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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.5 n.2 Brasília 1985
TRÉPLICA
Minha ciência e sua epistemologia
Lorismario E. Simonassi
Professor adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Goiás
A crítica de Drawin (1985) é pertinente, porém, não é contundente. Pertinente, porque chama a atenção dos pesquisadores para o possível fato de serem controlados pelos pressupostos que orientam sua pesquisa. Daí decorre que é possível os pressupostos determinarem como os resultados serão analisados, ou ainda, a forma do discurso.
Não é contundente, porque ignora o que de mais significativo existe em um experimento: os dados. Em raros momentos o professor Drawin faz alusão aos dados contidos na pesquisa. Isto não é de se estranhar, porque todos nós estamos sob controle de certas contingências específicas. Caso a crítica tivesse partido de um experimentalista, certamente a ênfase seria em relação aos dados. Como foi feita por um filósofo, é de se esperar que a ênfase tenha sido sobre os pressupostos. Isto serve para ilustrar que a minha ciência não é a sua ciência, ou seja, estamos sob controle de partes específicas dos eventos a que somos expostos. Dito coloquialmente, a minha ciência como foi designada foi criticada pelos seus pressupostos.
Acho, no entanto, que não poderia ser de outra forma, uma vez que Drawin parece não ter experiência em análise de dados. Quanto à questão de os dados confirmarem a hipótese, há dois pontos a serem considerados: um diz respeito aos dados e a hipótese e o outro, às teorias e aos postulados. Parece que a hipótese foi indicada como simples, pelo menos por dois motivos. Porque poderia ser testada e porque a linguagem era objetiva e, por questões conceituais, determinadas pelos pressupostos. O progresso científico não é linear e nos mostra como as hipóteses e os pressupostos são interdependentes. Avanços e recuos são comuns nas chamadas disciplinas científicas. É preciso, no entanto, estar atento para que os avanços e recuos sejam determinados pelos fatos. A questão da simplicidade da hipótese não a invalida. Pelo contrário, a fortalece. Fortalece porque, ao contrário do que muitos pensam, é dever da ciência simplificar e não complicar. O que não é admissível na análise crítica do artigo é que seja feita apenas à luz de pressupostos específicos de uma única filosofia.
Pertinente às teorias e aos postulados, observa-se que a ciência tem progredido apoiada grandemente em teorias que se sustentam em postulados básicos. Para citar apenas um exemplo, vejamos o caso do Darwinismo. Para garantir o funcionamento da sua teoria, Darwin necessitava de princípios de variações e da seleção natural para conceber a evolução das espécies. Darwin não tinha conhecimentos de genética afirma-se que ele não conhecia as leis de Mendel (Thuiller, 1981) , para explicar como ocorriam tais mecanismos de variação. Aparentemente, deveria haver pressupostos nada surge do nada sobre os quais ele se apoiou e que poderiam ter dado a impressão de que tudo havia sido "esquematizado para que desse certo, conforme os pressupostos" na linguagem de Drawin, "o ardil estava armado" (p. 23).
Entretanto, o ponto crucial e que determinou a validação do Darwinismo neste aspecto, como ele é hoje, não foi a "esquematização para que desse certo", porém a descoberta muito tempo depois do ADN. Hoje, tem-se idéias muito claras do que Darwin chamou de "variações". Idéias sustentadas por fatos que deveriam ser responsáveis pelas modificações de sua teoria de evolução, caso os dados assim o determinassem.
Desejo ainda observar que, estranho seria se os dados apontassem em uma direção e fossem analisados noutra. Se os dados agradam ou não, isto é outra questão que não cabe aqui ser analisado.
Em relação ao contraponto como um todo, é necessário observar como o discurso foi astuciosamente preparado com o fim de desviar a atenção do leitor para o artifício retórico. Por exemplo, não há preocupação alguma do filósofo-psicólogo em explicitar quais são suas premissas (deixa claro apenas contra quem ele se posiciona). Elas permanecem ocultas fazendo-me recordar de Pavlov (1980), quando afirmou parecer que os psicólogos "fazem questão de manter sua disciplina inexplicada. E isto é muito estranho! É do misterioso que eles gostam..." (p. 127). Esta afirmativa foi pronunciada numa época em que a psicologia lutava contra os psicologismos tão comuns de então. Será que devemos abandonar o método experimental e voltar ao passado?
A posição assumida por Drawin dá uma sensação de análise profunda e leva o leitor a imaginar que ele analisou o artigo independentemente de suas predileções. Isto não é verdade. Todos nós temos as nossas. Assim sendo, a mesma crítica aplica-se ao crítico.
