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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.48 no.2 Rio de Janeiro dez. 2016

 

ARTIGOS

 

Congelar o tempo: a tentação adolescente do tempo imóvel

 

Freezing time: the adolescent temptation for suspended time

 

 

Isée Bernateau*

UFR Etudes Psychanalytiques - França
Universidade Paris-Diderot – Paris 7 - França

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diante da puberdade e sob o perigo incestuoso que ela traz consigo, o adolescente sente-se, por vezes, tentado a congelar o curso temporal, a integrar uma temporalidade rija que o proteja do circuito pulsional. Congelar o tempo seria, então, assegurar-se de que nada se produza, nada se passe. Através do caso de Adrien, um adolescente internado com depressão nos serviços de internação parcial, a autora expõe em minúcias os motivos inconscientes de tal interrupção da temporalidade, além da reintegração à temporalidade comum desse adolescente graças a um ateliê de escrita que lhe possibilitou reiniciar seu processo de subjetivação.

Palavras-chave: Adolescência; incesto; tempo congelado.


ABSTRACT

As they reach puberty and encounter the incest-related threats it entails, some adolescents may be tempted to freeze the passage of time, in other words to stop temporal flow in an effort to take refuge from the drive's circuit. Thus, freezing time amounts to ensuring that nothing arises any longer, or indeed moves on. Through the case study of Adrien, an adolescent placed under medical follow-up in a day hospital due to depressive disorders, the author unearths the unconscious motives that cause temporality to be brought to a standstill, and shows how a writing workshop reactivated the subjectification process, thereby allowing the patient to regain a sense of time.

Keywords: Adolescence; incest; frozen time.


 

 

Nas suas relações com a temporalidade psíquica, a adolescência é um momento singular da vida, pois as perturbações acionadas pela puberdade põem o adolescente em uma relação muito particular com o tempo, ligada a projetos e promessas. Nada ainda foi feito, nada ainda aconteceu, mas há - sim! - coisas novas e, com elas, um novo futuro. Por vezes essas perturbações podem provocar no adolescente uma espécie de "avaria técnica", uma interrupção aparentemente livre e bem-vinda de seu desenvolvimento, mas que se confirma, na verdade, forçada; sem contar a depressão a isso advinda. Essa reação impetuosa, posta em prática por alguns adolescentes, tem suas próprias motivações, sua própria organização, suas próprias modalidades de defesa. Esse desinvestimento característico do adolescente, essa apologia do vazio e do nada que os adolescentes manifestam suscitam igualmente certa fascinação em seus círculos sociais. A vontade deles de instaurar uma "suspensão", de congelar ou de fixar-se em presente eterno - um tempo que lhes parece estranho e exótico - é capaz de elucidar uma clínica moderna da "negatividade" adolescente.

A puberdade força o adolescente a vivenciar as metamorfoses do tempo, a seguir o trajeto linear e evolucional que o conduz da infância à adolescência, transformando o corpo impúbere no corpo púbere. Contudo, ainda que seja confrontado a uma tal "prova" física e psíquica, o adolescente tende momentaneamente a experimentar a experiência contrária: a de um tempo fixo, cujo curso se suspende, de tal maneira que parece evoluir em uma temporalidade interna congelada, rija. O tempo psíquico - do qual o psicanalista se ocupa - é um tempo específico, distinto do tempo do físico, do filósofo, do historiador ou do antropólogo. Para a temporalidade psíquica, não é o tempo consciente que se põe como problemática, mas a questão de sua conciliação com o extratemporal, cuja relação dominadora sobre o inconsciente Freud sempre insistiu em postular: "Os processos do sistema inconsciente são atemporais: ou seja, eles não são ordenados temporalmente, não se veem modificados pelo tempo que passa, não têm relação alguma com o tempo. A relação temporal é igualmente atrelada ao trabalho do sistema-Cs" (Freud, 1915/1988, p. 228).

