Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.28 no.86 São Paulo 2011
ARTIGO ORIGINAL
Mães de crianças com baixa visão: compreensão sobre o processo de estimulação visual
Mothers of children with low vision: understanding the process of visual stimulation
Mirela de Oliveira FigueiredoI; Roberto Benedito de Paiva e SilvaII; Maria Inês Rubo NobreIII
IDoutoranda em Educação Especial pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial do CECH/UFSCAR, Bolsista do CNPq até submissão
IIProfessor Doutor do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Porto", FCM/UNICAMP
IIIProfessora Doutora do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação "Prof. Dr. Gabriel Porto", FCM/UNICAMP
RESUMO
OBJETIVOS: Analisar como mães de crianças com baixa visão compreendem o processo de estimulação visual de seus filhos e o percurso ao serviço de intervenção terapêutica.
MÉTODO: Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa. Foram entrevistadas 11 mães de crianças com baixa visão atendidas pelo Serviço de Estimulação Visual do Setor de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Unicamp. Para a coleta dos dados foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas. Os tópicos principais da entrevista foram: compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual, percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual e a importância da estimulação visual.
RESULTADOS: Algumas mães referiram que não lembravam, não sabiam, ou até alegaram que não foram informadas do porque foram encaminhadas ao serviço de estimulação visual. As mães conseguem entender gradativamente a situação do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão intervindo no processo de estimulação visual da criança. O percurso para chegar aos atendimentos apresenta variações de acordo com as condições financeiras e de transporte. A maioria das mães considera os pequenos progressos, parece entender que a aprendizagem dos filhos é gradativa e a importância de dar continuidade à estimulação em casa.
CONCLUSÃO: A compreensão das mães sobre a importância da estimulação visual para o desenvolvimento do filho com baixa visão foi construída gradativamente, na medida em que vão sendo orientadas pelos profissionais do serviço de estimulação visual e percebendo progressos no desenvolvimento do filho.
Unitermos: Baixa visão. Estimulação visual. Compreensão. Mães.
SUMMARY
OBJECTIVES: To analyze how mothers of children with low vision understand the process of visual stimulation of their children and their path to the service of therapeutic intervention.
METHODS: This study is characterized as a qualitative research. Eleven mothers of children with low vision, whose children were assisted by the Visual Stimulation Service from the Ophthalmology Sector from Hospital das Clínicas of Unicamp, were interviewed. For data collection semi-structured interviews were used. The main topics of the interview were: the mothers' understanding about the referral to visual stimulation, the path and conditions to attend the services of visual stimulation and the importance of visual stimulation.
RESULTS: Some mothers said that they did not remember, did not know or they even said that they were not informed of the reason they were referred to the visual stimulation service. The mothers gradually come to understand their children's condition as they get in contact with the professionals that are interfering in the visual stimulation process of their children. The path to reach the service varies according to financial and transport conditions. Most of the mothers considers the small progresses and seems to understand that the learning of their children is gradual and they find it important to give continuity to stimulation at home.
CONCLUSION: The mothers' understanding about the importance of visual stimulation to the development of the children with low visual was gradually built as they were guided by professionals from the visual stimulation service and as they noticed progresses in the development of their children.
Key words: Vision low. Visual stimulation. Comprehension. Mothers.
INTRODUÇÃO
A história da deficiência visual na humanidade é comum a todos os tipos de deficiências. Os conceitos foram evoluindo conforme as crenças, valores culturais, concepção de homem e transformações sociais que ocorreram nos diferentes momentos históricos1. Na atualidade, a concepção de deficiência visual compreende uma situação de diminuição da resposta visual, em diferentes graus, mesmo com tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de lentes convencionais, englobando a cegueira e a baixa visão como causas para esta deficiência. Durante muito tempo os indivíduos com baixa visão foram erroneamente diagnosticados como cegos. O reconhecimento da baixa visão como comprometimento distinto da cegueira traz uma nova forma de compreender a deficiência e o seu portador, abrindo caminhos para novas medidas reabilitacionais2-4.
