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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015

 

 

Criação e normatização de um conjunto brasileiro de estímulos pictóricos1

 

Development and standardization of a brazilian set of pictorial stimuli

 

Creación y estandarización de un conjunto brasileño de estímulos pictóricos

 

 

Murilo Ricardo Zibetti2; Suelen Bordignon; Clarissa Marceli Trentini

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi criar e normatizar um conjunto de 89 estímulos pictóricos para brasileiros adultos de idade intermediária e adultos idosos (40-89 anos). Foram selecionados 89 conceitos verbais de um estudo prévio sobre normas de associação semântica categórica. Todos os conceitos foram representados graficamente e avaliados por três juízes. Posteriormente, cada estímulo pictórico foi normatizado pelos seguintes atributos: concordância conceitual, concordância de nomeação, familiaridade conceitual e complexidade visual. Os resultados sugerem que 93,3% (83) dos estímulos apresentaram concordância conceitual satisfatória. Os demais atributos apresentaram índices de correlação próximos aos observados nos estudos de normatização dos maiores bancos internacionais de estímulos pictóricos. Esses resultados sugeriram a qualidade do conjunto de estímulos e contribuirão tanto para o desenvolvimento do Teste MAPS (Memória e Aprendizagem através de Pistas Seletivas) quanto para a criação de outros instrumentos de avaliação psicológica e cognitiva.

Palavras-chave: figuras; nomeação; familiaridade; complexidade visual; memória.


ABSTRACT

The aim of this study was to create and to standardize a new set of 89 pictorial stimuli for Brazilian middle aged and elderly people (40-89 years). Verbal Concepts (89) were selected from studies that investigated norms semantic association. All concepts are drawn and evaluated by three judges. Thereafter, each pictorial stimulus was standardized on the following attributes: conceptual agreement, naming agreement, conceptual familiarity and visual complexity. At least 93.3% (83) stimuli presented satisfactory conceptual agreement. The other attributes showed correlation coefficients close to those observed in the standardization of the largest international sets pictorial stimuli. These results suggest the quality of this set of pictorial stimuli and will contribute for the development of the test called MAPS (Memory and Learning with Selective Cues) and others psychological assessment tools.

Keywords: pictorial stimuli; name agreement; familiarity; visual complexity; memory.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue crear y estandarizar un conjunto de 89 estímulos pictóricos para personas de adultos y ancianos (40-89 años). Se seleccionaron 89 conceptos verbales derivadas de los estudios de estandarización de asociación semántica. Todos los conceptos se representaron y evaluados por tres jueces. Para cada estimulo fue estandarizado para los siguientes atributos: el acuerdo conceptual, el acuerdo de nombramiento, la familiaridad conceptual y la complejidad visual. Una gran parte de los estímulos (93,3%) presentaron acuerdo conceptual satisfactorio y los otros atributos presentan índices compatibles con los conjuntos internacionales de estímulos pictóricos. Estos resultados sugieren que la calidad de este conjunto y contribuirán en la elaboración de un test MAPS (Memoria y Aprendizaje com Pistas Seleccionadas) y otras herramientas de evaluación psicológica.

Palabras-clave: estímulos pictóricos; nombramiento; familiaridad; complejidad visual; memoria.


 

 

Estímulos pictóricos têm sido amplamente utilizados em pesquisas sobre a memória, a linguagem e em parte de baterias cognitivas (Argollo et al.,2009; Hockley, 2008; Mansur, Radanovic, Araújo, Taquemori, & Greco, 2006; Migo, Montaldi, & Mayes, 2013). O objetivo desse estudo foi apresentar o processo de criação e normatização de estímulos pictóricos compatíveis com a realidade brasileira. O conjunto de estímulos investigado foi desenvolvido para um instrumento denominado Teste MAPS (Memória e Aprendizado através de Pistas Seletivas). Esse instrumento, em fase de construção, tem como foco a avaliação da memória e da aprendizagem em adultos entre 40 e 89 anos. Os critérios de criação e normatização desses estímulos são compatíveis com os encontrados na literatura internacional (Bonin, Peereman, Malardier, Meot, & Chalard, 2003; Dell'Acqua, Lotto, & Job, 2000; Kremin et al., 2003; Snodgrass & Vanderwart 1980) e auxiliaram na seleção preliminar dos estímulos para o instrumento.