A descoberta da atemporalidade dos processos psíquicos inconscientes faz com que, de fato, toda inscrição na temporalidade consciente seja problemática: "O inconsciente ignora o tempo, mas o consciente ignora o inconsciente que ignora o tempo" (Green, 2000, p. 51). Depois de listar diferentes temporalidades atualizadas por Freud, A. Green conclui: "Há o tempo, o fora do tempo e talvez também - como veremos - o 'antitempo'. Queremos aqui falar das estagnações, das interrupções, das ilusões de parar o tempo que são postas em prática nos desligamentos da pulsão de morte" (Green, 2000, p. 59). Mas parece-nos que, em alguns adolescentes, a consciência do tempo desaparece em prol de um antitempo, de um "tempo congelado".

Mas por que os adolescentes fazem uso desse tipo específico de temporalidade? O que acontece para que, na adolescência, mesmo o tempo consciente, esse tempo cuja íntima consciência é a coisa mais bem compartilhada do mundo, não funcione mais? E, de forma mais ampla, o que se deve aceitar em si para que se reconheça que o tempo transcorre?

 

Adrien: uma "avaria técnica" adolescente

Quando Adrien entra - com dificuldade - no hospital-dia, ele não consegue falar nem de seu passado, nem de seu futuro. O tempo parou para ele, fixou-se em um presente imóvel, sem consistência nem sabor. Com seus dezesseis anos de idade, Adrien não vai mais ao colégio; vive recluso em seu quarto desde um ano, rejeitando categoricamente a ideia de ir para as aulas e até mesmo de sair à rua. Trata-se de um estudante inteligente cujas notas caíram por causa de sua fobia escolar, surgida bruscamente no fim do ensino básico e que parece irreversível. O tempo escolar foi interrompido e Adrien não cogita em voltar às aulas. Na sua entrada no hospital-dia, ele se mostra, ainda por cima, bastante hostil para com seus pais e se recusa a falar com eles, definitivamente. Só aceita entrar na instituição quando se assegura de que nada ali feito será revelado a seus pais. No entanto, durante um certo tempo, ele faz absolutamente nada, pois recusa todo tipo de atividade e qualquer entrevista com os psicólogos referentes.

As palavras raras que Adrien exprime giram em torno da morte, uma morte que ele deseja em todas suas formas como uma forma de libertação, mas que - ao mesmo tempo - parece impregnar toda sua existência com suas arbitrariedades e seus absurdos. Seu discurso emprega princípios como: "Nada serve para nada neste mundo condenado a sua própria destruição". Da mesma forma, quando evoca sua família, é apenas para dizer até que ponto tudo é sempre a mesma coisa com eles, em um quotidiano sem graça e repetitivo. No entanto, os encontros de família - dos quais Adrien recusa categoricamente participar - revelam uma história familial complicada, na qual o incesto encena um papel central. Constance, a prima de Adrien, de quem ele é bem próximo, foi abusada pelo avô paterno quando tinha dez anos. Ela tentou provocar seu suicídio, hospitalizou-se e revelou a seus pais esse incesto.

Adrien, com seus treze anos na época, foi a principal testemunha dessa tentativa de suicídio. Na sua chegada ao hospital, ele se recusa obstinadamente a evocar tudo o que tenha a ver com esse incesto na sua família. Por outro lado, fala sem parar de seu próprio suicídio, que lhe parece a única solução desejável frente a seu desamparo. Na maior parte do tempo, evoca isso com um humor distanciado, mas também de forma grave e desafiadora - como se sua única forma de viver fosse se matando: o suicídio é, então, proclamado como a única saída possível. Quando lhe dizemos "até mais!", ele responde sistematicamente "talvez não" e diz "esperar ter seus dezoito anos para deixar seus pais e nunca mais voltar".

O fosso entre ele e seus pais parece-lhe como uma necessidade absoluta que ele estima mais do que tudo, mas ela se abre sobre um universo vazio de sentido e de expectativas. Sua recusa do passado, que pode parecer usual ao processo da adolescência - que instaura um corte com o tempo da infância -, toma nele uma tal amplitude que ele rebaixa todo investimento no presente e no futuro. Preso em um presente sem movimento, o tempo não parece ter qualquer influência sobre Adrien.