O período entre o nascimento e os primeiros anos de vida se caracteriza como determinante no desenvolvimento da criança, pois corresponde ao momento em que o organismo está pronto para receber e utilizar os estímulos ambientais, reunindo condições satisfatórias para a aquisição e o desenvolvimento das diferentes funções5.
O desenvolvimento do potencial visual em crianças com baixa visão raramente ocorre de maneira espontânea e automática. Faz-se necessária a realização de orientações e atividades que auxiliem e estimulem o processo de discriminação entre formas, contornos, figuras e símbolos. A busca contínua com os olhos permite à criança com alteração visual a identificação de detalhes antes despercebidos, levando à aquisição de noções perceptuais reais, das várias formas existentes no universo visual no qual está inserida6,7. A estimulação visual na infância é um processo que promove o desenvolvimento funcional da visão e os aspectos psicomotores, afetivos e sociais da criança. Dessa forma, a criança com baixa visão necessita da estimulação visual desde os primeiros anos de vida. Esta estimulação consiste em desenvolver e utilizar o resíduo visual, pois, quanto maior for o seu uso, mais funcional será o seu resultado, propiciando uma melhor adaptação da capacidade visual à eficácia na visualização8.
O papel que o ambiente externo representa no desenvolvimento infantil é de extrema importância e pode variar dependendo da idade da criança. À medida que esta se desenvolve, o seu ambiente também muda, o que consequentemente causa uma alteração na forma como se relaciona com ele. O ambiente do recém-nascido é composto pela sua rede familiar, no qual todas as suas necessidades serão satisfeitas por meio dos cuidados advindos principalmente da figura materna. Para o recém-nascido, o mundo que se relaciona imediatamente com ele é um mundo limitado e ligado aos fenômenos conectados ao seu corpo e aos objetos que o rodeiam intermediados pela mãe e/ou pai9,10. Gradualmente este mundo começa a se ampliar, incluindo a creche e/ou a escola, onde a criança passará também grande parte do seu dia3,11. A forma como a família reage perante as dificuldades do filho que apresenta uma deficiência pode auxiliar ou influir no agravamento das mesmas. A dificuldade em aceitar o filho e a sua deficiência gera conflitos internos na mãe, que acabam se refletindo no comportamento da mesma em lidar com a criança, o que pode vir a prejudicar o próprio desenvolvimento do filho12-14. Os pais usualmente não têm consciência de que seus próprios sentimentos em relação às dificuldades do filho podem servir como obstáculo às oportunidades para o desenvolvimento saudável da criança10.
A literatura tem apontado que nessas famílias há maior incidência de estresse quando comparadas às famílias de crianças com desenvolvimento típico15-17. Além disso, existe uma discrepância entre a reação da família e as reais limitações da criança13. A forma como os pais compreendem as dificuldades dessas crianças está relacionada com o nível de conhecimento que possuem sobre a própria dificuldade, aliado ao significado que esta dificuldade representa para ambos. A atribuição de um significado a algo ocorre por meio da elaboração mental do vivido segundo os sentimentos, vínculos e valores presentes e desencadeados no indivíduo18. Os seres humanos atribuem significados a todos os fenômenos que vivenciam. O significado tem uma função estruturante crucial para os indivíduos e para a vida dos grupos. Através dos significados atribuídos pelo homem, este organiza a sua vida, inclusive a própria saúde19.
Como já referido, para ocorrer um crescimento físico e emocional saudável da criança com baixa visão, esta necessita de estimulação desde seus primeiros momentos de vida. Para que o ambiente familiar seja estimulante, os pais necessitam de apoio de profissionais especializados, que possam esclarecer suas dúvidas e orientar quanto ao desenvolvimento da criança e suas necessidades8,9,20. Neste sentido, é primordial que estas famílias sejam acolhidas, ouvidas e recebam um suporte que propicie o desenvolvimento de práticas parentais favoráveis ao desenvolvimento dessas crianças, sendo que para tal é necessário verificar e analisar a forma como as mães de crianças com baixa visão compreendem o processo de estimulação visual de seus filhos.
