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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.101 São Paulo jul./dez. 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Escala de rastreio para Transtorno do Espectro Autista: um estudo de validade para adolescentes e adultos

 

Screening scale for autistic spectrum disorder: a validity study for adolescents and adults

 

Escala de seguimiento para trastornos del espectro autista: un estudio de validez para adolescentes y adultos

 

 

Kelvya Silveira MaiaI; Francisco Baptista Assumpção JuniorII

IInstituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. ORCID https://orcid.org/0000-0003-3746-6974
IIInstituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Ocupante da Cadeira 17 na Academia Paulista de Psicologia. ORCID 0000-0002-4548-4665

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi criar uma escala de rastreio para mensurar sintomas associados ao transtorno do espectro autista (TEA), do sexo masculino e com idade entre 11 e 25 anos, visto que há escassez de instrumentos no Brasil para essa população. O questionário foi respondido pelos pais/responsáveis dos jovens moradores do Estado do Rio de Janeiro. Sete juízes, especialistas nas áreas de psiquiatria e neuropsicologia, participaram da análise semântica e de conteúdo das sentenças da escala. Foram estudados 90 sujeitos, divididos por grupo diagnóstico de autismo (TEA), deficiência intelectual (DI) e pertencentes ao grupo controle (GC). A análise estatística utilizando o teste de Mann-Whitney e a curva ROC, demonstraram resultados com alta eficácia em especificidade (86%) e sensibilidade (96%) para os GC X TEA e sensibilidade de 90% e especificidade de 86% para GC X DI. Nos grupos TEA X DI, houve boa sensibilidade (80%) e especificidade (76%). Para comparação entre GC X TEA X DI aplicou-se o teste de Kruskall-Wallis com comparações múltiplas de Tukey fornecendo discriminações significativas entre as médias do GC (7,1) comparada às dos TEAs (26,3) e DIs (23,6), onde Controle < TEA = DI. Os achados sugerem que houve diferenças relevantes entre os grupos, onde GC<TEA, GC<DI e TEA>DI. O instrumento mostrou ser consistente na avaliação do construto proposto, com o escopo de identificar possíveis candidatos a uma futura e mais detalhada avaliação clínica.

Palavras-chave: Escalas de rastreio; Transtorno do Espectro Autista; Deficiência Intelectual; adolescência; adulto.


ABSTRACT

The objective of this study was to create a screening scale to measure symptoms associated with autism spectrum disorder (ASD), male and aged between 11 and 25 years, since there is a shortage of instruments in Brazil for this population. The questionnaire was answered by the parents / guardians of young people living in the State of Rio de Janeiro. Seven judges, specialists in the areas of psychiatry and neuropsychology, participated in the semantic and content analysis of the scale sentences. Ninety subjects were studied, divided by group diagnosed with autism (ASD), intellectual disability (ID) and belonging to the control group (CG). Statistical analysis using the Mann-Whitney test and the ROC curve, showed results with high efficiency in specificity (86%) and sensitivity (96%) for CG X ASD and sensitivity of 90% and specificity of 86% for CG X ID. In the ASD X ID groups, there was good sensitivity (80%) and specificity (76%). For comparison between CG X ASD X ID, the Kruskall-Wallis test was applied with multiple Tukey comparisons, providing significant discrimination between the means of the CG (7.1) compared to those of the ASDs (26.3) and IDs (23.6), where Control < ASD = ID. The findings suggest that there were relevant differences between the groups, where CG < ASD, CG < ID and ASD > ID. The instrument proved to be consistent in the evaluation of the proposed construct, with the scope of identifying possible candidates for a future and more detailed clinical evaluation.

