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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.26 no.81 São Paulo 2009
ARTIGO DE REVISÃO
Aspectos psiquiátricos da criança escolar
Psychiatric aspects of the student child
Francisco B. Assumpção Jr.
Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Professor Associado do Instituto de Psicologia da USP
RESUMO
Realizar revisão da literatura acerca da Psicopatologia na infância e na adolescência, visando à apresentação da relação com as dificuldades escolares e os diferentes fatores que nela interferem. São necessários outros estudos para que se busquem estratégias adequadas.
Unitermos: Transtornos do comportamento infantil. Transtornos de aprendizagem. Transtornos globais do desenvolvimento infantil.
SUMMARY
Carry out a bibliographical review about the child and adolescent psychopathology, to presents the relationship to academic difficulties and the several factors associated. Futures studies on this theme will be necessary to look for strategies.
Key words: Child behavior disorders. Learning disorders. Child development disorders, pervasive.
INTRODUÇÃO
A Psiquiatria Infantil é uma especialidade bastante recente, tendo conseguido seu status acadêmico somente em 1938, com a primeira cátedra sendo criada na Universidade de Paris, pelo Prof. Georges Heuyer. Em seu bojo, engloba uma série de fenômenos com características biológicas, psicológicas e sociais1; todas imbricadas de uma tal maneira que se torna muitas vezes difícil a linearidade direta e a compreensibilidade linear de todos os quadros por ela estudados.
Sob o ponto de vista metodológico, assume características ligadas ao modelo proveniente das Ciências Naturais, onde o pensamento causal, de base analítico-dedutiva, é o ponto básico e central. Assim, todo o conhecimento fornecido através das neurociências, com o conhecimento cada vez maior dos mecanismos de neurotransmissão e das estruturas cerebrais, faz com que se consiga compreender cada vez melhor as doenças psiquiátricas na infância e na adolescência, em que pesem os riscos de uma neurologização excessiva que a descaracteriza.
Por outro lado, dadas as influências oriundas da Psicanálise e da Psicologia do Desenvolvimento, passa a se valer também de um pensamento analógico, no qual, conforme refere Marchais2; a dedução e a indução intervêm secundariamente, submetendo-se aos imperativos dominantes da analogia. Dessa maneira, juntamente com todos os modelos psicoterápicos de base compreensiva, somam-se os modelos pedagógicos e educacionais, que se mostram com um valor cada vez maior dentro desse contexto.
Finalmente, considerando-se também a questão social, o estudo das famílias e suas influências fundamentais no desenvolvimento e no crescimento da criança, outros fatores se sobrepõem, passando a se valorizar as inter-relações vividas, apoiados metodologicamente no processo analógico. Isso porque esse conhecimento envolverá a formação da própria matriz de identidade social, sem a qual se torna impossível o trabalho com um ser heterônomo e dependente, como o é a criança em seu processo de desenvolvimento.
Dessa forma, ela é uma especialidade com características muito particulares, pois temos que considerar que a criança não corresponde a um ser passível de generalização e, muito menos, de estudos transversais encarados de forma absoluta, uma vez que ela é, antes de mais nada, um ser em desenvolvimento, no qual as alterações, sejam de base biológica ou ambiental, interferem de maneira intensa, pois alteram sua curva de desenvolvimento.
É importante, portanto, compreender como as forças maturacionais de origem biológica, no seu inevitável contato com a experiência, produzem comportamentos, habilidades e motivações.
Embora não acredite que devamos pensar a Psiquiatria da Infância e da Adolescência como uma Psiquiatria do Desenvolvimento, uma vez que isso talvez pudesse se apresentar de maneira reducionista, é indiscutível que temos obrigatoriamente que pensá-la como uma Psiquiatria durante o processo de desenvolvimento, pois somente dessa forma temos as condições necessárias para compreendermos esse indivíduo com suas características particulares, que fazem com que a expressão de sua doença tenha características peculiares, algumas delas encontradas somente durante determinados períodos do desenvolvimento. O contrário disso reduz a criança a um adulto miniaturizado, de forma similar ao que se fazia em Pediatria há alguns séculos. Assim, devemos procurar "ver" a criança como um indivíduo único e irreprodutível, que caminha de maneira própria e constante para sua autonomia.
A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO E DO ENCAMINHAMENTO
A criança costuma chegar ao médico a partir de um encaminhamento escolar ou familiar, com duas queixas primordiais: déficit no aprendizado ou transtorno de conduta.
Entretanto, nenhum dos dois motivos significa, obrigatoriamente, presença de psicopatologia infantil, o que nos leva a pensar em um primeiro passo, visando à operacionalização do encaminhamento clínico (Figura 1).
Cabe lembrar que famílias disfuncionais, quer sejam decorrentes de separação, ritmo de trabalho, valores diversos, carências afetivas, educacionais ou maus-tratos e negligência, devem ser encaminhadas diretamente aos Conselhos Tutelares responsáveis, da mesma forma que a suspeita de negligência e maus-tratos deve ser resolvida judicialmente.
Após essas providências é que o pensar-se em uma Psicopatologia específica faz-se necessário, embora inicialmente deva-se procurar ter uma preocupação com o bem estar mais do que com o desempenho (escolar no caso) da criança, procurando-se observar (e compreender) as maneiras pelas quais ela reage a essas pressões (associadamente ou não a processos psicopatológicos). Isso porque, mais que a mera ausência de doença, a saúde comporta um estado de bem estar biopsicossocial, para onde confluem elementos físicos, familiares, sociais, pessoais, administrativos, escolares e outros, todos desembocando, de maneira geral, naquilo que, de maneira simplista, poderíamos agrupar sob a denominação genérica de qualidade de vida da criança.
