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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.53 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2021

 

ARTIGOS

 

Revisitando a transferência: um percurso freudiano

 

Revisiting the transference: a Freudian course

 

Revisiter le transfert: un parcours freudien

 

 

Márcio Rimet NobreI*; Cassandra Pereira FrançaI**

IUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo percorre o delineamento da teoria da transferência ao longo dos anos de produção de Sigmund Freud. Trata-se de um trabalho de revisão teórico-conceitual com intuito de revisitar alguns pontos fundamentais do método psicanalítico. Está estruturado a partir de uma divisão que diz respeito a três momentos: 1) a origem do método, desde o início das investigações clínicas de Freud; 2) seu desenvolvimento, que tem, em seu centro, principalmente o conjunto de artigos técnicos publicados nos anos 1910, portanto, na vigência da primeira tópica; 3) as contribuições posteriores à virada teórica da segunda tópica. Do ponto de vista conceitual, o artigo respeita ainda uma divisão a partir de três diferentes acepções assumidas pela transferência ao longo de seu desenvolvimento na doutrina freudiana: inicialmente como resistência ao trabalho de análise; na sequência, como sugestão, em virtude da influência do analista; e, posteriormente, como repetição, tendência observada por Freud, sobretudo nos pacientes neuróticos do pós-Guerra. Ao longo do trabalho, outros conceitos - tais como defesa, recalcamento, interpretação e o binômio associação livre e atenção flutuante - são abordados em função da proximidade com o tema central.

Palavras-chave: Transferência, resistência, repetição, técnica psicanalítica.


ABSTRACT

The article traces the concept of transference over the years of theoretical production of Sigmund Freud. It is a work of theoretical-conceptual revision, with the intention of revisiting some fundamental points of the psychoanalytic method. It is structured from a division with respect to three moments: 1) the origin of the method, from the onset of Freud's clinical investigations; 2) its development, which has in its center mainly the set of technical articles in the early 1910s, therefore, under the first topic; 3) the contributions occurred after the theoretical turn of the second topic. From the conceptual point of view, the article concerns a division from three different meanings assumed by the transfer throughout its development in Freud's doctrine: initially as resistance to analytical work; in sequence, as a suggestion, due to the influence of the analyst; and later, as a repetition, a tendency observed by Freud, especially in postwar neurotic patients. Throughout the work, other concepts are covered due to the proximity to the central theme, such as defense, repression, interpretation and the binomial free association and floating attention.

Keywords: Transference, resistance, repetition, psychoanalytic technique.


RÉSUMÉ

L'article retrace la conception de la théorie du transfert tout au long des années de production de Sigmund Freud. C'est un travail de révision théorique-conceptuelle, avec l'intention de revisiter quelques points fondamentaux de la méthode psychanalytique. Il est structuré selon une division qui respecte trois moments: 1) l'origine de la méthode, dès le début des investigations cliniques de Freud ; 2) son développement, qui a en son centre principalement l'ensemble des articles techniques au début des années 1910, donc, dans la validité de la première théorie psychique ; 3) les contributions postérieures autour de la deuxième théorie psychique. Du point de vue conceptuel, l'article respecte encore une division de trois significations différentes acceptées par le transfert tout au long de son développement dans la doctrine freudienne: d'abord en tant que résistance au travail d'analyse ; ensuite, comme suggestion, en vertu de l'influence de l'analyste ; et plus tard, comme une répétition, une tendance observée par Freud, en particulier chez les patients névrosés d'après-guerre. Tout au long du travail, d'autres concepts sont abordés en fonction de la proximité du thème central, tels que: la défense, la répression, l'interprétation et le binôme de l'association libre et l'attention flottante.

Mots-clés: Transfert, résistance, répétition, technique psychanalytique.


 

 

Introdução

Longo é o caminho percorrido por Sigmund Freud no desenvolvimento da técnica e da teoria da transferência. Por este motivo, muitas perspectivas poderiam ser adotadas em tentativas de balizar historicamente esse percurso, seja diretamente pelo viés clínico, seja tendo como guia os desdobramentos do próprio edifício conceitual. Na verdade, como sabemos, foi sempre a clínica o motor para tais mudanças. Entretanto, uma questão se impõe, de antemão, frente a um trabalho dessa natureza: qual a razão de se buscar reconstruir essa trajetória?

Em nosso entendimento, é sempre justificável revisitar os caminhos que levaram ao surgimento de conceitos centrais para o conhecimento de determinado campo. No caso da transferência para o campo da psicanálise, essa justificativa se bifurca, ao nosso ver, em dois motivos principais. Em primeiro lugar, a teoria da técnica freudiana está viva em nossa clínica desde as premissas mais proeminentes, na tessitura de nosso fazer: é ainda a partir da associação livre em transferência que escutamos o sujeito, sendo sobre o fluxo de sua fala e de seus atos que buscamos operar. Em segundo lugar, se foi sobre a base desse fenômeno - inicialmente um tanto contingencial, como veremos - que se ergueu a psicanálise, é nesse percurso que podemos espreitar os meandros pelos quais passou Freud em sua clínica por meio dos diversos matizes subjetivos com os quais se deparou. É bem provável que esse caminho remeta aos nossos próprios impasses encontrados na clínica contemporânea. Nesse sentido, será bem-vindo revisitarmos o modo bastante peculiar como Freud constrói, revisa e reconstrói a teoria a partir de seus erros e das soluções que implementa no decurso de décadas de trabalho clínico.

É certo que, na impossibilidade de exaurir um tema com tal grandeza numa reflexão dessa natureza, nossa proposta consiste em pontuar alguns elementos importantes nessa história. Nesse sentido, lançaremos mão de metodologia de abordagem inspirada naquela utilizada por Daniel Lagache, em seu trabalho A transferência (1990). Nele, o autor perfaz em detalhes os caminhos de Freud, de modo mais aprofundado e dividindo a história conceitual a partir dos usos e sentidos atribuídos à noção, respeitando a sequência temporal e tendo como marco as publicações que delimitam mudanças de orientação.

Paralelamente aos avanços clínicos, observamos o paulatino surgimento de toda uma gama de conceitos. No caso presente, serão privilegiados aqueles que nos remeterem diretamente à teoria da técnica psicanalítica, tais como: sugestão, associação livre, resistência, repetição, interpretação, defesa e recalcamento. Assim, buscaremos o imprescindível suporte à metapsicologia freudiana, entendida como a mais pura expressão teórica do psiquismo bem como o que dá suporte à teoria geral das neuroses. Na verdade, a própria metapsicologia é também o resultado das observações clínicas de Freud, uma vez que a teoria da transferência constitui a ponta de uma aprimorada elaboração teórica, com abandonos conceituais e rupturas, que busca embasar uma prática de originalidade sem precedentes até então.

No que concerne ao tema da transferência e da teoria do processo psicanalítico, o pensamento freudiano percorre um longo trajeto desde os Estudos sobre a histeria até os trabalhos elaborados em torno de 1915. Esse percurso não linear tem alguns balizamentos essenciais, que assinalam pontos de ruptura com o que fora formulado antes (Birman, 1991, p. 167).