Apesar de amplamente utilizados na pesquisa e na clínica, os estímulos pictóricos passaram a ser consistentemente investigados no início da década de 1980. Em um artigo clássico, Snodgrass e Vanderwart (1980), observaram que a ausência de um conjunto normatizado de estímulos pictóricos dificultava a comparação entre os estudos que avaliavam as funções cognitivas por figuras. Além disso, esses autores argumentaram que os atributos controlados nos estímulos verbais não eram adequados e suficientes para figuras. Por exemplo, conceitos como frequência na língua e extensão das palavras não expressam respectivamente a quantidade de vezes com que nos deparamos com determinado objeto (familiaridade) e o quanto esse mesmo objeto é rico em detalhes (complexidade). Sendo assim, eles geraram a representação pictórica de 286 conceitos verbais. Todos os conceitos foram retirados de normas de associação semântica e eram substantivos concretos. Nesse mesmo estudo, os atributos destes 286 conceitos foram normatizados (Snodgrass & Vanderwart, 1980).

Usualmente citados desde então, os estímulos de Snodgrass e Vanderwart (1980) passaram a ser referência na avaliação dos atributos de imagens. Entre os principais atributos estudados das figuras estão a concordância de nomeação, a concordância conceitual, a complexidade e a familiaridade (Bonin et al., 2003; Dell'Acqua et al., 2000; Snoodgrass & Vanderwart, 1980). Além desses atributos, também se têm investigado o tempo de nomeação das figuras (Severens, Lommel, Ratinckx, & Hartsuiker, 2005; Snodgrass & Yuditsky, 1996) e a idade de aquisição do conceito representado (Bonin et al., 2003; Lotto, Dell'acqua, & Job, 2001). Devido à sua importância para a avaliação de diversos processos cognitivos, um grande número de estudos visou a normatizar estímulos pictóricos para diferentes culturas (Alario & Ferrand, 1999; Nishimoto, Miyawaki, Ueda, Une, & Takahashi, 2005).

Dentre todas as características descritas e normatizadas para os estímulos pictóricos, foram selecionadas para o presente estudo aquelas que classicamente são investigadas: concordância de nomeação, concordância conceitual, familiaridade e complexidade do estímulo. A concordância de nomeação se refere ao quanto um estímulo pictórico é reconhecido e nomeado de forma idêntica (Pompéia, Miranda, & Bueno, 2003). Em geral, as análises dessa variável apresentam dois tipos de resultados: a) nome modal, percentual do nome mais frequentemente dado ao estímulo; e b) estatística H, índice que leva em conta o número e a proporção de cada nome dado ao estímulo (Pompéia et al., 2003). Ambos os resultados de concordância de nomeação apresentam grande associação à velocidade de nomeação (Dell'acqua et al., 2000).

Tanto o percentual do nome modal quanto a estatística H podem ser muito restritivos quanto à identificação de um estímulo pictórico, pois se alteram quando ocorrem variações corretas para um mesmo conceito (por exemplo, televisão e televisor) (Snoodgrass & Vanderwart, 1980). Por isso, alguns autores têm utilizado a concordância conceitual como outra variável normativa dos estímulos pictóricos (Snoodgrass & Vanderwart, 1980; Lotto et al., 2001). Esse índice contabiliza, em conjunto com o nome modal, os sinônimos e as expansões do conceito representado. Por esse cálculo se obtém a quantidade de vezes que a figura foi identificada corretamente, o que se relaciona a tarefas de categorização e de recordação livre (Snoodgrass & Vanderwart, 1980).

Os demais atributos investigados neste estudo são a complexidade e a familiaridade dos estímulos pictóricos. O primeiro representa a quantidade de detalhes contidos no estímulo, bem como a dificuldade para reproduzi-lo graficamente (Snoodgrass & Vanderwart, 1980; Pompéia et al., 2003). O segundo avalia o quanto o estímulo é comum no cotidiano, indicando a frequência com que se tem contato com o conceito representado (Pompéia et al., 2003). Diferentemente das demais variáveis, a complexidade e a familiaridade são medidas por escalas Likert (em geral de cinco pontos). Nessas escalas, o participante é solicitado a avaliar de forma subjetiva o quanto a figura parece complexa ou familiar. Esses dois atributos podem ter grande importância na velocidade de nomeação, na recordação livre e no reconhecimento (Snoodgrass & Vanderwart, 1980).

