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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.50 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2018

 

DOSSIÊ

 

Ambiente e integração no processo de desenvolvimento emocional: reflexões a partir do trabalho com crianças em situação de risco psicossocial

 

Environment and integration in the process of emotional development: considerations based on the experience of working with children at psychosocial

 

Ambiente e integración en el proceso de desarrollo emocional: reflexiones a partir del trabajo con niños en situación de riesgo psicosocial

 

 

Maira Brandão Benedito*; Nadja Nara Barbosa PinheiroI**

IUniversidade Federal do Paraná - UFPR - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta reflexões que puderam ser realizadas com base na teoria winnicottiana a partir da atuação da primeira autora como psicóloga no Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas da Infância e Juventude (NIAPVIJ) do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Inicia pela apresentação de uma reflexão sobre a concepção de ambiente na teoria winnicottiana para então oferecer um panorama da proposta municipal de atendimento às crianças em situação de risco, assim como a legislação que sustenta essa proposta. Na sequência, propõe uma reflexão sobre a função do ambiente no desenvolvimento emocional primitivo, tal como postulado por Winnicott, articulando-a ao processo de integração. O personagem literário Humpty Dumpty é utilizado como recurso metafórico para ilustrar esse processo primitivo de organização subjetiva. Finaliza destacando algumas consequências dessas reflexões para nosso trabalho diário.

Palavras-chave: psicanálise, ambiente, risco psicossocial, desenvolvimento emocional, Winnicott.


ABSTRACT

This article presents considerations based on Winnicott's theory that were originated from the professional experience of the first author as a psychologist at the Psychosocial Unit of a Children's Court in Curitiba. Initially, the concept of environment is presented according to Winnicott's formulations. Following on, an overview of the municipal proposal of care for children at risk is displayed as well as the legislation that underpins this proposal of care. In the sequence, some thoughts on the role of the environment in the primitive emotional development, as proposed by Winnicott, are presented, articulating it to the process of integration. The literary character Humpty Dumpty is used as a metaphorical resource to illustrate this primitive process of subjective organization. It ends by highlighting some consequences of this perception for our daily work.

Keywords: psychoanalysis, environment, psychosocial risk, emotional development, Winnicott.


RESUMEN

Este artículo presenta consideraciones que pudieron realizarse en función de la experiencia profesional de la primera autora como psicóloga en la Unidad Psicosocial de un Tribunal de Menores en Curitiba. La teoría de Winnicott fue la base fundadora de las reflexiones propuestas en este documento. Inicialmente, el concepto de ambiente se presenta de acuerdo con las formulaciones de Winnicott. A continuación, se muestra una descripción general de la propuesta municipal de cuidado para niños en riesgo, así como la legislación que respalda esta propuesta de cuidado. En la secuencia, se presentan algunos pensamientos sobre la función del ambiente en el desarrollo emocional primitivo, como lo propone Winnicott, articulándolo al proceso de integración egoica. El carácter literario de Humpty Dumpty se utiliza como un recurso metafórico para ilustrar este proceso primitivo de organización subjetiva. Termina resaltando algunas consecuencias de esta percepción para nuestro trabajo diario.

Palabras clave: psicoanálisis, ambiente, riesgo psicosocial, desarrollo emocional, Winnicott.


 

 

Ao longo dos últimos anos, a atuação do psicólogo no campo jurídico tem se tornado cada vez mais frequente. Compondo, ao lado de outros profissionais, as equipes que cuidam tanto das estratégias de políticas públicas quanto das ações imediatas com os usuários, os psicólogos têm enfrentado desafios e impasses na construção de seu trabalho diário. Partindo do princípio de que tais impasses e desafios devam ser enfrentados e sustentados em premissas teóricas que permitam a construção de alternativas concretas para com eles lidar, acreditamos que a contribuição genuína que a universidade possa ofertar seja a de compor um campo de teorização rigoroso que sustente as diretrizes do trabalho do profissional de psicologia nos diversos contextos em que este se apresenta.

Alinhado a essa proposta, o Laboratório de Psicanálise da Universidade Federal do Paraná se apresenta como um local no qual inúmeras pesquisas, da pós-graduação em psicologia, vêm sendo desenvolvidas. Em sua grande maioria, as questões que as norteiam germinam de inquietações emergentes no exercício profissional cotidiano dos pesquisadores. Na sequência, os resultados alcançados nas investigações conceituais realizadas revertem para a construção de propostas de trabalho consolidadas sobre bases teóricas sólidas. Em nossa opinião, esse trajeto define uma das principais funções da universidade na medida em que o conhecimento construído em seu âmbito pode ser utilizado como instrumento de transformação tanto social quanto individual.