Na verdade, como veremos, esse trajeto é ainda mais longo, se considerarmos os reflexos sobre a noção de transferência das mudanças sofridas pela teoria metapsicológica a partir dos textos dos anos 1920. Mas, como aponta Birman, não há dúvidas sobre a importância central desse conjunto de textos no que diz respeito aos procedimentos do método analítico.

No tocante à divisão da produção, usualmente compreende-se como pré-psicanalítico (Lagache, 1990) o período que se estende desde as primeiras formulações psicológicas de Freud, por volta de 1882-1983, até o momento da publicação dos " Estudos sobre a histeria", escrito em parceria com Joseph Breuer, e de " A interpretação dos sonhos", finalizado em 1899, mas publicado somente em 1900, quando tem início o período propriamente psicanalítico. No próximo tópico será abordada a primeira dessas fases, na qual buscaremos localizar os primórdios da transferência.

 

De Charcot a Breuer, a histeria na origem

Historicamente, os desenvolvimentos técnicos da psicanálise estão estritamente vinculados às primeiras pesquisas clínicas de Freud acerca das manifestações histéricas. Ao constatar a inexistência de qualquer lesão fisiológica que pudesse dar explicação aos efeitos somáticos da histeria em suas pacientes, Freud empreende um dedicado trabalho de busca de resposta para tais perturbações sintomáticas. Assim, a partir de 1885, após assistir a um curso oferecido pelo médico Jean-Marie Charcot no hospital La Salpêtrière, em Paris, Freud passa a compartilhar da opinião do mestre quanto à retirada da histeria do campo da anatomopatologia e à sua introdução no conjunto das perturbações fisiológicas do sistema nervoso. Nesse momento, Charcot buscava empreender, por meio da hipnose, uma nova forma de intervenção clínica, acreditando que este método seria propiciador de mudanças no nível neuronal. Acreditava ainda que a histeria constituía uma doença artificial que podia ser produzida empiricamente.

Tanto Charcot quanto Freud sustentavam, nesse momento, que a histeria seria uma doença funcional com quadro sintomatológico bem definido, desprezando a opinião recorrente no meio psiquiátrico daquele período de que a doença resultaria de pura simulação. Além disso, ressaltavam a possibilidade da ocorrência da doença no homem, deixando de lado a atribuição de exclusividade feminina até então.

Entretanto, apesar da preocupação de Charcot em prever a regularidade dos fenômenos histéricos com a aplicação de drogas e da hipnose em suas pesquisas, dois aspectos tornaram-se evidentes: por um lado, o imenso poder sugestivo do médico sobre a produção dos sintomas pelas pacientes; por outro, percebeu-se o grande poder manipulatório das pacientes em responder ao pesquisador, atendendo-o em suas demandas. A partir de tais constatações, Charcot irá propor uma concepção da sugestão hipnótica como sendo semelhante ao trauma gerador dos sintomas, com a diferença de que este último poderia ser produzido no laboratório.

Quanto ao aspecto etiológico, não se podendo atribuir o trauma à ordem física, sua origem precisou ser buscada na narrativa empreendida pelos pacientes sobre sua história pessoal com vistas a encontrar o momento inaugural para o desencadeamento da doença. É com referência a essa narrativa que aparece o inegável papel do componente sexual da neurose, argumento recusado por Charcot, mas que se tornou o principal foco das investigações de Freud.

Movido por essa ausência de fatores físicos que explicassem a doença, Freud buscou na esfera psíquica a origem dos sintomas e, já em 1893, ao discutir os fenômenos histéricos, descreveu o trauma como resultante de uma suposta sedução vivida na infância pelo sujeito. Nesse sentido, os sintomas resultariam de "traumas psíquicos que não foram totalmente ab-reagidos, ou completamente tratados" (Freud, 1893/1996, p. 46).

Esse conjunto da teoria da sedução traumática passa a ser o elemento norteador para a clínica e, durante longo tempo, será central nessa fase inicial do pensamento. Para Freud, "todo o núcleo patógeno era creditado a uma suposta ocorrência concreta na vida infantil do sujeito, o que teria força traumática suficiente para provocar o desenvolvimento atual da doença" (Nobre, 2014, p. 68). Nesse caso, para ele, a causa dos sintomas tinha como ponto central a ligação afetiva a representações passadas, o que mantinha viva a memória não lembrada.

No que respeita à técnica, essa hipótese constitui forte ponto de amarração para sua compreensão acerca das neuroses. Sendo o trauma atribuído necessariamente a um evento real supostamente ocorrido na vida infantil do paciente, por muitos anos Freud fará da sugestão hipnótica seu método de abordagem direta do material inconsciente por meio do sintoma, acreditando ser esta a única forma de eliminar o distúrbio, por meio da rememoração do evento traumático. Ao observar, entretanto, que o procedimento hipnótico somente eliminava os sintomas, mas não sua causa, Freud passou a empregar o método catártico, elaborado e utilizado pelo reputado médico vienense Joseph Breuer com sua célebre paciente, a Srta. Anna O. Tal técnica, que inicialmente também aplicava a hipnose, consistia em fazer com que o paciente aprofundasse ainda mais nas origens psíquicas de sua doença. Desse modo, ao rememorar na íntegra a história de seu trauma psíquico, por meio dos interrogatórios do analista, o paciente experimentava uma catarse propiciadora de alívio nos sintomas. É a própria Anna O. quem, ao se surpreender com a eliminação de seus sintomas a partir de sua narrativa, denomina a técnica de "cura pela fala", comparando-a com uma "limpeza de chaminé". Nessa técnica, ao fazer com que os elementos formadores de seu sintoma percorressem o caminho de volta para a consciência, o paciente experimentava uma descarga. Nas palavras de Freud (1914/1996, p. 163), "recordar e ab-reagir, com oauxílio, era o que, àquela época, se visava", entendendo-se por ab-reagir o próprio ato de produzir a catarse ou descarga do afeto ligado ao trauma.

Com a experiência acumulada após anos de contato com as pacientes histéricas, Freud convida Breuer para elaborarem uma publicação conjunta sobre o assunto e, em 1895, publicam os "Estudos sobre a histeria ". Nesse trabalho, Freud inaugura a noção de defesa, que irá desempenhar papel fundamental no desenvolvimento teórico da psicanálise e, ainda que já tivesse abandonando o uso da hipnose, mantinha sua teoria da sedução traumática. É também nesse mesmo momento que se dá o afastamento entre os dois velhos amigos, sobretudo em virtude da importância atribuída por Freud à sexualidade como fator etiológico das neuroses, ideia com a qual Breuer não concordava.