Keywords: Screening scales; Autism Spectrum Disorder; Intellectual Disability; adolescent; adult.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue crear una escala de seguimiento para medir los síntomas asociados al Trastorno del Espectro Autista (TEA), en varones de entre 11 y 25 años, considerando la falta de instrumentos en Brasil para esta población. El cuestionario fue respondido por los padres/responsables de los jóvenes residentes del Estado de Río de Janeiro. Siete jueces, especialistas en los campos de psiquiatría y neuropsicología, participaron en el análisis semántico y de contenido de las oraciones de la escala. Se estudiaron noventa sujetos, divididos por grupo de diagnóstico de autismo (TAE), discapacidad intelectual (DI) y pertenecientes al grupo de control (GC). El análisis estadístico realizado a través de la prueba de Mann-Whitney y la curva ROC mostró resultados con alta eficacia en especificidad (86%) y sensibilidad (96%) para GC X TEA y sensibilidad del 90% y especificidad del 86% para GC X DI. En los grupos de TEA X DI, hubo buena sensibilidad (80%) y especificidad (76%). Para comparar GC X TEA X DI, se aplicó la prueba de Kruskall-Wallis con comparaciones múltiples de Tukey, proporcionando una discriminación significativa entre las medias del GC (7.1) frente a los TEAs (26.3) y DIs (23.6), donde Control <TEA = DI. Los hallazgos sugieren que hubo diferencias relevantes entre los grupos, donde GC <TEA, GC <DI y TEA> DI. El instrumento demostró ser consistente en la evaluación del constructo propuesto, con el alcance de identificar posibles candidatos para una evaluación clínica futura y más detallada.

Palabras clave: Escalas de seguimiento; Trastorno del Espectro Autista; Discapacidad intelectual; adolescencia; adulto.