 

Para o tempo, suspender as pulsões

Encontro Adrien pouco tempo depois de sua entrada, pois, sendo psicóloga clínica e professora de francês no hospital-dia, devo ajudá-lo a retomar uma escolaridade há tanto tempo interrompida, mas levando em conta sua problemática psíquica. De imediato, impressiono-me com seu discurso e sua atitude niilista. Adrien é, ao mesmo tempo, ocioso e desesperado, cansado e desiludido por uma vida que ele não tem coragem de viver. Recusa inscrever-se em uma temporalidade que o deveria conduzir a um novo nascimento, enquanto adulto e cidadão, um representante em potencial da geração por vir. A interrupção de sua escolaridade isola-o de uma temporalidade coletiva, do ensino médio até o vestibular. Ainda que consciente de suas capacidades, Adrien insiste em não seguir nenhuma formação escolar - o que nada mais é do que uma maneira de impor sua significação a seus pais, abatidos tanto com suas declarações intempestivas, quanto com seu menosprezo por seus estudos e seu futuro. No centro dessa anomalia técnica, dessa interrupção dita voluntária (mas também sofrida) de seu próprio desenvolvimento, o tempo íntimo não passa - ou melhor, não passa mais. Não há nenhum projeto, nenhuma esperança de novo - esse tempo é, ao contrário, uma eterna repetição, uma reprise eterna sinônima de morte para si e para os demais. Marcando assim seu desinvestimento e proclamando aos quatros cantos que nada vale a pena, Adrien suscita no hospital-dia certa fascinação: eminentemente paradoxal em um adolescente que ainda tanto tem para viver, esse discurso exerce um poder de sedução incontestável. Mas, para além da sedução, o que pensar de sua vontade de instaurar uma suspensão, de parar ou fixar o tempo em um presente eterno?

A. Green (1975, p. 107) define como "tempo morto" o tempo característico de certos estados depressivos cujo vazio se configura como paradigma: "Aqui o poder suspensivo do desinvestimento é posto em prática". O tempo de Adrien é exatamente esse, sua temporalidade é, no modelo de sua desocupação, imóvel. Contudo não se trata do tempo petrificado da melancolia, que quer fazer da vida uma morte para retornar à origem mítica de um pré-tempo (Minkowski, 1933). Seu meio parece-lhe preso em uma glaciação do que Adrien reclama, inclusive, repetindo a todos que, na sua família e na sua vida, tudo é parecido, morno, desinteressante e desesperador. Para determinar a essência filosófica do tempo, dois filósofos anglo-saxões, S. Shoemaker (1984) e W. H. Newton-Smith (1980), perguntaram-se sobre o devir do tempo em um universo que houvesse virado presa da glaciação, presa do que eles designam como freezing functions. Em um universo congelado - frozen -, um universo no qual nenhuma mudança de produz, haveria ainda tempo? Dito de outra maneira, pode haver tempo sem evolução? Em um plano metafórico, essa utopia temporal, cujas implicações ultrapassam nossa proposta aqui, tem por mérito pôr em evidência a relação intrínseca entre a interrupção do tempo e o processo de glaciação: a glaciação dos afetos, dos relacionamentos, dos investimentos, tem como efeito parar o tempo, pois impede qualquer tipo de mudança, toda dinâmica processual. Através desse "efeito glacial" exercido em si mesmo, Adrien não estaria então trabalhando contra o tempo, em um esforço para suspendê-lo ou parar seu fluxo?

