em premissas etiológicas não averiguadas, entre depressão reativa e depressão endógena. Entende-se por melancolia um processo psicótico envolvendo o Eu e a sua constituição e resultando em seu empobrecimento no plano da consciência, enquanto no inconsciente é secretamente exaltado e exibido. Este aspecto se manifesta por ideias delirantes. Já a depressão não é psicótica, não há elementos delirantes, e ela não abala a estrutura do Eu, não atingindo a identidade do sujeito. Portanto, trata-se de uma diferença maior do que somente de intensidade. As duas, no entanto, são periódicas (e podem ser cíclicas) e regridem após um certo tempo, mesmo sem intenção psicoterápica e/ou medicamentosa. Ambas, ainda, deixam esclarecer-se pela comparação com o trabalho de luto, trabalho enigmático que se segue a toda perda de objeto, implicando um aspecto energético com desinvestimento do objeto perdido e reinvestimento do mundo externo. Com o luto, tocamos o problema da perda, dos limites, da castração, da falta, noções bem conhecidas pelos lacanianos, mas ainda é preciso articulá-las no que diz respeito à depressão.

Analisando os discursos depressivo e melancólico, será possível, talvez, articularmos melhor estas noções. No discurso do melancólico, suas queixas, apesar das acusações implícitas contra a infidelidade do objeto perdido, são marcadas pela culpabilidade, exibida e reivindicada com ênfase, bem como a própria indignidade. Mas não há vergonha nem modéstia: proclamando sua culpa e sua indignidade, o melancólico se coloca no centro de interesse do mundo, megalomaníaco negativo. Estas contradições indicam a existência de uma sobredeterminação destes sintomas.

Mais ainda, se no luto a perda do objeto é consciente, na melancolia ela é inconsciente e toca o próprio Eu através de uma identificação narcísica, especular, com o objeto perdido - já anteriormente investido de maneira narcísica, segundo Freud. A exibição da própria indignidade, aliás, não deixa de demonstrar um certo gozo, uma certa exultação secreta diante da autoaniquilação pela severidade do Supereu negativo, produto da desintricação pulsional e da invasão do Supereu pela pulsão da morte...

No discurso do depressivo, os elementos se distribuem diferentemente. Ele não se acha usualmente culpado, mas procura a solidão, se isola, escondendo sua impotência, diante da qual ele sente vergonha. Ele está assim muito distante da onipotência secreta do melancólico. O depressivo não está triste, mas indiferente, cansado e desanimado de tudo, vazio, não consegue mais interessar-se pelas coisas; se ele se queixa, é do seu não-valor, de sua inutilidade, de sua desorientação, do vazio, de ser demais, da falta de interesses, sentidos, projetos, valores, ideais. O depressivo está diminuído diante de si mesmo mais do que diante dos outros, dos quais, aliás, ele tenta fugir, em oposição ao melancólico. Está amargurado, com ressentimentos e arrependimentos no tocante ao que ele era e que poderia ainda ser. Segundo o que tudo indica, ele perdeu uma parte dele mesmo, um apoio, um suporte que conferiu poder, potência e sentimento à sua vida, à sua pessoa - que o enalteceu e cuja falta, cuja perda agora o abaixa.

O depressivo não tem mais vez, não há mais lugar para ele, que se acha um morto vivo, mas está constrangido em apresentar este espetáculo para os outros: ele gostaria de apresentar uma outra imagem de si aos outros, uma boa imagem de potência e não de impotência.

Portanto, a depressão afeta a autoimagem; ela é produto, podemos talvez dizer, de uma queda de potência, de uma renúncia (Versagung) na aspiração a uma autorrepresentação gloriosa. Em suma, trata-se de uma perda, total ou parcial, do Eu ideal (e da sua grandeza onipotente), função narcísica e imaginária por excelência (em oposição ao ideal do Eu, parte integrante do Supereu, sedimento da sujeição simbólica ao outro).

O Eu do depressivo continua inalterado: ele é presente aos outros, pode comunicar-se com eles - embora recaindo facilmente na monotonia de sua queixa repetitiva -, mas mantém uma grande distância, um desinteresse generalizado. A linguagem também é preservada na sua função de mediação e de simbolização: o depressivo pertence ao mesmo mundo que nós, que o neurótico, e seu discurso é compreensível, embora palavra vazia. Mas ele revela sua incapacidade em gozar por falta de uma consciência interna e por falta de objeto. Três consequências da desnarcisação do seu Eu, pela perda ou desvalorização do Eu ideal.

