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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.53 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2021

 

ARTIGOS

 

De Medeia à alienação parental: traduções trágicas para o excesso pulsional

 

From Medeia to parental alienation: tragic translations for the pulsional excess

 

De Medeia a la alienación parental: traducciones trágicas para el exceso pulsional

 

 

Aline Spaciari MatioliI, II*; Viviana Velasco Carola MartinezIII**

IInstituto Federal do Paraná – IFPR - Brasil
IIFaculdade de Tecnologia do Vale do Ivaí - Brasil
IIIUniversidade Estadual de Maringá - UEM - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A tragédia grega Medeia, de Eurípides, é tomada como uma metáfora para discutir as vicissitudes de uma separação amorosa. Inspiradas na teoria tradutiva de Jean Laplanche, privilegiamos o desamparo da heroína diante da pulsão desligada pela ruptura do vínculo com Jasão, o que a leva a adotar saídas pouco organizadas na tentativa de dar conta do excesso pulsional, sobretudo por não encontrar no ambiente social assistentes de tradução. Contemporaneamente, além dos casos extremos de filicídio, é na alienação parental que o cônjuge, que se sente abandonado, parece encontrar recursos de ligação, mas de forma igualmente precária, o que deixa restos não traduzidos e, portanto, pouco elaborados.

Palavras-chave: Psicanálise, separação amorosa, tragédia grega, teoria da sedução generalizada, alienação parental.


ABSTRACT

Euripides' Greek tragedy, Medeia, is taken as a metaphor to discuss the vicissitudes of a romantic separation. Inspired by Jean Laplanche's translation theory, we privilege the helplessness of the heroine in the face of the disconnected sexual drive due to the rupture of the link with Jasão, which leads her to adopt less organized forms in attempt to handle with the excess drive, mainly because of not finding translation assistants in the social environment. Contemporaneously besides to the extreme cases of filicide, it is in parental alienation that the spouse, who feels abandoned, seems to find connection resources, but in an equally precarious way, which leaves remains untranslated and therefore poorly elaborated.

Keywords: Psychoanalysis, love separation, Greek tragedy, theory of generalized seduction, parental alienation.


RESUMEN

La tragedia griega de Eurípedes, Medeia, se toma como una metáfora para discutir las vicisitudes de una separación romántica. Inspiradas en la teoría traductiva de Jean Laplanche, privilegiamos lo desamparo de la heroína face a la pulsión desconectada debido a la ruptura del vínculo con Jasão, lo que la lleva a adoptar formas menos organizadas en un intento de hacer face al pulsional excesivo, principalmente por no encontrar asistentes de traducción en el entorno social. Contemporáneamente, además de los casos extremos de filicidio, es en la alienación parental que el cónyuge, que se siente abandonado, parece encontrar recursos de ligazón, pero de una manera igualmente precaria, lo que deja sobras no traducidas y, por lo tanto, mal elaboradas.

Palabras clave: Psicoanálisis, separación amorosa, tragedia griega, teoría de la seducción generalizada, alienación parental.


 

 

Introdução

Muito se tem escrito sobre os mitos e a psicanálise, pois os dramas que eles inspiram no teatro trágico da vida são o relato mitopoético do sofrimento humano. Berlinck (1997) se refere ao sujeito trágico e ao seu pathos, isto é, o sofrimento, a paixão e a passividade; "quando pathos acontece, algo da ordem do excesso, da desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se assenhorear desse acontecimento, a não ser como paciente, como ator (p. 17).

É precisamente por toda sua riqueza simbólica, afirma Martínez (2001), que Freud fez do mito um recurso importante para sua teoria, tanto no plano epistemológico e conceitual, quanto no plano da manifestação do próprio psiquismo e da cultura.

Se passarmos rapidamente pela obra de Freud, veremos que o mito vai ganhando grande destaque e importância no tocante às paixões. No Rascunho N (1897/1996a), podemos encontrar elementos que anunciam a temática edípica; também na carta a Fliess, de 12/12/1897, Freud se refere aos mitos endopsíquicos; já na famosa Carta 71 (1897/1996b), entra Oedipus Rex na cena psicanalítica, assim como na Interpretação dos sonhos (1900/1996c), em que também compara o inconsciente aos Titãs sepultados que, de tempos em tempos, se remexem nas entranhas da terra. Nos Três ensaios para uma teoria da sexualidade (1905/1996d), o autor afirma que o verdadeiro enigma da esfinge tebana é sobre a origem do homem, isto é, a concepção e o seu nascimento, curiosidade sexual que despertará na criança o desejo de conhecimento ou o que Freud chama de pulsão epistemofílica. Em Totem e Tabu (1913/1996g), Freud propõe um mito científico em torno do assassinato do pai. Também na História de uma neurose infantil, o Homem dos lobos (1914/1996h), Freud nos remete à castração de Urano, o pai primevo (Martínez, 2017).

Obviamente, a referência a Édipo é central na obra de Freud, que escolhe a versão de Sófocles, para reconhecer em si e universalizar o drama do herói que mata o pai e casa com a mãe, desvelando uma sexualidade em conflito.

Além de Édipo, continua Martínez (2017), podemos dizer com Rank (citado por Martínez, 2003), que todos os heróis apresentam o mesmo modelo do romance familiar e, portanto, interessam à psicanálise. Orestes, por exemplo, que mata a mãe e seu amante, para vingar o pai, tem uma instigante interpretação sob a pena de Klein (1963/2006); a Medusa, uma figura mitológica muito primitiva e das profundezas, que foi degolada por Perseu, nos leva pelo território da castração, o que também Freud discute no seu pequeno artigo Cabeça de Medusa (1922, citado por Martínez, 2003); ainda, devemos mencionar Eros, cujo amor por Psiquê desencadeia o furor e o ciúme destrutivo de Afrodite, a mãe. Aliás, o deus do amor inspirará o pai da psicanálise, na sua segunda teoria das pulsões, quando a pulsão de vida será, como Eros, o princípio de coesão interna do cosmo (Brandão, 1993).

Martínez (2017), também se refere a outras paixões que interessam à psicanálise, como a de Teseu que provoca a morte do filho, acusado falsamente pela madrasta, tomada por um desejo mortífero; o drama de Héracles, que perseguido, submetido e castigado por Hera, enlouquecido, assassina os próprios filhos sem que seu pai Zeus possa impedi-lo; o próprio Zeus, que derruba seu pai Cronos, este que havia castrado Urano...

Os mitos, tal como os compreende Freud (1907/1996e), são resquícios distorcidos de fantasias carregadas dos desejos reprimidos, medos e anseios de toda a humanidade, portanto, embora guardem estreita relação com a cultura de um povo, eles expressam conflitos comuns a todos os homens. Este é o caso do mito de Medeia, encenado por Eurípedes em 431 a.C. que, apesar do desfecho terrível, pelo horror ao filicídio, a peça permanece viva há gerações, desde a antiguidade aos dias atuais. Seus belos versos traduzem o movimento pulsional gerado a partir de uma separação amorosa insuportável.