Nesse sentido, este artigo se apresenta como exemplar dessa nossa proposta. Ele expõe os resultados da pesquisa de dissertação desenvolvida pela primeira autora a partir das inquietações suscitadas em seu trabalho profissional como psicóloga no Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (NIAPVIJ) com crianças em situação de risco. Nele, a observação de que, frequentemente, os direitos assegurados legalmente à infância e à juventude são violados de várias maneiras, iniciou o processo de investigação teórica. Seguindo as indicações do Ministério da Saúde, o qual indica que essas situações de violação podem ser exemplificadas pela negligência de seus responsáveis - sobretudo com a saúde, a alimentação e a higiene - e com a violência física, psicológica e sexual, observamos que, independentemente do tipo de violação constatada, o que marca a semelhança entre elas é o fato de que o contexto ambiental em que a criança vive seria o responsável por efetivá-las.

Assim, partindo dessa constatação, pudemos definir que o ambiente no qual essas crianças vivem cotidianamente deveria ser o foco de nossa análise e estudo. Em desdobramento, especificamos dois aspectos acerca do ambiente para iniciarmos nossa investigação: a) possivelmente, as crianças que são encaminhadas para avaliação e acompanhamento já se defrontaram com falhas ambientais anteriormente; b) as medidas protetivas aplicadas anteriormente ao encaminhamento não se mostraram suficientemente eficazes, de forma que o acolhimento institucional de tais crianças se fez necessário, podendo culminar em sua colocação em família substituta na modalidade adoção. Em ambas, as condições do ambiente se apresentam como primordiais para o êxito de nosso trabalho.

Aplicar o foco de nossa análise sobre as condições ambientais nas quais as crianças vivem nos fez recorrer à teoria desenvolvida por Donald-Woods Winnicott, na medida em que o autor enfatiza a importância vital do ambiente para o desenvolvimento afetivo e emocional dos indivíduos, principalmente naquilo em que o ambiente estaria relacionado a uma das principais conquistas emocionais primitivas a ser efetivada por todos os seres humanos: a conquista de uma sensação de singularidade, ou seja, de que se é um ser individual, distinto dos demais semelhantes. Processo este que o autor denominou de integração.

Assim, com o intuito de ilustrar de que forma podemos fazer uso da compreensão de ambiente apresentada por Winnicott, inicialmente traremos algumas das formulações winnicottianas a esse respeito. Na sequência, com o intuito de ilustrar de forma mais precisa a maneira como nossa atuação ocorre , apresentaremos um panorama das situações que são encaminhadas para nosso acompanhamento no Poder Judiciário. Posteriormente faremos o uso de pequenos trechos da literatura, centralizados no personagem Humpty Dumpty, para uma ilustração de momentos muito primitivos da constituição subjetiva, que são traduzidos com muita singeleza e precisão pelos autores selecionados. Por fim, teceremos algumas considerações teóricas sobre as funções ambientais em relação à integração no processo de desenvolvimento emocional infantil, tal como o concebe Winnicott, que ofertarão as bases para apresentarmos como os resultados de nossa investigação reverteram para nosso trabalho profissional cotidiano.

 

A unidade (múltipla) ambiente - indivíduo

As contínuas referências da teoria winnicottiana ao ambiente atestam que haveria algo denominado ambiente suficientemente bom que possibilitaria ao bebê alcançar as vivências pertinentes a cada etapa de seu desenvolvimento, ponderando também que existiria o ambiente não suficientemente bom que distorceria o desenvolvimento do bebê (Winnicott, 1956/2000).

Tal como proposto em Benedito (2015), consideramos salutar definir o que pode ser entendido como ambiente sob a perspectiva winnicottiana e, para tal, recorremos a Abram (2000), que destaca que o primeiro ambiente que se constitui para o bebê é a mãe, realçando que, no princípio, estão fundidos em uma unidade que poderia ser denominada ambiente-indivíduo.

Ao afirmar enfaticamente "isso que chamam de bebê não existe" (Winnicott, 1952/2000, p.165), Winnicott chama atenção para o fato de que ao observarmos um bebê não o encontraremos sozinho e, sim, associado a alguém que dele cuida, atestando mais uma vez que o que existe no início está além do indivíduo e corresponde à unidade ambiente-indivíduo. Com essa observação, Winnicott situa como as coisas seriam antes de serem estabelecidas as relações de objeto e, a partir de sua teoria, nos é possível compreender que muito já aconteceu no desenvolvimento emocional do indivíduo antes que ele se torne capaz, ou não, de estabelecer relações objetais, que serão vivenciadas de modos sempre singulares.

É de fundamental importância mencionarmos que, para Winnicott (1963/1983), a adaptação aos processos de maturação da criança é algo extremamente complexo, que traz exigências aos pais, salientando que, paradoxalmente, no início a mãe seria o ambiente favorável, mas que "ela necessita de apoio a esta época, que é melhor dado pelo pai da criança (digamos seu esposo), por sua mãe, pela família e ambiente social imediato" (Winnicott, 1963/1983, p. 81). Dessa forma, podemos compreender que, ainda que o psicanalista inglês relacione a mãe a esse ambiente inicial, explicita que ela não se encontra só e necessita do apoio externo para que possa exercer tão importante função.