Ainda relativo aos resultados (uma das poucas referências existentes) há uma enorme confusão feita pelo filósofo-psicólogo com relação ao tipo de explicação que foi dada. Os juízes não deram explicações nem behavioristas nem psicanalistas nem gestaltistas nem cognitivistas nem quaisquer outros istas. Deram simplesmente explicações que foram enquadradas em três categorias por outras pessoas que nada sabiam sobre o experimento. As explicações faziam referências à história passada, à situação presente ou a nenhuma das duas. E os resultados mostraram que os relatos dependeram da história dos juízes. Aqueles que tinham acesso à história relataram a história, os que não tinham, não relataram. Portanto, os resultados foram determinados pelas manipulações experimentais e não pelos pressupostos. Nenhum juiz sem acesso à história fez referência à história passada, assim como os que tiveram acesso à história referiram-se sempre ao passado. Porém, para Drawin, isto não importou, porque os dados foram meros acessórios insignificantes. O que importou foi a sua preocupação contra certo tipo de filosofia.
Regressando aos pressupostos, vez que eles não foram explicitados e que desejo referir-me ao comportamento de escolha e às "questões de liberdade" (pág. 24), começo a imaginar que os dados do experimento não estão consoantes com os pressupostos de escolha e liberdade do professor Drawin. No artigo em questão (Simonassi e col. 1984), diz-se ao final que é possível estudar o milenar e filosófico tópico do problema da liberdade, usando-se o procedimento de escolha (diga-se de passagem, que isto pode ser feito com quaisquer pressupostos). Para isto é necessário apenas que o termo liberdade seja reconceituado. Aí, então, independentemente de quaisquer que sejam nossas predileções filosóficas, é possível que sejam dadas respostas claras sobre escolha e liberdade. Não é necessário que tais respostas estejam de acordo com nossa história de vida, mas sim que devem ser dadas com base na experimentação e não em proselitismos acadêmicos.
Quanto à questão das ciências do homem (pág. 24), não há dúvida de que são ciências humanas (estranho seria se, estudando organismos humanos, a ciência fosse de infra-humanos) quero tornar minhas as palavras de Gomes (1984) no seu Modelo Galileano de Ciência e a Psicologia ao afirmar que:
"A ninguém se pode proibir de usar as metodologias herdadas da tradição antiga e medieval, de falar em "vivências íntimas, accessíveis apenas a quem as vive" ou algo assim. Em particular, não se pode chamar de "sem sentido" a uma psicologia construída em tais moldes. Quanto muito, pode-se apenas apontar para uma inevitável consequência de tal postura: adotá-la implica afirmar que entre as ciências naturais e as humanas há um abismo intransponível".
Um ponto de fundamental importância e que o crítico confunde é ao insinuar por tabela que o behaviorismo radical negligencia os aspectos simbólicos do comportamento. O engano está em pensar que os chamados eventos simbólicos mediadores estudados pelos cognitivistas não podem ser tratados de outra forma. Para esclarecimento seria interessante recorrer aos estudos sobre o comportamento verbal na literatura da Análise Experimental do Comportamento. Talvez esteja aí a raiz de uma boa parte do mal-entendido. Para entender claramente a posição behaviorista em seus aspectos filosóficos, é preciso recorrer aos volumes do periódico Behaviorismo onde são encontrados esmiuçados todos os seus aspectos filosóficos.
O behaviorismo radical tem sido classificado de inúmeras maneiras, dependendo dos desejos dos críticos. Até como epifenomenalista o behaviorismo radical foi classificado (Creel, 1980) porém, afirmar que ele ignora o simbolismo, é como confundir Skinner com Marx. Um erro lamentável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Creel, r. (1980). Radical Ephiphenomenalism: B.F. Skinner's account of private events. Behaviorism, 8, 3153. [ Links ]
Drawin, C.R. (1985). Considerações sobre os pressupostos de uma experiência: constrastação epistemológica. Psicologia Ciência e Profissão, 1, 22-25. [ Links ]
Gomes, N.G. (1984) Problemas conceituais e metodolóicos do behaviorismo o modelo galileano de ciência e a psicologia. Anais da XIV Reunião Anual de Psicologia, outubro, 23-26. [ Links ]
Pavlov, I.P. (1980). Crítica da Psicologia da Gestalt. Coleção os Pensadores. Abril Cultural. São Paulo. [ Links ]
Simonassi, L.E.; Santos, A.C. e Pires. M.C. (1984). Causação do Comportamento Humano: Acesso à história passada como determinante na explicação do comportamento humano. Psicologia Ciência e Profissão, 2, 16-23. [ Links ]
Thuiller, P. (1981). O Darwinismo Hoje. Publicações Dom Quixote. Lisboa. [ Links ]
Publicado no número 2/84, o artigo Causação do comportamento humano, de Lorismario E. Simonassi e outros, deu origem a uma réplica escrita por Carlos Roberto Drawin e publicada no número 1/85 com o título Considerações sobre os pressupostos de uma experiência: contrastação epistemológica. Agora Lorismario E. Simonassi responde com uma triplica à réplica de Carlos Roberto Drawin. O autor desu tréplica agradece ao prof. Mário Q. Barreto pelas sugestões dadas.