O próprio Freud (1905/1990), observa Martínez (2017), está seduzido pelo drama da feiticeira e, embora compare a Sra. K. a Medeia, como mostra este trecho

Quando Dora se hospedava com os K., costumava partilhar o quarto com a Sra. K., sendo o marido desalojado. Dora era a confidente e conselheira da mulher em todas as dificuldades de sua vida conjugal; não havia nada de que não conversassem. Medeia ficou muito contente em ver Creusa tornar-se amiga de seus dois filhos, e também não fez nada para estorvar o relacionamento entre a moça e o pai das crianças (p. 54-55).

constantemente se refere à vingança de Dora, uma vingança patológica, dirá, pelo fato da jovem ter contado aos pais sobre a proposta do Sr. K. Contudo, não deixa de haver, nesta interpretação de Freud, um certo exagero, pois contar a verdade, ao contrário, talvez tenha ajudado às crianças da Sra. K. a manter seu pai...

Mas voltemos ao mito. O trágico do mito de Medeia, representado por Eurípides (431 a.C) é precisamente a preparação e realização de uma vingança terrível - patológica sim -: Medeia castigará terrivelmente a traição de Jasão, matando os próprios filhos.

É justamente por este caminho que traçamos nosso percurso neste artigo, reatualizando, através de Medeia, as vicissitudes decorrentes das rupturas amorosas que dão lugar às vinganças em diversas intensidades, patológicas, que podem matar ora os próprios filhos, ora os pais das crianças. Trata-se de enfocar as variantes do que hoje chamamos de alienação parental e as discutimos neste encontro bem-sucedido entre o mito e a psicanálise.

Inspiradas na Teoria da Sedução Generalizada, de Jean Laplanche (1987), privilegiamos a reação agressiva e vingativa de Medeia, compreendida como uma resposta possível - uma tradução - ante o desamparo em que se encontrava, referente não somente à perda do amor do objeto, que operou como uma espécie de trauma, mas à carência de assistentes de tradução organizadores do excesso. Sem o amor do marido, sentindo-se ultrajada pelas novas núpcias deste, sua desgraça culmina com a sua expulsão da cidade pelo rei Creonte, devendo deixar os filhos com Jasão. Nessas circunstâncias e sem ter para onde regressar - pois havia traído sua família e sua pátria por amor a Jasão -, viu-se só, abandonada tanto diante do mundo externo quanto das próprias pulsões. Isto precisamente a diferencia do mundo grego, que a tem como uma bárbara.

Desamparada na esfera emocional e social, desprovida de assistentes de tradução organizadores do excesso pulsional desligado pelo rompimento da aliança-juramento entre o casal, sem outras possibilidades de simbolizar a vivência traumática, Medeia acaba por atuar sua dor: mata a nova eleita do marido, o rei que a expulsara de Corinto e também os filhos, atribuindo toda a responsabilidade da tragédia a Jasão sem se ver implicada nos crimes que ela mesma cometeu, precisamente por dar tudo, por amor, e tudo esperar.

Infelizmente, a realidade o atesta, há algo similar no presente e que faz laço com o passado, já que muitos amantes feridos pelo término de uma relação afetiva continuam a envolver os filhos em seus projetos de vingança contra o ex-marido. É o que testemunham as Varas de Família que, segundo Levy e Gomes (2011), tem apresentado um número crescente de casos de alienação parental motivados por animosidade, ódio e desejo de retaliação, em uma versão atualizada da tragédia grega, pois apesar de não chegar ao ato extremo do filicídio como faz a feiticeira da Cólquida, provoca-se também uma morte: a do amor dos filhos pelo genitor alienado como pena pelo fim do enlace.

 

Eurípedes: o dramaturgo da ambiguidade

Segundo Oliveira (2006), o nome de Eurípedes perfila ao lado de outros dois grandes dramaturgos gregos de grande prestígio, Ésquilo e Sófocles. Nasceu por volta de 480 a.C., em um período glorioso para Atenas em virtude da expansão econômica e política que se refletia nas artes, na poesia e no pensamento filosófico. Membro de uma família aristocrática recebeu uma excelente educação e tinha uma biblioteca valiosa a sua disposição, fato raro naquela época. Ao longo de sua atividade dramática escreveu cerca de noventa obras, destas apenas dezoito foram preservadas em sua versão integral. Enquanto Ésquilo, seu antecessor, escrevia acerca dos princípios divinos, e Sófocles, seu contemporâneo, sobre as características humanas magníficas, Eurípedes inovou na tragédia e nas apresentações cênicas pela sua exímia habilidade em explorar, com grande realismo, as paixões e as contradições da alma humana, sendo considerado por Schaffa (2009) um psicanalista avant la lettre. Em sua análise da Gradiva de Jensen, Freud (1907/1996f) explicita sua admiração por esta sensibilidade dos romancistas e poetas trágicos, que desde tempos imemoriais, são hábeis em descrever a alma humana de uma forma que nem mesmo a ciência é capaz.

Sensível aos problemas emergentes de sua época, Eurípides não se restringiu a falar das divindades, retratou pessoas comuns, camponeses, escravos, idosos e denunciou a difícil situação das mulheres. Segundo Martínez (2003), tratava-se de uma postura de certa forma subversiva, pois seu modo de encarar a religião, a natureza e o indivíduo diferiam das concepções do seu tempo. Em face ao conservadorismo grego, o tragediógrafo enfrentou certa resistência por parte do público, tendo conquistado o primeiro lugar nos concursos teatrais durante as Grandes Dionísias - festivais atenienses - apenas cinco vezes ao longo de sua vida. A peça Medeia, por exemplo, encenada pela primeira vez em 431 a.C. recebeu o prêmio de terceira colocada.

Para Santos (2005), Medeia é uma das personagens mitológicas mais intensas, pois cheia de contradições o que a faz humana e atrativa apesar dos crimes espantosos.

Por um lado, é grandiosa ao máximo e está dotada de todas as qualidades do herói: é sábia, hábil, valente, decidida, abnegada e fiel a seu amado, com um elevadíssimo sentido de honra. Mas, ao mesmo tempo, é malvada até o insuspeitado. Porque em tudo é extrema e desmesurada (p. 77).

Segundo Vernant e Vidal-Naquet (2005), os mitos, que provêm da tradição oral, são a matéria prima complexa e difusa onde cada poeta grego busca inspiração escolhendo uma versão específica para compor suas obras. É dessa maneira, afirma Brandão (1996), que as tragédias se iniciavam in medias res, no meio da história, em geral a partir do fim de um mito. A peça sobre a qual nos debruçamos, por exemplo, é inspirada no Velocino de Ouro e Os Argonautas, narrativas míticas que se entrelaçam em uma complexa trama que culmina no encontro entre Jasão e Medeia. Portanto, para compreender a intensidade da reação emocional da feiticeira quando o herói toma novas núpcias - ponto inicial da tragédia de Eurípedes - é precisar começar a história um pouco antes. Abrem-se as cortinas.