 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação e interação social, associado a comportamentos e interesses restritos e repetitivos que se inicia em fase precoce do desenvolvimento infantil (APA, 2014). Tais déficits limitam ou prejudicam o funcionamento diário. O termo "autismo" foi utilizado, pela primeira vez, em 1911, por Eugen Bleuler, psiquiatra suíço, para designar, em pacientes esquizofrênicos, a perda de contato com a realidade, acarretando, como consequência, impossibilidade ou uma grande dificuldade para comunicar-se com as demais pessoas (Ajuria-guerra, 1977; Assumpção & Kuczynski, 2015). Kanner, em 1943, utilizou a mesma expressão para descrever um grupo de 11 crianças que apresentavam limitações no relacionamento com outras crianças e objetos, além de alterações no desenvolvimento da linguagem (Kanner, 1943). No mesmo ano escreveu o artigo intitulado "Distúrbios Autisticos do Contato Afetivo". Ajuriaguerra (1977) frisou que Kanner introduziu a noção do autismo precoce dotado de particularidades, sendo sua incidência mais frequentemente observada em meninos do que em meninas. Descreveu ainda, baseado nos estudos de Kanner, que a criança apresentava aparência normal ao nascer, e que, por vezes, se mostrava esperta e vivaz e em outras ocasiões apática e chorosa. Em 1949, Kanner decidiu separar autismo de esquizofrenia infantil, embora o mantivesse no grupo das psicoses infantis. Ainda em 1956, continuou descrevendo o quadro como uma "psicose", referindo que todos os exames clínicos e laboratoriais foram incapazes de fornecer dados consistentes no que se relacionava à sua etiologia (Assumpção & Pimentel, 2000; Kanner, 1949). Hans Asperger, em 1944, observou crianças um quadro semelhante ao de Kanner. No entanto, os indivíduos analisados mantinham como característica a presença da intelectualidade e maior capacidade de comunicação (Cunha, 2012; Rutter, 1978). Asperger intitulou sua pesquisa como "Psicopatia Autística". O marco na classificação desse transtorno ocorreu em 1978, quando Rutter propôs uma definição do autismo com base em quatro critérios: 1) atraso e desvio sociais não só como função de retardo mental; 2) problemas de comunicação, não só em função de retardo mental associado; 3) comportamentos incomuns, como movimentos estereotipados e maneirismos; e 4) início antes dos 30 meses de idade (Klin, 2006; Rutter, 1978). No entanto, somente em 1980, o autismo foi reconhecido e incluído no DSM-III na classe dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs). A partir do DSM-5 (2014) o autismo foi incluído no grupo dos Transtornos do Neurodesenvolvimento. A manifestação sintomatológica é bastante heterogênea nos TEAs e associada ao nível de desenvolvimento intelectual do indivíduo. Desta forma, nem todas as crianças com o mesmo diagnóstico apresentam os mesmos sintomas nas mesmas intensidades (Marteleto, 2009). A falta de espontaneidade e reciprocidade nas interações sociais é uma das dificuldades principais, assim como o pouco uso de gestos (apontar os objetos, por exemplo) para compartilhar interesses (atenção compartilhada). Esses sintomas, aliados às dificuldades na brincadeira simbólica conjuntamente às características peculiares da linguagem verbal, como ecolalia, idiossincrasias, jargões e rituais verbais, constituem indicadores do transtorno autista (Backes, Zanon, & Bosa, 2017). Apesar do autismo estar presente desde o nascimento, não quer dizer que seja facilmente identificável. Uma parcela adulta coexiste na sociedade ainda sem diagnóstico definido. Embora haja melhora do isolamento social, conforme entram na vida adulta, as dificuldades nas habilidades sociais e em estabelecer amizades, persistem por toda a vida (Gadia, Tuchman, & Rotta, 2004). As limitações na adaptação/ vida diária e ocupacional são marcantes, sendo que em quase 60% dos casos esses jovens continuam morando com seus familiares (Volkmar, Reichow, & McPartland, 2014). Na atualidade existem escalas comumente utilizadas que auxiliam no diagnóstico de autismo na população infantil e infanto-juvenil. No entanto, quando se trata de adolescentes e adultos, há escassez de instrumentos disponíveis no contexto clínico. Outra questão relevante é de que não há um marcador biológico para o autismo, tornando seu diagnóstico eminentemente clínico. Seu rastreamento pode ser realizado por meio de escalas diagnósticas passíveis de serem aplicadas por profissionais da área de saúde e professores especializados, visando uma suspeita diagnóstica que, mais tarde, pode ser, ou não, confirmada por um especialista. Alguns instrumentos são utilizados para esse fim como a Escala de Rastreio para Transtorno do Espectro Autista (CARS); a Escala de Traços Autisticos (ATA), o Questionário de Comunicação Social (ASQ), o Inventário de Comportamentos Autísticos (ICA) e o Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT). A CARS, investiga 15 domínios relacionados a impressões gerais do autismo: interação com as pessoas, imitação, resposta emocional, uso do corpo, uso de objetos, adaptação à mudança, reação