Ainda a esse respeito, Winnicott (1962/1983) afirma que seria esse apoio que protegeria a mãe da realidade exterior e a capacitaria para proteger o filho de fenômenos externos imprevisíveis que poderiam levar a criança a produzir uma reação, como defesa, o que poderia prejudicar seus processos de integração. Ao escolhermos tratar do conjunto ambiente-indivíduo, que como vimos se refere à unidade mãe-bebê, ao mesmo tempo que vai além desta, declaramos aceitar o convite feito por Winnicott (1960/1983) para que não apenas reconheçamos que o ambiente é importante, mas que compreendamos que nos estágios iniciais o infante e o cuidado materno pertencem um ao outro, não podendo ser concebidos separadamente.

Assim, cabe-nos destacar que ao tratar de questões relativas ao ambiente com base na teorização winnicottiana, estamos compreendendo que o ambiente, ainda que não as exclua, não se limita a variáveis externas, e permite que consideremos que a criança e quem dela cuida têm parte em sua composição, especialmente a partir desse conjunto que inicialmente pode se constituir entre o bebê e a mãe.

Consideramos salutar que, ao nos referirmos à importância atribuída à mãe pela teoria Winnicottiana, compreendamos que ela não se limita à pessoa concreta da mãe, mas às suas funções, e se relaciona intimamente a alguém com a disponibilidade para se dedicar à causa da criação do filho, em especial no que se refere à propensão de apresentar o estado de preocupação materna primária, momento importantíssimo para o desenvolvimento emocional que foi destacado por Winnicott ao longo de sua obra. Estado subjetivo este que, para sua sustentação, conta, além do apoio familiar e social, com toda a rede psíquica e simbólica estruturante do psiquismo materno.

Em nossa concepção, o alcance de um conhecimento profundo acerca das funções do ambiente, em suas relações com o processo de integração, para o desenvolvimento emocional infantil nos auxiliaria perceber quais funções não estariam sendo realizadas para as crianças com as quais trabalhamos e que a partir daí demandariam uma intervenção de nossa parte no sentido de que seus direitos básicos sejam garantidos.

 

A prática - berço das inquietações

A atuação profissional como psicóloga de uma das autoras ocorre no Núcleo de Integrado de Apoio Psicossocial das Varas da infância e Juventude do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Lá são determinadas intervenções com crianças, adolescentes e famílias que se encontram em uma situação de extrema vulnerabilidade pessoal e social. Compreende-se que muitas vezes essa intervenção se dá em virtude do ambiente não ter se mostrado, até o momento da intervenção requerida, suficientemente bom para o desenvolvimento emocional.

Quando há uma situação de violação de direitos, diversas instâncias podem atuar conjuntamente para sua resolução, contudo é atribuição do Juiz da Infância e Juventude, e também do Conselho Tutelar, a aplicação de medidas protetivas, com exceção das medidas de acolhimento institucional e familiar e de colocação em família substituta, que são de competência exclusiva do magistrado da Infância e Juventude.

Podemos localizar na Lei 80.069 - Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (1990) - dois artigos que dispõem especificamente sobre as medidas a serem aplicadas caso haja situações de violação de direitos. No artigo 101 elas são denominadas "Medidas de Proteção" e são dispostas da seguinte maneira:

I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II- orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III- matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII- acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar;
VIII- colocação em família substituta (ECA, 1990)

Por sua vez, as medidas previstas no artigo 129, do mesmo diploma legal, são denominadas "Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsável" e estão dispostas nos seguintes incisos:

I- encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento à alcoólatras e toxicômanos;
III- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV- encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V- obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;
VI- obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;
VII- advertência;
VIII- perda da guarda;
IX- destituição da tutela;
X- suspensão ou destituição do poder familiar (ECA, 1990)

Consideramos de fundamental importância a apresentação de tais medidas, uma vez que a atuação como psicóloga no NIAPVIJ está intrinsecamente vinculada a elas, em especial em decorrência dos encaminhamentos que nos são possíveis frente a uma situação de violação de direitos.

Conforme observamos, em diversos casos se faz necessária a intervenção judicial para que mais uma vez se busque o cumprimento da Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, tal como promulgado pelo ECA (1990) em seu art. 1º. É também a referida Lei que preconiza em seu artigo 4º que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (ECA, 1990)

Interessante observarmos a necessidade de uma legislação que assegure os direitos básicos das crianças e adolescentes e atribua essa responsabilidade à família, comunidade e ao Estado. Podemos conjecturar que, assim como indicam Freud e Winnicott, tais questões não poderiam ser tomadas como previamente garantidas, de maneira mecânica e biologicista, sendo necessária a participação ativa dos envolvidos.