P. Fédida (1976, p. 1112) fez, a respeito da depressão, a seguinte hipótese: a depressão seria "uma 'simulação' da morte para de proteger da morte". E é exatamente o que transparece em Adrien: uma forma de encarnar a morte para não ser "notado" por ela, para se esconder, em uma encenação que também comporta uma boa dose de histeria. Suspender o tempo seria, então, uma forma de conjurar o lado inelutável da morte; e um fantasma narcisista serviria de base para esse tempo suspenso e dominado pela morte. A obsessão do suicida em Adrien faz da morte o único horizonte possível da vida e concede à morte uma onipotência que se sobrepõe e substitui a morte da megalomania infantil. Mas esse fora-do-tempo no qual Adrien se situa está longe do fora-do-tempo do inconsciente, inteiramente submetido ao princípio de prazer, no qual o desejo e a realização deste se confundem. Ele é ainda o inverso completo do outro já que se trata aqui de um fora-do-tempo regido pela morte.

Em um mundo inteiramente regido pela morte, não pode haver história. Nada nasce, nada cresce, nada se transforma e nada é tampouco corrompido. A glaciação do tempo visa então à supressão de todo desejo pela afirmação da onipotência da morte. Essa fantasia narcisista anula um tempo que é vivido mais como uma alteração destrutiva, no modelo dos estragos da velhice que desfazem o retrato de Dorian Gray, este alterego de Oscar Wilde: "É Narciso que escreve o Tempo com letra maiúscula, O tempo do objeto nasce da ausência, o Tempo narcisista nasce da impotência, de uma megalomania negativa" (André, 2010, p. 109).

Todavia, quando se torna onipresente durante a adolescência, a morte funciona igualmente com um objeto contrafóbico cuja missão seria proteger o adolescente de desejos cuja resonância incestuosa ser-lhe-ia insuportável. A morte e as angústias de morte estão, então, em função do traumatismo que constitui o encontro apaixonado com o objeto genital. Em Adrien, a apologia do vazio é testemunha de um excesso, de uma invasão de imagos parentais excitantes e intrusivos que a evocação da morte tenta pôr à distância. Pois aceitar que o tempo passa é também aceitar que algo pode acontecer, aceitar submeter-se a uma temporalidade para além de nós mesmos, que nos assujeita e nos excita. C. Chabert (2004, p. 711) demonstrou como a luta contra a passividade do adolescente é suscetível de afetar sua inscrição no tempo: "No processo da adolescência, a percepção de novos desejos sexuais e de seus efeitos no corpo e na psique está condicionada à aceitação das mudanças corporais e, por causa disso, à aceitação da passagem do tempo".

Para Adrien, à trama universal que a puberdade constitui sobrepõe-se o traumatismo atual. Esse traumatismo atual é a visão da prima suicidada, padecendo em uma banheira, visão que o assalta desde seus 13 anos. Mais particularmente, ele se lembra de "haver sido expulso" do banheiro pelo tio. Ainda aqui, o que se destaca é a situação apassivadora e o horror que ela suscitara. Assim, situando-se fora do tempo, congelando toda temporalidade, Adrien recusa toda excitação traumática, seja de origem externa - como a tentativa de suicídio de sua irmã - ou interna - como a puberdade e as perturbações físicas e psíquicas. Fazendo do tempo um tempo morto, ao invés de uma abertura para diferentes possibilidades, Adrien protege-se da pulsionalidade necessariamente contida no enunciado: "algo vai acontecer".

Se o tempo é congelado, petrificado e, assim, nada dele pode avir, nada pode desenvolver-se, tudo é reduzido a um fora-do-tempo desertificado. O que Adrien refuta no tempo é seu movimento, um movimento que se casa com moção pulsional e sua descarga motriz. O que ele refuta igualmente é a situação apassivadora na qual o indivíduo encontra-se frente ao tempo: "Mas o tempo é precisamente o que o adolescente consegue tolerar o menos possível, pois é justamente isso que o faz confrontar-se, no mais das vezes, com a separação e a expectativa - tanto uma quanto outra sentidas como uma passividade que deixa o adolescente vulnerável, à mercê do objeto e de forças obscuras e deixam-no sob a ameaça da desorganização" (Jeammet, 1985, p. 154).