a estímulos visuais e auditivos, a resposta e uso da gustação, olfato e tato; medo ou nervosismo, comunicação verbal, comunicação não verbal, nível de atividade, o nível e a coerência da resposta intelectual e, finalmente, as impressões gerais. Pode ser usada a partir de 2 anos de idade com os pais ou responsáveis. A pontuação varia de 15 a 60 pontos, sendo o ponto de corte de 30 para autismo (Pereira, Riesgo & Wagner 2008). Uma das limitações de seu uso está relacionada ao fato de os pacientes com escores entre 20 e 30 pontos não serem considerados como autistas. Mas, no âmbito clínico, as características desses indivíduos se encontrarem dentro do espectro do autismo. A ATA avalia o perfil de conduta da crianç a, embasada nos diferentes 23 aspectos diagnósticos do autismo e com ponto de corte de 23 pontos. Sua aplicação é indicada em crianças a partir de 2 anos de idade (Assumpção et al., 2008). O estudo de validade e confiabilidade da ATA foi realizado em amostra brasileira com idades entre 2 e 18 anos. Uma das limitações do instrumento é a idade limite de 18 anos. O ASQ é composto de 40 questões e pode ser aplicado em maiores de 4 anos. É uma ferramenta com o foco na avaliação de crianças com elevado risco de problemas de desenvolvimento. Engloba três domínios básicos de prejuízo no autismo: sociabilidade, linguagem e comportamento   (Sato,   2008).   No   entanto, a principal limitação dessa ferramenta para rastreio é que, apesar de possuir uma alta pontuação em relação a sua sensibilidade, apresenta baixa especificidade. Demonstrou fraca relação na diferenciação entre autismo e outro transtorno global do desenvolvimento (Berument et al., 1999). O ICA lista 57 comportamentos atípicos que são sintomáticos do autismo, organizados em cinco áreas: sensoriais, relacionais, imagem corporal, linguagem, interação social e autocuidado. Ao atingir 68 pontos ou mais, a criança é considerada com autismo; a pontuação entre 54 e 67 indica uma probabilidade moderada da criança ter autismo; a pontuação entre 47 e 53 é considerada duvidosa para a classificação do autismo, e escores abaixo de 47 indicam que a criança é típica. Miranda-Linne e Melin (1997) e Sevin et. al. (1991) ressaltaram que as propriedades psicométricas do ICA foram investigadas e avaliadas, questionando o ponto de corte do instrumento. É importante destacar, enquanto limitação do instrumento, o fato de que crianças não verbais não pontuam nos itens referentes à linguagem expressiva da subescala linguagem e representando um viés importante para o diagnóstico. Alguns estudos consideram o ICA uma escala com alta especificidade, ou seja, não inclui indivíduos não autistas; entretanto, com baixa sensibilidade, quer dizer, tende a não incluir muitos indivíduos autistas (Fernandes & Milher, 2008). O M-CHAT foi destinado a identificar crianças com risco de autismo e pode ser aplicada entre 12 e 24 meses. Consiste em 23 questões que abarcam quatro áreas: resposta social, atenção compartilhada, trazer objetos para mostrar aos pais/cuidadores e responder ao chamado dos pais/cuidadores. Apresenta alta sensibilidade e especificidade. Foi desenvolvida no idioma inglês e, embora haja a versão em português, ainda não foi validada para o Brasil para ser comercializada, embora seja amplamente utilizada por pediatras (Losapio & Pondé, 2008). Ressalta-se que, após a realização do presente estudo, foi traduzida e comercializada no Brasil, a Escala de Responsividade Social, 2ª edição (SRS-2), a qual objetiva avaliar e acompanhar pessoas com suspeita de TEA, identificando os sintomas de níveis leves, moderados e graves. Destina-se a crianças (a partir de 02 anos e meio), adolescente e adultos e possui dados normativos para a população brasileira. A escala foi dividida em duas categorias: 1ª) registro dos sintomas compatíveis com autismo de acordo com o DSM-5 e a 2ª) uma escala de intervenção.  Apresenta um escore geral fornecendo o resultado em percentil (Barbosa et al. 2015). O presente estudo difere, todavia, da SRS-2, eis que a derradeira avalia somente a população autista e seus déficits na cognição e percepção social, assim como na comunicação e motivação social, ao passo que neste trabalho se busca fazer a distinção entre indivíduos com autismo e indivíduos com deficiência intelectual. Isso se mostra relevante porque, considerando-se o desenvolvimento cognitivo, mesmo levando-se em conta as dificuldades de avaliação, observa-se pequeno número de portadores de inteligência normal, quando se fala em transtorno do espectro autista (Assumpção & Kuczynski, 2015). Klin (2006) e Bernal (2010) apontaram que cerca de 60% a 70% desses indivíduos apresentam deficiência intelectual, o que significa dizer que isso não é uma simples consequência do negativismo ou falta de motivação. Essas descobertas foram importantes no sentido de mostrar que autismo e deficiência intelectual frequentemente estão associados. Possibilitou ainda compreender que a idade mental deve ser levada em conta na avaliação do comportamento, assim como nas intervenções sugeridas.