Uma vez esclarecidos os deveres estabelecidos pela Lei, o que podemos verificar é que as situações que são encaminhadas para a intervenção do NIAPVIJ possuem em comum o fato de evidenciarem possíveis falhas do ambiente, que naquele momento talvez não ofereceria à criança e ao adolescente as condições necessárias para seu desenvolvimento físico e/ou emocional. Notamos, também, que, justamente por evidenciarem lacunas, tais situações requerem prioritariamente o (re)estabelecimento de um ambiente estável, para que o desenvolvimento emocional se inicie ou tenha continuidade.

Quando é constatada uma situação de risco, ocorrem tentativas de intervenção, inicialmente com o intuito de fortalecimento do grupo familiar para que ele possa exercer suas funções de proteção básica. Após a aplicação de tais medidas, é avaliado seu efeito na promoção de um ambiente relativamente seguro para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Em caso de ineficácia, outras medidas se mostram necessárias e então é aplicada a separação da criança ou adolescente desse ambiente que se mostrou instável e um grande risco para seu desenvolvimento.

Convém ressaltarmos que essa situação de risco é avaliada a partir do acompanhamento, intervenção e denúncias de diversos profissionais do Sistema de Garantias de Direitos, tais como escolas, unidades de saúde, conselhos tutelares, centros de referência de assistência social e também por meio de denúncias da comunidade em geral.

A situação de acolhimento institucional ou a inserção em programa de acolhimento familiar são previstas no ECA (1990) como medidas protetivas excepcionais e provisórias, devendo sua duração ser breve, apenas o suficiente para que ocorra o retorno familiar da criança ou adolescente em ambiente propício, ou, caso não haja essa possibilidade, ele seja encaminhada para colocação em família substituta na modalidade de guarda ou adoção.

O que podemos constatar em nossa prática diária é que ocorrem diversas dificuldades no retorno familiar dessas crianças, e que também são verificados percalços em sua colocação em família substituta, que por vezes tornam longo o período de acolhimento, o que pode inegavelmente provocar marcas no desenvolvimento emocional do indivíduo.

A partir dessas situações podemos destacar alguns pontos que nos parecem importantes. Partimos do princípio de que seja bastante provável que as crianças que são encaminhadas para o NIAPVIJ já vivenciaram experiências emocionais complexas, em seus ambientes familiares, antes de ser solicitada nossa avaliação e acompanhamento. Em inúmeros casos, as medidas protetivas aplicadas não se mostram eficazes, tornando o acolhimento institucional uma alternativa necessária a ser tomada para sua proteção. Por fim, o acolhimento institucional muitas vezes culmina com a colocação da criança em famílias substitutas na modalidade adoção. Ou seja, em todo esse percurso observamos a importância de estarmos atentos aos diversos contextos ambientais nos quais as crianças se inserem, pois cada um deles ofertará distintas possibilidades às crianças de vivenciarem esses complexos momentos de transição.

Fazemos a ressalva de que, precipitadamente, poderíamos adotar a ideia de que, uma vez privadas de um ambiente suficientemente bom no início de seu desenvolvimento, as crianças encaminhadas para acompanhamento no NIAPVIJ teriam poucas chances de atingir um desenvolvimento emocional considerado como saudável sob a perspectiva winnicottiana.

Porém, consideramos importante apresentarmos aqui duas ideias amplamente trabalhadas na obra winnicottiana que nos distanciam de uma compreensão determinista do desenvolvimento emocional. Primeiramente, é válido mencionar que um ambiente suficientemente bom não se refere exclusivamente às condições materiais nas quais é cuidada uma criança e igualmente que não nos é possível avaliar a partir de uma simples observação externa a qualidade do ambiente inicial e, em decorrência, o desenvolvimento emocional. Tais fatores assinalam a importância de um atendimento singular endereçado a cada criança, a cada família, avesso a uma compreensão com base em generalizações e requisitos preestabelecidos para serem atingidos por todos.

Devemos também lembrar que, para Winnicott (1967b/1975, p. 139), "a ausência de doença psiconeurótica pode ser saúde, mas não é vida", levando-nos a considerar a importância da conquista de um viver criativo e espontâneo. Tal perspectiva também pode direcionar nossa prática diária, que não precisa se limitar a uma busca por um enquadramento estabelecido externamente como melhor para aquela criança, mas sim se direcionar para a construção conjunta desse espaço juntamente com a criança, que, como vimos, é um sujeito de direitos, não negligenciando a participação indispensável do ambiente.

Para que possamos compreender melhor o estágio do desenvolvimento emocional em que se encontram as crianças que são enviadas para nosso encaminhamento, propomos o uso de alguns excertos literários que nos presenteiam com ilustrações desses momentos bastante primitivos do processo de construção subjetiva.