 

Os três enredos ou o tempo reencontrado

Contudo, dentro do hospital-dia, um movimento discreto esboça-se em Adrien. A suspensão do tempo, na qual ele tentava - contra tudo e todos - inscrever-se antes de sua entrada e do início de seu tratamento, foi no início reforçada pelo tempo institucional, que oferece uma interrupção do tempo em certos pontos equivalente à sua própria. A interrupção completa das exigências escolares, a longa duração do tratamento (de três a cinco anos), a aceitação de sua anomalia por parte de médicos e enfermeiros: tantos fatores fazendo com que seu tempo não ficasse em oposição ao tempo coletivo no qual ele agora se inscrevia. No âmago desse tempo institucional, tempo protegido de alguma forma do tempo dos relógios e dos calendários, Adrien aceita aos poucos certas atividades sobre as quais ele quer sempre estar seguro de que "para nada servem" e de que não se inscrevem em projeto algum - muito menos escolar. Inicia-se nos estudos de piano com sua psicóloga referente e aceita e começa a aceitar a trabalhar comigo desde que isso não envolvesse atividades escolares.

Criei para ele, então, um ateliê de escritura do qual ele é o único participante. Nesse contexto, digo-lhe que pode escrever o que quiser e que eu não iria nem orientá-lo, nem julgá-lo - limitando minha ação a uma releitura ativa quando ele assim o desejasse, além de uma elaboração em conjunto caso ele se sinta travado. Nesse ateliê de escritura, Adrien produz três enredos que testemunham sua nova ancoragem progressiva em uma temporalidade psíquica.

 

O aventureiro zombador

O primeiro enredo de Adrien é uma história de cavalaria. Sobre um cenário de ficção científica, no estilo do heroic fantasy e do romance picaresco, o herói - ou, melhor, o anti-herói - de seu conto é o jovem palafreneiro de um cavaleiro que Adrien me faz ver ser uma péssima companhia. Uma guerra apocalíptica divide e isola os humanos em batalhas intermináveis das quais nada resultará. O palafreneiro inicia um combate ridículo e, condenada ao insucesso, uma cruzada desesperada e sacrificial contra as forças da morte que dominam o mundo inteiro. Seu enredo dá-nos à mostra uma versão metafórica do fora-do-tempo de morte e de desolação que impregna seu psiquismo. Ao descrever esse universo caótico, presa da violência e da morte, Adrien apresenta-nos uma primeira versão de um fantasma de aniquilação e de destruição ao qual ele se confronta. Uma atmosfera de luto plana, tanto no seu enredo quanto na sua vida - atmosfera sobre a qual ele se apoia: seu herói é uma presa da solidão extrema e ele não pode lutar contra a violência ambiente, mesmo se ele o tente.

Podemos discernir também nesse texto o esboço de uma tentativa de desalienação, já que o palafreneiro, ainda que submetido a seu mestre - tal qual Sancho Pança -, vai tentar libertar-se dessa relação sob desumana influência. Nesse sentido, o texto de Vincent poderia inscrever-se em um processo mais geral de subjetivação, processo que R. Cahn define como um

processo de diferenciação que permitira, a partir da exigência interna de um pensamento próprio, da apropriação do corpo sexuado, da utilização das capacidades criativas da psique e a aptidão de representar-se enquanto atividade representativa, desdobrar-se de alguma forma. Aptidão que vai de mãos dadas com o descomprometimento com a desalienação em relação ao poder, ao gozo do outro, com a transformação do superego e a constituição do ideal do ego (Cahn, 1999, p. 36).

Sem dúvidas, há nesse enredo a tentativa de definição de uma identidade que libertaria do objeto, tentativa que ao mesmo tempo se choca com a dominação do objeto e com a dificuldade de sair de tal situação. Indubitavelmente, a dominação do pai, militar de carreira, poderia ser perceptível na encenação do casal sadomasoquista do palafreneiro e do cavaleiro, dominação que produz em Adrien fantasias homossexuais passivas tão angustiantes quão intrusivas. Essa guerra também é uma guerra de libertação.