MÉTODO
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa qualitativa. A abordagem qualitativa considera que o sujeito vive em determinada condição e classe social, têm suas crenças, valores e significados, é complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação21. O estudo qualitativo busca uma compreensão particular daquilo que estuda, não se preocupa com generalizações. O foco da atenção neste tipo de pesquisa é o específico, o peculiar, o individual, almejando sempre a compreensão dos fenômenos estudados19.
A teoria da análise de conteúdo foi adotada como referencial teórico para desvendar os conteúdos particulares e inerentes de cada participante e as continuidades e reincidência destes conteúdos dentro da amostra estudada referente à temática abordada22.
Participantes do estudo
Mães ou responsáveis de crianças com baixa visão, com idade entre zero a quatro anos, atendidas pelo Setor de Estimulação Visual do Serviço de Visão Subnormal Infantil (SVSNI) do Ambulatório de Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Campinas - S.P (HC - UNICAMP), constituiram a amostra deste estudo.
A amostra deste estudo foi construída de forma intencional e por saturação. Na amostragem intencional há a escolha de um pequeno número de pessoas com características similares que compõem um grupo com representatividades ligadas aos objetivos do estudo. Na amostra por saturação entende-se que o pesquisador encerra a coleta de dados quando as informações coletadas se tornam reincidentes19.
Para a seleção das participantes da pesquisa, foram consideradas mães ou responsáveis de crianças com o diagnóstico de baixa visão, independente da gravidade do caso, que estivessem em atendimento no SVSNI e no Serviço de Estimulação Visual.
Iniciou-se a seleção das participantes em novembro de 2005, encerrando em setembro de 2006. Na medida em que ocorriam as entrevistas, estas foram transcritas, realizando-se uma análise preliminar dos dados. Desta forma, na 11ª entrevista, verificou-se que alguns dados já estavam repetitivos, sendo considerado que havia número suficiente de entrevistas para responder aos objetivos da pesquisa.
Questões como a caracterização sociocultural das participantes, assim como a caracterização da criança com baixa visão, foram levantadas nas entrevistas e nos prontuários, a fim de auxiliar na contextualização e na interpretação dos achados no estudo.
A idade das participantes situou-se entre 22 a 52 anos. Oito das participantes concluíram o Ensino Fundamental e três não o concluíram. Três concluíram o Ensino Médio e uma delas não o concluiu. À época da realização do estudo, as mães eram donas de casa, sete já tiveram uma profissão, sendo que três pararam de trabalhar para cuidarem dos filhos e quatro nunca trabalharam fora de casa. Quanto ao estado civil, nove eram casadas e duas possuíam união estável. Em relação a filhos, cinco tinham filho único, quatro mães, dois filhos e duas, três filhos. Quanto à situação econômica, seis famílias possuíam renda mensal de três a quatro salários mínimos e cinco famílias, de um a dois salários mínimos.
Em relação ao local de moradia, oito participantes eram da região de Campinas e três do sul de Minas Gerais.
Em relação aos filhos, oito crianças eram do sexo masculino e três, do sexo feminino. A idade das crianças estava entre um mês e quatro anos. Observa-se que o início dos atendimentos no SVSNI ocorreu entre um dia de vida a dois anos e três meses. Sendo assim, o tempo de atendimento recebido por elas variou também de um mês a três anos e oito meses de atendimentos seguidos (Tabela 1).
Procedimentos
Como instrumento para coleta dos dados foi utilizada entrevista semi-estruturada. Este tipo de entrevista, comumente utilizada em pesquisas qualitativas, permite que o entrevistado responda às questões da pesquisa com liberdade e espontaneidade, ao mesmo tempo em que se mantém a linha de pensamento do pesquisador com o roteiro pré-elaborado23.
As entrevistas foram realizadas no Setor de Estimulação Visual do SVSNI do Ambulatório de Oftalmologia do HC - UNICAMP.
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio cassete, após a obtenção do consentimento livre e esclarecido, segundo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Foram transcritas literalmente e digitadas pela pesquisadora, mantendo o sigilo necessário, conforme as questões éticas do estudo. Realizadas as transcrições, retomou-se a escuta das gravações, conferindo-as com o material transcrito e partiu-se para a fase de tratamento do material.