Nesse processo, quanto menor é a criança, mais dependente é do grupo familiar que, principalmente a mãe, torna-se habitualmente aquela que percebe todo e qualquer desvio nesse estado de bem estar. Conforme a criança se desenvolve, a escola passa também a desempenhar esse papel, constituindo-se, juntamente com a família, no universo infantil.
Assim sendo, ambos os ambientes devem ter em mente que:
existe para a criança a possibilidade de adoecer mentalmente;
esse adoecer pode, inclusive, envolver alguma gravidade;
existem benefícios na prevenção e no tratamento precoce dessas ocorrências;
devem existir recursos na comunidade que possam ser acessados quando necessários.
Dessa forma, a doença mental na infância e na adolescência deve ser visualizada a partir de diferentes tipos de fatores envolvidos que, por sua complexidade, ao serem avaliados devem ser considerados de maneiras diferentes. Temos então, a serem considerados:
a) Fatores predisponentes: caracterizados pela vulnerabilidade biológica, características de personalidade, primeiras experiências, respostas ao estresse e influências socioculturais. Estes fatores são os mais difíceis de serem avaliados em ambiente escolar, uma vez que dependem do próprio crescimento e desenvolvimento anterior da criança;
b) Fatores precipitantes: corresponde aos acontecimentos estressantes e aos estímulos que ocasionam respostas emocionais desprazeirosas. Nesse âmbito, a escola, por sua importância no universo infantil, já passa a ter um papel fundamental na detecção e na manipulação desses eventos;
c) Fatores perpetuadores: são os estressores permanentes, elementos temperamentais ligados a ansiedade, estímulos reforçadores de condutas inadequadas e influências familiares. Nesta esfera, a escola tem um papel que pode ser considerado fundamental;
d) Fatores protetores: correspondendo aos atributos temperamentais de adaptabilidade, relações intrafamiliares adequadas, rede de irmãos e suporte comunitário positivo. Aqui, a escola pode (e deve) fornecer parte desse suporte comunitário, constituindo-se assim em, mais do que uma simples fornecedora de informações, um ambiente favorecedor do crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente.
Dessa maneira, considerando-se as necessidades da criança e do adolescente, pode-se pensar a atenção a sua saúde mental da seguinte maneira:
Escutar a criança e a família sobre o comportamento apresentado, contextualizando-o;
Evitar ver todas as manifestações como decorrentes da hereditariedade ou da carga biológica, da mesma forma que evitar desmerecê-las através da célebre frase "não é nada" ou que "é normal";
Não dramatizar as situações quando os sintomas apresentam recorrência;
Procurar resolvê-los primeiramente no próprio ambiente da criança antes de recorrer-se a programas de atenção secundária ou terciários;
Evitar as ameaças ou os julgamentos depreciativos para a criança, animando-o a falar sobre seus comportamentos.
Uma vez estabelecidos esses cuidados e não se minorando a sintomatologia, procurar aventar a suspeita de processos psicopatológicos envolvidos, bem como a gravidade dos mesmos e as alterações na dinâmica familiar decorrentes ou envolvidas nos mesmos e, uma vez realizado esse passo, estabelecer o encaminhamento a profissionais adequados, visando a intervenções terapêuticas especializadas. Essas, conforme orientação da própria OMS (2003), podem ser visualizadas no Quadro 1.
PRINCIPAIS QUADROS CLÍNICOS E SUA ABORDAGEM
Assim, visando instrumentalizar a identificação de eventual psicopatologia, apresentaremos, a seguir, os principais quadros clínicos, bem como as possibilidades de atuação e seguimento.
1 Transtornos do Desenvolvimento
1.1 Retardo Mental F70-79
Conceito
O Retardo Mental pode ser considerado, segundo a Associação Americana de Deficiência Mental, como "o funcionamento intelectual geral abaixo da média, que se origina durante o período de desenvolvimento e está associado a prejuízo no comportamento adaptativo" (OMS, 1985).
Observamos nele, além das perturbações orgânicas, dificuldades na realização de atividades esperadas socialmente, bem como as consequentes alterações no relacionamento com o mundo. Não corresponde, portanto, a uma moléstia única, mas a um complexo de síndromes que têm como única característica comum a insuficiência intelectual. Assim, o indivíduo por ela afetado é incapaz de competir, em termos de igualdade, com os companheiros normais, dentro de seu grupamento social.
Ao DSM IV3 é definido como um funcionamento mental significativamente inferior a média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, autosuficiência, habilidades acadêmicas, trabalhos, lazer, saúde, segurança; com início antes dos 18 anos de idade, podendo ser visualizada como uma via final comum de diferentes processos patológicos que afetam o funcionamento cognitivo.
O funcionamento intelectual abaixo da média vai ser considerado a partir de um QI padrão de 70/75, avaliado a partir de provas padronizadas, levando-se em consideração a diversidade cultural e lingüística, bem como outros fatores de comportamento definidos pelo ambiente onde se encontra o indivíduo.
Diagnóstico
Para seu diagnóstico deve-se utilizar uma bateria de avaliações que possibilite o esclarecimento da provável etiologia do quadro. Assim, ao exame físico, cabe a tentativa de caracterização de três ou mais sinais físicos que, são significativamente comuns em indivíduos com deficiência mental, assim como malformações primárias do sistema nervoso central, segundo Newell (1987). Também a pesquisa de infecções congênitas é de fundamental importância, uma vez que, segundo o mesmo autor, cerca de 2% dos casos são por elas causadas (Newell,1987).