 

Método

A elaboração do instrumento ocorreu em cinco momentos distintos sendo descritos a seguir:

1) Construção da escala- Foram utilizadas as Escala de Traços Autísticos (ATA); Escala de Avaliação do Autismo na Infância (CARS); o Inventário de Comportamentos Autísticos (ICA); Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT) e o Questionário de Comunicação Social (ASQ) com a finalidade de delimitar as áreas comportamentais, seguida dos itens relacionados aos comportamentos. Em seguida, utilizou-se as perguntas de cada instrumento citado para construir a escala de rastreio. Preconizou-se abordar o máximo de comportamentos observados por estas escalas, fato que gerou um questionário com 150 perguntas e 21 áreas de comportamentos característicos do autismo. Procedeu-se desta forma porque até a data da construção da escala não havia outro instrumento que pudesse servir de base para a criação das perguntas. Seguiu-se a adaptação da linguagem escrita das escalas infantis e infanto-juvenis para o público adolescente/adulto.

2) Análise dos Juízes- Os profissionais da área de saúde selecionados como juízes para o estudo foram uma psicóloga com mestrado na área de Psicobiologia, especialista em Neuropsicologia e prática clínica com crianças (1); uma psicóloga com doutorado em Psicologia Clínica, especialista em neuropsicologia e prática com crianças e adolescentes (2); uma psicóloga com mestrado em Neurociências, especialista em neuropsicologia e prática clínica com crianças, adolescentes e adultos (3); um médico com doutorado em Medicina na área de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (4); uma médica psiquiatra com mestrado em Psicologia Clínica e prática na área da Infância e Adolescência (5); uma médica especialista em Psiquiatria e em Psiquiatria da Infância e Adolescência, mestre em Psicologia Clínica (6) e um médico psiquiatra com mestrado e doutorado em Psicologia Clínica e prática com crianças, adolescentes e adultos (7) .Os profissionais eram pertencentes aos Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Estes realizaram a análise semântica e de conteúdo das sentenças objetivando identificar um rol de questões mais relevantes. O questionário com 150 perguntas foi distribuído em três áreas, sendo representatividade, clareza e fatores. Para cada questão foi tabulado o escore atribuído a cada avaliador. Quando este pontuou 3 ou 4 considerou-se que essa questão foi relevante; os escores 1 e 2 de pouca relevância e, portanto, não computados.

3) Refinamento da escala – Após a análise dos juízes, obteve-se uma escala com 61 perguntas e 16 áreas de comportamento. Foram retiradas as perguntas que não mostraram relação de pertinência com o objeto estudado, bem como aquelas desprovidas de clareza semântica.

4) Aplicação nos Grupos de EstudoOs participantes foram recrutados através da triagem dos prontuários do atendimento ambulatorial de psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e dos prontuários dos serviços especializados em saúde mental destinado a população jovem e adulta. Os participantes eram residentes do Estado do Rio de Janeiro e pertencentes às seguintes instituições: Ambulatório de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSI), na cidade de Itaboraí, Ambulatório de Atendimento em Saúde Mental na cidade de Petrópolis, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), nas cidades de Niterói e Petrópolis e Associação de Reabilitação e Terapias (Artrevo), na cidade de Niterói. O questionário foi respondido pelos pais/responsáveis dos participantes, após a explicação dos objetivos da pesquisa e a assinatura do termo de consentimento e do preenchimento do Critério de Classificação Econômica Brasil. O estudo baseou-se na escala binária, onde SIM (1) e NÃO (0). Caso o informante fosse analfabeto e/ou de baixa escolaridade, as perguntas eram lidas pelo responsável do projeto, sendo a sua resposta assinalada conforme verbalização do informante. O grupo de estudo foi dividido entre 30 autistas (TEA), 30 deficientes intelectuais (DI) e 30 pessoas do grupo controle (GC), perfazendo um total de 90 sujeitos do sexo masculino. A escolha pelo sexo masculino se deu devido a maior incidência em meninos do que em meninas, com uma média de 4,2 meninos para cada menina. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão:

1. Grupo TEA: ter recebido diagnóstico clínico pelo médico psiquiatra de Transtorno do Espectro Autista e ter assinado o Termo de Consentimento ou Assentimento Livre e Esclarecido;

2. Grupo DI: ter recebido diagnóstico clínico pelo médico psiquiatra de Deficiência Intelectual e ter assinado o Termo de Consentimento ou Assentimento Livre e Esclarecido e

3. Grupo Controle (GC): voluntários com desenvolvimento típico e ter assinado o Termo de Consentimento ou Assentimento Livre e Esclarecido.Os questionários foram respondidos nas instituições e no ambulatório de psiquiatria da Santa Casa. Os critérios de exclusão foram déficits sensoriais, outros transtornos psiquiátricos, histórico de lesão encefálica adquirida; aqueles, cujos responsáveis/pais, não preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