 

Medeia e a tragédia amorosa

Jasão era filho de Esão, rei de Iolco na Tessália, que foi destronado pelo irmão Pélias. Após o assassinato do soberano, a mãe do herói, grávida na época, fingiu ter dado à luz a um natimorto, subterfúgio para salvá-lo e entregá-lo aos cuidados do sábio centauro Quirão. Ao terminar sua educação, Jasão regressa a Iolco e reclama pelo trono usurpado, mas seu tio Pélias, no intuito de se livrar do sobrinho, propõe uma condição: o jovem príncipe precisava conquistar o velocino de ouro1, um tesouro sagrado que se encontrava no reino de Cólquida, em uma gruta, num bosque encantado e sob a proteção perene de um dragão que jamais dormia. Para tanto, Jasão reuniu cinquenta valentes heróis e em uma embarcação mágica, construída por Argos com a ajuda de Atena (Brandão, 1993) - os integrantes ficaram conhecidos por Argonautas - deu início a sua expedição. Após uma longa e desafiadora aventura marítima, ao desembarcar em Cólquida e explicar o motivo de sua viagem, o soberano local, rei Eetes, fingiu concordar entregar-lhe o tesouro se ele arasse a terra com dois touros de pés de bronze que lançavam chamas pelas narinas, e matasse os monstros gigantes que nasceriam dos dentes semeados de um dragão. Atônito frente às tarefas sobre-humanas designadas pelo rei, das quais certamente não sairia com vida, Jasão decide regressar a Iolco, momento este em que Medeia o procura para ofertar-lhe um acordo.

A pedido de Hera, protetora de Jasão, Afrodite convence Eros a flechar o coração de Medeia, uma poderosa feiticeira, filha do rei Eetes, neta de Hélios (o Sol), sobrinha da bruxa Circe. Loucamente apaixonada, ela seduz o líder dos Argonautas ao oferecer poções e encantamentos para vencer os desafios propostos por seu pai. Em troca um pacto solene é selado diante dos deuses e Jasão promete casamento e fidelidade. Munido das ervas e poções mágicas, ele se torna invulnerável ao ferro e ao fogo, vence os desafios e se apossa do velocino. Furioso, o rei Eetes decide impedir o retorno do herói, mas na fuga Medeia havia levado seu irmão Apsirto de refém, a quem decide matar, despedaçar seus membros e jogá-los ao mar no intuito de atrasar a perseguição de seu pai, que certamente recolheria o corpo do filho para conceder-lhe um funeral honroso. De volta a Iolco, Pélias não entregou o trono conforme prometera, e para vingar-se dele, a feiticeira fez com que suas próprias filhas o matassem2. Em face à revolta da população o casal fugiu para Corinto onde viveram em plena união por dez anos e tiveram dois filhos. Não obstante, Jasão, que havia feito juras de amor eterno e a Medeia tudo devia, abandona-a para se casar com Creusa (ou Glauce), filha de Creonte, rei de Corinto (Brandão, 1995).

É neste momento que se inicia a tragédia de Eurípides, com a ama descrevendo o deplorável estado de Medeia, uma mulher humilhada pelo repúdio do marido, profundamente ferida pelo ultraje, prostrada ao leito, sem se alimentar, incapaz sequer de levantar os olhos, nem os filhos a agradavam, encontrava-se consumida pelo pranto e desejando apenas a própria morte.

Ai Ai,
vale grande pranto o que sofro,
sofro infeliz. Ó execráveis
filhos de horrenda mãe, morrei
com o pai - e que caia a casa! (p. 41).

Mas ao longo da peça seu ânimo se altera, e do aparente estado melancólico emerge um terrível desejo de vingança que começa pelo assassinato da noiva do marido e culmina no filicídio.

O sofrimento de Medeia se intensifica ainda mais quando o rei, temendo por uma retaliação, pois ciente de seus sortilégios, a expulsa do reino. Após suas súplicas, Creonte, tocado como pai pelos apelos de uma mãe preocupada com o destino dos filhos, concede mais uma noite para que ela pudesse preparar sua partida. Era o que a feiticeira precisava, tempo suficiente para arquitetar seu plano e garantir, junto a Egeu, rei de Atenas - com a promessa de conceder-lhe uma descendência - um refúgio para onde ir após seu crime. Enfurecida e com sede de vingança, decide assassinar a nova eleita do marido, matar o rei que a expulsara de Corinto e, para ferir Jasão onde mais doeria tirar a vida dos próprios filhos. Ardilosa, com doces palavras, finge aceitar a decisão do marido e concorda deixar os filhos sob sua proteção para que apenas ela fosse banida. A despeito da palavra dada pelo marido que dos filhos cuidaria, ainda assim diz temer pelo destino deles e convence Jasão a deixá-los entregar presentes para a noiva, na pérfida intenção de comovê-la a fim de que ela persuadisse o rei para jamais expulsá-los. Porém, o véu e o diadema de ouro estavam envenenados e Creusa, encantada pela beleza dos presentes, os veste, mas logo seu corpo é tomado por chamas inexauríveis e quanto mais tentava se livrar dos adornos, maior era o seu sofrimento. Ao tentar socorrer a filha, o rei Creonte se vê preso no mesmo feitiço e morre carbonizado junto a ela, tendo o fogo se alastrado e consumido também todo o palácio real (Brandão, 1995).

Antes de concluir seu plano maléfico Medeia titubeia, depara-se com o amor que sente pelos dois filhos, e nestes belos versos dirigidos ao coro podemos ver seu coração fraquejar, pois o desejo de vingança e o amor materno se digladiam entre si, e tem-se a impressão de que ela desistirá de sua ideia mortífera.

Por que cravais em mim os olhos, filhos?
Por que sorrides o último sorriso?
Ai, o que faço? Foi-se-me a coragem
quando luzente olhar dos filhos vi,
mulheres: eu não posso. Adeus, projetos
de há pouco! Lavarei daqui meus filhos (p. 127).

Porém, rapidamente ela encontra forças no ódio e no desejo de retaliação, sua honra é posta em primeiro plano e a heroína deixa de lado todo o amor que sente pelos filhos.

Mas que há comigo? Quero expor-me a escárnio
por deixar inimigos meus impunes?
Deve-se ousar! Mas que vileza a minha
no peito tolerar palavras frouxas! (p. 129).

Em um desfecho inesperado, após completar sua vingança e esfaquear os filhos, sem permitir que Jasão tocasse em seus corpos, Medeia foge triunfante levando-os consigo para o templo de Hera no carro do sol, guiado por serpentes aladas, um presente de seu avô. Um deus ex machina3 que a salva do furor da população.

 

Laplanche e sua teoria tradutiva do inconsciente

A partir da reinterpretação da neurótica freudiana, Laplanche formula sua Teoria da Sedução Generalizada, doravante TSG. Diferente de Freud, que restringe a sedução a um evento focal e patológico, pois se refere a um atentado sexual de caráter perverso, e menciona a sedução materna, nos textos sobre a feminilidade, Laplanche (1987) amplia esta compreensão e postula a existência de uma sedução generalizada, inerente ao encontro adulto-criança face à interferência da sexualidade infantil do adulto nesta relação.

Laplanche (1987) nomeia de Situação Antropológica Fundamental - SAF - o primeiro momento de encontro entre um adulto e o infans, referindo-se a uma criança que ainda não fala (petit non-parlant). Trata-se de uma situação universal, de que nenhum ser humano pode escapar, uma relação assimétrica por excelência, pois o adulto se relaciona a partir de seu inconsciente enquanto a criança ainda não tem o seu constituído. É nesta situação que se dará a sedução, por meio das mensagens enigmáticas que circularão entre ambos. Enigmática não apenas para a criança que as recebe, mas para o próprio adulto emissor que não tem ciência do que comunica, porque a mensagem a ela endereçada está atravessada por seu inconsciente, por este estrangeiro interno que também o habita.