Após a publicação do estudo de Snodgrass e Vanderwart (1980), houve um processo de consolidação e expansão dos estímulos pictóricos normatizados. Por exemplo, em 1989, foram obtidas normas de 320 estímulos – 259 estímulos de Snodgrass e Vanderwart (1980) e mais 61 desenhos do instrumento Peabody para crianças entre oito e dez anos (Berman, Friedman, Hamberger, & Snodgrass, 1989). Um conjunto expandido, com 400 figuras – incluindo todas as estudadas por Berman et al. (1989) –, teve normas coletadas para crianças entre cinco e seis anos (Cycowicz, Friedman, Rothstein, & Snodgrass, 1997). Com a grande repercussão desses estudos, tanto o conjunto original de Snodgrass e Vanderwart (1980) quanto o conjunto expandido por Cycowicz et al. (1997), tiveram estudos de normatização replicados em países como França (Alario & Ferrand, 1999), Espanha (Sanfeliu & Fernandez, 1996), Japão (Nishimoto et al., 2005), Argentina (Manoiloff, Artstein, Canavoso, & Segui, 2010), Croácia (Rogic et al., 2013), Brasil (Pompéia, Miranda, & Bueno, 2001; Miranda, Pompéia, & Bueno, 2004), entre outros.

Essas pesquisas transculturais indicaram que a concordância de nomeação e a concordância conceitual são associadas à cultura e sofrem importantes variações de um país para outro (Miranda et al., 2004; Nishimoto et al., 2005). A familiaridade, na maioria dos estudos, apresenta estabilidade entre as diferentes culturas (Alario & Ferrand, 1999; Pompéia et al., 2003). Contudo, alguns estudos apontaram resultados divergentes quanto a esse atributo. Por exemplo, foi identificado que os estímulos pictóricos de Snodgrass e Vanderwart (1980) são avaliados como menos familiares por crianças espanholas do que por crianças norte-americanas (Sanfeliu & Fernandez, 1996). Provavelmente, as diferenças entre os estudos que investigaram a familiaridade se deve ao fato de que estímulos críticos (menos familiares em uma cultura, e mais em outra) sejam subestimados na análise do conjunto inteiro de estímulos. Já a complexidade dos estímulos tende a ter índices de correlação altos e estáveis entre as diferentes culturas (Pompéia et al., 2003).

Ao considerar as diferenças linguísticas observadas nos estudos transculturais, alguns autores têm apresentado soluções para ampliar ou adequar estímulos pictóricos para a realidade de seu país. Por exemplo, no Japão, das 286 figuras originais de Snodgrass e Vanderwart (1980), 44 foram redesenhadas, e 99 foram acrescidas por serem familiares àquela cultura (Nishimoto et al., 2005). Na França, um conjunto 299 estímulos complementares aos de Snodgrass e Vanderwart (1980) foi gerado (Bonin et al., 2003). No restante da Europa, três grandes bancos de figuras foram criados ou normatizados nas últimas duas décadas. O Banco de Dados Psicolinguísticos do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Socialização (PD/DPSS – Psycholinguistic database/ Dipartimento di psicologia dello Sviluppo e della socializzazione) conta com um conjunto de 266 estímulos pictóricos novos, incluindo conceitos já desenhados por Snodgrass e Vanderwart (Lotto, Dell'acqua, & Job, 2001; Dell'acqua et al., 2000). O Protocolo Europeu de Denominação de Imagens (PEDOI – Protocole européen de dénomination orale d'images) é um conjunto com 390 estímulos pictóricos que conta com estudos iniciais ou finalizados em países como Holanda, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e Suíça (Kremin et al., 2003). Por fim, o Banco de Estímulos Padronizados (BOSS – Bank of Standardized Stimuli) é um conjunto de 480 fotos normatizadas para o uso como estímulo visual em pesquisas cognitivas. Esse banco apresenta os dados normativos tanto para a foto do objeto quanto para o estímulo convertido em um desenho preto e branco (Brodeur, Dionne-Dostie, Montreuil, & Lepage, 2010).