Este se constitui através da identificação com o objeto primordial, investido imaginariamente de onipotência e participando da ficção do Eu. Trata-se, pois, de uma formação imaginária derivada da fase do espelho, construindo uma autoimagem ideal a partir da supervalorização do objeto materno, da sua suposta onipotência. Dizemos, então, que na depressão ocorre uma regressão tópica no nível da primeira estruturação imaginária. A terceira dimensão, a relação simbólica com os outros objetos, a ligação entre os seres humanos, da forma como se referiu Lacan, se afrouxou, impedindo uma regulação imaginária eficiente. Contudo, as superestruturas das relações simbólicas são mantidas, embora desinvestidas; o que é afetado é a base narcísica do edifício, a identificação imaginária precoce e a persistência do seu poder de sustentar o sujeito.

A comparação com a análise do estádio da Verliebtheit (paixão amorosa), proposta por Lacan ([1953-1954] 1975), poderá talvez ilustrar melhor o que se passa na depressão. O amoroso é louco, perdeu o controle sobre si, é desapossado e não consegue mais nenhuma regulação do seu aparelho mental, isto é, articular o imaginário com o simbólico. Ocorre, então, uma verdadeira subdução do simbólico, uma espécie de anulação, de perturbação da função do ideal do Eu, vinda do movimento inconsciente transformando a superfície. O amoroso esquece o mundo, se perde a si mesmo e só vive no objeto amado numa relação especular em que o outro se torna perfeito e onipotente, sem qualquer referência ao Outro, ao simbólico, à lei: o amor é uma função imaginária baseada na identificação narcísica, como já referia Freud.

Existe, então, uma equivalência entre o objeto amado e o ideal do Eu pela captação narcísica exercida sobre o sujeito. O ideal do Eu, portanto, não é isento do narcisismo (secundário), apesar de ser imposto pelo exterior como ressaltou Freud - quer dizer, não decorrente da formação do Eu. Ele é, como diz Lacan, o guia além do imaginário que permite ao sujeito definir sua posição na estruturação imaginária (e assim ingressar na ordem do intercâmbio humano).

Agora, na paixão amorosa, o ideal do Eu pode vir a se situar no mundo dos objetos no nível do Eu ideal, no nível em que pode se produzir esta captação narcísica da qual fala Freud. Este fenômeno, acho que podemos chamá-lo de regressão tópica ao imaginário, quando o amoroso ama finalmente seu próprio Eu: o ideal do Eu é assimilado ao Eu ideal como um dos objetos utilizados para o autoenaltecimento.

Tentamos aplicar este processo então à depressão. Não representa ela, por assim dizer, um estado de não-amor, de despossessão? Para o amoroso, o objeto é tudo, para o depressivo, nada; a rigor, ele não tem mais objeto de amor, ele é só, vazio, relegado a si mesmo, após ter desinvestido, perdido o mundo dos objetos libidinais. Conforme expressa Jacques Schotte (1982: s/p), "o poeta depressivo Ruckert: Die Weltist mir abhanden gekommen: o mundo me foi subtraído"1. No entanto, o mundo das relações simbólicas continua a existir: o depressivo se relaciona, fala conosco, mas está perdido em si mesmo, cativo de uma identificação narcísica absorvente, uma doença perniciosa da energia, terminando por não sobrar mais libido para investir em objetos. Como o amoroso, o depressivo é só no mundo, mas, diferente deste, não se valoriza, não se satisfaz consigo mesmo (ou com sua imagem no outro), não acredita mais nesta imagem: ele está diante de uma imagem vazia: seu Eu ideal se diluiu, afrouxou e lhe inspira agora só vergonha. Aliás, as vergonhas, os genitais, as verges, os instrumentos do amor carnal, estão licenciados sine die.

A única energia que lhe sobrou, podemos dizer, é utilizada a contemplar e lamentar esta sua imagem, a de uma caveira, desvitalizada, rodeando a neantização, o não-estar. Não há mais desejo de objetos, não há nem inveja nem perseguição do objeto, mas Taedium vitae, incapacidade, impotência de situar-se como sujeito desejante numa relação objetal. Neste sentido, o depressivo continua sujeito (ele não é psicótico), mas não é mais desejante, não tem mais desejo próprio a não ser o de desaparecer, de se apagar, de unir-se com a morte que paira sobre o seu estado entediado.

No entanto, será que não existe, nesta posição de desilusão completa, ainda um certo gozo, um resíduo de prazer libidinoso, numa secreta autocomiseração, na complacência, conivência, cumplicidade a contemplar-se na própria miséria? Gozo no fascínio desta imagem da morte que vem substituir-se à imagem da vida, às relações objetais e identificatórias, ao Eu ideal glorioso, exuberante, onipotente...? Não há, neste fascínio, nesta vertigem diante do vazio, uma secreta erotização, realizada no ato suicida de tantos depressivos? A questão continua aberta. Aberta como a ferida lacerada e que perniciosamente vaza as energias do miserável sofredor.