"Durante esse tempo, ele [o adolescente] vai tentar substituir o espaço que facilita a imposição de limites, permite o exercício das atividades de domínio e de dominação pelo recurso à ação e oferece possibilidades de figuração", escreve Ph. Jeammet (1985, p. 154). A guerra que devasta a terra inteira substitui e anula o tempo em um apocalipse interminável. Tal enredo não é concebível fora da relação transferencial dentro da qual toma forma e sentido. Como pensa J. André:

O trauma ao qual a experiência psicanalítica se faz confrontar não é necessariamente sexual - ou, ao menos, não apenas. Mas seu tratamento é sempre sexual; a sexualidade (infantil), sua polimorfia, sua plasticidade libidinal fracassa em intrometer-se, em impor sua exigência de transformação, e é o próprio tratamento psíquico que é comprometido (André, 2010, p. 68).

No ateliê, Adrien não é agressivo, mesmo quando ataca minha dita hipocrisia: ele se mostra, na verdade, deprimido, vazio, com uma vivência pouco estimada de si mesmo - o que se reflete em seu enredo. Ele não para de pedir-me que o chame de inútil, que o julgue, que o critique; mas, pelo contrário, toda vez que leio um trecho, digo-lhe que está "muito bom" e que ele precisa seguir nessa via - coisa que o faz retrucar que sou dúplice e que o acho ruim sem exprimi-lo em palavras. Nesse jogo, há certa sedução transferencial, que abre a possibilidade de confiança mútua e intimidade. Eu sou guerreiro e ele meu ajudante, mas nesse "jogo" também se vivencia a complexidade das relações do superego e do ideal do ego. Seu enredo demonstra uma imagem idealizada de si mesmo - ao mesmo tempo, escritor, narrador e personagem - "engrandecido" pelo gesto fálico do escriba.

Mas a essa idealização - por ele reconhecida e da qual ele tem medo e vergonha - ele opõe a visão grotesca do ajudante que pensa ter algum tipo de influência sobre guerras que, na verdade, ultrapassam de longe sua capacidade de interferência. Esse primeiro enredo é o de um apocalipse pubertário que se abre sobre um fora-do-tempo catastrófico, mas os enredos seguintes serão baseados na reconstrução, redescobrindo assim uma temporalidade em movimento.

 

O estuprador psicopata

Para sua segunda história, Adrien tem um projeto específico que me é revelado primeiramente: ele deseja contar a história de um serial killer pedófilo, que estupra e mata suas vítimas, mas o leitor deve entender que o narrador é, na verdade, o homem perigoso, o homem realmente insano da história. É dele que o leitor deve ter medo no fim das contas, ao ponto de duvidar se a história contada seria de alguma forma autêntica. O texto que Adrien escreve é lacunar, composto por frases interrompidas, como um fôlego que não conseguisse estabilizar-se. O narrador "é" e "não é" o psicopata. Ele se refere a um "eu" sem que saibamos ao certo quem fala na realidade. Da mesma maneira, as vítimas são "eles" indiferenciados.

Com essa história, Adrian visa reescrever o incesto cometido por seu avô, atribuindo-se o papel do carrasco. Seu texto faz claramente a pergunta "quem é o culpado?" e parece responder: "o culpado não é quem parece ser". O narrador "é" e "não é" o psicopata. Ele enuncia um "eu", mas não se sabe de quem se fala realmente. Da mesma forma, as vítimas são todas tidas por "eles" indiferenciados:

Eles nem sequer se defendem mais. Eles me esperam, eles imploram pela minha piedade, mas eles se deixam enganar e são felizes quando chega a hora deles. Eles estão estendidos no chão, com o olhar fixo em mim, eles não deveriam se mexer mais, porém...
Seus olhos... Eu... não consigo...
Como eles conseguem me olhar assim?

