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Tempo psicanalitico
versão impressa ISSN 0101-4838
Tempo psicanal. vol.43 no.2 Rio de Janeiro dez. 2011
SEÇÃO LIVRE
Angústia e sexualidade: a descoberta freudiana
Anxiety and sexuality: the Freudian discovery
Denise Maria Lopes Dal-CólI; Claudia Maria de Sousa PalmaII
IPsicanalista, Docente do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-SP), Filiada a Escola da Coisa Freudiana de Curitiba
IIPsicanalista, Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Pós-Doutora pelo Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Campus Ribeirão Preto
RESUMO
Considerando a relevância do afeto da angústia para a clínica psicanalítica, no sentido de que a direção do tratamento solicita esse sinalizador tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento propriamente, este trabalho objetiva contribuir ao campo metapsicológico e, por extensão, ao procedimento clínico, através da análise do conceito na obra freudiana. Assim, o presente artigo é resultado de elaborações recolhidas a partir de uma dissertação de mestrado que contemplou os seguintes elementos: os fatos clínicos e teóricos que conduziram o interesse do fundador da Psicanálise pela angústia; as direções desenvolvidas pela trajetória freudiana e, como consequência, os desdobramentos clínicos estabelecidos.
Palavras-chave: psicanálise; angústia; sexualidade.
ABSTRACT
Anxiety has a twofold importance in the psychoanalytic practice: the direction of treatment relies on this emotion for formulating a diagnosis as well as for the development of the treatment itself. Therefore, this paper aims at analyzing this concept and contributing to the metapsychological field, and by extension, to the clinical procedures. The discussion is a result of formulations elaborated in a master's dissertation that contemplated the following elements: clinical and theoretical facts that drew Freud's interest to anguish; the directions developed by Freudian trajectory and the established clinical repercussions.
Keywords: psychoanalysis; anxiety; sexuality.
Foi somente a partir do século XIX que a angústia foi colocada em questão e investigada como um fenômeno a ser conceituado pelos filósofos e estudado pela medicina acadêmica com um pressuposto organicista (Bass, 2000). Paralelamente Freud, a partir de seu percurso teórico-clínico, interroga, em três períodos, a causa da angústia e lhe concede um lugar cada vez mais importante para a compreensão dos processos psíquicos e para a formação das neuroses.
PRIMEIRO PERÍODO (1886-1900)
O primeiro período da pesquisa freudiana sobre a angústia está no contexto de suas investigações sobre as neuroses, cujo protótipo é a histeria. Estabelece as neuroses de angústia como um quadro diferenciado porque nestas a angústia, que tem como núcleo a expectativa pessimista e a inclinação para ideias antitéticas aflitivas, é o sintoma central, diferente das neuroses de defesa. A investigação da causa do fenômeno se inicia pela investigação das atividades sexuais atuais do sujeito, pois, além de o paciente se reportar à sexualidade presente vinculando-a ao aparecimento de expressões de angústia, havia o contexto de suas descobertas acerca do papel fundamental e determinante que a sexualidade vinha assumindo na causa da histeria. Entretanto, os estados de angústia constituíam um enigma diferente dos sintomas neuróticos, pois não representavam um conteúdo inconsciente. Dessa investigação estabelece a sintomatologia da angústia, ou seja, suas modalidades de manifestação, e elabora uma teoria sobre sua causa (Freud, 1895/1980).
A sintomatologia
Das formas de expressão de angústia Freud estabelece três grupos, o estado crônico, o ataque de angústia e a depressão periódica, sendo esta última um ataque de duração longa. A irritabilidade geral e a expectativa angustiada, na sua forma rudimentar ou desenvolvida, compõem o quadro mais geral da neurose de angústia, sendo a segunda a base das expressões que aparecem de um modo crônico. Há nestes casos um quantum de angústia em estado de livre flutuação que se liga a qualquer conteúdo representativo adequado para explicar ou justificar racionalmente o medo, embora se note o exagero e a falta de fundamento específico das possibilidades de que aconteça o que está sendo esperado pelo sujeito. O ataque de angústia acontece quando esta irrompe à consciência sem ter sido despertada por uma sequência de representações, tendo como núcleo a expectativa angustiada, em que a falta de sequência de associações dá a sua "expressão de urgência". São duas as formas de ataque: o sentimento de angústia sem representação associada e o sentimento de angústia acompanhado de representações de extinção de vida ou ameaça de loucura, com os distúrbios da sensação e das funções corporais. No ataque acompanhado de distúrbios do corpo, muitas vezes o sentimento de angústia recua para segundo plano, sendo frequentemente irreconhecível ou mencionado como um sentir-se mal (Freud, 1895/1980).