Segundo a AAMR (1992), o diagnóstico deve ser formulado em três passos, sendo a dimensão 1 referente ao funcionamento intelectual e aos padrões adaptativos, avaliados a partir de instrumentos padronizados que permitam verificar esse funcionamento abaixo de 70/75, com incapacidades em diferentes áreas adaptativas, ocorrendo em idade inferior a 18 anos. A dimensão 2 verifica e identifica aspectos psicológicos e emocionais, bem como etiologia e déficits físicos associados com o ambiente onde esse indivíduo situa-se. Finalmente, a dimensão 3 estabelece os suportes necessários para que esse indivíduo possa ter minorada sua incapacidade e maximizado seu desempenho adaptativo.
Classificação
Corresponde a um "continuum" que se estende do próximo ao normal ao francamente anormal, de acordo com o potencial adaptativo do indivíduo em questão, potencial este representado pela sua capacidade intelectual.
Considerando-se seu desenvolvimento, bem como os déficits dessa população, temos também as seguintes características (OMS - 1985):
Deficientes Mentais Profundos (20>QI), correspondendo a uma idade de desenvolvimento abaixo de 2 anos, frequentemente com déficits motores acentuados - F73;
Deficientes Mentais Importantes e Moderados (20<QI<36; 36<QI<50), com nível de independência nas atividades cotidianas dependendo de treinamento e com padrão de desempenho a nível de pensamento pré-operatório - F72 e F71;
Deficientes Mentais Leves (50<QI<70) também depende dos processos de treinamento e de adequação e seu padrão de pensamento permanece a nível de operações concretas - F70.
O processo de habilitação
O processo de habilitação define as necessidades básicas para os serviços necessários para a implantação do atendimento, que vai determinar de certa forma o prognóstico da população envolvida. Esses serviços podem ser esquematizados da seguinte maneira, de acordo com diversos autores (Comissão Conjunta em Aspectos Internacionais da Deficiência Mental,1981; Krynski,1985; OMS,1985):
Atenção Primária
A.1. Medidas Pré-Natais (planejamento familiar, aconselhamento genético, pré-natal, diagnóstico pré-natal);
A.2. Medidas Peri-Natais (atendimento ao parto e ao recém-nato, "screening" neonatal, diagnóstico precoce);
A.3. Medidas Pós-Natais (serviços de puericultura, diagnóstico precoce, estimulação sensório-motora).
Atenção Secundária (diagnóstico, tratamento biomédico e cirúrgico, apoio às famílias, estimulação).
Atenção Terciária (diagnóstico, tratamento biomédico e cirúrgico, suporte educacional e profissionalizante, programas residenciais).
Esse processo, portanto, envolve uma gama de complexos educacionais, de estimulação para bebês e de profissionalização.
Terapêutica
Sua abordagem terapêutica é predominantemente pedagógica, comportamental e, esporadicamente, psicofarmacológica. O Quadro 2 apresenta os modelos de terapêutica comportamental passíveis de serem utilizados.
1.2 Transtornos Globais do Desenvolvimento - F84
Conceito
O relato Kanner (1943)4 ainda edifica a caracterização e o diagnóstico de autismo, destacando-se a combinação de três padrões de comportamento alterados no autista: a inabilidade no relacionamento interpessoal, o uso peculiar da linguagem e a tendência à mesmice.
Estudos posteriores ressaltaram a contribuição importante de fatores biológicos em associação com o autismo uma vez que eles exibem com maior frequência anormalidades físicas e/ou neurológicas leves (soft signs), alterações eletroencefalográficas5 e uma maior tendência ao desenvolvimento de transtornos convulsivos6; além de ser detectado com maior frequência em associação com algumas condições clínicas (fenilcetonúria não tratada, rubéola congênita, esclerose tuberosa, etc.). Também tem sido descrita a presença de fatores de risco pré e peri-natais como marcos de história pregressa dos afetados (Tsai apud Lewis, 19955), havendo, inclusive, maior frequência de distúrbios cognitivos e de linguagem entre os familiares destas crianças, sugerindo a existência de um "continuum" de sintomas associado ao vínculo genético7. Após o desenvolvimento de novas técnicas de cultura de células para métodos citogenéticos8; na década de 70, a detecção e o estudo da síndrome do X frágil geraram grande impacto, resultando em diversas pesquisas que ressaltaram a importância dos fatores genéticos em associação com o autismo9-11.
Prevalência
Estima-se atualmente que a prevalência de autismo seja da ordem de 2 a 5 indivíduos por 10.000, com a possibilidade de aumentar para 10 a 20 por 10.000, caso se utilizem critérios mais amplos11,12.
Quadro Clínico
O autismo é hoje considerado uma síndrome comportamental, com etiologias múltiplas e curso de um transtorno de desenvolvimento13; caracterizado por um déficit social, apreensível pela inabilidade em se relacionar com o outro, geralmente combinado com déficits de linguagem e distúrbios motores. Segundo o DSM-IV4; o quadro deve se iniciar antes dos 36 meses de idade. Crianças autistas se apresentam, quanto à inteligência, tanto como superdotados quanto como deficientes profundos, sendo que apenas um terço dos afetados trabalham na faixa intelectual média ou superior.
Algumas outras condições, reunidas dentro do conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento, merecem uma descrição sucinta:
A) Síndrome de Asperger (F84.5): descrita primariamente por Asperger, em 1944, sob o nome de psicopatia autística, é um quadro caracterizado por déficit social, interesses circunscritos, alterações de linguagem e de comunicação14,15. Sua relação com o autismo é discutível, com a possibilidade de enquadrá-la dentro do espectro autístico descrito por Wing (1988)16.
B) Transtornos Desintegrativos (F84.3): inclui condições nas quais ocorre um desenvolvimento normal (ou próximo ao normal) nos primeiros anos de vida, seguido por piora dos padrões sociais e de linguagem, conjuntamente com alterações nas emoções e no relacionamento interpessoal17; acompanhada, após um breve intervalo, por estereotipias e hiperatividade. O comprometimento intelectual pode surgir, mas não é obrigatório.