Análise dos dados
Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, do tipo temática e categorial22.
A partir do tema, estimulação, foram escolhidas três categorias que, juntas, podem responder aos objetivos do estudo. São elas:
- Compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual;
- Percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual;
- Importância da estimulação visual.
Com base nas categorias selecionadas, procedeu-se à análise dos dados de cada participante em cada categoria, para depois se agruparem os dados das onze participantes, o que permitiu verificar e analisar a forma como as mães compreendem o processo de estimulação visual.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Compreensão das mães a respeito do encaminhamento para a estimulação visual
Quanto à necessidade da criança ser atendida pelo serviço de estimulação visual, as mães referiram o que lhes foi dito pelo médico oftalmologista sobre o encaminhamento:
"Falaram que ele precisava deste setor pra ele adaptar o mundo" (M 3).
"Ah, falou que era pra melhorar, né. Vê se conseguiria recuperar um pouco da visão dele" (M 4).
"Eles falou que ele tinha uma visão baixa então tinha que passar pra ele experimentar pra ver as cores, que ele tinha nem que fosse de longe começar a fazer os exames para que ele pegasse os brinquedos, porque ele não pega de jeito nenhum." (M 5).
"Sim, é por causa do desenvolvimento dele, pra ver se ele continua a percepção de luzes. [...] é pra ele assim desenvolver, não sei se é isso, eu me confundo um pouco, num é pra ele se desenvolver, os outros membros, pra ele ir pegando a noção das coisas" (M 9).
Percebe-se que algumas mães referiram que não lembravam, não sabiam, ou até alegaram que não foram informadas do motivo do encaminhamento ao serviço de estimulação visual.
"Olha, eu não entendi muito bem, não. Porque eles mandaram" (M 1).
"Ah, isso eu não tenho lembrança não" (M 2).
"Que eu me lembro não" (M 10).
Depreende-se, no dizer dessas mães, a dificuldade de compreenderem o que o médico explica, fato que pode ser em decorrência do nível sociocultural das participantes, pois muitas vezes o médico se utiliza de termos técnicos e não explica de maneira simplificada o diagnóstico, procedimentos e o prognóstico da baixa visão. No entanto, esta situação não é o ideal, pois as famílias permanecem desinformadas a respeito do processo de reabilitação de que os seus filhos necessitam e que estão recebendo. Estudo relata que os profissionais mais apreciados pelos pais eram aqueles que forneciam informações precisas e demonstravam preocupação, oferecendo encorajamento24. Os profissionais com essas atitudes utilizam-se de uma linguagem clara, em uma atmosfera aberta e informal, o que torna possível aos pais se sentirem mais confortáveis para fazerem perguntas, podendo, assim, ter melhor compreensão do diagnóstico e das necessidades da criança.
Percebe-se que, na maioria das vezes, as mães conseguem entender gradativamente a situação do filho, na medida em que têm contato com os profissionais que estão intervindo no processo de estimulação visual da criança. Como refere as mães:
"Não, só falaram que ia passar questão assim de explicar tudo eu vim saber depois que eu tava aqui, mas antes não" (M 6).
"Não. Quando chegou aqui que ela falou pra mim o porquê que era" (M 8).
A maneira como os indivíduos significam e comunicam os seus males, bem como a forma que os mesmos traçam o percurso das intervenções terapêuticas são elementos essenciais para a formulação de ações em saúde, que vão representar as reais necessidades da clientela25. A verbalização do desconhecimento das mães sobre os motivos do encaminhamento do filho para um serviço de reabilitação aponta para a necessidade da criação de abordagens em saúde que englobem tanto a questão cultural das famílias, quanto os fenômenos orgânicos vividos pelos pacientes. Os modelos explicativos dos profissionais precisam ser compreendidos e internalizados pelos familiares, de forma que estes possam construir modelos condizentes com o quadro real vivido pelo paciente26.