Os ataques acompanhados pelos distúrbios corporais, segundo Freud no mesmo texto, se manifestam como distúrbios da atividade cardíaca na forma de palpitação com arritmia transitória ou taquicardia de duração mais longa; distúrbios respiratórios como dispneia nervosa ou acessos físicos variados (fome devoradora, tremores e calafrios, vertigem locomotora, entre outros). No ataque, os elementos apontados misturam-se em um grau variável ou cada um deles pode consistir o ataque isoladamente, podendo haver só o sentimento desacompanhado de representações ou distúrbios corporais. Outros sintomas são o aumento da sensibilidade à dor (distúrbios reumáticos), tendência a alucinações; a vertigem e a diarreia podem aparecer sob a forma crônica, podendo ser substituídas por uma sensação permanente de fraqueza e lassidão (Freud, 1895/1980).
A causa
A elaboração da primeira teoria sobre a causa da angústia concerne à insatisfação sexual. Nesta investigação, Freud se atém, principalmente, sobre a "matéria" que consiste a angústia, uma vez que não é feita da mesma matéria ideativa do sintoma histérico. Conclui que a origem deve ser buscada na esfera física da vida sexual, nas excitações físicas. Nos casos que atende, verifica que um fator como o coito interrompido perturba a consecução adequada da função sexual, produzindo uma abstinência sexual através de uma descarga insuficiente da excitação sexual física produzida, isto é, a interrupção do ato provoca o refreamento que produz um acúmulo e uma deflecção da excitação. Com isso, a excitação ou tensão física se transformaria em afeto de angústia. O resultado é uma satisfação sexual insuficiente devida a uma descarga também insuficiente (Freud, 1895/1980).
Até então parece que Freud propõe um mecanismo sexual meramente fisiológico, entretanto, ao interrogar como ocorreria esta transformação da excitação em afeto, ele amplia a concepção do mecanismo sexual, incluindo o fator psíquico. Assim, as excitações de dentro do corpo normalmente devem se ligar a representações para produzir atos que são específicos à descarga dessas excitações, constituindo-se em atos psiquicamente significativos, com descarga mais satisfatória. No mecanismo da sexualidade, o grupo de ideias sexuais exerce um trabalho de transformação e distribuição da tensão sexual física, manejando-a psiquicamente, ou seja, as excitações que chegam ao psiquismo exigem dele um trabalho de transformação/ manejo exercido pelas ideias com fins à descarga. Desse modo, na sexualidade, a ação específica para descarregar a excitação sexual não é a realização do coito em si; a ação específica é a ligação das excitações às ideias. A tensão nesse enlace é físico-psíquica, chamada afeto sexual, libido sexual ou desejo. A tensão sexual, sendo físico-psíquica (libidinal), se transforma em angústia nos casos em que há o desenvolvimento da tensão física, mas esta não pode ser convertida em desejo pela sua representação ideativa, isto é, quando não há elaboração psíquica das excitações provenientes do corpo (Freud, 1895/1980).
Essa consideração dá nova dimensão à questão da causa da angústia, uma vez que associar a causa física à causa psíquica demonstra que uma não vai sem a outra, pois, no processo que conduz à formação de angústia, o acúmulo de tensão sexual física é acompanhado da diminuição da participação psíquica nos processos sexuais - a descarga é evitada no sentido psíquico. A angústia, portanto, é uma forma da expressão da excitação acumulada e defletida, apreendida como afeto na consciência.