C) Síndrome de Rett (F84.2): associada ao retardo mental profundo, afeta especificamente o sexo feminino, com o desenvolvimento de múltiplos déficits específicos, também após um período de desempenho normal durante os primeiros anos de vida. Surgem associadas estereotipias gestuais características, redução progressiva do desenvolvimento do perímetro cefálico e convulsões6.
Abordagem Terapêutica
Concebido o autismo como multifatorial quanto à sua etiologia e ainda sem tratamento específico, a abordagem do paciente abrange um programa de tratamento que deve interferir nas diferentes áreas afetadas: comportamento, aprendizado, relacionamento familiar, etc., sendo o tratamento farmacológico apenas parte de um esquema amplo a ser proposto ao paciente e família18. Com o intuito de controle de sintomas-alvo (hiperatividade, convulsões, auto-agressividade, estereotipias, etc.), praticamente todas as classes de psicotrópicos, anticonvulsivantes e vitaminas já foram utilizadas nesta população, com resultados nada homogêneos.
1.3 Transtornos Específicos do Desenvolvimento - F80-83
Conceito
Antes da década de 40, crianças com dificuldades acadêmicas eram consideradas mentalmente retardadas, emocionalmente perturbadas, ou social e culturalmente negligenciadas19. Na década de 40, surge uma quarta possibilidade: razões neurológicas como causa dos problemas acadêmicos. Por um lado, desenvolveu-se uma linha de pesquisa em torno do que se passou a denominar lesão cerebral mínima20; refletindo lesões cerebrais cuja detecção não seria clinicamente possível. Outro grupo denominou esta condição de disfunção cerebral mínima21; cogitando um funcionamento cerebral diferente do usual, sem necessariamente corresponder a uma sequela decorrente de lesão cerebral.
Inicialmente, denominava-se a dificuldade acadêmica pela habilidade primariamente prejudicada, e assim surgiram a dislexia (distúrbio da leitura), a disgrafia (distúrbio da escrita) e a discalculia (distúrbio das habilidades aritméticas). Por fim, cunhou-se o termo transtorno do aprendizado, abrangendo todas estas condições, e o DSM-IV3 assim os classifica:
Transtornos do Desenvolvimento do Aprendizado (APA, 1995)3
1. Transtornos do Aprendizado
a. Transtorno da leitura - F81.0
b. Transtorno da Matemática - F81.2
c. Transtorno da expressão escrita
2. Transtornos das Habilidades Motoras
a. Transtorno do desenvolvimento da coordenação
3. Transtornos da Comunicação
a. Transtorno da linguagem expressiva - F80.1
b. Transtorno misto da linguagem receptivo-expressiva
c. Transtorno fonológico
d. Tartamudez (gagueira)
Prevalência
A real prevalência dos transtornos do aprendizado é ignorada, visto que em função das diferentes definições que foram criadas ao longo das últimas décadas, a consistência dos dados obtidos em estudos de prevalência não pôde ser sustentada. No entanto, estima-se que 5 a 10% seriam uma estimativa razoável19.
Quadro Clínico
As avaliações psicológicas e pedagógicas (também denominadas como abordagem psicoeducacional) envolvendo os transtornos de aprendizado utilizam-se do modelo cibernético ou de processamento de informações a nível cerebral. O primeiro passo é receber e assimilar a informação (input). Uma vez gravada, esta informação deve ser manipulada de modo a ser compreendida (integração). O terceiro passo é o armazenamento e recuperação (memória). Por fim, a informação deve ser comunicada pelo sistema (output). Desnecessário lembrar que alterações mais grosseiras, perceptivo-motoras (como, por exemplo, deficiências visuais, auditivas e motoras) devem ser avaliadas conjuntamente.
No entanto, é frequente que a demanda de atendimento desta população seja por problemas de comportamento, e o profissional envolvido nesta avaliação deve, ao abordar uma criança ou adolescente portador de dificuldades emocionais, sociais, familiares, mais as dificuldades acadêmicas, ser capaz de diferenciar entre causa e sintoma19. O clínico deve inquirir sobre o histórico acadêmico e desempenho em cada área de habilidade22; retardo de desenvolvimento psicomotor, retardo de aquisição de linguagem, problemas da fala e prejuízo das habilidades cognitivas (refletido inclusive a partir do nível que sua capacidade de brincar atingiu frente à sua idade cronológica). Os resultados da abordagem psicoeducacional devem estabelecer a presença ou ausência de um transtorno de aprendizagem.
Abordagem Terapêutica
O tratamento de escolha é a educação, com abordagens específicas para cada distúrbio. Condições clínicas psiquiátricas outras, que surjam como co-morbidades, ou problemas emocionais, sociais e/ou familiares devem ser detectados e adequadamente conduzidos, quer do ponto de vista medicamentoso, psicoterápico ou educacional.
1.4 Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) - F90
Conceito
Descrito há 100 anos, atualmente acredita-se que não há uma única condição clínica, mas diversas subsíndromes que se interseccionam. Enquanto diagnóstico, apesar de ser nomeado a partir da disfunção atencional, é necessário que estejam presentes também impulsividade e hiperatividade, e em mais de um ambiente; a necessidade de dados fornecidos por pais e professores dificulta sua avaliação imparcial. Parte da controvérsia sobre esta síndrome foi gerada pelas muitas mudanças na terminologia deste transtorno, influenciada pelas tendências históricas na conceitualização das várias etiologias ou aspectos fundamentais da síndrome23.