Essas mensagens começam a circular desde cedo, já nos cuidados de sobrevivência que estão infiltrados pela sexualidade inconsciente do adulto despertada no contato com o corpo infantil, já que "em toda relação de cuidado temos um pequeno ser em total dependência, sem um inconsciente, mas que a sua presença excita o adulto" (Martínez, 2012, p. 476). Tais mensagens não se restringem à linguagem verbal, sobretudo neste início da vida, pois o enigmático também circula nos gestos, no tom de voz, na mímica e no olhar. "As mensagens que são objeto das primeiras traduções não são essencialmente verbais, nem 'intelectuais'! Elas incluem em grande parte significantes de afeto, que poderão ser traduzidos ou recalcados: um sorriso (em Leonardo), um gesto de cólera, uma mímica de nojo" (Laplanche, 1999, p. 329).

Laplanche (1997a) recupera a cena originária para se referir à outra modalidade de transmissão do enigmático, aquela em que o adulto seduz a criança por meio de um deixar ouvir, de um deixar ver que é sempre um fazer ver, uma espécie de exibição que porta uma mensagem: "o que este pai quer de mim me mostrando, deixando-me ver a cena primária, mesmo que apenas me levando ao campo (como o pai do homem dos lobos) para testemunhar o coito de animais?" (p. 146). Grosso modo, este deixar ver, como forma de sedução, parece ter sido utilizado por Medeia ao exibir seus poderes sobre-humanos para as filhas de Pélias. Seduzidas pelo espetáculo perverso polimorfo em que vida e morte se misturam à violência sádica da feiticeira, vimos, as jovens cometem o parricídio. Indo além, talvez o desejo de rejuvenescer o pai fosse uma defesa frente às próprias pulsões destrutivas despertadas com a cena excessiva: será esquartejado, mas tal como o carneiro, reviverá! Uma reparação?

De volta a Laplanche, talvez o exemplo do seio seja um dos mais significativos. Antes de ser um órgão natural de lactação, o seio é uma zona erógena importante para a mulher, isto quer dizer, que o seio cheio de leite é antecedido pelo seio excitável, fonte de prazer erótico. É essa duplicidade da mensagem impossível de ser apreendida em sua totalidade, pois advém de um adulto cindido, que instaura um enigma para a criança: "que quer de mim este seio que me alimenta, mas que também me excita: me excita se excitando? Que quer ele me dizer, que ele mesmo não sabe?" (Laplanche, 1988a, p. 79). É por isso que a mensagem da ternura jamais será pura, porque estará sempre parasitada pela sexualidade recalcada do adulto, a respeito da qual a criança é passiva.

Vale frisar, que essa passividade não se refere a qualquer elemento gestual ou comportamental, mas a desigualdade de condições, à carência de recursos simbólicos e linguageiros para traduzir a mensagem que lhe é proposta pelo adulto (Ramos, 2008).

A sedução deve se definir como relação passividade-atividade, essa mesma tomada em seu sentido cartesiano: o ativo é aquilo que comporta mais de saber, de experiência, etc., que o passivo. Além disso, nesta dissimetria, a psicanálise introduz o complemento essencial, que este "mais" é um mais-de-saber-inconsciente no sedutor que no seduzido (Laplanche, 1997b, p. 332, grifos do autor, tradução livre).

Confrontada às mensagens sexuais do adulto, a criança tentará traduzi-las, simbolizá-las. Todavia, seus códigos autoconservativos serão insuficientes e ela necessitará de novos códigos para auxiliá-la neste árduo e perene trabalho de tradução do enigmático para o qual é convocada. Referimo-nos aos assistentes de tradução, expressão cunhada por Francis Martens (2003), estudioso da TSG, e desde então adotada por Laplanche, para se referir ao conjunto de mensagens, verbais ou não-verbais, ofertadas pelo ambiente social à criança como um auxílio à tradução. Estes novos códigos, comunicados junto com as próprias mensagens enigmáticas, funcionam como uma espécie de contrainvestimento à intensa sedução operada pelo adulto.

Laplanche (2006/2015b) também considera o universo mito-simbólico um auxílio à tradução, já que os mitos, contos e demais esquemas narrativos servem para ligar, ordenar, simbolizar e traduzir as mensagens enigmáticas traumatizantes que vêm do mundo adulto. Dentre eles o autor inclui os códigos clássicos, como o complexo de Édipo, o assassinato do pai e o complexo de castração, pois não os toma como fantasias filogenéticas supostamente originárias como o fez Freud, mas sim, como esquemas narrativos transmitidos culturalmente. Eis o assassinato do pai: o rei Pélias, morto por suas filhas! Nesse sentido, para Laplanche (citado por Ramos, 2008), o próprio complexo de Édipo estaria do lado do recalcamento, e não do recalcado, pois se trata de uma narrativa que opera como uma espécie de tina, um dique para a pulsão. Não só o Édipo continua Ramos (2008), mas os demais protofantasmas, porque se constituem elaborações bem-organizadas, sustentadas pela cultura, os quais ajudam a criança a dar conta do sexual, dos aspectos não ligados e polimórficos da pulsão.

Para Carvalho (2016), o mito da cegonha, há tempos utilizado para explicar a origem dos bebês, opera como um tipo de mediação entre o adulto e a criança evitando, assim, uma exposição excessiva às fantasias inconscientes do adulto que parasitam esta comunicação. Mais tarde, além dos mitos e fábulas, o próprio conhecimento científico servirá como um auxílio à tradução, sobretudo para as crianças maiores que deixarão de acreditar na cegonha. Dito de outro modo, o patrimônio mito-simbólico oferecido pelos pais e pela cultura de forma geral - por meio de filmes, livros etc. - está a serviço do processo tradutivo, à medida que ajuda a codificar e simbolizar os enigmas sexuais provenientes no universo adulto, assim como permite fazer frente à sedução vivida.

A despeito dessa ajuda à tradução, a metabolização das mensagens enigmáticas jamais será plena, sempre haverá um resto irredutível, um não-traduzido essencial. Esses resíduos à margem das primeiras tentativas de tradução se sedimentam e dão origem ao inconsciente e à pulsão (Laplanche, 1987). É digna de nota que a sedução não se restringe à relação adulto-criança, nem tampouco se processa de forma unilateral - do adulto em direção à criança -, pois a partir do recalcamento originário essa comunicação estará inelutavelmente atravessada por conteúdos inconscientes. Desse modo, a criança, que nos tempos primordiais era passiva em relação ao adulto, tornar-se-á, também, um agente de intensa sedução. É por esta razão que os diferentes personagens míticos retratados na tragédia euripidiana serão ora seduzidos, ora sedutores. Aliás, uma sedução que permeia toda a peça, seja de forma sutil, seja perversa.