É na famosa carta de número 69 dirigida a Fliess, escrita em 21 de setembro de 1897, que Freud (1950[1882-1899/1996) expõe seu descontentamento com a hipótese da sedução, ao afirmar "não acredito mais na minha neurótica", referindo-se à sua teoria das neuroses. Com isso, colocava em dúvida as hipóteses que vinha sustentando sobre o frágil argumento de que os pacientes neuróticos tivessem sofrido sedução real por parte de adultos quando crianças. Paralelamente a isso, Freud começa a teorizar sobre a questão do índice de realidade no inconsciente, do qual passara a desconfiar.

Fica claro, já nesse documento, que toda a questão deixa de ser apenas a busca pelo que há de verossímil nos conteúdos revelados pela análise. Ao trazer a discussão sobre os índices de realidade no inconsciente, Freud não apenas está aprofundando o mergulho em seu conceito principal, ou seja, o inconsciente. Está também retomando, em novo termo, a discussão iniciada dois anos antes, no Projeto para uma psicologia científica [...], quando distingue o que denomina "realidade do pensamento" e "realidade externa". Somente mais tarde, Freud passará a utilizar as expressões "realidade psíquica" e "realidade material ou factual", em lugar das duas primeiras (Nobre, 2014, p. 71).

Esse elemento aponta para o que podemos considerar como sendo o embrião da teoria da fantasia, que terá importância capital não apenas para o abandono da hipótese da sedução traumática, mas para a evolução de todo o pensamento psicanalítico.

A partir do item seguinte, abordaremos a teoria da transferência na produção propriamente psicanalítica, que tem como marco inicial a formulação da primeira teoria do aparelho psíquico, apresentada em "A interpretação dos sonhos" (1900), até o final da produção de Freud, em 1938, um ano antes de sua morte.

 

Da resistência ao amor de transferência: a primeira tópica

Se a defesa consistia numa espécie de censura por parte do Eu (ego)1 frente a algum conteúdo potencialmente ameaçador, a resistência representava sua externalização. Com o abandono da teoria do trauma e tendo em vista essas novas noções, Freud relaciona a carga afetiva ligada ao conteúdo ou ideia censurados aos sintomas somáticos típicos da histeria, chamando-os de conversão. Tal hipótese, que será central em toda a sua obra, implica que o sintoma representa uma solução do aparelho psíquico frente a uma ameaça sofrida pelo Eu. No caso da histeria, o conteúdo desagradável é retido no Eu, e o afeto converte-se num sintoma somático.

Assim, a partir das noções de resistência, defesa e conversão, já presentes nos textos iniciais de Freud e cada vez mais proeminentes em termos de seu valor clínico, a própria concepção da técnica a ser empreendida clamava por modificações. Desse modo, ocorre um deslocamento no objetivo do tratamento da rememoração de um evento traumático real para a elaboração psíquica de uma realidade fantasística, de fundamentação sexual e inconsciente. Não se tratava mais de produzir essa ab-reação do afeto, mas de possibilitar a emergência das ideias patogênicas inconscientes, grande parte de seus conteúdos carregados de fantasias, para o nível consciente, possibilitando sua elaboração.

Assim, com o abandono do método catártico, nasce o método propriamente psicanalítico denominado por Freud como " associação livre", pelo qual o paciente deixa fluir livremente tudo aquilo que lhe vem ao pensamento, dando oportunidade para a emergência do material recalcado, as fantasias e sonhos, evitando censurar conscientemente tais conteúdos. Esse método permanece até os dias atuais como o mais eficaz na abordagem do inconsciente.

Mezan (1998, p. 253) ressalta como curiosidade o fato de que, embora Freud reconhecesse a influência do psicanalista sobre o paciente pela relação de confiança estabelecida - o que de outra forma não possibilitaria o uso quer da hipnose, quer da sugestão -, ele não imaginava a extensão que essa "relação de confiança" assumiria para a concepção de transferência a partir dos " Estudos sobre a histeria". E é nessa medida que podemos compreender o caráter secundário e acidental ocupado pela transferêncianos trabalhos até esse período, conforme Birman nos chama a atenção:

Não resta dúvida de que naquele momento estava esboçada grande parte da metapsicologia do processo psicanalítico [...]. Mas, no início, Freud atribuía à transferência um lugar limitado e periférico no processo clínico. Ela é tratada nas três últimas páginas do texto, como o último tópico assinalado entre as várias formas de resistência (Birman, 1991, p. 172).

A esse respeito, Lagache (1990) chama a atenção para "a genialidade de Freud [...] em converter as dificuldades em instrumentos": "Cada dificuldade, cada fracasso, foi o ponto de partida de uma pesquisa psicológica e de uma inovação técnica. Se todos os pacientes tivessem sido hipnotizáveis, não teria havido psicanálise: e, nesse sentido, pode-se sustentar que a psicanálise nasceu da resistência e dos efeitos negativos da transferência" (Lagache, 1990, p. 6).

Assim, a transferência surge, já em suas primeiras ocorrências no texto freudiano, atrelada a uma definição negativa, sendo assimilada a um efeito da resistência da censura em permitir a emergência do material inconsciente.

O que aconteceu, portanto, foi isto: o conteúdo do desejo apareceu, antes de mais nada, na consciência da paciente, sem nenhuma lembrança das circunstâncias contingentes que o teriam atribuído a uma época passada. O desejo assim presente foi então, graças à compulsão a associar que era dominante na consciência da paciente, ligado a minha pessoa, na qual a paciente estava legitimamente interessada; e como resultado dessa mésalliance - que descrevo como uma "falsa ligação" - provocou-se o mesmo afeto que forçara a paciente, muito tempo antes, a repudiar esse desejo proibido (Breuer, & Freud, 1895/1996, p. 314).

Quanto à interpretação, Birman (1991) observa que, no início de sua experiência clínica, ainda nos tempos de Anna O., Freud a concebia como reveladora de um sentido e, portanto, de uma verdade subjetiva; verdade esta ocultada pelo passado esquecido pela paciente. Desse modo, a interpretação aparecia como algo que incidia num ponto específico, cujo objetivo era a complementação das lacunas deixadas pelo esquecimento numa tessitura de significação, sendo este um dos mecanismos da censura no psiquismo.

Assim, é nos " Estudos sobre a histeria" que, paralelamente a uma concepção contingencial da interpretação, vemos surgir uma nova noção conceitual que, mais tarde, tomará o lugar central na problemática que se estabelece na relação do par analítico: a transferência.

 

Dora e "as transferências"

A transferência começa a assumir um papel mais central para a psicanálise quando, em seu famoso "caso Dora" ("Fragmentos da análise de um caso de histeria", 1905), Freud atribui a prematura interrupção do tratamento pela paciente a um erro ou equívoco, de sua parte, na interpretação. E m suas discussões técnicas do caso, ele se reconhece como negligente para com o real papel desempenhado pelas "transferências "na relação do par.