Por que e como o melancólico cai neste estado de prostração anobjetal? De que queda trata-se aí? Queda de um pedestal sem dúvida, quando o ideal do Eu, "a função a mais deprimente, no sentido psiquiátrico do termo" (Lacan, [1953-1954] 1975: 9), não consegue mais prolongar a satisfação do sujeito e sofre esta queda no nível do Eu ideal desiludido. Em certo sentido, o depressivo sofreu uma perda mais radical do que o melancólico, quando perdeu seu Eu ideal, quando sofreu esta desnarcisação tão abrangente. Para o melancólico, o objeto perdido ainda existe, se sobrepõe ao Eu, o domina e fascina pelo seu rigor persecutório implacável, pelo ideal do Eu, representante da lei, transformado em Super-Eu negativo, o opressor aniquilador do sujeito desejante que, em seu delírio, tenta representar o mundo fantasmático de sua culpa, de sua dívida para com o objeto perdido mais onipresente.

A queda desnarcisante do depressivo é outra, ligada a uma desilusão, uma decepção radical quanto a sua própria imagem, mantida anteriormente, provavelmente, com muito custo, situada de longe acima das possibilidades reais do indivíduo (o Ideal-Ich oposto ao Real-Ich de Freud). Uma tal discrepância entre o que o sujeito gostaria de ser (e parecer) e o que ele é, ou melhor, o que ele está vendo de si, pode, quando exacerbada ou conscientizada de repente, por um relâmpago, um flash, desencadear esta queda brusca, este desinvestimento, esta desnarcisação maciça: o sujeito se percebe outro, miserável, despido de qualquer aparato, de qualquer enfeite: o rei está nu.

A investigação das experiências concretas da história da vida, da situação pré-melancólica, pode vir a revelar as razões desta queda. Sabemos que ela acontece frequentemente durante uma análise, que mexe inevitavelmente com a imagem, com os alicerces, as estruturas e brios do analisando, sem oferecer-lhe muita realimentação narcísica, uma vez que ela é levada na abstinência, na Versagung permanente.

De fato, a análise revela a nossa nudez, espetáculo que pode ser intolerável, ferida narcísica mortífera capaz de abalar até as últimas representações ideais do indivíduo. Sem dúvida, toda Versagung exige um trabalho de luto, para que se possa renunciar progressivamente às pretensões objetais almejadas, e arrisca então provocar uma (micro)depressão. Mas a diferença entre luto e depressão reside precisamente nisso, que a perda do objeto (parcial) é consciente no luto e não provoca o abalo dos alicerces narcísicos, não provoca a "desaparição do desejo" - o que na fobia, segundo Lacan (1966), constitui somente uma ameaça pode aqui se realizar pelo afrouxamento das relações objetais, pela regressão tópica a uma posição específica da relação imaginária ao outro, mas na qual a captação da imagem deste outro só consegue produzir um reflexo insosso. O espelho perdeu seu brilho, o olho é obturado, a visão insípida, o Eu ideal desmascarado, a miragem sedutora desenganada, o gosto de viver esmaecido.

A depressão como problemática do imaginário: entendida neste sentido, podemos aproximá-la das neuroses, com a diferença, contudo, da posição diante do objeto. Se, falando com Lacan, o desejo se apresenta, na histeria, como insatisfeito e, na obsessão, como impossível, ele deixa o depressivo, cuja imagem se torna indesejável para ele mesmo - uma vez que o objeto a é o que causa o desejo.

Mas, de outro lado, podemos estabelecer uma certa analogia estrutural tanto entre melancolia e obsessão quanto entre depressão e histeria: as duas primeiras são problemáticas que afetam o Eu, marcadas pela pressão do Supereu, pelo conflito com a lei e com os modelos do ideal do Eu (das identificações secundárias), pela desintricação pulsional, pela regressão tópica e libidinal; as segundas, problemáticas das identificações imaginárias marcadas, na histeria, pelos deslocamentos sobre identificações parciais e pela hesitação entre identificação masculina e feminina, na depressão pelo desmoronamento da onipotência imaginária, privando o indivíduo da possibilidade básica de se colocar como sujeito desejante. Para isto, precisaria poder partir de uma identificação narcísica consistente, isto é, nem impotente nem onipotente, mas estruturada o suficiente para poder tolerar a falta-a-ser fundamental do homem.

 

REFERÊNCIAS

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Vergote, A. (2003). Depression as Neurosis. Psychoanalysis and Contemporary Thought, 26, 223-275.         [ Links ]

 

NOTAS

1 Schotte, J. (1982). Arquivo no Szondi. Université Catholique de Louvain-la-Neuve. Seminário inédito com Jacques Schotte.

 

 

Recebido em 25 de setembro de 2009
Aceito para publicação em 09 de março de 2010

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