No mesmo trabalho, Freud formula a hipótese de que os fatores que impossibilitam que a descarga seja realizada são aqueles que impedem a excitação física de ser representada, a saber, o sujeito não tem um saber sexual suficiente ou tem esse saber, mas evita-o, ou, ainda, renuncia à satisfação no ato interrompido. Destaca-se como importante nas elaborações deste período o fato de Freud ter situado a fonte da angústia como pulsional. Além disso, da extensa descrição da sintomatologia da angústia legou-nos um valoroso referencial para seu reconhecimento, ainda fiel nos dias atuais.
SEGUNDO PERÍODO (1900-1920)
Se inicialmente Freud questiona a causa da angústia, investigando a fonte e encontrando as quantidades de excitação e/ou insatisfação pulsional, neste período faz um desdobramento sobre a causa, abordando sua função e atingindo o elemento original da angústia, aproximando-se de que sua lógica se fundamenta na sexualidade infantil.
Em 1917, o autor, ao indagar sobre a função geral da angústia, considerando sua presença nos estados não patológicos, visava uma resposta sobre a função psíquica da angústia nas neuroses. Assim, identifica a angústia em sua função de defesa como uma reação, através de um sinal subjetivo, a um perigo de dano vindo de um objeto externo, lançando a hipótese de que na angústia neurótica deve haver algo que se teme, sendo a angústia uma reação do ego - tentativa de fuga - às exigências de satisfação da libido. A tentativa de fuga se dá pela adoção de medidas de afastamento através da formação de sintomas que substituem a geração de angústia.
No exame que faz das características da angústia nos estados não patológicos (angústia realística), Freud designa o estatuto da angústia como um estado afetivo - um estado, não um sintoma. Assim, desenvolve a ideia de que a angústia é um estado pelo qual se é tomado ao perceber o surgimento do perigo, estado composto de descargas motoras, acompanhadas de sensações de desprazer, aumento da atenção sensória e da tensão motora. É uma reação do sujeito à percepção de um perigo, manifestando-se como estado de preparação expectante, ou como geração de angústia propriamente dita. Como sinal, a angústia avisa o sujeito da aproximação do perigo e permite que tome providências para sua proteção e, como geração, a angústia paralisa a ação (Freud, 1915-1917/1980).
Na perspectiva da defesa, a ação disparada pelo sinal de angústia envolve o reconhecimento de um perigo e a operação sobre ele é a fuga ou a luta. Se envolve reconhecimento, significa que já há um saber prévio a definir o que é temível; e, no caso da angústia neurótica, o perigo é a própria sexualidade do sujeito. A hipótese de que a angústia é medo do sujeito da própria sexualidade cuja exigência de satisfação é percebida como perigo pelo ego, que trata o perigo interno como se fosse um perigo externo, leva Freud (1915-1917/1980) a interrogar o motivo dessa recusa da sexualidade. Para tal consideração, investiga a origem do medo na infância, nos estados de apreensão infantil, através da análise da angústia realística nas crianças e da análise do primeiro temor infantil. Neste exame constata que a criança nova não demonstra temor de objetos e situações externas, ao contrário, coloca-se em risco ao aproximar-se do fogo, peitoril de janela, objetos cortantes. O primeiro temor, apreensão ou fobia infantil manifesta-se frequentemente em três situações: diante de pessoas estranhas, escuro e solidão.
À luz dos achados psicanalíticos, Freud (1915-1917/1980) interpreta esse temor: a criança está habituada à vista da figura familiar da mãe, com a qual faz um laço amoroso, e a ausência deste objeto de amor produz um desapontamento na criança e um concomitante anseio - desejo intenso -, resultando também na não significação interna da falta em função da ausência de representações internas suficientes para ancorar a libido infantil. A lógica do primeiro temor está, então, no fato de que a ausência da pessoa amada produz um anseio, e um anseio sentido no escuro se torna medo de escuro. Logo, a situação ou objeto externo insignificante é o perigo que substitui o perigo a que a ausência do objeto amado conduz, visando alguma representação das exigências da libido.