 

Rabiscos sobre o desenvolvimento emocional

O recurso à literatura se faz presente na teoria psicanalítica desde seus primórdios, tal como podemos verificar nas referências apresentadas por Freud (1900/1996) a Édipo Rei e Hamlet em seu texto "A interpretação dos sonhos". Também é dessa época uma das análises mais aprofundadas do referido autor acerca de uma obra literária, Gradiva, escrita pelo dramaturgo e romancista alemão Jensen (Freud, 1907[1906]/1996).

O referido psicanalista destaca:

E os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar. Estão bem adiante de nós, gente comum, no conhecimento da mente, já que se nutrem em fontes que ainda não tornamos acessíveis à ciência (Freud, (1907[1906]/1996, p. 20).

Sendo assim, nos propusemos, no presente artigo, a fazer uso desse conhecimento da mente encontrado nas produções culturais, inclusive por considerá-las como pertencentes ao espaço intermediário entre a fantasia e a realidade externa, espaço este cuja construção se inicia em um momento muito primitivo do desenvolvimento emocional do indivíduo. Tal construção depende tanto dos estorços empreendidos pelo indivíduo quanto das provisões ofertadas pelo ambiente. Como resultado desse esforço em conjunto na construção do espaço intermediário, encontra-se a possibilidade de execução de uma das mais importantes conquistas no processo de desenvolvimento emocional: a integração do Eu, isto é, o alcance da sensação de que somos uma pessoa singular, diferenciada das demais.

Winnicott (1952/2000), ao discorrer sobre a fragilidade do Eu durante o processo de integração, atesta que, do ponto de vista do bebê, a personalidade não tem seu início como algo completo, uma vez que parte de um momento de não-integração inicial que deixa, como resto, a sensação de que pode retornar. Assim, ocorre a necessidade de se manter, indefinidamente, um esforço na manutenção da sensação de integridade. Esforço para o qual concorrem tanto a participação do indivíduo quanto a do ambiente. Para melhor ilustrar tal contenda, o autor faz referência ao personagem Humpty Dumpty. Por meio desse personagem, Winnicott (1952/2000) procura retratar alguém que teria acabado de alcançar a sensação de integração e se tornado, em termos subjetivos, um ser singular.

Para o psicanalista inglês, o personagem representaria alguém que teria recém-emergido do conjunto ambiente-indivíduo e se veria sentado em cima do muro, onde não estaria mais sendo sustentado com devoção pelo ambiente. O autor observa que Humpty Dumpty estaria em um momento muito precário do seu desenvolvimento emocional, de extrema vulnerabilidade, diante da possibilidade de perder a integração recém-alcançada. Em nossa perspectiva, Winnicott (1952/2000) estaria nos indicando que o processo primitivo de amalgamar os fragmentos das vivências emocionais arcaicas, inerente ao processo de integração; é um momento frágil, complexo, instável e que necessita do apoio do ambiente para sua consecução.

Destacamos também que, de acordo com a teoria winnicottiana, não podemos entender as conquistas do desenvolvimento emocional como permanentes e absolutas, o que indica que a possibilidade de perder as integrações já alcançadas é passível de ocorrer com todos nós em alguns momentos de nossas vidas.

Diante da importância atribuída na obra winnicottiana à compreensão do processo de integração experienciado pelo indivíduo, e por entendermos que ele se mostra de extrema valia para que possamos compreender melhor os desafios de nossa prática com crianças em situação de risco, aprofundaremos nossas reflexões acerca da analogia apresentada.

 

Humpty Dumpty - A frágil emergência de um ser

Humpty Dumpty1 é um personagem popular de uma cantiga da língua inglesa, que também se faz presente na conhecida obra literária de Lewis Carrol, Através do espelho e o que Alice encontrou por lá, publicada em 1872, como continuação de sua obra Aventuras de Alice no País das Maravilhas.

Comecemos, pois, pela cantiga infantil:

Humpty Dumpty sentou-se em um muro
Humpty Dumpty caiu no chão duro
E todos os homens e cavalos do rei
Não conseguiram juntá-lo outra vez!2

Nossa compreensão é de que essa pequena estrofe muito está relacionada com o que Winnicott (1945/2000) expôs em sua teoria acerca do desenvolvimento emocional primitivo que foi impulsionada por sua prática clínica. Podemos pensar que, assim como o personagem, o indivíduo pode apresentar essa fragilidade no processo de integração que pode acarretar uma desintegração irreversível, tal como vimos na rima.

A cantiga se encerra a partir da conclusão de que nem todos os homens e cavalos do Rei conseguiram juntar os pedaços do personagem. A afirmação de que tal operação de reintegração não tenha ocorrido apesar dos esforços de todos os homens e cavalos do Rei, leva-nos a deduzir que estes haviam sido designados para tal tarefa. Ou seja, alguém externo teria determinado a terceiros que "juntassem os pedaços" de Humpty Dumpty, situação que em muito se assemelha às determinações de intervenção junto às crianças e suas famílias no contexto do Poder Judiciário, determinações que muitas vezes apresentam implicitamente as determinações: "conserte-as", "junte seus pedaços".