Para Brodeur et al. (2010), podem ser identificados três momentos nos estudos com estímulos pictóricos. O primeiro e o segundo são marcados, respectivamente, pela consolidação do uso de normas e pela expansão para diversos países desses estímulos. O terceiro movimento, mais atual, visaria à criação de novos conjuntos de estímulos pictóricos (Brodeur et al., 2010). Além de adaptações culturais, diversos argumentos têm sido utilizados para justificar a criação desses conjuntos alternativos de estímulos pictóricos. Entre eles, está o aumento da validade ecológica dos estímulos pictóricos por um processo diferente de criação dos estímulos (Brodeur et al., 2010) e a necessidade de atualização estilística de parte dos estímulos de Snodgrass e Vanderwart (1980), desenvolvidos ainda na década de 1980 (Dell'acqua et al., 2000).

No Brasil, já existem dados normativos para crianças e para adultos (Pompéia et al., 2001) do conjunto expandido de 400 figuras apresentado por Cycowicz et al. (1997). Dentre essas figuras, existem alguns estímulos críticos para a realidade brasileira (por exemplo, capacete de futebol americano). No entanto, a maioria dos estímulos pictóricos apresenta bons índices de concordância de nomeação. Ou seja, o conjunto normatizado no Brasil permite a seleção de estímulos adequados para a construção de tarefas experimentais que visem a avaliar a cognição.

Por outro lado, a criação de instrumentos psicológicos com esses estímulos parece ter alguns limites de ordem prática. O primeiro é que, com a utilização de um mesmo banco de estímulos para a construção de diversos instrumentos (por exemplo, percepção, linguagem e memória), poderia haver um efeito indesejado de aprendizagem dos estímulos, o que interferiria na avaliação cognitiva. Um limite, especificamente para a criação do instrumento MAPS, é a ausência de normas para adultos de idade entre 40 a 59 anos e idosos com 60 anos ou mais. A ausência de figuras normatizadas para essas faixas etárias também é observada em outros países, pois a maioria dos estudos é conduzida com adultos jovens (Sirois, Kremin, & Cohen, 2006). Existem algumas evidências de que o nome modal para um estímulo possa mudar de geração para geração (Sirois et al., 2006).

Ao considerar os limites de ordem prática e o grande impulso observado na criação de novos conjuntos de imagens, o presente estudo objetivou construir e normatizar estímulos pictóricos adequados para a população brasileira de adultos (40 a 59 anos) e de idosos (60 anos ou mais). Os estímulos e as normas obtidas no presente estudo serão utilizadas no Teste MAPS e poderão ser disponibilizadas a pesquisadores brasileiros mediante consulta aos autores.

 

Método

O método foi dividido em duas etapas complementares. Na etapa 1, está descrito o processo de construção da representação gráfica dos conceitos. Essa seção envolve a seleção dos conceitos, as indicações para representação pictórica, a análise de juízes e o estudo piloto das imagens. Na etapa 2, tem-se o relato do processo de normatização dos atributos dos estímulos pictóricos construídos na etapa 1.

Etapa 1 – Construção dos Estímulos Pictóricos

Seleção dos conceitos a serem representados graficamente.

Os conceitos foram selecionados, primeiramente, a partir de um banco de dados nacional que normatizou a associação de 20 categorias semânticas aos seus itens mais representativos. Esse banco de dados faz parte do estudo desenvolvido por Bordignon, Zibetti, Trentini, Resende, Minervino, Silva-Filho, Pawlowski, Teodoro e Neander (2015), que investigou, nas cinco regiões do Brasil, a força de associação dessas categorias semânticas em pessoas acima de 40 anos. Para a seleção dos conceitos a serem desenhados, considerando que parte desses estímulos será destinada a um teste de memória com formas paralelas, os seguintes cinco critérios foram adotados: (a) seriam desenhados dois conceitos reconhecíveis por categoria semântica do banco de dados (animais, artigos de higiene, brinquedos, doces, ferramentas de carpinteiro, frutas, instrumentos musicais, joias, materiais de limpeza, materiais escolares, materiais esportivos, meios de comunicação, meios de transporte, móveis, objetos para iluminar, objetos para bebê, partes do corpo, peças do vestuário, utensílios de cozinha e utensílios de costura); (b) os conceitos que, segundo análise dos autores, tivessem difícil reconhecimento gráfico teriam um conceito alternativo desenhado de mesma categoria semântica; (c) o conceito pertencente a duas ou mais categorias semânticas seria considerado apenas para aquela categoria em que ocupa maior posição representando maior força de associação semântica; (d) o conceito deveria ser relacionado à categoria em pelo menos quatro regiões do Brasil; (e) o conceito selecionado não era o primeiro mais frequentemente associado à categoria semântica no estudo de Bordignon et al. (no prelo).