Prevalência
Em um estudo abrangente da prevalência do TDAH, o Estudo de Saúde Infantil de Ontário (Canadá), por Offord et al.15; são resumidos 11 outros estudos, demonstrando que idade, tipo e tamanho da amostra, método de diagnóstico, razão entre os sexos, vida rural versus urbana e classe econômica podem afetar a prevalência. Offord et al. detectaram um pico de 8% entre os 6 e 9 anos, com cifras menores para pré-escolares e adolescentes, sendo que a prevalência diferencial entre os sexos (9% para meninos e 3,3% para meninas) foi menor que a habitualmente descrita em outros estudos. O tamanho da amostra e a ampla faixa etária englobada, a multiplicidade de fontes de informação utilizadas para se estabelecer o diagnóstico e a inclusão de dados socioeconômicos, além de vida rural ou urbana, tornam este estudo um marco na pesquisa do TDAH23.
Quadro Clínico
São pacientes que, desde idades precoces, mostram-se mais irritadiços, com choro fácil, sono agitado e vários despertares noturnos. A partir do primeiro ano de idade, apresentam agitação psicomotora, necessitam vigilância constante, quebrando objetos com frequência e se desinteressando rapidamente de brinquedos ou situações. Os meninos, principalmente, apresentam prejuízos no desenvolvimento da fala, de aquisição mais lenta e presença de trocas, omissões e distorções fonêmicas, além de um ritmo mais acelerado (taquilalia). Esta condição, inclusive, propicia maiores dificuldades e alterações no processo de alfabetização da criança, se não ocorrer a intervenção precoce24.
São características importantes a descoordenação motora e o retardo na aquisição de automatismos mais tardios (como amarrar um sapato ou utilizar um lápis), que se refletem numa dispraxia em relação a crianças sadias de mesma faixa etária. O desenvolvimento da noção têmporo-espacial também é prejudicado, resultando em dificuldades com o desenho e incapacidade de diferenciar símbolos gráficos semelhantes, que se diferenciem apenas por sua disposição espacial (como as letras b e d). A co-existência de outros transtornos associados, decorrentes ou concomitantes (transtorno de conduta, depressão, abuso e dependência de psicotrópicos, etc.) deve ser adequadamente detectada, para que a abordagem seja a mais eficiente25.
Abordagem Terapêutica
Bradley, em 1937, foi o primeiro a descrever o dramático efeito do estimulante benzedrina (uma mistura de dextro e levoanfetamina) em um grupo de crianças hospitalizadas e perturbadas, incluindo algumas que apresentavam a síndrome hiperativa23. Todos os três estimulantes em uso atualmente - metilfenidato, dextroanfetamina e pemolina (as duas últimas não são disponíveis em nosso meio) - comprovadamente normalizam a criança hiperativa. Nestas últimas décadas, numerosos estudos medicamentosos bem planejados e controlados por placebos estabeleceram a sua eficácia (Gittelman-Klein, 1987). Também são utilizados os antidepressivos tricíclicos e o haloperidol, mas seus efeitos colaterais (cardiotoxicidade e discinesia tardia, respectivamente), considerados mais deletérios, limitam seu uso.
Entretanto, o tratamento não se deve restringir apenas ao uso de medicamentos, mesmo porque a maioria destes pacientes apresenta, como já comentado, um comprometimento mais extenso do que uma alteração da atenção ou a hiperatividade. Deste modo, dependendo das manifestações clínicas, podem se fazer necessárias terapias fonoaudiológica, corporal, ludoterapia, ou abordagens psicopedagógicas para aprimorar seu desempenho e conduta25.
2 Transtornos Afetivos - F30-39
Conceito
A depressão e a mania têm sido descritas em crianças e adolescentes há anos26. Kraepelin27 achava que a mania era rara em crianças, mas que a incidência aumentava na adolescência. Kanner28 duvidava da sua existência. Lamentavelmente, persiste a indefinição de critérios para esta faixa etária, sendo que os critérios diagnósticos em uso atualmente, como, por exemplo, o DSM-IV, não trazem uma classificação específica para os transtornos afetivos na infância e adolescência, com a ressalva de que deve ser levada em conta a faixa etária29.
Prevalência
Taxas de prevalência variadas têm sido descritas para a depressão, diferenças estas que podem ser atribuídas a diferenças nas populações amostradas - pacientes da comunidade, ambulatoriais psiquiátricos, ambulatoriais pediátricos, internados (psiquiátricos e pediátricos). O aprimoramento de instrumentos diagnósticos também tornou mais precisa sua avaliação26. Estudos epidemiológicos realizados nos EUA relataram a incidência de depressão como sendo de 0,9% em pré-escolares, 1,9% em crianças escolares e 4,7% em adolescentes30.
Carlson e Kashani31 estudaram uma amostra comunitária de 150 adolescentes de 14 a 16 anos em Columbia, Missouri (EUA), detectando 0,6% de quadros maníacos, caso a gravidade e duração dos sintomas fosse levada em consideração. Inexistem, até o momento, estudos epidemiológicos publicados sobre mania em crianças pré-púberes.
Quadro Clínico
Depressão
Na fase pré-verbal, deve-se atentar para manifestações como a inquietação, retraimento, choro frequente, recusa alimentar, distúrbios do sono, apatia e piora da resposta aos estímulos visuais e auditivos. Crianças pré-escolares com frequência apresentam sintomas somáticos (dores abdominais, etc.), prejuízo no desenvolvimento pôndero-estatural, fácies tristonha, irritabilidade, anorexia, hiperatividade, transtornos de sono, além de auto- e hetero-agressividade. Escolares também podem apresentar lentificação, distorções cognitivas de cunho autodepreciativo, pensamentos de morte ou suicidas e o descensu acadêmico é frequente, além da irritabilidade, sintomas ansiosos e transtornos de conduta (I, 1996). Na adolescência, as manifestações depressivas se assemelham muito ao quadro no adulto, mas é frequente a co-morbidade com uso de psicotrópicos, o que pode vir a prejudicar sua detecção32.