5) Análise Estatística- Primeiramente comparou-se os três grupos (Controle, TEA e DI) quanto a cada uma das variáveis do estudo. Considerou-se para o Escore Final a soma das questões que apresentaram pelo menos uma diferença significante. Ao final, das 61 questões, foram consideradas as 50 perguntas mais relevantes, através da exclusão de questões que não apresentaram diferença significativa entre os três grupos. Em segundo lugar, realizou-se o mesmo processo para os grupos analisados de forma pareada, considerando a soma das questões mais significantes. No escore do grupo controle e TEA considerou-se 46 questões; para o escore do grupo controle e DI considerou-se 38 questões e para o grupo TEA e DI considerou-se 13 questões. Em seguida foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis e as comparações múltiplas de Tukey quando houve resultado significativo entre os 3 grupos de estudo aos quais foram submetidos a uma amostra de indivíduos (N=90, sendo GC=30; TEA=30 e DI=30). As respostas foram estatisticamente analisadas com o fito de extremar os resultados obtidos por cada grupo. Finalmente, utilizou-se o teste de Mann-Whitney para comparar os grupos dois a dois: GC X TEA, GC X DI e TEA X DI. Todos os procedimentos do presente estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP do IPUSP, e foi aprovado pelo parecer N: 2.284.146 e CAAE: 69968917.6.0000.5561).

 

Resultados

De acordo com a análise estatística, a escala de rastreio para autismo pode ser aplicada nas faixas etárias entre 11 e 25 anos e em sujeitos do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 17,5 (DP 6,7). A tabela 1 mostra o escore geral (GC X TEA X DI) considerando-se não somente as diferenças entre os três grupos, mas quando havia, pelo menos, uma diferença entre os grupos pareados. Desta forma, as 50 questões mais relevantes estatisticamente possuem também, questões incluídas nos grupos analisados separadamente.

 

 

A tabela apresenta resultados mais elevados entre os grupos de autismo com escore médio de 26,3 (DP 8,9) e deficiência intelectual 23,6 (DP 8,3) comparado ao grupo controle 7,1 (DP 5,7). Pelo teste de Kruskall-Wallis e das comparações múltiplas, observou-se diferenças significativas entre as médias. Esperava-se que o GC tivesse menor pontuação quanto às características comportamentais observadas na população diagnosticada com TEA e DI. Sendo assim, foi possível observar que o resultado foi compatível com a premissa inicial deste estudo.

Com o objetivo de realizar as comparações entre grupos independentes, como o GC X TEA, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. É possível observar, na Tabela 2, que a média do GC 5,9 (DP 5,6) é significativamente menor comparado ao TEA 24,8 (DP 8,5). Para avaliar o ponto de corte para GC X TEA, quanto à identificação do grupo TEA, foi aplicado a análise de curva ROC (Receiver Operating Characteristics). Esta é a representação gráfica do desempenho de determinado modelo com dados quantitativos segundo valores de sensibilidade e de especificidade. Estatisticamente, o melhor ponto de corte é aquele que apresenta maiores valores de sensibilidade e especificidade conjuntamente, conforme Tabela 3.

 

 

 

 

Através da análise da curva ROC foi possível verificar altos índices de sensibilidade (96%) e especificidade (86%), com ponto de corte de 11,50. Portanto, quando a pontuação, nesta subescala, for igual ou inferior a 11, não será sugestivo de TEA. Por outro lado, caso tal pontuação seja igual ou superior a 12, tem-se sugestão de TEA.

Analisando a Tabela 4 foi possível verificar que a média do grupo controle 4,4 (DP 4,3) está significantemente abaixo do grupo DI 19,7 (DP 6,8), corroborando com a hipótese inicial sobre as características presentes no desenvolvimento típico e atípico.