Por nosso turno, partindo das proposições winnicottianas sobre o processo de desenvolvimento emocional, cabe-nos hipotetizar que, se ao invés de homens e cavalos do rei, Humpty tivesse sido atendido por um cuidado pessoal, com destaque à dimensão afetiva desse cuidado, preferencialmente desempenhado por alguém em condições de desenvolver o estado especial de preocupação ao qual Winnicott (1956/2000) denominou de Preocupação Materna Primária, a situação poderia ter tido outro desfecho. Destacamos, ainda, que não podemos esquecer o potencial ao desenvolvimento emocional de cada um, o qual, para se concretizar, necessita encontrar no ambiente, condições para tal.

Como mencionado anteriormente, esse personagem também se faz presente na obra Lewis Carrol. Em seu livro Através do espelho e o que Alice encontrou por lá (1872), o referido autor dedica um capítulo para o relato do encontro de Alice com Humpty Dumpty.

No livro em questão, Carrol narra a jornada de Alice por um mundo mágico que a menina encontra ao atravessar o espelho de sua casa, um mundo que seria repleto de fantasia e personagens enigmáticos, no qual ela teria um percurso a fazer para se tornar uma rainha, tal como aquelas vistas em um jogo de xadrez.

No que se refere especificamente ao encontro de Alice com Humpty Dumpty, o autor nos presenteia com uma rica experiência que podemos compreender em termos do desenvolvimento emocional primitivo. O contato entre os dois personagens se deu em uma loja, na qual o ovo estaria à venda e a menina interessada inicialmente em comprá-lo.

Quando Alice o visualizou sentado em cima de um estreito muro e percebeu que ao se aproximar ele ficava cada vez maior e com traços humanos, com olhos, nariz e boca, viu que se tratava do famoso personagem da rima infantil, o próprio Humpty Dumpty. Mesmo com sua aproximação, a menina observou que o ovo mantinha os olhos fixos na direção oposta e que não tomava conhecimento de sua presença, o que a fez pensar que se trataria de alguém presunçoso. Quando Alice verbalizou sua constatação de que de fato aquele enigmático personagem pareceria um ovo, ele teria dito, sem lhe dirigir o olhar, que ser chamado de ovo o irritava. Em seguida, a menina demonstrou estar incomodada por considerar que aquilo não se assemelhava a uma conversa, pois, ao falar, Humpty Dumpty não se dirigia a ela.

Tal excerto do diálogo nos chamou atenção porque nos possibilitou pensar que para que ocorra de fato uma comunicação é necessário que haja o reconhecimento do outro, viabilizando que houvesse entre eles uma troca, tal como pode ser construída entre uma mãe e seu bebê. Cabe-nos, contudo, fazer a ressalva de que uma comunicação não está restrita apenas aos aspectos linguísticos de uma fala, uma vez que há comunicações que podem ser silenciosas e verbalizações que não são comunicações. Podemos dizer que Humpty Dumpty falava, porém não demonstrava estar se comunicando com Alice. Nesse sentido, destacamos que, para que o desenvolvimento emocional se processe de forma a assegurar ao bebê uma sensação de singularidade, é necessário o estabelecimento de uma comunicação mútua entre ele e sua mãe. Tal como mencionado acima, ressaltamos que essa forma de comunicação não se restringe ao campo da fala, e pode também se concretizar pelos gestos, olhares, modo de segurar ao colo, de oferecer os cuidados necessários à manutenção da vida do bebê.

Na sequência da história, a menina se lembrou da cantiga infantil, à qual nos referimos anteriormente, e como não havia sido estabelecida uma comunicação com o enigmático ovo, Alice repetiu-a para si mesma fazendo um comentário logo a seguir. Nesse momento Humpty Dumpty a advertiu para que não falasse sozinha e solicitou que se apresentasse falando seu nome e ocupação. Ao ouvir o nome de Alice, Humpty Dumpty considerou-o como um nome bobo, questionando-lhe sobre seu significado. A menina, porém, questionou a necessidade de um nome significar alguma coisa, ao que Humpty imediatamente respondeu que seu nome, por exemplo, significava seu formato, alegando que ela, com o nome que tinha, poderia possuir qualquer formato.

Esse trecho da conversa nos indica a função de denominação do nome, pois o personagem atesta que seria ele que propiciaria seu reconhecimento. Podemos conjecturar que tal afirmação estaria de acordo com a perspectiva psicanalítica, visto que nos indica ser impossível situar a existência de alguém apenas a partir de seu nascimento, afirmando que para que alguém possa ser é necessário, dentre outros inúmeros fatores, que alguém nele invista, nomeando-o, dando-lhe contorno. Por outro lado, tal passagem, aponta também para a fragilidade de tal momento no processo de desenvolvimento emocional. Pois, se por um lado o investimento parental constrói um ideal a partir do qual a criança possa se reconhecer, abrindo-lhe as possibilidades de ser singularmente, o mesmo processo pode significar o aprisionamento do ser nesse ideal que lhe foi ofertado pelos pais. Dessa forma, tal operação, pode significar a indicação do que se É, não a abertura de um potencial vir-a-ser.