Mania - F30-31
Na fase pré-escolar, podem surgir a irritabilidade, auto- e hetero-agressão, fala rápida e incompreensível, pouco sono e apetite, além da hiperatividade. O humor é instável, com pensamentos fantasiosos de grandeza (poderes mágicos, etc.). Na fase escolar, além da instabilidade do humor, irritabilidade e hiperatividade, podem surgir associados sintomas delirantes e alucinações, e o diagnóstico diferencial com o TDAH se faz mister. Os adolescentes em mania começam a ter manifestação clínica similar à dos adultos33.
Infelizmente, não temos questionários padronizados no Brasil referentes ao diagnóstico de quadros maníacos na criança.
Abordagem Terapêutica
As evidências disponíveis até o momento sugerem que os antidepressivos tricíclicos (ADT), como grupo, não têm utilidade clínica no tratamento do transtorno depressivo maior do adolescente, havendo vários estudos em que algumas drogas deste grupo não demonstraram eficácia superior ao placebo34. Os poucos estudos disponíveis envolvendo inibidores irreversíveis da monoamino-oxidase (IMAO-I) não consolidam sua eficácia como antidepressivo de escolha para adolescentes, principalmente frente aos riscos que a conhecida "bizarrice" dietética desta faixa etária pode desencadear em usuários de IMAO-I neste grupo35.
Atualmente, a maior evidência de eficácia e tolerabilidade de antidepressivos na adolescência envolve os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), com estudos abertos sistematicamente conduzidos, com respostas mostrando 60% a 75% dos pacientes desenvolvendo bons resultados36-46; seja em primeiro episódio ou em depressões resistentes a tratamento.
Psicoterapias de linha cognitiva, treino de habilidades sociais ou interpessoais podem ser úteis ao adolescente deprimido, mas alguns estudos não demonstraram eficácia significativamente maior do que simples intervenções de suporte, nem maior eficácia que placebo. No entanto, é opinião compartilhada pela maioria dos profissionais de saúde mental infantil que a psicoterapia em adolescentes deprimidos é insuficiente, mas necessária como componente do tratamento35.
Existem poucos estudos com amostras pequenas em desenhos "cross-over"47,48; com resposta ao lítio superior ao placebo, além de estudos abertos com amostras maiores sugerindo sua eficácia em crianças e adolescentes49. Um estudo de evolução natural demonstrou alta taxa de recaída com a suspensão de litioterapia de manutenção50. Ainda não há estudos confirmando a eficácia dos anticonvulsivantes como estabilizadores do humor (carbamazepina e valproato) no tratamento do transtorno bipolar da infância e adolescência51.
3 Transtornos Ansiosos - F40-48
Conceito
A ansiedade é um fenômeno universal na vida diária e apresenta diversos aspectos adaptativos importantes à necessidade de pronta resposta, suscitada pelas exigências do cotidiano52. Na prática, devemos avaliar com uma visão abrangente o complexo de relações que está envolvido nas transformações de um elemento normal do desenvolvimento em um sintoma (ou síndrome) que requeira uma intervenção de cunho terapêutico53.
Prevalência
Transtornos ansiosos são certamente comuns entre crianças e adolescentes, mas é difícil obtermos a real prevalência na população. As taxas podem variar de 5 a 50%54; e não há dados suficientes sobre as diferenças transculturais envolvendo síndromes ou medos e ansiedades específicas. A distribuição segundo o sexo também é limitada e pode simplesmente refletir morbidade referida, e não prevalência real. A fobia social seria mais frequente em meninos, enquanto a fobia simples, transtorno de evitação e agorafobia seriam mais prevalentes nas meninas. Transtorno de ansiedade de separação, transtorno de excesso de ansiedade, transtorno de pânico sem agorafobia e transtorno de ansiedade generalizada seriam igualmente prevalentes em ambos os sexos55.
Alguns estudos estimam entre 0,2 e 1,2% a prevalência de transtorno obsessivo compulsivo na infância56; mas é conhecida a subnotificação desta condição na infância e adolescência, dado que suas manifestações com frequência não são relatadas ao responsável ou médico que assiste o menor, e a vivência de "loucura" é um fator que muitas vezes impede a criança de buscar auxílio, se não chegar a causar prejuízos no contexto familiar, grande fator de encaminhamento nesta faixa etária.
Quadro Clínico
Estudos clínicos sugerem a existência de uma continuidade entre as formas da infância/ adolescência e adultas56. Atualmente, enquanto grupo nosológico, os transtornos ansiosos na infância guardam semelhança quanto ao seu diagnóstico aos critérios utilizados no adulto, para agorafobia com ou sem ataques de pânico, transtorno de pânico, fobias simples e social, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático3. No atendimento a crianças torna-se, muitas vezes, impossível a obtenção de uma verbalização clara das sensações psíquicas e cognições associadas, mas por meio da observação de seu comportamento e do relato (por parte de seus cuidadores) de suas reações, pode-se inferir que a criança está ansiosa53.
Há, no entanto, quadros descritos especificamente na faixa etária pediátrica, identificados como "habitualmente evidentes pela primeira vez na infância ou adolescência": transtorno reativo de vinculação, transtorno de ansiedade de separação, transtorno de excesso de ansiedade e transtorno de evitação3.
