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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.37 no.113 São Paulo maio/ago. 2020
https://doi.org/10.5935/0103-8486.20200019
PONTO DE VISTA
doi: 10.5935/0103-8486.20200019
Ponto de vista sobre brincar com bonecas(os) e brincar de ser boneca(o)
Play with dolls and play to be doll
Leopoldo Ortega da Silva
Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor de Educação Física - Faculdade de Mauá (FAMA), Mauá, SP, Brasil
RESUMO
O ato de brincar é marcante no universo infantil. Entre tantas brincadeiras, a que ganha maior destaque é a brincadeira com bonecas(os), predominantemente entre as meninas e brincar com carrinhos entre os meninos. Meninos e meninas podem e devem ter contato com a boneca e/ou bonecos. Este brinquedo não determina qualquer tipo de orientação de vida, ele contribui para compreender a sociedade em que nos inserimos e reconhecer a diversidade que a representa. Já é hora de rompermos com preconceitos.
Unitermos: Boneca. Meninas. Meninos. Brincadeira.
SUMMARY
The act of playing is remarkable in the children's universe. Among so many games, the one that stands out the most is playing with dolls, predominantly among girls and playing with strollers among boys. Boys and girls can and should have contact with the doll and / or dolls. This toy does not determine any kind of life orientation, it contributes to understanding the society in which we live and to recognize the diversity that represents it. It is time to break with prejudice.
Keywords: Doll. Boys. Girls. Play.
O que se sabe é que, na ação brincante, o ser humano, independentemente de sua característica individual, pode exteriorizar desejos, anseios, medos, angústias, valores, entre tantas outras, e justamente isto que os caracterizam como humanos. Neste sentido, a brincadeira com bonecas(os) embalada pela ludicidade dela inerente, mesmo que de forma inconsciente, pode oportunizar momentos de autoconceito e análise de quem somos e de quem gostaríamos de ser. Brincar com bonecas(os), nos permite ter uma representação mental daquilo que os outros pensam sobre o nosso corpo, ou seja, abre-se a oportunidade para a formação da imagem corporal da pessoa que, consequentemente, será expressa em percepções e atitudes sobre o seu corpo.
Pela brincadeira do faz de conta, a criança pode ser quem e estar onde ela quiser, criando uma representação de hábitos e costumes inerentes da cultura em que a criança se insere, logo experimenta situações diversas que poderão ser vividas em outras fases da vida, assim como outras que não sejam possíveis naquele determinado contexto de vida sociocultural ao qual pertencem.
Entre meninas e meninos, brincar com bonecas(os) pode ser uma valorosa oportunidade de se desenvolver, considerando aspectos sociais, afetivos, cognitivos e motores, ampliando muito sua visão de mundo, bem como do repertório cultural em que se expressam em tais brincadeiras com este brinquedo.
Orientação sexual, posição religiosa, ou até mesmo a desqualificação da ação do brincar foram e, ainda são, para muitas pessoas, motivos plausíveis para que não se incentive a brincadeira com bonecas(os). Entretanto, deixam lacunas para que possa ser vivenciada por alguns grupos e em determinados contextos, que consideram o sexo adequado, ou o tipo de boneca(o), que não faça alusão a questões ditas demoníacas, permitindo-se a ação brincante, porém somente após as ações ditas obrigatórias (o dever, a coisa séria). Como se a brincadeira não fosse coisa muito séria!
As bonecas e bonecos feitos com referência no arquétipo humano trazem consigo o ideal de "corpo perfeito" ou aquilo que se espera para tornar-se um "corpo glorioso", com representações invariavelmente distintas.
A brincadeira com bonecas e bonecos é transmitida entre gerações até os dias atuais.Em gerações idas, e em alguns casos na contemporaneidade, ouviam-se expressões como: "você é uma boneca", "você é minha boneca", "é a bonequinha do papai e da mamãe", entre outras que colocavam a menina/mulher em condição de "perfeição". Talvez por isso as pessoas vivam, ou pelo menos tentam viver, "brincando de boneca(o)", ou melhor dizendo "brincando de ser boneca(o)".
Brincar de ser boneca(o) na adolescência e na idade adulta pode ser preocupante, pois deixa-se de viver a individualidade, a diferença, para viver a busca constante de ser aquilo que a pessoa não é, para tentar se enquadrar em um padrão corporal e comportamental dentro das normativas sociais em vigor e, em muitos casos, em exposição à indiferença alheia, que humilha, que exclui.
Para muitos, esta atividade associa-se à formação da mulher, pautada exclusivamente em comportamentos estereotipados do que é ser mulher, entre eles, como aquela que cuida da casa e das filhas(os). Como no conto de Franz Kafka, em "Kafka e a boneca viajante", que retrata a mulher dócil, domesticada e submissa, vivendo o faz de conta da brincadeira de ser boneca.
Aposto na ideia de que as crianças possam brincar com aquilo que bem queiram, que possam ser livres e buscar a própria vida. Que aprendam e se desenvolvam com tudo aquilo que dispomos como patrimônio cultural construído, e que constitui a humanidade em relações de ressignificação em prol da justiça social e dos direitos humanos.
Meninos e meninas podem e devem ter contato com a boneca e/ou bonecos, especialmente aqueles feitos artesanalmente por eles, para que se crie vínculo afetivo com o brinquedo. Que possam conhecer-se corporalmente pelo corpo do outro, mesmo que seja, no caso da boneca(o), uma representação corporal e as partes que o constituem.
Este brinquedo não determina qualquer tipo de orientação de vida, ele contribui para que possamos compreender a sociedade em que nos inserimos e, consequentemente, reconhecer a diversidade que a representa. Já é hora de rompermos com preconceitos e valores, que em outrora vigoraram em prol do benefício de alguns poucos.
Considera-se que brincar com bonecas(as) contribui para formação das pessoas e que brincar de ser boneca(os) pode ser prejudicial para a saúde das pessoas. Embora muitos estudos relacionados ao brincar tenham sido realizados, ainda há uma lacuna sobre a brincadeira com determinados tipos de brinquedos, que deve ser melhor entendida.
Endereço para correspondência:
Leopoldo Ortega da Silva
Faculdade de Mauá
R. Vitorino Del Antônia, 349 - Vila Noêmia - Mauá, SP, Brasil - CEP 09370-570
E-mail: leopoldo.ortega@yahoo.com.br
Artigo recebido: 12/5/2020
Aprovado: 26/6/2020
Trabalho realizado na Faculdade de Mauá (FAMA), Mauá, SP, Brasil.