Confundindo assim o narrador onisciente e o estuprador protagonista, Adrien expressa sua culpabilidade de testemunha ocular que participa no incesto, já que ele fora testemunha deste e agora o revive em sua narração. O texto passa-se inteiramente no presente, um presente que expõe a tangibilidade extrema de um trauma que ainda não faz parte alguma de seu passado. Os personagens confundem-se e a temporalidade ofusca-se. A derrota traumática, o atrito das categorias temporais e espaciais - além da confusão identitária gerada pelo incesto - transparece na história. Os "olhos" desempenham um papel essencial no texto: olhos aterrorizados das vítimas e das testemunhas, olhos que se feriram por haverem visto demais:

veja estes olhos
de garotinho
veja estes olhos, passam medo
ele sofre como se fosse com ele
algo escorre e agora o brinquedo está sujo
sua mãe bem quis jogá-lo fora
mas acho que ele gosta disso.

Quem olha? Quem tem um olhar aterrorizado? O estuprador e assassino? A criança? O leitor? A testemunha? Os personagens confundem-se e a temporalidade ofusca-se na narração do trauma: a mão, que rejeita e abandona, "quis jogar fora" antes um brinquedo que fora "sujo" pelo aqui e agora do estupro. Mas esse texto é também uma declaração pública, que ataca e vilipendia o avô, esse homem que jamais fora nem incomodado nem condenado e que continua a levar sua vida depois de seus feitos.

uma algazarra preocupante, já faz tanto tempo,
só faltam apenas
mais alguns passos
e tudo vai ficar bem
tudo vai ficar às vistas
por um tempo tudo vai se acalmar
de toda forma
ele não fez nada de errado
e o outro não poderá dizer nada.

Adrien, que se identifica com ele, tenta compreender as motivações de tal ato, descreve sua impressão de derrota, a angústia de uma violência insuportável. Parece-nos claro que Adrien se encontra em um momento de metabolização do traumatismo. Sua narração desempenha, ao mesmo tempo, a sideração pós-traumática e o desprendimento que transparece nas representações que ele faz no domínio admirável de um dispositivo narrativo complexo. No entanto, ele interrompe abruptamente seu texto, decretando que "não lhe interessa mais" e que "é um lixo". Quando lhe entrego esse texto, depois de mais de um ano, ele sorri e me diz: "Ah, é! Ele já foi meu durante um tempo, mas agora é coisa do passado". O tempo finalmente passou.

 

O amante sacrificado

A terceira história de Adrien possui uma intriga complexa que ele teve de explicar inúmeras vezes sem que eu tenha realmente certeza de havê-la entendido. Três personagens vivem juntos, mas não sabem disso e não se conhecem. São dois homens e uma mulher. A garota não tem nome e não é realmente uma personagem. Adrien explica-me que ela é a noite. Victor, um dos homens, corre risco de morte por inanição. Ele não quer comer por pensar que, caso contrário, "ele dormiria em uma simplicidade intolerável". Ele não quer tampouco dormir para ver a garota. Mas ele não sabe que só pode vê-la à noite. "É mais fanatismo do que amor. Como uma religião. De todo modo, eles não se podem apaixonar um pelo outro", me diz Adrien. O outro homem, Pierre, sofre de amnésia por haver caído de uma árvore e fala com as árvores para tentar entender o que aconteceu com ele: "Ele é muito solitário" - me diz Adrien. "Na verdade, ele é ninguém". Os dois homens vão acabar matando-se pela garota: "Victor vai acabar pensando que o outro homem tem intenções ruins contra a garota, mas o outro não dá a mínima para ela, já que pensa apenas nas árvores".

Ela está lá,
cuidando deles,
pensando que eles dormem.
Eles não se atrevem a mexer,
com medo de suas nuvens
e do que elas formam.

A tonalidade e a problemática dessa última história são sensivelmente diferentes: a triangulação edipiana está impregnada ali, levando ao assassinato do suposto rival. O encontro com o objeto genital é descrito, mesmo se esse encontro seja fonte de fracassos e de mal-entendidos: Victor espera pela filha de dia, mas ela vem apenas à noite, já que ela é a própria noite. Estamos aqui na canção de Charles Trenet, Le soleil a rendez-vous avec la lune (O sol tem um encontro com a noite)!