Neste segundo período, portanto, Freud (1915-1917/1980) situa a angústia como um efeito da experiência de separação, apontando o desejo e a falta que aí se constituem como causas da angústia. Com efeito, os apontamentos de Freud indicam que a separação da mãe produz um símbolo de uma ausência, marcada psiquicamente, e a excitação é temível porque o sujeito fica em falta (desamparo simbólico), com o excesso de excitação, o desejo intenso e a pressão a satisfazê-lo. Nesta primeira condição infantil, a tendência à satisfação demonstra a falta de maneira inexorável.
Freud indica neste período a causa lógica da angústia que irá desenvolver melhor posteriormente, isto é, a sexualidade é representada psiquicamente desde a infância e a constituição subjetiva segue o protótipo da ausência que implica uma perda e uma falta no sujeito. Sendo assim, a falta experimentada pela criança não é propriamente a falta do objeto, como também esta não é a causa do medo. Trata-se da falta que se forma no próprio sujeito pela ausência de referências simbólicas próprias que conduzam a excitação à descarga e nomeiem o desejo. Se no primeiro período Freud indica a angústia do eu frente à pulsão, neste inclui a angústia perante o desejo.
TERCEIRO PERÍODO (1920-1933)
No terceiro período da pesquisa de Freud, a nova elaboração conceitual do aparelho psíquico estabelecida na segunda tópica proporciona algumas questões e conclusões acerca dos sintomas, da angústia e da relação entre eles. Uma das mais importantes refere-se à transformação da descarga da pulsão de prazer em desprazer. A satisfação da pulsão só é prazer dentro de uma economia - o princípio do prazer - em que há um limite de descarga da excitação; e ultrapassar este limite, para mais ou para menos, conduz ao desprazer (Freud, 1925/1980). Assim, tanto a perda de satisfação quanto o aumento de satisfação são igualmente perigosos para o ego, na medida em que alteram a dinâmica e a economia subjetiva visadas pelo eu, que, do contrário, conduz ao processo de defesa (recalque) e a posterior formação de sintomas.
É nesse período também que Freud (1925/1980) reconhece que não há transformação da excitação em afeto no recalque secundário, pois o que se dá aí é a reprodução do afeto já experimentado, em forma de sinal, reprodução do estado. Com isso, resolve uma questão anterior sobre o fato de a angústia ser a causa ou a consequência do recalque, ou seja, define que a angústia é causa da defesa que leva ao sintoma. Para essa abordagem, Freud (1925/1980) considera os momentos históricos do surgimento da angústia na vida do sujeito, articulando, aprofundando e inserindo novos elementos. Para tanto, retoma a situação de separação da mãe e articula-a com a situação original de angústia que postula - o ato do nascimento -, uma vez que descobre que a angústia é sinal de desprazer reproduzido no ego a partir de experiências anteriores.
No nascimento, o aumento da tensão libidinal é vivenciado como desprazer, sendo que sua descarga faz uma marca de satisfação, porém sem significação. A excitação, transformada em afeto de desprazer, é reproduzida no eu posteriormente, como sinal, cada vez que uma condição de aumento de tensão se estabelece. Freud entende que este estado de excitação aumentado e o concomitante desprazer marcam uma condição de perigo (desamparo psíquico - ideativo) ao qual o ego reage com angústia sempre que um estado dessa espécie se repete, estado este reproduzido posteriormente como um afeto no eu. Assim, a situação de perigo é significada somente a posteriori, quando da separação do objeto de amor (Freud, 1925/1980).
Desse modo, a separação da mãe constitui o anseio, produzindo um símbolo mnêmico da falta, sendo este um fator psíquico - o símbolo ou representação da falta de objeto e de satisfação. O sinal de angústia, portanto, indica a repetição de uma separação. A libido inaplicável que exige satisfação em função da ausência do objeto de amor transforma a exigência interna de satisfação, marcada no inconsciente como expectativa ou desejo, em um estado de perigo. A mãe assume essa função porque primeiro responde à satisfação, parcialmente, e cria o dom, uma demanda de amor, mas nunca responde a isso por inteiro, nunca fornece a significação última e nem põe término às excitações, constituindo, com sua falta, o desejo (Freud, 1925/1980).