Primeiramente, vimos, Hera convence Afrodite a provocar a paixão doentia de Medeia por Jasão. A feiticeira, por sua vez, seduz Jasão com a promessa da vitória, pois com seus encantos o herói venceria os desafios propostos pelo rei Eetes obtendo o velo de ouro e, com isso, a glória. Mais tarde as posições se alteram: Jasão, por almejar o trono de Corinto, se transforma em sedutor de Creusa ao propor um casamento com a filha do rei. A princesa de Corinto é novamente seduzida, dessa vez pelos presentes magníficos de Medeia, uma sedução mortífera que custou sua vida e a de seu pai, o rei Creonte. Nesse ínterim, outro rei é seduzido pela maga: Egeu, com a promessa de ter filhos.

Vale sublinhar, que embora não se trate de crianças pequenas seduzidas na relação com o adulto como nos moldes da SAF, há, nessas relações, uma situação potencialmente assimétrica entre os pares: deuses versus mortais, heróis versus homens, dentre outras dissimetrias, como a de Medeia que, como mulher, era capaz de gerar filhos: a desejada descendência do rei Egeu! E frente a essa intensa sedução, os personagens se defendem como podem, fazendo uso dos assistentes de tradução de que dispõem - pois diferente do infans eles já têm um inconsciente constituído - e daqueles que encontram no universo cultural a sua volta, alguns mais organizadores, outros mais dramáticos como veremos a partir de Medeia. Apesar de ter dado absolutamente tudo para o líder dos Argonautas - vitórias, amor e uma descendência - ainda assim, ele a traiu. Desprovida de códigos capazes de decifrar o enigma: "o que queres de mim?", "o que Jasão quer de mim?", só restou para a feiticeira, a atuação.

 

Do excesso ao ato: uma saída para o pulsional desligado

De volta à tragédia, para Martínez (2003), o herói da mitologia grega se encontra na fronteira entre o humano e o divino, pois é descendente de um(a) deus(a) com um(a) mortal, amiúde um soberano(a) ou uma pessoa ilustre. A autora lista uma série de capacidades excepcionais que o distinguem do homem comum, como a força bruta, a coragem, a inteligência, a ousadia e a astúcia, mas apesar dessas qualidades, é aquilo que se vincula à dimensão da falta, como o desamparo, o abandono, a solidão e a angústia que o aproximam do humano. Há também outras características que marcam os heróis, vinculadas aos excessos, como o descomedimento sexual - representado na prática do incesto, do estupro e do adultério - a crueldade, a violência, os assassinatos, as vinganças e as grandes trapaças. Nos mitos e tragédias, continua a autora, a morte do herói é o fim esperado, resultado das ações descomedidas, sempre à beira da transgressão e da ilegalidade, como é o desfecho de Édipo, punido pelo ato abominável, porque mesmo sem saber incorreu na hýbris, matou o pai e se casou com a mãe.

Na mitologia clássica a hýbris diz respeito à falta grave, ao crime do excesso, da ambição desmedida, do orgulho e do ultraje aos deuses. Todos os heróis têm como peculiaridade uma natureza que constantemente os faz ultrapassar a medida certa e cair no erro gravíssimo da hýbris, pelo qual serão invariavelmente castigados. Aí estão Prometeu, Ícaro, Belerofonte, Tântalo, entre outros (Sousa, 2012). A estes heróis podemos acrescentar Jasão, cuja ambição pelo trono de Corinto o levou a descumprir a promessa de casamento e abandonar a esposa, sendo por ela severamente castigado com a morte dos filhos, a quem nem sequer pôde oferecer um enterro digno. Simbolicamente, o assassinato dos filhos corresponde a uma castração, pois priva o herói de sua descendência (Martínez, 2003; Luz, 2013; Martins & Costa, 2017).

Segundo Pereira (1991), para compreender a gravidade do castigo a que foi submetido Jasão, deve ficar claro que ele descumpriu uma das obrigações mais sagradas da sociedade grega, isto é, a lealdade aos juramentos4, que encontra equivalência na lei sagrada da hospitalidade, sendo este código também quebrado pelo Rei Creonte ao expulsar Medeia de Corinto. Mas de certa forma e involuntariamente Jasão também quebra esta lei sagrada da hospitalidade. Como observa Martínez (2003), durante a expedição para Cólquida, descrita em Os Arganoutas, a nau desorientada por uma forte tempestade levou Jasão e os outros heróis de volta à ilha do rei Cízico que, na noite anterior, os havia recebido com hospitalidade. Confusos e na absoluta escuridão da noite, matam seus anfitriões que os atacam os tomando por inimigos. São os caprichos dos deuses!

Além da hýbris, Brandão (1995) descreve outras características importantes do herói, que por ser meio humano e meio divino é essencialmente ambivalente, repleto de atributos contraditórios (complexio oppositorum). Desse modo, ao mesmo tempo em que pode ser uma fonte infindável de bons feitos, ele pode ser uma maldição, sobretudo se ofendido, visto ser de sua natureza "estar sujeito à violência sanguinária, à loucura, ao ardil e astúcia criminosa, ao furto, ao sacrilégio, ao adultério, ao incesto e, em resumo, a uma contínua transgressão do métron, vale dizer, dos limites impostos pelos deuses aos seres mortais" (p. 53). O herói mítico, prossegue o autor, também é marcado por duas virtudes elementares: a timé, que representa a honra pessoal, que deveria ser defendida acima de tudo, e a areté, que diz respeito à superioridade, à excelência, ser o melhor em algo, como o guerreiro mais forte ou o mais habilidoso na batalha. "Dotado de timé e areté, mais perto dos deuses que dos homens, o herói está sempre numa situação limite e a areté, a excelência leva-o facilmente a transgredir os limites impostos pelo métron, suscitando-lhe o orgulho desmedido e a insolência (p. 67). É justamente por compartilhar desse mesmo código heroico que Medeia, ferozmente ferida pela traição do marido e tomada por um ódio cego, mata os próprios filhos para dele se vingar e, simultaneamente, restaurar sua timé.

Não se trata apenas de ter sido abandonada por Jasão, mas considerando que na Grécia era impossível ter mais de uma esposa - uma esposa e uma concubina era possível -, para casar-se com Creusa, o herói teve de repudiar publicamente a mãe dos seus filhos. O ultraje foi grande para quem fez tudo pelo herói (Martínez, 2003, p. 291).