A partir do critério "a" foram selecionados 40 conceitos, sendo acrescidos de 19 conceitos alternativos pra o critério "b". Ao fim, a adoção desses critérios permitiu a seleção de 59 conceitos a serem representados graficamente. Cabe ressaltar que, a partir do critério "b" o número total de conceitos ficou diferente por categoria, o que poderia implicar em um viés, as figuras forem comparadas entre si. Além disso, o critério "d" foi utilizado com o objetivo de obter conceitos que fossem conhecidos em grande parte do Brasil, e o critério "e" foi utilizado com o objetivo de forçar a escolha de itens medianos na escala de associação semântica, diminuindo as chances de acertos ao acaso quando do fornecimento da categoria semântica como pista para a evocação. A única exceção a essa regra foi o conceito "vassoura", maior representante da categoria semântica "objetos de limpeza". Isso porque a maioria dos conceitos pertencentes a essa categoria era de difícil representação e reconhecimento gráficos (por exemplo, pano, produto, detergente). Nesse caso, a adoção do critérios "a" foi preponderante à adoção dos critérios "b" e "e".

Indicações para a confecção dos desenhos.

Para a representação gráfica dos conceitos foi contratado um desenhista profissional e foram utilizadas parte das diretrizes propostas por Snoodgrass e Vanderwart (1980). Dessa forma, preconizou-se que fossem desenhos preto-branco e realísticos, com detalhamento compatível à complexidade real do conceito (Snoodgrass & Vanderwart, 1980). O desenhista também recebeu a instrução de desenhar um exemplo mais prototípico possível do conceito da categoria semântica a que pertence (a representação prototípica do conceito tesoura provavelmente se altera quando representando a categoria objetos de costura ou quando representando a categoria materiais escolares).

Diferentemente dos parâmetros propostos por Snodgrass e Vanderwart (1980), a inclinação e a direção dos objetos não foram controladas, nem os animais foram desenhados de lado. No primeiro caso, a medida justificou-se, pois, em caso de necessidade, as atuais técnicas de computação permitem manipular a posição e direção dos desenhos sem prejuízos maiores à qualidade final. No segundo caso, optou-se pela versão mais realística, familiar e reconhecível do conceito do animal o que, por vezes, poderia ser a visão de frente. Esse padrão foi estabelecido mediante consenso dos autores. A posição e a direção das figuras são artefatos investigados no banco BOSS para aumentar a validade ecológica das representações pictóricas (Brodeur et al., 2010).

Análise de juízes e estudo piloto.

A partir do esboço gráfico de cada conceito, foi realizada uma análise com três juízes para verificar quais itens deveriam ser alterados. Os juízes eram psicólogos, com experiência em avaliação neuropsicológica e construção de instrumentos de avaliação psicológica. Eles tinham como instrução localizar itens pouco prototípicos e que não pudessem ser bem identificados. Além disso, deveriam avaliar se a quantidade de detalhes do desenho era pertinente à complexidade real do objeto real. Cada conceito foi avaliado separadamente pelos três juízes, e cada um, após verificar os quesitos indicados, sugeriu a manutenção ou alteração do item. Qualquer alteração sugerida por um deles foi aceita em caso de consenso entre todos os juízes.

Para verificar a qualidade dessa primeira avaliação de juízes, as mesmas figuras (sem a correção) ainda passaram por um estudo piloto para verificar a qualidade de sua identificação. Os 59 estímulos pictóricos foram apresentados em slides, um a um, para 20 estudantes universitários, com idades entre 18 e 36 anos (M=21,20; DP=5,22), sendo 16 mulheres e quatro homens. A escolha dessa amostra foi por conveniência dos pesquisadores e visava a traçar um paralelo entre a análise de juízes e a concordância conceitual obtida. Nesse piloto, os participantes foram instruídos a responder a seguinte pergunta: "qual é o primeiro nome que você daria a essa figura?". Caso não reconhecessem o objeto, eles deveriam escrever NCO (não conheço o objeto).