Nesse período, Freud insere como novo que a angústia é originalmente um estado de excitação libidinal não significado, apenas marcado, e que a separação (ausência) da mãe produz o deslocamento do estado para uma significação de perigo: a situação de perigo de perda do objeto dá significado de perigo ao estado de excitação e ao desejo que daí deriva. Há nessa elaboração, nos parece, uma lógica dialética circular, uma vez que a experiência do momento inicial se desloca para o "final", mas é o momento posterior que oferece significado ao anterior. Com efeito, a angústia é sinal afetivo em face de uma perda e o que é repetido é o estado em forma de sinal. A ameaça, o perigo, é a repetição desse estado subjetivo de desamparo psíquico - estar só -, com o desejo que cresce e a dificuldade de dar significação a isso, ou seja, elaborar simbolicamente.
Nessa via, a situação de angústia e de perigo de castração para o ego que Freud localiza na base do recalque e da posterior formação de sintomas, em todas as formas de neurose, é o passo fundamental seguinte que permite formular a lógica simbólica do perigo que a sexualidade representa ao ego. Para tanto, reexamina os sintomas à luz da perspectiva da incidência da angústia, principalmente as fobias, notadamente o caso Hans, articulando as situações de angústia do ato do nascimento e da separação da mãe com a situação de angústia de castração (Freud, 1925/1980).
O novo elemento com o qual Freud trabalha é a castração como a experiência de perda central e o perigo psiquicamente mais significativo, posto que ressignifica os anteriores e conduz ao sinal de angústia e ao recalque:
O significado de medo da separação, da perda do objeto, se estende além do ponto da separação da mãe, pois a transformação seguinte do conteúdo da situação perigosa e da angústia, que pertence à fase fálica, também constitui o medo da separação e está ligado ao mesmo determinante - nesse caso, o perigo de se separar de seus órgãos genitais (Freud, apud Dal-Cól, 2002:193).
A angústia de castração é o deslocamento da situação de perigo como perda do objeto-mãe para a situação de perigo como perda do falo. Há uma ligação entre o medo de se separar de seus órgãos genitais e o medo contido nas situações anteriores de perigo que está no alto valor narcísico que o pênis possui por proporcionar ao possuidor, através da fantasia, poder ficar mais uma vez unido à mãe. O perigo de ficar privado do órgão equivale ao perigo de renovar a separação da mãe e, com isso, ficar desamparadamente exposto a uma tensão crescente decorrente da necessidade pulsional, necessidade esta pertencente à libido genital e não mais indeterminada como foi no período da primeira infância (Freud, 1925/1980).
As considerações de Freud (1925/1980) em "Inibições, sintomas e ansiedade" sobre a primeira angústia da criança na separação da mãe e o deslocamento para a angústia de castração esclarecem que o significado de perda aí encontrado faz parte de um complexo que encontra um "desfecho", um "momento crucial", quando na fase fálica; e, embora nesse mesmo texto, não deixe explícito que, do ponto de vista do inconsciente, o significado de desamparo simbólico que a perda do objeto (o pênis) representa seja uma interrogação e uma falta de resposta sobre a própria sexualidade, em 1909, quando da discussão do caso de Hans, apresenta os elementos que possibilitam essa leitura. Nessa discussão, entende-se que a fase fálica compreende tanto a modalidade de satisfação genital, no que se refere à excitação no órgão genital, quanto o fato de que, nessa fase, simbolicamente, a sexualidade está sob a primazia do falo: a premissa da universalidade do órgão sexual masculino (Freud, 1909/1980). Nessa fase, os pais são os objetos aos quais se dirige a satisfação dos impulsos amorosos e, também, se põe uma nova representação a ser elaborada pela criança: o outro sexo, para ambos, o feminino. Essas novas representações ocorrem em função da pergunta da criança sobre seu órgão - o falo, o que se excita independente dela e, devido ao problema que a sexualidade dos pais coloca para a criança, as relações sexuais, principalmente em decorrência da pergunta sobre a origem dos bebês.
Portanto, a fase fálica atualiza a separação experimentada na primeira infância, porém modifica-a, na medida em que solicita ao sujeito a entrada na simbolização da diferença sexual. Se o desamparo simbólico experimentado por uma criança nova está em correspondência com a representação de existência, na fase posterior é a diferença sexual, a divisão sexual em duas polaridades e a questão ética que ela impõe - se sou homem ou mulher -, com as responsabilidades que concernem a cada posição.