A partir desse fracasso, Freud irá construir uma teoria de seu erro, o que trará profundos desdobramentos no campo clínico. Assim, observou que o espaço transferencial serviu de meio no qual a paciente "[...] atuou uma parte essencial desuas lembranças e fantasias, em vez de rememorá-las no tratamento" (Lagache, 1990, p. 13). Isso permitiu que ela restaurasse as lembranças, trazendo-as para o campo da representação. Ao perceber o caráter motriz desse mecanismo, Freud nele reconheceu o ponto privilegiado sobre o qual todo o trabalho interpretativo deveria incidir daí em diante. Na busca pela coerência racional dos fragmentos trazidos por Dora, Freud deixara de dar a devida atenção a determinados dados que acreditava sem valor. Eram justamente aqueles que precisavam ser escutados.

Entretanto, ainda aqui, Freud não assimila a vinculação do conjunto do tratamento, na sua estrutura e na sua dinâmica, a uma relação de transferência. Na verdade, em muitos momentos refere-se aos conteúdos deslocados para o analista ou para quaisquer pessoas como " transferências", no plural. Até esse momento, as tais " transferências" ainda não são tomadas como aliadas para o tratamento, exceto quando são explicadas e "destruídas" uma a uma. Assim, em seu " Posfácio" ao "caso Dora", o termo recebe uma definição de amplo alcance, como "[...] um gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria inconscientes [...]" (Freud, 1905/1996, p. 111), ora como simples reimpressões, ora com edições revistas de determinado conteúdo, mas com projeção na pessoa do analista:

O que são as transferências? São reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências psíquicas prévia é revivida, não como algo passado, mas como um vínculo atual com a pessoa do médico. Algumas dessas transferências em nada se diferenciam de seu modelo, no tocante ao conteúdo, senão por essa substituição. São, portanto, para prosseguir na metáfora, simples reimpressões, reedições inalteradas. Outras se fazem com mais arte: passam por uma moderação de seu conteúdo, uma sublimação, como costumo dizer, podendo até tornar-se conscientes ao se apoiarem em alguma particularidade real habilmente aproveitada da pessoa ou das circunstâncias do médico. São, portanto, edições revistas, e não mais reimpressões (Freud, 1905/1996, p. 111 ).

Na verdade, Freud chega à conclusão de que "[...] o estado do doente não dá sinal de se modificar nem mesmo depois de o trabalho ter progredido muito" (Freud, 1905/1996, p. 111). Ao contrário, adverte-nos da surpresa de que os sintomas não desaparecem enquanto o tratamento prossegue, mas somente depois de "[...] dissolvidos os vínculos com o médico. O adiamento da cura ou da melhora só é realmente causado pela pessoa do médico" (Freud, 1905/1996, p. 111). Aqui, mais uma vez, a ideia nos remete a uma concepção da transferência como um empecilho ao andamento do processo terapêutico, isto é, como uma resistência, uma vez que é a própria "pessoa do médico" que provoca o adiamento da melhora do paciente.

Para Freud, se na teoria "a transferência é uma exigência indispensável" (Freud, 1905/1996, p. 111 ), na prática não há como evitá-la, mas ela precisa ser combatida, o que constitui a parte mais difícil do trabalho do analista.

Mas ela é incontornável, já que é utilizada para produzir todos os empecilhos que tornam o material inacessível ao tratamento, e já que só depois de resolvida a transferência é que surge no enfermo o sentimento de convicção sobre o acerto das ligações construídas [durante a análise] (Freud, 1905/1996, p. 112).

A constatação de que haveria um sentido nos fragmentos incoerentes vinha, mais uma vez, corroborar a hipótese freudiana do inconsciente. Isso faz com que ocorra uma mudança na própria incidência da escuta analítica e, consequentemente, no sentido da interpretação. A partir de então, o analista deve estar atento, sobretudo, àquilo que "o" inclui na trama discursiva do paciente, interpretando antes os elementos que apontem para a transferência e o espaço analítico.

 

O amor de transferência: sua dinâmica e seu manejo

A introdução da teoria do complexo de Édipo, expressão que parece ter ocorrido pela primeira vez em 1910 (Freud, 1910/1996), repercute fundamentalmente numa mudança de compreensão sobre a transferência. Com base nesse novo flanco, Freud percebe que o que é revivido na relação transferencial são as experiências do sujeito com as figuras parentais. Sob essa relevante novidade, entre os anos de 1911 e 1915, Freud redige seu principal conjunto de textos sobre o que podemos entender como a teoria da transferência: trata-se da coletânea d os " Artigos sobre técnica", publicados em 1914.

Já no primeiro artigo, " A dinâmica da transferência" (1912), essa influência se faz notar de forma patente quando Freud ressalta a ligação desse fenômeno às imagos parentais prototípicas, constituindo elementos das "séries" psíquicas do paciente nas quais o analista está inserido, numa dinâmica que implica um movimento de regressão da libido.

A libido (inteiramente ou em parte) entrou num curso regressivo e reviveu as imagos infantis do indivíduo. O tratamento analítico então passa a segui-la; ele procura rastrear a libido, torná-la acessível à consciência e, enfim, útil à realidade. No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como "resistências" ao trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas. Pois, se a introversão ou regressão da libido não houvesse sido justificada por uma relação específica entre o indivíduo e o mundo externo - enunciado, em termos mais gerais, pela frustração da satisfação - e se não se tivesse, no momento, tornado mesmo conveniente, não teria absolutamente ocorrido (Freud, 1912a/1996, p. 114).

Freud ressalta ainda como mais importante nesse processo de resistência a atração exercida pelos complexos inconscientes sobre a libido durante o curso regressivo. O caráter ambivalente de tais relações também se reflete no vínculo transferencial, o que o faz distinguir duas transferências: uma positiva e outra negativa; a primeira mobilizando afetos ternos ou mesmo eróticos e a segunda mobilizando afetos hostis para com a figura do analista.

O novo alcance da noção de transferência, a partir daí, passava a ocupar lugar de maior extensão e centralidade na compreensão da técnica analítica, fazendo com que Freud estabelecesse novos parâmetros para o entendimento da clínica com reflexos, inclusive, na nosologia que empregava. Desse modo, essa nova dimensão da transferência tem incidência direta sobre a própria concepção freudiana da neurose.

A transferência não pode ser evitada, não só porque é utilizada pelo analisando para criar obstáculos que impedem a emergência do material, como também porque sua análise e sua subjetivação - com a consequente separação entre essa energia e a figura do analista - são fundamentais para que o paciente se convença da veracidade das interpretações, [...] que se tornam revelações (Birman, 1991, p. 176-179).

Assim, com a expressão neuroses de transferência, distinta das neuroses narcísicas, Freud passa a designar um novo conjunto patogênico substituto da sintomatologia original. De fato, essa "doença artificial" substituta da neurose parental é, ela própria, a resultante do vínculo do par analítico. Consequentemente, por se tratar daquilo de que se pode ser curado, a neurose de transferência passa a ser compreendida como a condição mesma para o tratamento vindo, a rigor, a constituir sua essência.

Nesse sentido, Freud correlaciona, em seus aspectos metapsicológicos, os sintomas clínicos iniciais exibidos pelo paciente aos efeitos de sua transferência com o analista, não mais vistos como meros deslocamentos isolados ou obstáculos a serem removidos, mas como condição para o tratamento, campo fecundo para a ação interpretativa e eficaz da análise.