Ao despedirem-se, Alice e Humpty Dumpty tiveram o seguinte diálogo:

"Adeus, até a próxima!" disse [Alice] no tom mais jovial que pôde.
"Eu não a reconheceria se nós nos encontrássemos", Humpty Dumpty respondeu num tom desgostoso, dando-lhe um de seus dedos para ela apertar: "você é tão exatamente igual às outras pessoas".
"Em geral é o rosto que conta", Alice observou, pensativa.
"É justamente do que me queixo", disse Humpty Dumpty. "Seu rosto é igual ao de todo mundo... os dois olhos, tão..." (marcando o lugar deles no ar com o polegar), "nariz no meio, boca embaixo. É sempre a mesma coisa. Agora, se você tivesse dois olhos do mesmo lado do nariz, por exemplo... ou a boca no alto... isso seria de alguma ajuda" (Carrol, 1872/2009, p. 252).

Tal excerto nos conduz a uma reflexão acerca da precariedade da organização psíquica novamente retratada através do personagem Humpty Dumpty, que não demonstra ter estabelecido uma distinção satisfatória entre o Eu e o não-Eu, de modo que não lhe seria possível reconhecer o outro em um reencontro, posto que, segundo Winnicott, faz-se necessário que a distinção entre Eu e o Não-Eu se consolide para que tanto cada um se reconheça como singular quanto reconheça os outros como pessoas diferenciadas. Para que tal processo se estabeleça, Winnicott (1967b/1975, 1968/2013) nos indica que o bebê faria uso do rosto da mãe como um espelho, no qual veria a si próprio quando as condições fossem favoráveis. Assim, consideramos útil também retomar a assertiva apresentada pelo autor em seu artigo sobre o papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil, no qual afirma que, talvez, ao mamar, o bebê, ao invés de olhar para o seio, olhe para o rosto da mãe, considerando que geralmente o que ele veria seria ele mesmo, pois a mãe estaria olhando para o bebê e aquilo com o que ela se parece estaria relacionado com o que ela vê ali (Winnicott, 1967b/1975).

Também é possível retomarmos a formulação winnicottiana de que para que haja uma identificação do bebê com sua mãe que possibilite uma paulatina diferenciação entre eles é necessária certa consistência egoica, que paradoxalmente só é construída ao longo do tempo através de um estado de dependência absoluta, no qual o ego da mãe está identificado ao ego do bebê, apoiando-o. Dessa forma, podemos pensar que na situação retratada pelo personagem Humpty Dumpty possivelmente houve uma falha no processo de integração.

 

Considerações finais

Através do recurso à literatura foi possível expandirmos nossas reflexões acerca de um momento muito primitivo do desenvolvimento emocional e assim pudemos elucidar a fragilidade desses processos iniciais que ocorrem na vida do indivíduo e que se repetem em toda sua extensão, culminando no destaque da dimensão afetiva para o estabelecimento de relações e para a constituição subjetiva.

Restou claro que o percurso do desenvolvimento emocional deve ser construído a partir do estabelecimento de uma relação primordial, que não pode ser considerada como existente a priori, entre uma mãe, ou quem se encontra disponível para o estado de preocupação materna primária, e o bebê.

Concluímos que para nossa atuação profissional é vital a aceitação do paradoxo de que não haveria um indivíduo antes de uma relação, e que ele surgiria justamente a partir de uma relação, que por sua vez lhe permitiria emergir para que então pudesse se relacionar.

Ao longo deste trabalho, buscamos demonstrar o modo como a prática profissional no NIAPVIJ impele a uma reflexão acerca do desenvolvimento emocional e sobre o que é possível ser feito quando nos deparamos com situações de violência que acometem crianças e adolescentes.

O trabalho diário com crianças que tiveram seus direitos básicos assegurados por lei de alguma forma violados foi o disparador de inúmeras questões. No presente artigo, procuramos manter nosso foco de análise sobre uma delas: a importância do ambiente, em suas relações à integração, no processo de desenvolvimento emocional primitivo.

Recorrendo às ideias postuladas por Winnicott, partimos do princípio de que no início da vida o bebê encontra-se em um estado de indiferenciação em relação ao ambiente de tal forma que para que o processo de singularização se realize seja necessária a concorrência de dois potenciais: por um lado os esforços do bebê em prol de sua integração, por outro os esforços do ambiente em prover condições favoráveis à singularização. Ou seja, que o ambiente sustente, de forma segura, essa delicada conquista subjetiva.