Jasão, voltemos ao nosso herói. É igualmente desmedido em suas ações, porque não submete sua lança - um atributo militar - ao cetro real que, segundo Brandão (1996), representa a justiça e a paz. Em sua expedição para Cólquida, por exemplo, confuso ele mata o rei Cízico, depois trapaceia o rei Eetes para conseguir o velo de ouro, e por fim permite que Medeia mate o Rei Pélias em seu nome. Jasão também usa deliberadamente o amor da esposa para vencer suas batalhas, pois se vale dos artifícios mágicos por ela oferecidos para ter sucesso. É o que Brandão (1995) nomeia de êxito perverso, um falso herói que obteve vitórias sem glória. E por almejar o trono de Corinto, uma vez mais ele se deixar levar pela ambição, seus interesses egoístas o levam a trair Medeia, deixando-a duplamente desamparada: desampara em termos sociais, pois o noivado com a filha do rei resultou em sua expulsão de Corinto (Brandão, 1997); e desamparada frente às próprias pulsões, cuja voracidade a ataca desde o interior. O desamparo social concerne a sua condição de mulher estrangeira, sem pátria e sem família, que não tinha a quem recorrer e nem para onde regressar, em um momento histórico que destinava à mulher um lugar de extrema passividade5. Eis o retrato do estado de extremo desamparo no qual se encontrava a heroína:

eu, só, apátrida, butim de bárbara
terra, sou ultrajada pelo esposo;
não tenho mãe, irmão, nenhum parente
em que desta procela encontre abrigo (Eurípedes, 2006, p. 55)

Já o desamparo diante do mundo interno diz respeito à angústia pela perda do amor do objeto, ao amor transmutado em ódio, a ferida narcísica decorrente da traição de Jasão e ao desmoronar das barreiras frente à pulsão sexual de morte6 que toma de assalto a personagem euripidiana. Sobre os efeitos devastadores de uma ruptura amorosa afirma Carvalho (2012):

O investimento do objeto de amor significa sempre um contrainvestimento, pois por trás do objeto de amor se perfila, invariavelmente, o objeto da pulsão perversa e polimorfa. A perda do objeto de amor implica, pois, na esgarçadura da trama egóica e na inevitável invasão do Eu pelas pulsões parciais (p. 493).

De princesa descendente dos deuses à estrangeira exilada, a feiticeira poderosa, conhecida por sua excelência nas artes mágicas, outrora respeitada em sua terra natal, é então desvalorizada e desonrada, e como afirma Oliveira (2006), no período clássico Grego, quando um nobre tinha sua honra ferida, não tinha apenas o direito, mas o dever de se vingar7. Como observam Vernant e Vidal-Naquet (2005), nas tragédias o drama sempre culmina em um impasse, pois ao ser posto diante de uma encruzilhada o herói precisará tomar uma decisão difícil, porém inevitável. Nossa heroína igualmente se encontrava frente a uma situação insolúvel: exilar-se de Corinto só e humilhada, ou se vingar dos supostos algozes. Ela fez sua escolha e, apesar dos seus próprios argumentos, algo da ordem do excesso é posto em movimento. E assim, a vingança atroz perpetrada por Medeia foi a que julgou proporcional a sua desonra, por meio do seu sombrio saber, mata a noiva de Jasão, o rei e, para culminar com sua vingança, mata seus pequenos filhos.

Todavia, afirma Martínez (2003), o assassinato do rei e de sua filha não foi seu primeiro crime. Havia algo de muito intenso e mortífero em Medeia para o qual o amor por Jasão servia como uma espécie de dique. Nos mitos que inspiram a peça a feiticeira já havia ultrapassado o métron (a medida certa) mais de uma vez. Primeiramente, vimos, ela trai o pai para ajudar Jasão, depois mostra sua violência, sua astúcia criminosa e sua paixão desmedida ao matar o próprio irmão e depois o rei Pélias. Contudo, não podemos esquecer que a própria Medeia foi instrumento de Afrodite, a protetora de Jasão. Seu louco amor a leva a desrespeitar as leis, as tradições e os laços de sangue. Tal crueldade só poderia estar em torno da paixão que muito cedo toma forma na sexualidade infantil, perversa por natureza, a qual se tenta, sem sucesso, sepultar a todo custo. E o que fazer diante da força de Afrodite? Como se defender de tamanha sedução?

O amor de Jasão garantia a Medeia a contenção do excesso, tanto que a paz dura dez anos, período que viveram em harmonia em Corinto, um contorno para o recalcamento dessa intensidade pulsional da feiticeira. Porém, quando esse pacto é rompido, não há mais barreira para o polimórfico perverso que, como uma avalanche, dá lugar novamente à expressão da hýbris. Assim, tudo e todos são destruídos no caminho para a satisfação.

Por outro lado, esse pacto entre Medeia e Jasão nos remete à ideia de pacto negativo de Kaës, comentado por Losso (2003, citado por Matioli, 2011), que corresponde a uma espécie de aliança inconsciente de caráter defensivo, com vistas a assegurar aos cônjuges que certos conteúdos psíquicos possíveis de inviabilizar a relação permaneçam reprimidos, negados ou cindidos. Porém, quando o casal se separa, esse acordo inconsciente se desfaz, e os conteúdos liberados com sua quebra podem adquirir grande potencial de violência como as reprovações, as agressões verbais e/ou corporais, o ódio passional, as perseguições. No mesmo sentido, Martínez e Matioli (2012) comparam a relação conjugal a uma espécie de tina, um continente para os aspectos mais destrutivos das pulsões do casal. Frente ao rompimento desta tina, a sexualidade polimórfica perversa até então contida transborda e dá lugar a manifestações de natureza agressiva, como as brigas, as fantasias de morte e as ações concretas de vingança e retaliação que, no caso de Medeia, foram atuadas e tiveram como alvo não só os inimigos, mas também os filhos.

E é tão visível em Medeia o polimórfico perverso decorrente também do amor por Jasão, que os meios utilizados, desde o início da tragédia, para destruir seus inimigos são o que Martínez (2003) chama de venenos-fezes para se referir às poções mágicas utilizadas em seus crimes e trapaças. Tal expressão, a nosso ver, além de fazer alusão à analidade, se alinha à tendência agressiva-evacuativa da feiticeira que transforma o excesso pulsional em atuações destrutivas ao descarregar nos objetos do mundo externo a força bruta de suas pulsões. Nos versos narrados pelo mensageiro fica evidente o potencial corrosivo e destrutivo dos venenos-fezes, os quais desfiguram Creusa ao transformar sua bela imagem em algo grotesco e seu corpo em dejeto, resto, pedaço de carne irreconhecível. Eis um trecho de sua terrível morte:

a áurea guirlanda posta na cabeça
lançava fluxo atroz de fogo omnívoro,
e as vestes finas, dons dos filhos teus,
roíam a alva carne da infeliz.
Levante-se do trono e foge ardendo,
a sacudir melenas a cabeça
para livrar-se da coroa. O ouro,
porém, ficava fixo e o fogo, quando
a coma sacudiu, brilhou o dobro.
E cai no chão, pelo revés vencida,
reconhecível só para seu pai:
nem era clara a forma de seus olhos
nem bela a face; sangue gotejava
junto com o fogo do alto da cabeça;
dentes da droga, ocultos, descolavam
do osso as carnes, qual lágrimas pináceas (Eurípedes, 2006, p. 141).

Quando o mensageiro traz a notícia da morte da princesa de Corinto, a felicidade de Medeia causa-lhe espanto, porque não compreende o prazer da feiticeira frente à atrocidade cometida. Mas esta é uma das faces da pulsão sexual de morte, que pode assumir a máscara da destrutividade, apresentando-se em atos de violência dirigidos aos objetos do mundo externo. Para Laplanche (2003/2015a), embora frequentemente dessexualizada pela cultura, a agressividade produz uma satisfação sexual de ordem sádica como testemunha Medeia, em júbilo, ao saber que seus venenos-fezes provocam a morte horripilante da rival. Para Bacelete e Ribeiro (2016), esta violência contra o outro é uma tentativa de dominar o corpo estranho interno, desencadeado pela separação, que não cessa em atacar o eu, como uma forma de externalizar o excesso pulsional que não pode ser integrado no psiquismo do sujeito. Este era o caso de Medeia, impossibilitada de dar conta da pulsão desligada pela ruptura do vínculo amoroso que operava como uma espécie de barreira protetora frente aos elementos agressivos da sexualidade infantil.