No mesmo ano, Freud escreve suas "Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise" (1912). Pode-se perceber claramente nesse artigo que a tônica de tais "recomendações" já recai sobre a relação analista-analisante per se. Isso representa uma guinada em que se passa a dispensar maior atenção à dinâmica do par. Freud então propõe as regras de neutralidade do analista para com o analisante, recomendando ao profissional uma impenetrabilidade verdadeiramente especular, em que refletisse apenas o que lhe fosse mostrado pelo paciente. No texto, Freud preocupa-se em elencar uma série de regras práticas e balizas éticas para os dois componentes do par analítico. Em termos metodológicos, a ênfase recai sobre a simetria que deve haver entre a regra de associação livre, proposta ao paciente, e a regra da atenção flutuante, a ser praticada pelo analista. Nesse caso, chega a dizer que o analista "[...] deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente." (Freud, 1912b/1996, p. 129). Assim, o inconsciente do analista seria capaz de "reconstruir o inconsciente do paciente", que faria suas associações a partir das comunicações do analista.

No artigo seguinte, " Sobre o início do tratamento" (1913), tais preocupações também estão presentes. Nele, além de formular novas recomendações sobre o enquadre, Freud preocupa-se com a questão da interpretação e sua ocorrência no tempo analítico, aprofundando-se na discussão sobre o papel do analista na análise da transferência. Nesse sentido, ao refletir sobre o melhor momento para que se faça uso da interpretação, aponta a ocasião ideal como aquela em que a transferência se faça presente de forma inequívoca:

[...] somente após uma transferência eficaz ter-se estabelecido no paciente, um rapport apropriado com ele. Permanece sendo o primeiro objetivo do tratamento ligar o paciente a ele e à pessoa do médico. Para assegurar isto, nada precisa ser feito, exceto conceder-lhe tempo. Se se demonstra um interesse sério nele, se cuidadosamente se dissipam as resistências que vêm à tona no início e se evita cometer certos equívocos, o paciente por si próprio fará essa ligação e vinculará o médico a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição (Freud, 1913/1996, p. 154).

Mas é no artigo seguinte que podemos ver os prenúncios da verdadeira reviravolta que estava prestes a acontecer no pensamento freudiano. Em " Recordar, repetir, elaborar" (1914), Freud dá um passo decisivo no sentido das elaborações - ou perlaborações - da segunda tópica.

Como vimos desde o princípio de suas formulações clínicas, Freud já se preocupa com o fenômeno da resistência, que define tudo aquilo que faz entrave ao trabalho analítico de buscar o acesso ao material inconsciente, tendo esse conceito exercido um papel fundamental, sobretudo no desenvolvimento da técnica. Enquanto resistência, a transferência incide justamente no ponto em que, em vez de rememorar uma determinada representação, trazendo-a para o nível da fala, o sujeito atua no contexto transferencial, o que aponta para o mecanismo da repetição. É ele próprio quem nos chama a atenção para a importância da articulação entre esses três mecanismos: " Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o médico, mas também para todos os outros aspectos da situação atual" (Freud, 1914/1996, p. 166).

Freud então observa que também em sua vida cotidiana, ou seja, fora do espaço clínico, o paciente está submetido a uma compulsão à repetição. Na verdade, como acontece com a maior parte de sua conceituação, os fenômenos que observamos na clínica estão também presentes na vida comum de qualquer indivíduo. Não haveria razão para supormos uma artificialidade radical dos acontecimentos no interior do espaço transferencial. A própria transferência remonta a uma situação afetiva tal que irá propiciar que o sujeito busque inconscientemente repetir com o analista aquilo que produz os maiores infortúnios nas suas demais relações no dia-a-dia. O diferencial que se espera na relação transferencial residirá na destinação a ser dada às demandas e "oferendas" de amor do analisando para o analista. Cabe ao analista, mantendo-se dentro da regra de abstinência, ressaltar os pontos em que a repetição se interpõe no caminho do tratamento. "Quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (actingout) (repetição) substituirá o recordar, pois o recordar ideal do que foi esquecido, que ocorre na hipnose, corresponde a um estado no qual a resistência foi posta completamente de lado" (Freud, 1914/1996, p. 166).

Sucessivamente, as resistências tenderão, segundo Freud, a determinar a sequência do material que deverá se repetir, revelando claramente a tentativa - inconsciente - do paciente de se defender, buscando no passado as armas contra o tratamento.

Finalmente, em " Observações sobre o amor transferencial" (1915), Freud retoma o tema sob nova perspectiva e em uma dimensão mais poética. Nesse artigo, a relação transferencial é assimilada a um vínculo de amor, no qual o analisante toma o analista como objeto de investimento libidinal.

Nesse artigo, que segundo Ernest Jones2 o próprio Freud considera como o melhor da série, ganham reforço os conselhos para uma prática ética, sempre em torno das questões referidas ao vínculo que afeta o par analítico. Assim, reforça a importância do distanciamento ético do analista que, cultivando a neutralidade, deve abdicar de ceder às suas próprias tendências, despertadas pelas manifestações afetivas por parte do paciente. Isso porque tais atitudes podem, de fato, não passar de uma expressão da resistência:

Esta modificação [o enamoramento da paciente] ocorre muito regularmente na ocasião em que se está tentando levá-la a admitir ou recordar algum fragmento particularmente aflitivo e pesadamente reprimido da história da sua vida. Ela esteve enamorada, portanto, por longo tempo; mas agora a resistência está começando a utilizar seu amor a fim de estorvar a continuação do tratamento, desviar todo o seu interesse do trabalho e colocar o analista em posição canhestra (Freud, 1915/1996, p. 180).

Do mesmo modo como o analista não deve aceitar as moções afetivas da paciente, Freud também recomenda que ele não aja com crítica, desencorajando ou desqualificando tais atitudes:

Instigar a paciente a suprimir, renunciar ou sublimar seus instintos3, no momento em que ela admitiu sua transferência erótica, seria, não uma maneira analítica de lidar com eles, mas uma maneira insensata. Seria exatamente como se, após invocar um espírito dos infernos, mediante astutos encantamentos, devêssemos mandá-lo de volta para baixo, sem lhe haver feito uma única pergunta. Ter-se-ia trazido o reprimido à consciência, apenas para reprimi-lo mais uma vez, um susto (1915/1996, p. 181).

É apenas na observância dessas condições que o tratamento pode obter êxito, pois é sobre o amor transferencial que opera o analista, sem a ele ceder, nem mesmo rechaçá-lo. Afinal, completa Freud, "como sabemos, as paixões são pouco afetadas por discursos sublimes" ( 1915/1996, p. 181). Ainda na sequência das orientações de abstinência, destaca que o caminho a ser seguido pelo analista não encontra "modelo na vida real" (Freud, 1915/1996, p. 183).