As prescrições do tratamento médico serão bem recebidas pelos pacientes, somente se estas fizerem sentido para eles, segundo seus modelos explicativos. Isto é extremamente importante para que ocorra a adesão ao tratamento, pois a adesão às formas de tratamento depende do contexto interno do paciente, de suas experiências anteriores, expectativas e preconceitos sociais, religiosos, raciais e de gênero. Como também, a adesão ao tratamento depende do contexto externo, ou seja, do ambiente e da conduta do profissional perante o paciente e seu acometimento27. Neste sentido, cabe aos profissionais da saúde fornecerem o diagnóstico de modo acessível ao paciente e investigarem a interpretação que tanto o paciente como aqueles que o cercam fazem sobre a origem, significado e o prognóstico da sua condição de saúde / doença e a influência disso sobre os demais aspectos de sua vida; já que as reações psicoemocionais e socioculturais dos pacientes aos problemas de saúde são tão relevantes para o encontro clínico e o sucesso do tratamento quanto os dados fisiológicos28.
2. Percurso e condições para comparecer aos atendimentos de estimulação visual
Após o encaminhamento do oftalmologista para a criança iniciar o processo de intervenção terapêutica no serviço de estimulação visual, considerou-se necessário verificar se as famílias tiveram condições de ir à busca do tratamento, visto que são oriundas de outras cidades ou até de outros estados.
Observa-se, no relato das mães, que o percurso para chegar aos atendimentos apresenta variações, de acordo com as condições financeiras e de transporte. Parece que o local de moradia, se distante ou próximo, não representou um fator determinante nas dificuldades, já que as famílias que residem em outro estado, levando um tempo maior para chegar ao ambulatório, não apresentaram queixas:
"Ah, não. Não, não porque lá em G. (cidade) tem condução de graça, né, não tem problema" (M 2).
"Não. Porque eu não trabalho por isso mesmo, meu tempo já é disponível pra isso. Isto não é o problema porque eu quero que ele fique melhor do que já tá" (M 3).
"Não, eu venho com o carro da prefeitura, né. Mas eu venho de madrugada e sou atendida assim, só às 13:00" (M 7).
Em contrapartida, as outras mães que vêm da região de Campinas apontam dificuldades para comparecerem ao atendimento:
"É, agora no momento a gente tá tendo. O pai dela tem um carro, deixa com meu marido, a saverinho. Ele que me traz, né. Agora a gente tá vindo de ônibus, porque meu marido bateu, né, o carro. Aí a gente tem um pouco de dificuldade, faz o impossível, mas traz" (M 1).
"Ah, eu tenho, por um motivo, porque a T. pra andar com ela, ficar esperando ali na frente pra ser atendida é muito difícil porque ela não pára, como você viu, eu tenho que ficar com ela no colo, ela é um pouco agitada, e também na hora de ir embora eu tenho que ficar esperando todo mundo pra ir embora. E pra mim ficar com ela dá muita dificuldade, e eu não tenho condições para ficar pagando passagem pra mim ir embora só e ficar esperando os outros me dá dor no corpo..." (M 11).
"Às vezes sim. Porque que nem quando eu tinha duas consultas marcadas, o pai dele não tinha dinheiro, aí ele disse você escolhe ou uma ou outra. Porque é difícil pra eu pegar passe. Quando eu vou buscar passe lá no Serviço Social num tem. E sempre chega no meio do mês, no começo do mês aí você tem que ficar ligando do dia 1º até o dia 10. Aí quando chega muita gente já foi lá e já pegou. A ambulância eu nunca agendei, porque quando vem, vem muita gente e quando vai embora quando acaba a consulta dele tem que esperar todo mundo. Se a consulta de uma pessoa é 16:00 horas, tem que ficar esperando ela pra poder ir embora, pra levar todo mundo, então eu acho muito" (M 5).
"Tem e muita. Porque é só eu pra vim, né...Sai de manhã, às vezes se tá com o dinheiro pra comer, às vezes num tá, passa o dia todo sem comer. Aí quando chega em casa vai almoçar e jantar de uma vez, por isso que é dificuldade" (M 10).