 

 

O ponto de corte para o grupo DI (Tabela 5) obteve o valor de 8,50 com alto grau de sensibilidade (90%) e especificidade (86%), indicando também, que a escala derastreiomedeoquesepropôsmedir, ouseja, écapaz de diferenciar entre grupo controle e grupo DI. Para tal deve-se considerar que o indivíduo que pontuou igual ou superior a 9 é incluído no grupo DI, ao passo que aquele que pontuou abaixo deste escore é pertencente ao grupo controle.

 

 

Neste comparativo (Tabela 6), será considerado TEA aqueles que atingiram a média 7,6 (DP 2,0) e no grupo DI aqueles com média 3,6 (DP 2,1).

 

 

O melhor ponto de corte considerado neste comparativo (Tabela 7) é de 5,50 com boa sensibilidade (80%) e especificidade (76%), devendo ser considerado pertencente ao grupo TEA os indivíduos que pontuarem igual ou acima a 6 e pertencente ao grupo DI aqueles que pontuarem abaixo deste escore.

 

 

Discussão e Conclusões

O presente estudo buscou analisar os comportamentos mais prevalentes dentro do transtorno do espectro autista comparando-o com a Deficiência intelectual e com sujeitos de desenvolvimento típico. Conforme salientado, há poucos instrumentos de rastreio para mensurar autismo na população adolescente e adulta. Visando preencher essa lacuna e lembrando que a deficiência intelectual se apresenta em cerca de 60 a 70% dos casos de pessoas diagnosticadas com autismo (Assumpção & Pimentel, 2000), o estudo buscou incluir esse grupo para análise dentro do mesmo instrumento. A escala foi construída para ser aplicada de forma individual, e respondida pelos pais/responsáveis ou pelo profissional de saúde durante a consulta com os responsáveis pelo jovem. A aplicação do instrumento, durante a pesquisa, durou cerca de 20 a 30 minutos. Através da análise estatística foi possível criar uma escala de rastreio para autismo com quatro subescalas. Podendo ser utilizado pelo profissional de saúde quando este suspeitar de comportamentos característicos do autismo ou da deficiência intelectual comparados a sujeitos com desenvolvimento típico (GC X TEA X DI). A partir deste resultado, poderá utilizar as demais subescalas referentes ao transtorno que mais pontuou, seja GC X TEA; GC X DI ou TEA x DI. Através da curva ROC foi possível verificar que esses subtestes alcançaram especificidade e sensibilidade necessárias para verificar que o instrumento foi capaz de medir aquilo que se propôs a medir. A avaliação de comportamentos que permita o reconhecimento de traços autísticos e, em consequência, possibilite um diagnóstico populacional é de extrema importância. Muitos dos casos de portadores de autismo misturam-se a população deficiente mental, ficando restrita a esse atendimento e não sendo passíveis de identificação. A escala de rastreio, no entanto, não substitui a visão clínica do profissional. Como rastreio, deve ser usada com essa finalidade, ou seja, como auxílio à hipótese diagnóstica e não como um fim. O presente instrumento, com efeito, foi produzido a partir de estudos que tiveram por base amostra clínica composta por indivíduos do gênero masculino, uma vez que foi considerado o que se mostrou mais prevalente na literatura nacional e internacional. Daí mostrar-se pertinente a realização de futuros estudos voltados para o público feminino, inclusive comparativos, buscando cotejar comportamentos e identificar as razões pelas quais o TEA se mostra prevalente no gênero masculino. Outrossim, há que se considerar relevante a análise do nível socioeconômico e ainda de fatores culturais, considerando e comparando amostras de diferentes regiões do nosso país. Desse modo, futuros estudos de normatização do instrumento para a população brasileira poderão contribuir não só para análise dessas variáveis, mas também para melhor refinamento do instrumento, obtendo-se evidências de fidedignidade de abrangência nacional. No entanto, o instrumento mostrou ser consistente na avaliação do construto proposto, enquanto escala de rastreio a ser utilizada por profissionais de saúde e educação, com o escopo de identificar possíveis candidatos a uma futura e mais detalhada avaliação clínica.

 

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Recebido: 06.01.21
Corrigido: 20.04.21
Aprovado: 09.08.21

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