No entanto, para além da intensidade pulsional da feiticeira, aparentemente contida graças às juras de amor eterno de Jasão (Luz, 2013; Martins & Costa, 2017) - poder-se-ia afirmar que Medeia também não dispunha de assistentes de tradução para dar conta da pulsão desligada após a separação - não tinha pátria, família, herança, nem posição social, pois era uma mulher em terra estrangeira -, o que deu lugar ao ato, conferindo, assim, um destino trágico para o pulsional. Os poucos assistentes de tradução disponíveis favoreceram sua atuação guiada principalmente por uma honra ferida (timé), que deveria ser defendida a qualquer custo, mesmo matando em si a maternidade com o assassinato dos filhos. Trata-se também, de uma forma de arrancar das entranhas a marca de Jasão a quem deu tudo e de quem tudo tira. A excelência (areté) como assistente de tradução igualmente contribuiu para as atuações mortíferas da feiticeira, que fez uso de sua potência destrutiva para aniquilar seus inimigos.

É interessante destacar que Medeia é uma mulher forte que, mesmo nessa trágica situação, tirará partido da sua sabedoria, não só destrói Jasão, deixando-o sem nada, tal como quando o conheceu, mas também é capaz de, ainda, ter seus trunfos. Isso está bem longe das interpretações, como afirma Pereira (1991), que tomam Medeia apenas como a expressão de uma mulher ultrajada. Ela é uma heroína forte, uma feiticeira que, apesar de ter muitas características tipicamente vinculadas ao herói trágico, como a descendência privilegiada (neta do Sol), a areté (era uma feiticeira poderosa), a timé (por seu elevado sentido de honra), o descomedimento em vários níveis (a astúcia criminosa, a violência sanguinária, a natureza irascível), ela não é castigada por ultrapassar o métron. A feiticeira burla todas as leis, sobre ela não recai a culpa trágica, seu fim não é a morte traumática, violenta e solitária como ocorre com os heróis, ao contrário, ela permanece impune e continua fazendo trocas. Após sua fuga de Corinto, Medeia recebeu asilo e se casou com Egeu, rei de Atenas, conforme o pacto firmado. Rapidamente se apossou das rédeas do governo e tentou envenenar o enteado Teseu, o herói que venceu o Minotauro... (Brandão, 1997).

Talvez Medeia esteja mais do lado do divino, pois os excessos são prerrogativa apenas dos deuses (Martínez, 2003).

 

O complexo de Medeia e a alienação parental

É denominado complexo de Medeia (Depaulis, 2008 citado por Levy & Gomes, 2011) o filicídio por retaliação ao ex-parceiro amoroso. Este atentado contra os filhos tem o intuito de infringir dor e sofrimento ao antigo objeto, castigando-o ao ceifar a vida dos que ele mais amava. De acordo com Levy e Gomes (2011), a personificação de Medeia não se restringe às páginas policiais, ela também pode ser observada nas Varas de Família, sobretudo quando um dos membros do casal parental, sentindo-se traído e humilhado, passa a nutrir sentimento de vingança e incutir nos filhos o ódio contra o ex-parceiro, o que tem resultado no aumento do número de casos de alienação parental. Apesar de diferir do filicídio praticado por Medeia, na alienação parental também estamos diante de uma morte, mas uma morte simbólica, pois o cônjuge que se sente abandonado usa de inúmeros artifícios, muitos deles perversos, veremos adiante, para dar fim ao amor dos filhos pelo genitor alienado, uma forma menos dramática, mas igualmente precária de ligação do excesso pulsional decorrente da separação conjugal.

A alienação parental, como definida por Gardner (2002), refere-se ao conjunto de manobras - atitudes, falas, expressões - em que um dos pais denigre, de forma implícita ou explícita, o outro diante dos filhos, dando origem a um solo fértil para a emergência de sentimentos negativos, fenômeno comumente observado nos contextos das disputas de guarda dos filhos após a separação. Segundo Lago e Bandeira (2009), o genitor alienador, animado pela raiva e pelo desejo de vingança, por se julgar vítima do ex-companheiro, busca destruir sua imagem perante os filhos, implantando neles o ódio contra o outro genitor no intuito de destruir sua relação com a criança.

Fonseca (2006) apresenta as principais estratégias adotadas pelo pai alienador para desmoralizar e afastar os filhos do genitor vitimado: colocar obstáculos às visitas e contatos; inventar doenças e compromissos de última hora para impedir que o pai não-guardião veja os filhos; induzir crenças negativas; mostrar-se abandonado ou infeliz quando o filho se encontra com o outro genitor; inventar histórias de abuso sexual, dentre outras atitudes, mais ou menos perversas, cujo fim é a destruição lenta e gradual da figura do ex-parceiro. Para Levy e Gomes (2011), os sentimentos mais comuns por detrás dessas manobras são: o ódio pelo abandono, a ferida narcísica decorrente de uma traição, a solidão, o ressentimento e a dificuldade de travessia do processo de luto pela perda do objeto amado, o que é mais frequente nas separações não consensuais.

Não obstante, também há sofrimento nas separações consensuais, pois em qualquer ruptura amorosa a decisão de se separar parte de um dos cônjuges primeiramente, cujo papel assumido é o de vilão e o outro de vítima, ou abandonador e abandonado. Nalguns casos, este sentimento de abandono é capaz de provocar uma grave ferida narcísica que, somada aos sentimentos de culpa, de fracasso, de desprezo e de impotência, dão origem a um excesso difícil de metabolizar. Para Martins e Costa (2017), quando o sentimento de abandono provém do término de uma relação fusional, ele é vivido como uma ameaça de aniquilamento e morte do eu, o que faz despertar as pulsões destrutivas de forma implacável.

No que tange as vicissitudes da pulsão desligada pela ruptura de laços afetivos entre casais, Martínez e Matioli (2012) apontam para duas saídas possíveis: por um lado ela pode se voltar para o próprio eu, o que implica baixa autoestima, reações depressivas até pensamentos suicidas, em uma espécie de melancolização da separação. Por outro lado, quando esta pulsão se projeta para o exterior ela pode dar origem a reações agressivas e destrutivas contra o antigo objeto, que comumente é visto como responsável por todo o seu sofrimento, e é isto que alimenta os desejos de retaliação. Tais desejos, continuam as autoras, podem permanecer restritos ao campo das fantasias, comparecer nos pequenos atos ou até nas grandes atuações, como bem ilustra a personagem-título da tragédia a quem aqui nos dedicamos.

 

Para fechar as cortinas: a cultura e seus códigos trágicos

Ao longo do artigo, vimos, o que leva a princesa de Cólquida a romper os limites do que é admissível dentro dos padrões civilizatórios é a pulsão desligada pela ruptura da aliança com Jasão. O polimórfico perverso adormecido graças ao amor dirigido e recebido do objeto desperta de modo implacável e atinge todos em seu caminho. A carência de assistentes de tradução frente às mensagens de abandono e traição é outro fator que corrobora para o destino dramático do excesso pulsional. Os códigos disponíveis para a feiticeira foram insuficientes para aplacar seu intenso sofrimento, muito aquém de permitir a simbolização e metabolização do que ela viveu como um excesso traumático, eles acabaram por favorecer sua atuação.