Nesse mesmo ano, em 19144, Freud estava às voltas com a escrita de seu artigo em que introduz o conceito de narcisismo, quando a teoria do desenvolvimento da libido foi retomada com novos elementos, corroborando importantes transformações no entendimento da dinâmica psíquica. Por isso, a teoria do narcisismo é também considerada como um dos elementos que compõem o cenário para as mudanças dos anos 1920.

 

A transferência nas Conferências introdutórias

Entre os anos 1915-1919, Freud realiza uma série de conferências apresentando a psicanálise para o público leigo. No que diz respeito às questões do método propriamente, delimita seus princípios norteadores, mas nada acrescenta de fundamentalmente importante para o avanço da teoria da técnica analítica. Assim, em suas conferências intituladas " Transferência e Terapia analítica"5, preocupa-se principalmente em relacionar o mecanismo transferencial com seu aspecto sugestivo, descrevendo o início do aparecimento da transferência positiva como a "lua-de-mel" que precederia a transferência negativa. Entretanto, conforme Lagache (1990, p. 28), Freud não dedica maiores considerações teóricas a esta última, que "parece bem apagada ao lado das resistências e da transferência positiva".

O mérito das conferências, no entender de Lagache, está justamente no fato de Freud insistir na dimensão libidinal da transferência, o que ancora nas próprias bases teóricas da psicanálise o entendimento do mecanismo da sugestão, tirando-a do campo próximo ao da magia, como na concepção de Bernheim:

[...] Bernheim não percebeu o vínculo da sugestionabilidade com a libido; ora, a sugestão lembra a magia. Entretanto, a psicanálise não é comprometida por essa aproximação: os resultados obtidos com excessiva rapidez, ou seja, por transferência, são obstáculos que se destroem; a psicanálise emprega a transferência para a redução das resistências e a própria transferência é finalmente destruída (Lagache, 1990, p. 28).

Para Lagache (1990, p. 29), a transferência negativa se apresenta como um "efeito secundário da transferência positiva", o que nos remete diretamente à questão do caráter ambivalente de nossos vínculos afetivos. Vejamos com o próprio Freud:

Os sentimentos hostis revelam-se, via de regra, mais tarde do que os sentimentos afetuosos, e se ocultam atrás destes; sua presença simultânea apresenta um bom quadro da ambivalência emocional dominante na maioria de nossas relações íntimas com outras pessoas. Os sentimentos hostis indicam, tal qual os afetuosos, haver um vínculo afetivo, da mesma forma como o desafio, tanto como a obediência, significa dependência, embora tendo à sua frente um sinal "menos" em lugar de "mais". Não podemos ter dúvidas de que os sentimentos hostis para com o médico merecem ser chamados de "transferência", pois a situação, no tratamento, com muita razão não proporciona qualquer fundamento para sua origem; essa inevitável visão da transferência negativa nos assegura, portanto, que não estivemos equivocados em nosso julgamento acerca da transferência positiva ou afetuosa (Freud, 1917a/1996, p. 444).

Entretanto, conforme ressalta Lagache (1990, p. 29), Freud não se preocupa em elucidar as relações entre transferência positiva e resistência, apenas assegura que as resistências podem ser ultrapassadas a partir da análise empenhada através da transferência positiva. Além disso, estabelece a relação das resistências com a transferência negativa, sendo esta última decorrente de um agravamento das primeiras.

O tema da resistência retorna com algum destaque na conferência 28, na qual Freud (1917b/1996) distingue as resistências internas e externas, as primeiras sempre mais trabalhadas na análise e as segundas como de pouco interesse teórico, mas com grandes efeitos práticos no andamento do tratamento. Freud destaca a intervenção da família como o maior exemplo de perigo a ser enfrentado.

Ninguém que tenha alguma experiência das discórdias que tão seguidamente dividem uma família, haverá de se surpreender, sendo um analista, ao constatar que os parentes mais chegados ao paciente às vezes revelam menos interesse em sua recuperação do que na permanência da doença. (Freud, 1917b/1996, p. 459)

Logo após o período das conferências, e antecedendo a virada de 1920, Freud lança um artigo cujo título sugere alguma mudança. Entretanto, em " Linhas de progresso na terapia psicanalítica" (1919/1996), ele se mostra mais preocupado em fazer frente às concepções arriscadas acerca da transferência, vindas de seus seguidores e dissidentes. Assim, rejeita a concepção moralizadora sobre o papel do analista, apesar de reconhecer que, em diversos casos, o paciente poderia se mostrar tão desamparado e incapaz para a lida com a vida comum que exigiria de nossa parte uma adequação da atividade analítica com certa dosagem de influência educativa, podendo mesmo assumir o lugar de um mestre. Apesar disso, recomenda extrema precaução da parte do analista, caso precise lançar mão desse artifício, no sentido de que se busque preservar a originalidade nas suas descobertas do paciente a respeito de si e não fixe o analista como modelo.

Ainda nesse artigo, Freud (1919/1996) faz longas considerações sobre a importância da regra da abstinência para o analista. Lagache (1990, p. 32) destaca que nessa conferência essa regra é assinalada como correlata à neurose de transferência, surgida da situação, apontando para a "relação dinâmica" existente entre tais elementos. Nesse sentido, o analista deve encontrar o equilíbrio entre a frustração e a gratificação do paciente, no que consiste mais especificamente a abstinência. Isso equivale a que ele não venha a atender ou frustrar demais as demandas do paciente, sobretudo aquelas que se dirijam à sua pessoa. Na verdade, Freud é até mais radical com relação à necessidade de frustração dessa demanda: "No que diz respeito às suas relações com o médico, o paciente deve ser deixado com desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais importunamente expressa" (Freud, 1919/1996, p. 178). De qualquer modo, vem reforçar ainda mais que a atenção do analista deve recair sobre os elementos que, propriamente, vêm ser indicativos da transferência. De modo metafórico, pode-se pensar em algo como alcançar o ponto certo no controle da embreagem de um veículo.

O certo é que tal situação constitui o ponto de agudeza da situação analítica, o que será alcançado não apenas em função da prática clínica e formação teórica, mas também, e sobretudo, da análise pessoal do analista, via de regra para ocupar-se desse lugar.

 

Os anos 1920: da repetição na transferência à segunda tópica

Os anos 1920 dão lugar à célebre "virada teórica" no pensamento de Freud que, com a ampla reformulação de sua teoria do aparelho psíquico, veio a configurar uma segunda tópica. Até então, a metapsicologia6 havia alcançado maior expansão em sua dimensão tópica, com a divisão do aparelho psíquico em dois sistemas topográficos: inconsciente e pré-consciente/consciente. Os pontos de vista econômico - que diz respeito à distribuição e circulação da energia pulsional no psiquismo - e dinâmico - que considera os fenômenos psíquicos como resultantes de um conflito entre forças de instâncias distintas (Laplanche, & Pontalis, 1996, p. 119) - somente alcançarão sua maturidade teórica a partir da introdução de uma conceituação radicalmente transformadora para a psicanálise. Certamente que essa diferença de enfoque no avançar dos anos também se faz notar sobre a transferência.