Com olhos azuis, rosto pálido e fino

(fino é a palavra mais adequada),
criado por uma raposa e uma coruja,
dorme no mais das vezes o dia
e se desperta à noite
para se lamentar
de não a haver visto, ela e o sol.
Ele se alimenta muito pouco
e se tornou
a presa
de todos os predadores imagináveis -
começando pela raposa
a quem ele pedia conselhos constantemente.

Uma coruja e uma raposa que o devoram, como se fossem seus pais: a ambivalência está aqui presente e o desejo de assassinato do pai vira seu inverso e é vivido como o infanticídio de um pai que seria, ao mesmo tempo, um Cronos predador e um Ulisses em quem não se deve confiar. Temos aqui então, ao mesmo tempo, a espera pelo encontro e a impossibilidade desse mesmo encontro que é encenado. A temporalidade retoma suas rédeas e a alternância entre dia e noite passa a ritmar a narração, ao mesmo tempo que impede a união entre os dois amantes. O desejo e a proibição introduzem-se em uma história que tem uma organização diferente das duas outras precedentes, além dos personagens terem aqui um passado e um futuro.

Segundo J. Guillaumin, a atividade da escritura durante a adolescência participa do trabalho psíquico de diferenciação e de separação para com as imagos parentais:

Parece-me inevitável aceitar nisso [na atividade da escritura] - mas sem a esperança ilusória da subjetivação total por estarmos atrelados a essa mesma atividade - a marca do trabalho induzido no aparelho psíquico do grupo familiar estendido, pelo próprio indivíduo em busca de sua diferença para obrigá-lo a colaborar com a separação pós-pubertária: segundo e doloroso nascimento, antes do terceiro - invertido - que será o da morte ou da involução. Como o primeiro e o último, esse nascimento exige dos participantes e encena a ruptura de um invólucro que os demais carregam (Guillaumin , 2001, p. 106-107).

Nesse sentido, a obra é um verdadeiro escudo de Perseu que protege da castração e até mesmo da desorganização psíquica. Dando sequência a essa atividade, Adrien prova que tem vontade de retomar uma escolaridade há tanto tempo interrompida. Para além de uma "ruptura da história" e de uma "interrupção do desenvolvimento", simbolizados - ao mesmo tempo - pela interrupção de sua escolaridade, pelo enclausuramento em sua própria casa e pela sua entrada no hospital-dia, algo pode a partir de então inscrever-se em uma continuidade que, ligando o passado ao presente, abre-se ao futuro.

A narração possibilitou a Adrien a invenção de uma nova relação para com o tempo. Sua fantasia narcisista de matar o tempo, fantasia que visava extinguir todo desejo pela exaltação da morte, depois de encarnar-se em sua primeira história, deu espaço para o desabrochamento da sexualidade - sem dúvidas traumatizada, mas suscetível a se conectar na segunda e na terceira histórias. Assim, é pelo fato de o tempo do psicanalista dever ser ligado ao desejo que ele é suscetível, por essa mesma razão, a toda refutação absoluta da parte de um narcisismo que nada mais quer saber do outro. Para Adrien, a suspensão do tempo tomou sentido em uma estratégia mais generalizada de negação de uma pulsionalidade suscetível de sujar o ego de forma traumática, mas ela foi também transitória e pôde abrir-se a uma reapropriação de uma temporalidade processual.

As histórias não foram apenas simples testemunhas dessa reapropriação, mas foram o meio de elaboração dessa nova temporalidade, de tal forma que o tempo aparece como o correlato do enredo e não seu pressuposto. O tempo é o correlato do enredo. Com essas diferentes histórias, pode-se dizer que Adrien inventou para si um tempo psíquico, um tempo no qual, como Freud escreveu, "passado, presente, futuro perfilam-se todos por meio do desejo que os atravessa" (Freud, 1908/2007, p. 165).

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 10/12/2015
Aprovado para publicação em: 02/02/2016

Endereço para correspondência
Isée Bernateau
E-mail: isee.bernateau@orange.fr

 

 

*Psicanalista, professora do UFR Etudes Psychanalytiques, diretora da licenciatura em psicologia, Universidade Paris-Diderot - Paris 7.

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