Dotada de todas as características do herói mitológico, Medeia não admite ser ofendida e repudiada por Jasão, logo, não hesita em praticar todo tipo de transgressões, inclusive assassinar os próprios filhos para castigá-lo, evitar o escárnio dos inimigos e restaurar sua timé. Ao final da peça, mais próxima dos deuses do que dos homens, apesar de incorrer na hýbris, ela não é punida, assim como não se implica em suas ações descomedidas, já que atribui somente a Jasão toda a responsabilidade sobre o seu sofrimento e a desventura dos filhos, julgando-se vítima dos ultrajes de um marido desleal e ambicioso por quem ela, igualmente traiçoeira e ambiciosa, tudo fez. Neste encontro de personagens míticos tão intensos, ambivalentes e polimórficos - ou divinamente monstruosos para recuperar uma expressão de Brandão (1995) - o desfecho só poderia ser trágico.

Guardadas as devidas proporções, é possível conjecturar que, no caso da alienação parental, o pai alienador também se julga vítima do ex-parceiro, considerado um vilão-traidor que deve pagar caro pelo sofrimento que supostamente deu causa. Sobretudo nas separações afetivas conflituosas e nos litígios conjugais, aquele que se sente vítima do antigo objeto parece se apoiar no dualismo bom versus mau para justificar, consciente ou inconscientemente, os projetos de vingança e retaliação derivados do ataque pulsional.

Entretanto, diferente do ocorrido na tragédia grega onde o castigo para o pai-amante-traidor foi a morte dos filhos, a punição na tragédia moderna da alienação parental seria não a morte real dos filhos, mas a morte do amor dos filhos por um dos pais como pena frente à ruptura da relação. Isso porque, dentre suas consequências - que recebem o nome de síndrome da alienação parental (Gardner, 2002) - pode estar o afastamento irreversível do pai vitimado em razão da destruição da relação afetiva com os filhos perpetrada pelo genitor alienador. A própria alienação parental pode ser tomada como um código tradutivo, forjado pela cultura, para dar conta do ódio desencadeado naquele que foi abandonado, traído, como uma forma de dar um contorno ao excesso pulsional gerado pela ruptura de uma relação amorosa na contemporaneidade. Porém, trata-se de um código precário, pois apesar do caráter organizador para o ex-cônjuge que se sente vítima do outro - por conferir um destino à pulsão - ela ainda é desorganizadora para os filhos.

Com este ensaio chamamos a atenção para duas traduções trágicas para o excesso pulsional decorrente de uma separação amorosa: o filicídio e a alienação parental. Saídas diferentes, mas igualmente extremas, pois vinculadas à imperiosa exigência de satisfação pulsional, que para alcançar sua meta8 ultrapassa o métron, pois pode vir a se utilizar de objetos que lhe são caros, provocando danos irreparáveis a si mesmo ou aos objetos amados.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 10/12/2020
Aprovado para publicação em: 11/02/2021

Endereço para correspondência
Aline Spaciari Matioli
E-mail: prof_alinematioli@hotmail.com
Viviana Velasco Carola Martinez
E-mail: vcvmartinez@hotmail.com

 

 

*Psicóloga pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise (PUC-PR). Mestre e Doutora em Psicologia, na linha de pesquisa Psicanálise e Civilização, pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é psicóloga do Instituto Federal do Paraná - campus Ivaiporã (IFPR), psicóloga clínica e docente do curso de Psicologia da Faculdade de Tecnologia do Vale do Ivaí.
**Professora doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Civilização - LEPPSIC, da Universidade Estadual de Maringá.
1Velocino de ouro é a pele de um carneiro alado presente de Hermes para salvar os filhos de Átamas, netos de Éolo, deus dos ventos, da morte anunciada pela madrasta. Somente Frixo sobrevive, sua irmã Hele caiu no mar. Ao chegar em Cólquida, ele sacrifica o carneiro e presenteia o rei Eetes que o acolhera (Brandão, 1997).
2Medeia convence as filhas de Pélias da força de seus poderes ao fazê-las presenciar o rejuvenescimento de um velho carneiro, que após ser despedaçado e cozido em um caldeirão de bronze, volta à vida em pleno vigor. Impulsionadas pelo desejo de rejuvenescer o pai as jovens se deixam enganar pela maga e acabam matando-o ao tentar repetir a mágica (Brandão, 1997).
3Do latim, a expressão deus ex machina faz referência a um artifício utilizado nas peças de teatro, em que há uma intervenção divina ou sobrenatural que salva o herói de uma situação insolúvel (Martínez, 2003).
4O Rei Eetes e o Rei Pélias também serão castigados. O primeiro prometeu entregar o velocino de ouro a Jasão, mas descumpriu sua promessa, sendo indiretamente castigado por Medeia com a morte do filho. O segundo também não cumpriu sua palavra ao negar entregar o trono a Jasão, sendo punido por Medeia com a morte. A feiticeira tinha o poder tanto de matar quanto de dar a vida: mata primeiro o irmão, depois o gigante de bronze Talos quando a nau Argos passava pela ilha de Creta, o rei de Iolco, a princesa e o rei de Corinto, os próprios filhos, assim como rejuvenesce um animal, e mais tarde, vai dar à luz aos filhos de Egeu (Brandão, 1995).
5Apesar da cidadania, as mulheres do período clássico não podiam participar da vida social e política da polis. As suas atividades estavam restritas às tarefas domésticas, como o cuidado da casa e dos filhos, suas aparições públicas eram raras, limitadas a casamentos e cerimoniais religiosos, e encontravam-se à mercê dos homens e suas paixões, primeiro do pai, depois do marido (Ferraz, 2014). Em suas peças Eurípedes não somente retratou o sofrimento dessas mulheres, como também buscou enaltecer sua força, mas sem deixar de lado a terrível violência de que eram capazes, como testemunham as tragédias Medeia, Hécuba, As troianas e Electra.
6Diferentemente de Freud, que compreende as pulsões sob o viés biologizante, Laplanche (1988b) defende que toda a pulsão é sexual, de origem exógena e intersubjetiva, pois implantada e/ou intrometida em nós, pelo outro. Portanto, ambas, pulsão de vida e de morte, são tomadas pelo autor como pulsões sexuais, a primeira voltada à síntese, à unificação, a segunda ao desligamento, à destruição.
7Os homicídios retaliatórios e os crimes de sangue, como o parricídio em Édipo Rei, o fratricídio em Antígona, peças de Sófocles, o matricídio em Electra e o filicídio em Medeia, ambas de Eurípedes, eram temas comuns do teatro grego (Brasete, 2005).
8A meta, como a compreende Laplanche (2001), não é somente a descarga com vista à satisfação, mas também o seu oposto, a busca por excitação, mesmo que o preço pago seja o aniquilamento total do eu, pois a pulsão sexual não conhece apaziguamento, ela é insaciável.

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