O relato dessas mães demonstra que o problema maior em dar seguimento aos atendimentos são as condições socioeconômicas, pois apresentam dificuldades financeiras, muitas vezes não podendo pagar as passagens dos transportes coletivos e, por isso, dependem do transporte cedido pela prefeitura de suas cidades (ambulância ou micro-ônibus). As mães queixam-se da burocracia para agendar o transporte e, devido à grande procura pelos pacientes e pelo limite de capacidade de usuários em cada transporte, torna-se concorrido o número de vagas para uso do serviço. Além disso, as mães relatam sobre a forma de funcionamento de algumas ambulâncias que acabam levando um grande número de pacientes e só podem retornar à cidade de origem quando todos já tiverem recebido o atendimento. Com isso, aqueles que são consultados primeiro passam o dia no hospital, e como estão fora de casa necessitam se alimentar, o que representa um gasto fora das possibilidades de alguns. Estes relatos acabam demonstrando uma realidade vivida por algumas mães que não podem comparecer aos atendimentos com condução própria ou transporte coletivo pago, e parece ser para essas mães uma justificativa para a não adesão aos serviços de saúde e/ou pelas faltas nas consultas agendadas.
No entanto, faz-se importante refletir que, apesar dessas mães terem de fato uma dificuldade real para uma adesão ao serviço, por problemas financeiros e de transporte, observa-se uma disponibilidade interna para tentar vencer qualquer obstáculo para realizar o que pensa ser imprescindível para o seu filho.
A mãe 9 reforça a importância de fazer o que está ao seu alcance, o que é necessário, para não se arrepender depois. Ela refere:
"Não tem, não tem porque eu venho no ônibus da prefeitura, eu vou lá e marco. Não tem dificuldade nenhuma, pego na porta, deixa lá, deixa aqui. [...] Mas não tem problema nenhum enquanto falar assim "é pro bem do meu filho", não meço distância pra fazer nada, nem dificuldade pra fazer nada. Quero é o bem estar dele, vê ele bem. Isso que eu quero pra amanhã, depois, quando ele crescer eu não ficar com peso na consciência, pensando se eu tivesse feito isso meu filho tinha melhorado. Por enquanto eu não tenho remorso nenhum por que tudo o que está ao meu alcance eu faço" (M 9).
3. Importância da estimulação visual
Ao analisar os dados das entrevistas, observou-se que seis crianças (2,3,4,6,8,11) têm um seguimento de mais de dois anos no serviço de visão subnormal. As mães dessas crianças ao falarem sobre a estimulação visual pontuam melhoras. Algumas delas enfatizam a melhora na capacidade visual, como refere a mãe 4:
"É eu acho que melhorou bastante. Porque assim, por exemplo, quando o pai dele chegava ele nem notava, agora o pai dele chega na porta ele já sabe que o pai dele chegou. Quando eu vou na minha mãe e minhas irmãs chega do trabalho, ele sabe que elas chegou. A gente chega perto dele ele dá risada, ele tá danadinho" (M4).
Outras mães, além de perceber a melhora na capacidade visual do filho, também associam que essa melhora traz progressos na aprendizagem. Como por exemplo, temos o relato das mães 8 e 11:
"Só agora assim depois que nóis começamo que ele começou a seguir, ele não seguia, ele não conhecia nóis, ele começou a seguir, a rir mais, a dar gargalhada, sabe coisa que ele não fazia. E os médicos mesmo falaram "nossa H. você mudou bastante, cresceu, porque era muita coisa que ele não fazia" (M8).
"Bastante porque antes de eu vir aqui ela era totalmente diferente, aí comecei a vir, fazer os cuidados com ela, aí ela melhorou mais. Assim ela aprendeu algumas coisinhas, aprendeu pegar algumas coisas coloridas, né, vocês foram me explicando como era pra fazer, eu já fui tentando em casa. Tá dando um pouco certo, não é totalmente, assim, porque num é Jaspion, né, num é de uma hora pra outra. Mas ela tá melhorando um pouquinho" (M11).