Assim, o automatismo de repetição inaugura uma problemática conflitual que extrapola os limites em que oscilava o pêndulo dos princípios do prazer e de realidade. Durante os anos que se sucederam a I Guerra Mundial, Freud havia atendido vários ex-combatentes acometidos pelo que se conhecia como "neuroses de guerra" ou "neuroses traumáticas", cuja origem decorria do trauma de haverem participado das atrocidades daquele evento. Com a experiência acumulada da prática clínica nesse período - que resulta na série dos "Artigos sobre técnica" (1911-1915), já tratados -, percebera que havia algo que insistia em não se deixar representar psiquicamente, constituindo um ponto cego de uma análise. Na verdade, esse ponto é economicamente tributário de uma transcendência do par prazer-realidade, tal como atestam as percepções tratadas em "Recordar, repetir, elaborar" (Freud, 1914/1996) com relação às tendências repetitivas dos demais pacientes neuróticos, vindo a representar, de fato, uma exacerbação desse fenômeno.

Em "Além do princípio do prazer" (1920), Freud inicia a revisão de sua criação, movido sobretudo pela constatação dessa irredutibilidade da repetição aos dois princípios vigentes até então. Em vez de desprezar o sistema anterior, Freud o incorpora ao seio da segunda tópica, passando a estabelecer sua última teoria das pulsões, daí em diante divididas não mais entre pulsões sexuais e pulsões do Eu, mas, pulsões de vida (Eros), que passa a englobar as duas primeiras, e pulsões de morte, que representa a tendência de todo ser vivo a reduzir completamente as tensões, voltando ao estado inorgânico.

Lagache chama a atenção para as poucas mudanças na concepção da transferência ao longo desses anos. Na verdade, assinala seu exercício atrelado à clínica como tendo, antes, um papel nessa revisão. O autor ressalta que, no mínimo, a transferência suportou o contragolpe dessa reviravolta (Lagache, 1990, p. 33). Na verdade, ao lado das neuroses traumáticas e dos jogos infantis, representados pelo fort-da que Freud havia observado no brinquedo de seu neto, a transferência é um dos seus pilares na demonstração do automatismo de repetição.

A experiência sexual infantil foi uma experiência dolorosa, um fracasso e uma ferida narcísica; o seu recalcamento pelo ego estava, portanto, de acordo com o princípio de prazer; a sua repetição na transferência, envolvendo os instintos recalcados, é contrária, por conseguinte, ao princípio de prazer e depende da compulsão à repetição. O pensamento de Freud parece comportar certas reservas: no início, a criança esperava ter prazer; mais tarde, o que é desprazer para um sistema (o ego) pode ser prazer para um outro (o id); a experiência pode ser menos desagradável enquanto objeto de lembranças e de sonhos (Lagache, 1990, p. 34).

Lagache atenta ainda para o fato de que o terceiro capítulo do texto de 1920 seja um "notável resumo das descobertas de Freud" e de que, mesmo sem maiores novidades sobre a técnica, nele está ressaltado o papel do par analítico para a segunda teoria pulsional, tendo em vista a irredutibilidade da tendência do paciente de repetir em análise ao invés de perlaborar. Além disso, ao comparar a situação transferencial com o jogo infantil, Freud reafirma que, na transferência, a compulsão à repetição nada tem a ver com o princípio do prazer, considerando a tendência das crianças de pedirem aos adultos que repitam exaustiva e fielmente suas histórias para que elas encontrem aquele mesmo prazer experimentado na primeira vez que a ouviram. Ao comparar a experiência repetitiva na criança e no adulto em análise, entretanto, notamos o quanto essa tendência extrapola, na clínica, as balizas do princípio de prazer (Freud, 1920/1996). Em outra passagem, Freud destaca o caráter conservador da compulsão à repetição que, ao fazer obstáculo ao fim do tratamento, impede seu avanço:

Pode-se supor também que, quando pessoas desfamiliarizadas com a análise sentem um medo obscuro, um temor de despertar algo que, segundo pensam, é melhor deixar adormecido, aquilo de que no fundo têm medo, é do surgimento dessa compulsão com sua sugestão de posse por algum poder "demoníaco" (Freud, 1920/1996, p. 46).

Os fenômenos transferenciais são, portanto, de fundamental importância para os desdobramentos do pensamento freudiano, sobretudo se considerarmos a ênfase dada à dimensão mais conservadora desse automatismo, isto é, a tendência de retorno do material recalcado.

No que diz respeito às instâncias psíquicas, conforme já vinha se anunciando desde meados da década anterior ( 1914, em "Sobre o narcisismo: uma introdução"), a noção de Eu (ego) ainda carecia de definições melhores. Além disso, o Supereu (superego) e as instâncias ideais (Eu ideal e ideal do Eu) ainda não haviam recebido tratamento adequado no edifício teórico. Em 1923, a própria dimensão topográfica do aparelho psíquico sofre profundas e definitivas reformulações. " O ego e o id" (1923/1996) é, dentre todos os trabalhos de Freud, o que melhor elabora suas proposições sobre as instâncias psíquicas, sendo nesse trabalho que o Eu (ego) ganha contornos finais ao lado do obscuro Isso (id) e o recente conceito do Supereu (superego) é apresentado com todo o peso teórico que passa a apresentar.

Para Lagache (1990), é possível ainda identificar o espectro do conceito de transferência nas reflexões de Freud em " Psicologia das massas e análise do Eu", no qual aborda o amor, a hipnose e o laço social como resultantes de processos de idealização, nos termos da teoria da libido. Para Freud (1921/1996), nas três formas de vínculo o objeto toma o lugar do que era o ideal do Eu, seja na forma da identificação do Eu com o objeto, seja na forma da introjeção do objeto por essa instância. Assim, a hipnose é comparável ao amor e, tal como o líder das massas ou como o pai da horda primeva, o hipnotizador assume o lugar do ideal do Eu. Apesar do recalcamento que sofrem os sentimentos afetuosos que estão na base de tais situações, Freud parece ver nisso a mesma matriz erótica da relação transferencial que ocorre mesmo sem utilização do método hipnótico.

 

Final de análise e novas "construções"

Assim como na década anterior, nos anos 1930 Freud escreveu diretamente muito pouco sobre a transferência, tendo chegado a declarar, em suas " Novas conferências introdutórias sobre psicanálise" (1933/1996), que nada teria a acrescentar sobre o tema, como fizera nas primeiras conferências, quinze anos antes. Entretanto, se não chegou a se debruçar e desenvolver "todas as implicações" (Lagache, 1990, p. 38) dessa teoria no período, nem por isso podemos dizer que não tenha discutido outros elementos e formulado novos conceitos técnicos relacionados, portanto, ao campo transferencial.