Abordagem Terapêutica
Há tentativas de grupos isolados na abordagem dos transtornos ansiosos em geral, envolvendo antidepressivos tricíclicos, benzodiazepínicos e terapia de orientação cognitivo-comportamental, mas ainda não se obteve número de pacientes suficiente nem experiências consistentes no sentido de se estabelecer uma conduta terapêutica consagrada nesta faixa etária.
Quanto ao transtorno obsessivo-compulsivo, há mais estudos envolvendo os inibidores
seletivos da recaptação da serotonina, mas até o momento estas medicações não foram aprovadas para uso na faixa etária pediátrica com este fim56. Não há estudos disponíveis envolvendo abordagens cognitivo-comportamentais nesta faixa etária.
4 Transtornos Psicóticos: Esquizofrenia - F20-29
Conceito
No final do século XIX, Kraepelin (1919)57 dá o nome de dementia praecox (a atualmente denominada esquizofrenia) a um transtorno grave de comportamento, de início ao fim da adolescência e início da idade adulta, de características peculiares. Também observa que alguns casos aparentam ter seu início na infância. No início do século, Sancte de Sanctis (1906) propõe o termo dementia praecossima para crianças que desenvolveram sintomas na infância. Potter58 tenta definir a esquizofrenia infantil com base em critérios específicos, como perda de interesse no ambiente circunjacente, distúrbios de pensamento e afeto e alterações de comportamento. Em 1943, Kanner4 considerava o autismo como uma doença pertencente ao grupo das psicoses infantis, embora com aspectos específicos. Na década de 70, Kolvin59 sugeria que a diferenciação entre as duas condições poderia ser realizada a partir da idade de início, história familiar, características clínicas e evidências de distúrbios a nível de sistema nervoso central.
O conceito de psicose, quando se considera a criança, é problemático em vários aspectos, visto que os conceitos de realidade da criança vão se alterando durante o processo de desenvolvimento, conforme descreve tão minuciosamente Piaget60. A capacidade de desenvolver o pensamento formal, correspondente ao do adulto, só é adquirido plenamente na adolescência. Assim, crenças fantasiosas fazem parte do universo da criança normal e não necessariamente constituem um delírio. Também o discurso e comportamento desorganizado não são necessariamente alterações sugestivas de esquizofrenia, quando se considera o desenvolvimento infantil. Além disso, a utilização dos critérios vigentes para o diagnóstico de esquizofrenia no adulto (DSM-IV e CID-10) não discrimina aspectos referentes às manifestações desta condição quando de seu início na infância, o que dificulta sua utilização no campo da Psiquiatria Infantil.
Prevalência
Dada a grande variação de critérios diagnósticos que cercaram a constituição do conceito de esquizofrenia na infância ao longo das décadas, não é de se admirar que não haja uma definição de prevalência desta condição na população, apesar de ser consenso considerá-la mais rara que o autismo na faixa etária pediátrica, existindo estudos que consideram o autismo 1,4 vezes mais frequente que a esquizofrenia na infância59. Também não há consenso quanto à incidência entre os sexos, sendo que tanto uma preponderância do sexo masculino (1,5 a 2 homens para 1 mulher) quanto distribuição equalitária entre os sexos são descritas60.
Quadro Clínico
O tipo de início mais frequentemente encontrado é o insidioso, principalmente nos casos de esquizofrenia de início muito precoce (VEOS - very early onset schizophrenia, com início anterior aos 13 anos de idade), existindo controvérsia quanto ao tipo mais frequente na esquizofrenia de início precoce (EOS - early onset schizophrenia, com início anterior aos 18 anos), se o agudo (definido como inferior a um ano) ou o insidioso61.
A grande maioria das crianças apresenta alucinações auditivas (80%), sendo que, metade destas, concomitante a alucinações corporais ou visuais. Prejuízo na associação de idéias, bloqueio de pensamento e delírio surgem em 60% dos casos, sendo mais frequente o delírio de tipo persecutório; 66% apresentam embotamento afetivo e ambitendência, e a perplexidade é a alteração de humor mais encontrada62. Associa-se ao quadro um menor rendimento intelectual63.
Poucos estudos foram realizados sobre o prognóstico destes quadros, admitindo uma maior cronificação para os casos de VEOS, mas não necessariamente de pior prognóstico, se comparados aos esquizofrênicos adultos cujo início foi insidioso64. Os quadros de melhor prognóstico seriam os de início agudo, em idade mais tardia, com boa adaptação pré-mórbida e sintomatologia bem diferenciada63.
Abordagem Terapêutica
Como os outros aspectos desta enfermidade, os estudos envolvendo terapêutica são poucos e limitados. Os neurolépticos, enquanto grupo, aparentam apresentar utilidade no controle dos sintomas ditos positivos (alucinações e delírios), mas os possíveis efeitos colaterais (como a discinesia tardia) exigem a utilização consentida pelos responsáveis65. Os neurolépticos ditos "atípicos" (como a clozapina) são uma opção nos indivíduos que não se beneficiem dos esquemas clássicos, mas há poucos estudos envolvendo amostras significativas na faixa etária pediátrica65; visto que os estudos se concentram em adultos não-respondedores aos esquemas habituais.
Os poucos estudos envolvendo as abordagens psicoterápicas nesta faixa etária são de difícil interpretação, uma vez que os critérios diagnósticos variáveis e as amostras heterogêneas dão margem a muita variabilidade evolutiva, mas há consenso quanto à necessidade de psicoterapia de suporte nesta condição. Os problemas de desenvolvimento e aprendizado que frequentemente se associam à esquizofrenia de início nesta idade devem receber as abordagens pertinentes.