Nota-se, no relato dessas mães, a valorização dada aos pequenos progressos, parecem entender que a aprendizagem dos filhos é gradativa e a importância de dar continuidade à estimulação em casa.
Do mesmo modo que essas mães, cujos filhos têm um tempo de seguimento maior no Setor de Estimulação Visual, as mães 1 e 9 cujos filhos têm um tempo de atendimento de apenas três a quatro meses conseguem perceber melhora na parte visual.
"O médico colocou a luz no olho dele ele pegou mais, bem mais, porque ele tem percepção de luz, mas hoje eu percebi ele acompanhando a luz" (M9).
"Tô observando que antes ela olhava com a cabecinha torta e agora tá mais aprumadinha a cabeça e o pescocinho" (M1).
Observa-se a importância da intervenção e orientação quanto ao aspecto visual, pois em pouco tempo percebe-se reação da criança aos estímulos visuais e melhora da resposta visual.
Ao contrário dessas mães, a 7 e a 10 não relataram mudanças no desenvolvimento do filho, sendo que uma delas frequenta somente há um mês o serviço e a outra, apesar da criança receber estimulação visual a 2 anos e 3 meses, a mãe não identifica melhoras. Nesse caso, pode-se levantar a hipótese de não aceitação da baixa visão do filho, bem como a falta de entendimento do que é a baixa visão, levando-a manter expectativas irreais em relação ao desenvolvimento do filho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão das mães sobre a importância da estimulação visual para o desenvolvimento do filho com baixa visão parece ser construída gradativamente, na medida em que vão sendo orientadas pelos profissionais do serviço de estimulação visual e percebendo o progresso do filho.
Em um primeiro momento, a maioria das mães parece não entender a necessidade real do filho frequentar o serviço de estimulação visual, tentam repetir o que o médico explica sobre o encaminhamento para esta terapia e outras mães não lembram o que foi explicado e não sabem exatamente porque levam o filho ao serviço de estimulação visual.
A falta de compreensão da necessidade e da importância da estimulação visual parece interferir diretamente na adesão ao serviço.
Várias mães referem problemas financeiros e de transporte, dificultando o comparecimento e a adesão à reabilitação.
Fica evidente que, além do entendimento dos objetivos da terapia, a mãe precisa ter uma disponibilidade interna para contornar todas as dificuldades adversas.
Cabe ressaltar a importância da maneira como os profissionais da área da saúde explicam o prognóstico da deficência visual para as famílias, sendo necessário levar em consideração as condições culturais, econômicas e emocionais dos pais, pois, na maioria das vezes, essas situações podem interferir na compreensão clara da necessidade da estimulação visual, o que auxilia à adesão ao serviço.
Enfim, parece ser imprescindível a intervenção de uma equipe multidisciplinar que forneça o acolhimento a essas famílias, escutando, explicando as dúvidas em relação ao diagnóstico e ao prognóstico, o que poderá proporcionar melhor compreensão da baixa visão do filho.