Assim, a perda do falo, simbolicamente, é a perda da própria significação do sujeito como falo da mãe, feito para tamponar suas faltas e velar a separação dos sexos em duas polaridades. Há, portanto, um complexo que arma a castração e que é o "nó" no qual o desejo é ressignificado. Ou seja, a experiência da castração opera a produção de um novo significado, para o sujeito, de seu desejo.
CONCLUSÃO
Entendemos que ao final da pesquisa, pela distinção metapsicológica que expõe, Freud esclarece que se o sinal de angústia ocorre no ego (topográfica), esse sinal demonstra as relações (econômico-dinâmicas) da angústia com a satisfação da excitação - o gozo - e com o desejo inconsciente. Pode-se conceber que o desejo é a outra face da angústia, sendo a angústia afeto e percepção no eu, e o desejo, significação, dependente de um mínimo de elaboração simbólica no inconsciente. Logo, pode-se considerar que o desejo é um "estado", estado de não-satisfação e, por isso, de expectativa, que o desejo se torna um estado subjetivo possível de ser apreendido quando a satisfação da excitação, além de inscrita como marca, é significada como falta.
Isso indica duas vertentes de significação a partir do sinal: aviso para renovar a fuga do ego (recalque) da pulsão e do desejo - o que habita mais intimamente o sujeito - e, ao mesmo tempo, no sentido do inconsciente, significa que há um desejo em espera de elaboração. A presença da angústia mostra a "falha" de elaboração das perdas e da falta decorrente, indicando uma questão pendente e, também, a falha do recalque, falha estrutural em recusar e esquecer, de forma plena, a questão sexual pendente.
Desse modo, a descoberta de que a angústia é um sinal frente a um perigo para o ego é fundamental porque, através dela, Freud situou a dialética da satisfação e da castração na constituição subjetiva, identificando sua causa no desamparo constitucional do humano. Com isso, esclarece que a angústia é o afeto central, derivado da economia subjetiva que se processa e opera a partir das relações entre o corpo e o outro - o que constitui o aparelho mental - e de suas marcas traumáticas.
O legado freudiano à clínica e, por que não dizer, à humanidade, quando estuda a angústia, é que ela é o medo que todo humano experimenta com as vicissitudes do próprio desejo, constituído por último, pela experiência da castração, e a força e amplitude com que procura excluí-lo, produzindo consequências muitas vezes desastrosas. Desejo que, em seus paradoxos, veicula o enigma e o trauma que a constituição da sexualidade representa para os humanos. Essa elaboração interpreta a tese inicial de que a causa da angústia é a insatisfação sexual, na medida em que suas articulações fazem concluir que o desejo é a falta estrutural de satisfação sexual plena ou, de outra forma, é a insatisfação que se dá pelo fato de a excitação ser inscrita psiquicamente. O desejo é a expectativa de satisfação e ao mesmo tempo é um saber que não se satisfaz por completo. Esse saber está em dialética com a tendência à satisfação e as "investidas" da pulsão que podem expor o sujeito à experiência de uma morte.
Sendo assim, a angústia abre uma chance de retomar as questões subjetivas recalcadas e respondê-las, desde que submetida ao trabalho de análise, isto é, trabalho com o inconsciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bass, B. (2000). A angústia e a verdade. Latusa, 4(5), 249-281. [ Links ]
Dal-Cól, D. M. L. (2002). Um estudo sobre a teoria da angústia na obra de Sigmund Freud: caminhos de construção e de descoberta. Dissertação de Mestrado, Departamento de Psicologia, Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo. [ Links ]
Freud, S. (1895/1980). Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada "neurose de angústia". Obras completas, ESB, v. III. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Freud, S. (1909/1980). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Obras completas, ESB, v. X. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
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Freud, S. (1925/1980). Inibições, sintomas e ansiedade. Obras completas, ESB, v. XX. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Recebido em 24 de junho de 2010
Aceito para publicação em 28 de setembro de 2011