Em seus últimos trabalhos publicados em vida, Freud retoma aspectos já abordados além de introduzir algumas questões sobre a eficácia terapêutica de seu método. Em 1937 lança seu trabalho "Análise terminável e interminável", no qual insere a discussão sobre os limites e dificuldades do processo analítico, apontando alguns fatores que, embora não constituam propriamente novidade em sua doutrina, entre eles os efeitos da transferência negativa como um problema a ser enfrentado. Partindo da questão sobre o que seria o final de uma análise, de modo geral Freud (1937/1996a) mostra-se pessimista com relação às influências das forças pulsionais. A discussão gira em torno da maior ou menor eficácia do tratamento quanto a possibilitar que as alterações no Eu (ego) resultantes do processo possam persistir após o fim da análise fazendo frente a tais forças.

No mesmo ano, em "Construções em análise" (1937), Freud parece preocupar-se pela primeira vez com um instrumento técnico até então pouco elaborado, embora largamente utilizado em sua prática: as construções. Nesse caso, trata-se de uma elaboração do analista que, diante do material disponível a partir da narrativa do paciente, busca, numa perspectiva diferente da adotada na interpretação, facilitar que o paciente possa reconhecer as peças faltantes para preencher lacunas reais e fantasísticas a partir daquilo que lhe é proposto. Isso permitiria remontar a história infantil do sujeito por meio de uma rememoração que vencesse a amnésia infantil.

Apesar de utilizar o termo e fazer uso da técnica da construção em diferentes momentos de seu trabalho, concentrara-se quase sempre em torno da interpretação como o principal instrumento de que dispunha o analista na situação clínica: "Se nas descrições da técnica analítica se fala tão pouco sobre 'construções', isso se deve ao fato de que, em troca, se fala nas 'interpretações' e em seus efeitos" (Freud, 1937b/1996, p. 279). Nesse texto, Freud chega mesmo a propor o termo construção como o mais adequado e destaca que a interpretação se aplicaria a um tipo de intervenção mais pontual do analista, ou seja, algo que incidiria num ponto específico surgido no curso da própria associação livre do analisando, esse "algo" certamente referido a uma expressão do próprio inconsciente.

Na construção, portanto, Freud nos deixa antever uma maior ousadia da parte do analista. Nesse caso, fica clara sua maior participação, uma vez que, na junção dos fragmentos apresentados até aquele momento, o analista deve buscar recompor ou construir a história primitiva do paciente, preenchendo lacunas com as supostas peças que as completariam. Atento aos efeitos de suas proposições, Freud antecipa as dificuldades de se poder comprovar o sucesso ou o equívoco sobre as construções feitas da parte do analista. Nesse sentido, ressalta que não basta uma fala da parte do paciente, concordante ou não, para que o analista se certifique do resultado de sua construção. A rigor, para se saber acerca dessa assertividade, recomenda a observação do comportamento do paciente: "Se a construção é errada, não há mudança no paciente, mas, se é correta ou fornece uma aproximação da verdade, ele reage a ela com um inequívoco agravamento de seus sintomas e de seu estado geral" (Freud, 1937b/1996, p. 283).

Na interpretação, o que se quer é antes evidenciar o sentido latente de um material que insurge no discurso do paciente, sempre à sua revelia e muitas vezes de forma repetitiva. Desde a publicação do livro dos sonhos a interpretação já objetivava esse conteúdo latente que remonta ao desejo inconsciente e se assenta na fantasia do sujeito. Se, na construção, o analista se arrisca a preencher lacunas do discurso do paciente, partindo de inferências advindas dos próprios fragmentos por ele apresentados, na interpretação o que se busca é o desvelamento daquilo que se mostra no discurso como material originário do inconsciente, ou seja, do que se apresenta, porém, de forma velada.

 

Considerações finais

Como vemos, do início ao fim de sua longa trajetória clínica e intelectual, Freud teve sempre como guia a trama narrativa tecida pelo sujeito em análise. Independentemente do modo como a abordou tecnicamente, o tempo todo fica patente seu respeito ao que seus pacientes lhe diziam. Esse respeito se dava não apenas do ponto de vista dos efeitos disso para eles próprios, mas também para o que daí se podia extrair, visando ao aprimoramento do método, sempre em observância aos resultados clínicos.

Se o campo transferencial inaugurado por Freud mostra-se ainda hoje vivo em nossa prática, é sem dúvida em função da base que veio a constituir para a clínica. Era, entretanto, a postura interrogativa que não permitia que Freud se acomodasse no terreno das certezas que veio a ser, talvez, seu maior legado e exemplo a ser seguido. Tal atitude se mostra valiosa sobretudo na contemporaneidade, quando as garantias simbólicas perdem boa parte de suas forças e o virtual, com seu inesgotável arcabouço imagético, se acopla à vida, fundindo-se à nossa realidade psíquica (Nobre, 2014) e, certamente, reverberando também em nossa prática clínica. Nesse contexto, em que a maleabilidade inerente ao sujeito parece intensificar-se ainda mais, novos sintomas proliferam, exigindo que nosso campo - transferencial por excelência - mantenha-se, ele próprio, permeável à fluidez do tempo presente.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 12/12/2018
Aprovado para publicação em: 21/01/2021

Endereço para correspondência
Márcio Rimet Nobre
E-mail: marcionobre205@hotmail.com
Cassandra Pereira França
E-mail: cassandrapfranca@gmail.com

 

 

*Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Psicólogo (UFSJ). Especialista em Teoria Psicanalítica (UFMG). Mestre em Psicologia (PUC Minas). Doutor em Psicologia na área de Estudos Psicanalíticos (UFMG).
**Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Prof. do Departamento de Psicologia e do PPG Psicologia, na área de Estudos Psicanalíticos (UFMG). Doutora e Pós-Doutora em Psicologia Clínica (PUC SP). Membro do GT Psicanálise e Clínica Ampliada.
1Neste trabalho serão empregados os termos Isso, Eu e Supereu, equivalentes em português para Es, Ich, Über-ich do alemão corrente de Freud, sempre seguidos de id, ego e superego, utilizados na tradução brasileira da Ediçãostandard, exceto quando se tratar de citações literais, em que será mantida apenas a forma original.
2Cf. "Nota do editor inglês" ao presente artigo (Freud, 1915/1996, p. 175).
3Assim como destacado na nota 1, acima, com relação às instâncias psíquicas, no presente texto empregaremos o termo pulsão em lugar de instinto, a ser utilizado apenas nas citações literais, o que se aplicará também ao termo recalque em preferência a repressão. Para uma discussão acerca dos problemas que envolvem a tradução das obras de Freud para a língua inglesa, origem da tradução para a Edição Standard brasileira, remeto o leitor ao trabalho Freud e a alma humana, de Bruno Bettelheim (1982).
4Apesar de ter sido lançado no início de 1915, o artigo Observações sobre o amor transferencial havia sido escrito em 1914, mesmo ano de publicação do texto Sobre o narcisismo: uma introdução.
5Conferências de número 27 e 28, respectivamente.
6Dimensão mais teórica da psicanálise, assim denominada pelo próprio Freud em analogia com o conceito de metafísica, advindo do campo da filosofia (Laplanche, & Pontalis, 1996).

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