5 Transtornos de Conduta - F91-94
Conceito
Transtorno de conduta é um termo que congrega crianças cujos sinais, sintomas e comportamentos mais afligem aos demais que o cercam (pais, parentes, professores, companheiros de mesma idade) que a si próprios. Apesar de extremamente semelhante, nas suas manifestações, ao quadro denominado de transtorno de personalidade anti-social apresentado por adultos, há uma predileção dos pesquisadores em mantê-lo numa categoria separada, em virtude da crença de maior potencial de mudança nesta população jovem5.
Prevalência
Torna-se impossível determinar a prevalência desta condição, dadas as amplas variações dos critérios diagnósticos em cada época e contexto cultural de cada grupo social, e dadas as variações que suas manifestações apresentam ao longo do desenvolvimento infantil. O DSM-IV3 estima uma prevalência de 6 a 10% em meninos, e 2 a 9% em meninas.
Quadro Clínico
O DSM-IV descreve o transtorno de conduta como sendo "...um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos básicos dos outros ou normas e regras sociais importantes apropriadas à idade..."3. No entanto, é essencial um diagnóstico diferencial com outras condições neuropsiquiátricas que podem se manifestar como comportamento disruptivo e/ ou coexistir (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtornos do aprendizado, transtornos afetivos, esquizofrenia, etc.).
Abordagem Terapêutica
Em uma revisão sobre o tema, Kazdin66 afirma que "... a diversidade de procedimentos desenvolvidos sugere que nenhuma abordagem em particular demonstrou melhorar o comportamento anti-social...". De fato, nenhuma modalidade terapêutica isolada conseguiu comprovar sua eficácia, mas se torna evidente que as melhores respostas envolvem intervenções já na faixa etária pré-escolar67. Assim, é mister que a partir de uma abordagem multiprofissional se individualize o esquema terapêutico, a fim de obter o máximo de rendimento de cada abordagem frente ao paciente, sob risco de que esse descuido não impeça uma evolução na idade adulta dentro de um histórico de violência, infrações e prejuízo social.
6 TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO NA INFÂNCIA - F43
Epidemiologia
Estudos populacionais demonstram os distúrbios de ansiedade classificados entre os Distúrbios Emocionais (ou Distúrbios Neuróticos), com índices de prevalência entre 2 e 15% dos casos na população geral52,54,62. Alguns estudos referem índices de 10% para transtornos ansiosos, 2% de quadros de pânico em crianças entre 1 e 5 anos de idade, 4% em crianças entre 6 e 10 anos, 11% em adolescentes entre 11 e 15 e 13% entre adolescentes entre 15 e 20 anos de idade, 1% em fobia social e 0,35% de transtornos obsessivo-compulsivos.
Quadro Clínico
O estado de ansiedade caracteriza-se por sensações psíquicas e orgânicas.
Do ponto de vista psíquico, a principal manifestação é uma sensação inespecífica e vaga, da existência de algum tipo de ameaça ao bem-estar enquanto uma inquietante sensação de que "algo está para acontecer", sem nenhuma causa objetiva aparente.
Sensações físicas acompanham essa sensação psíquica, a saber, palidez, palpitações, falta de ar, boca seca, olhos arregalados, tremores e sudorese nas mãos e pés, "frio na espinha", formigamentos, mal estar abdominal, com todos os sistemas do nosso corpo reagindo e se manifestando, de modo genérico.
Ao DSM IV3; a característica fundamental da reação de stress pós-traumático é o desenvolvimento dos sintomas característicos após a exposição ao estressor. Na criança, esse estressor pode envolver experiências sexuais inadequadas, mesmo que não haja dano físico. Ela pode ser aguda quando os sintomas são inferiores a três meses em sua duração, ou crônica, quando eles duram mais tempo.
A susceptibilidade da criança aos distúrbios emocionais e ao estresse é bem documentada, com efeitos a longo prazo sendo mais difíceis de serem determinados em função de diagnosticados na idade adulta.
Terapêutica
Pode ser realizada sob a forma de Orientação (Orientação aos familiares - pais, irmãos, avós; Orientação a professores, conselheiros, amigos; Criação de redes de suporte social), Psicoterapia (1. terapia baseada em avaliação cuidadosa dos mecanismos psicológicos subjacentes ao problema; 2. situação psicoterápica estruturada de forma a facilitar a comunicação para expressão de sentimentos e crenças da criança; 3. o terapeuta deve comunicar à criança sua compreensão e sua disponibilidade para ajudá-la; 4. o terapeuta e a criança devem definir os propósitos e os objetivos de seus encontros; 5. terapeuta deve deixar claro o que é ineficaz ou inapropriado; 6. quando lidando com comportamentos que dependem de interação social, o terapeuta pode modificá-lo, focalizando diretamente nas interações nas quais tais comportamentos têm lugar) e Psicoterapia.
CONCLUSÕES
A Psicopatologia da infância reúne em seu seio uma série de fenômenos que englobam desde quadros biológicos e orgânicos até alterações psíquicas heterogêneas e problemas individuais ou coletivos de saúde mental1. Pela extrema abrangência de seu campo, cada vez torna-se mais importante a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento. O professor é um dos mais importantes elementos na identificação e no encaminhamento precoce de um grande número de problemas de saúde mental, cabendo-lhe assim, orientá-los.
Este trabalho tem como finalidade, unicamente, orientar para que sua atividade seja mais eficaz nesse campo e que, assim, possa resolver uma parcela significativa dos problemas que a ele chegam sem que precise recorrer a recursos, na maioria das vezes, inexistentes em nosso ambiente.
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Correspondência:
Francisco B. Assumpção Jr.
Rua Otonis, 697 - Vila Clementino
São Paulo, SP - CEP 04025-002
E-mail: clinica_drfrancisco@hotmail.com
Artigo recebido: 5/11/2009
Aprovado: 18/12/2009
Trabalho realizado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.