REFERÊNCIAS
1. Figueiredo FJC. Duas crianças cegas congênitas no primeiro ciclo da escola regular. Cad Pesqui. 2010;40(139):95-119. [ Links ]
2. Veitzman S. Visão subnormal. Coleção de Manuais Básicos CBO. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000. [ Links ]
3. Laplane ALF, Batista CG. Ver, não ver e aprender: a participação de crianças com baixa visão e cegueira na escola. Cad CEDES. 2008;28(75):209-27. [ Links ]
4. Nunes S, Lomonaco JFB. O aluno cego: preconceitos e potencialidades. Psicol Esc Educ. 2010;14(1):55-64. [ Links ]
5. Nobre MIR, Montilha RCI, Gagliardo HGR. Atuação terapêutico-ocupacional junto a pacientes com transtornos da visão. In: De Carlo M, Luzo MCM, orgs. Terapia ocupacional: reabilitação física e contextos hospitalares. São Paulo: Roca; 2004. p.276-91. [ Links ]
6. Sousa AGM, Albuquerque RC. A atuação da terapia ocupacional na intervenção precoce de crianças com baixa visão utilizando a estimulação visual. Temas Desenvolv. 2005; 13(78):29-34. [ Links ]
7. Matos MR, Matos CPG, Oliveira CS. Equilíbrio estático da criança com baixa visão por meio de parâmetros estabilométricos. Fisioter Mov. 2010;23(3):361-9. [ Links ]
8. Bruno MMG. O significado da deficiência visual na vida cotidiana: análise das representações dos pais-alunos-professores [Dissertação de Mestrado]. Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco; 1999. [ Links ]
9. Silva NLP, Dessen MA. Deficiência mental e família: implicações para o desenvolvimento da criança. Psic Teor e Pesq. 2001;17(2): 133-41. [ Links ]
10. Bastos OM, Deslandes SF. A experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Pública. 2008; 24(9):2141-50. [ Links ]
11. Palhares MS, Marques VC, Stolfa GC, Nunes IMP. Uma proposta de intervenção para criança com visão subnormal. Temas Desenvolv. 2000;9(53):95-104. [ Links ]
12. Nobre MIR, Temporini ER, Kara-José N, Montilha RCI. Deficiência visual de escolares: percepção de mães. Temas Desenvolv. 2001;55(10):24-7. [ Links ]
13. Amiralian MLTM. A deficiência redescoberta: a orientação de pais de crianças com deficiência visual. Rev Psicopedagogia. 2003; 20(62):107-15. [ Links ]
14. Figueiredo MO, Paiva e Silva RB, Nobre MIR. Diagnóstico de baixa visão em crianças: sentimentos e compreensão de mães. Arq Bras Oftalmol. 2009;72(6):766-70. [ Links ]
15. Smith TB, Oliver MNI, Innocenti MS. Parenting stress in families of children with disabilities. Am J Orthopsych. 2001;71(2):257-61. [ Links ]
16. Hastings RP. Parental stress and behavior problems of children with developmental disability. J Intellect Dev Disabil. 2002;27(3):149-60. [ Links ]
17. Keller D, Honig AS. Maternal and paternal stress in families with school-aged children with disabilities. Am J Orthopsych. 2004;24(3): 337-48. [ Links ]
18. Vásquez AS. Filosofia da práxis. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1972. [ Links ]
19. Turato ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis: Vozes; 2005. [ Links ]
20. Padula WV, Sungin SJ. A criança visualmente incapacitada, do nascimento até a idade pré-escolar: a importância da estimulação visual. Rev Inst Benjamin Constant. 2000;16. Disponível em URL: http://www.ibc.gov.br/?catid= 4&itemid=58. [ Links ]
21. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. 9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006. [ Links ]
22. Bardin L. A análise de conteúdo. 3ª ed. Lisboa: Edições 70; 2004. [ Links ]
23. Triviños ANS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa na educação. São Paulo: Atlas; 1987. [ Links ]
24. Buscaglia L. Os deficientes e seus pais. Um desafio ao aconselhamento. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record; 2006. [ Links ]
25. Soares AHR, Moreira MCN, Monteiro LMC, Fonseca EMGOF. A enurese em crianças e seus significados para suas famílias: abordagem qualitativa sobre uma intervenção profissional em saúde. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2005;5(3):301-11. [ Links ]
26. Kleinman A. Patient and healers in the context of the culture. Berkeley: University of Califórnia Press; 1980. [ Links ]
27. Helman CG. Cultura, saúde e doença. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994. [ Links ]
28. Adam P, Herzlich C. Sociologia da doença e da medicina. Bauru: Editora da Universidade Sagrado Coração; 2000. [ Links ]
Correspondência:
Mirela de Oliveira Figueiredo
Rua Boa Morte, 1246 - Centro
Limeira, SP, Brasil
CEP: 13480-754
E-mail: mirelafigueiredo@hotmail.com
Artigo recebido: 30/5/2011
Aprovado: 25/7/2011
Este artigo é parte da dissertação de mestrado "Diagnóstico de baixa visão em crianças: sentimentos e representação de mães", desenvolvida no Curso de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.