Objetivando ilustrar esse frágil momento do desenvolvimento, nos utilizamos de um personagem da literatura infantil, Humpty Dumpty. Por meio de sua narrativa procuramos ilustrar alguns elementos importantes que compõem o processo de integração. Neles destacamos que a emergência de um ser singular é um processo frágil e delicado que pode ser alcançado, mas que está sempre aberto à fragmentação. Ou seja, se por um lado a história de Humpty Dumpty aponta para a potencialidade de todas crianças em alcançar esse momento em seu desenvolvimento emocional, aponta também para a possibilidade de perdê-lo. Humpty Dumpty nos mostra, também, que ambas as alternativas dependem do ambiente. Isto é, dependem dos modos por meio dos quais, o ambiente sustenta, oferece possibilidades, fragiliza, facilita, dificulta ou, até mesmo, impede que esses movimentos ocorram.

Tal percepção nos conduziu à importância de estarmos sempre muito atentos aos diferentes ambientes que acolhem as crianças com as quais trabalhamos, pois dependerá deles, em grande escala, a possibilidade de sustentar uma conquista emocional outrora adquirida. Nesse sentido, mantemos em aberto a perspectiva de que cuidar desses ambientes é cuidar que eles sejam atentos à singularidade de cada criança, procurando escutar suas demandas e necessidades singulares, suas histórias e características específicas, procurando, sobretudo, ofertar-lhes um ambiente seguro o suficiente na sustentação de seus potenciais de vir-a-ser. Assim, procuramos destacar, ao longo deste capítulo, que essa oferta se faz sobre as bases de uma comunicação pessoal e não técnica, por meio da qual a criança possa ter sua singularidade reconhecida e respeitada.

Em nosso modo de pensar, as ideias de Winnicott nos auxiliam a perceber que o trabalho que executamos pode ser deslocado de um ideal a ser alcançado para a construção de condições possíveis a partir da realidade concreta em que ele se insere. Nosso intuito é o de propormos a construção de um trabalho que se constrói a partir da interseção de vários atores: crianças, seus familiares próximos, profissionais da rede de proteção, familiares adotivos, entre outros. Cada um deles exercendo sua parcela de responsabilidade e cooperação. O importante é que Winnicott, ao construir sua teoria sobre o desenvolvimento emocional, nos ofereceu algumas ferramentas que sustentam essa proposta de trabalho. Principalmente no que diz respeito ao aspecto dinâmico referente ao desenvolvimento emocional primitivo. Pois, ao mesmo tempo que o autor indica que algumas conquistas nesse processo podem ser perdidas, ele destaca igualmente, que elas podem re-conquistadas. O que nos sugere, igualmente, que o exercício de nosso trabalho pode e deve ser efetuado com paciência e perseverança uma vez que seus efeitos podem permanecer invisíveis por um longo período, mas que uma vez estabelecido, no sentido de alcançar uma comunicação efetiva com cada criança, ele poderá fundar bases emocionais capazes de significar um re-começo.

Isso pode significar, para alguns, pouco. Mas, por nosso trabalho diário, podemos afirmar que, para muitas crianças, isso significa tudo. Compreendemos que tais reflexões se mostram de fundamental importância para a promoção de uma prática profissional ética e responsável, que não se restrinja à reprodução de discursos previamente estabelecidos, mas que promova espaços para o desenvolvimento do potencial não apenas das crianças, dos adolescentes e das famílias acompanhadas, mas também dos profissionais envolvidos em tais processos.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 10/10/2018
Aprovado para publicação em: 20/10/2018

Endereço para correspondência
Maira Brandão Benedito
E-mail: maira_b@hotmail.com
Nadja Nara Barbosa Pinheiro
E-mail: nadjanbp@hotmail.com

 

 

*Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Especialização em Psicologia Clínica - Abordagem Psicanalítica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC- PR); Mestrado em Psicologia pela UFPR; Analista judiciário da área de Psicologia no Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas da Infância e Juventude - Foro Central Curitiba - TJPR.
**Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Especialização em Psicoterapia pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB-UFRJ); Mestrado em Psicologia pela UFRJ; Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ); Pós-doutorado na Universidade Paris-Diderot (bolsista PDE/CNPQ); Professora Associada no Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na área de Psicanálise, Teoria, Supervisão e Pesquisa. Coordenadora do Laboratório de Psicanálise da UFPR.
1De acordo com a tradutora da obra de Lewis Carroll utilizada para a confecção do presente trabalho, Maria Luiza X. de A. Borges: "Em inglês a expressão 'Humpty Dumpty' é usada como termo ofensivo para alguém 'baixinho e gordo'" e haveria inúmeras versões para a origem da expressão, entre elas a própria cantiga infantil, datada no final do século XVIII.
2No original: "Humpty Dumpty sat on a wall/ Humpty Dumpty had a great fall/ And all the king's horses and all the king's men/ Couldn't put Humpty together again".

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