Foram considerados itens com identificação satisfatória aqueles com 85% de concordância conceitual. Além disso, foi considerado um erro sistemático quando dois ou mais participantes cometeram o mesmo erro na identificação do conceito. Por exemplo, o conceito "colar" foi identificado por mais de um participante como "pulseira", consistindo em um erro sistemático. Para os conceitos com identificação insatisfatória (com concordância conceitual inferior a 85% no estudo piloto), foi sugerida a readaptação completa do estímulo pictórico. Para aqueles que, mesmo com identificação satisfatória, houve erros sistemáticos, foram indicadas pequenas alterações que diminuíssem a probabilidade do erro.

Além disso, caso uma característica intrínseca do desenho proporcionasse menor concordância de nomeação, esse item também seria alterado. Por exemplo, a representação inicial do conceito "bola" era uma "bola de futebol". Nesse caso, a concordância conceitual era de 100%, mas o nome modal "bola" era menos frequente, devido à presença do estendido "bola de futebol". Esse fato provavelmente é decorrente da alta familiaridade de estímulos relacionados ao futebol em nosso país, uma vez representada como uma "bola de futebol" ela recebe essa denominação em detrimento do conceito simples "bola", afetando seu nome modal. Por isso, a representação inicial do conceito "bola" (que era de futebol) foi substituída por uma "bola com gomos". Como o conjunto de imagens apresentado para a análise de juízes e para o estudo piloto era o mesmo, foi possível observar que grande parte dos erros sistemáticos e falhas de identificação havia sido previsto por, pelo menos, um dos juízes.

Cabe ressaltar que, no estudo piloto, o conceito "carrinho" (pertencente à categoria brinquedos) foi identificado por 100% dos participantes como "carro" (pertencente à categoria meios de transporte). Nesse caso, os juízes sugeriram a inserção de outro elemento representativo da categoria brinquedos e a substituição do desenho do "carro" (de brinquedo) por um desenho mais realístico do conceito "carro" (meio de transporte).

Seleção de novos conceitos.

Para aumentar o número disponível de estímulos pictóricos, foram selecionados 30 novos conceitos para serem desenhados. As oito categorias semânticas com maior conjunto de respostas no estudo de Bordignon et al. (2015) tiveram pelo menos 4 conceitos desenhados para cada uma delas, considerando os itens desenhados antes da análise de juízes e do estudo piloto. A disponibilidade de mais estímulos pictóricos torna possível maior controle dos atributos da imagem na construção de tarefas e de instrumentos de avaliação psicológica.

Além desses itens, foram adicionados pelo menos dois conceitos de seis categorias semânticas do estudo de associação categórica em idosos (Van Erven & Janczura, 2007). As categorias adicionadas foram: armas, flores, eletrodomésticos, formações geográficas, materiais de construção e temperos. Foram adotados os seguintes critérios para a seleção dos conceitos: pelo menos dois conceitos de cada categoria (critério "a"); os conceitos que tivessem provável dificuldade de reconhecimento, segundo os juízes, teriam um substituto selecionado (critério "b"); o item selecionado seria considerado apenas para a categoria que tivesse maior força de associação (critério "c"). Observa-se, portanto, que foi adotado um número menor de critérios de seleção do que os utilizados para o primeiro conjunto de estímulos. Dessa forma, os critérios "d" (estar presente em pelo menos quatro regiões do país) e "e" (não ser o conceito mais frequentemente associado à categoria semântica) não foram controlados nessa nova seleção. Particularmente, o critério "d" não pôde ser controlado, porque o estudo de Van Erven e Janczura (2007) foi conduzido integralmente em Brasília. Já o critério "e" não foi utilizado, porque as categorias adicionadas apresentavam poucos itens reconhecíveis se desenhados (o mesmo critério utilizado para o primeiro grupo de estímulos, no caso da seleção do conceito "vassoura" para a categoria materiais de limpeza).

Esse novo conjunto de 30 conceitos foi encaminhado ao desenhista com as mesmas orientações para sua criação. Uma vez desenhadas, a análise das figuras pelos três juízes aconteceu de forma análoga ao primeiro conjunto de figuras. O segundo conjunto de estímulos não foi submetido a um estudo piloto, pois no primeiro conjunto de estímulos os dados do estudo piloto foram redundantes.

Sendo assim, dos 89 conceitos verbais selecionados para serem desenhados, nenhum foi excluído. No entanto, após a análise de juízes e do estudo piloto, 22 representações gráficas precisaram ser revistas total ou parcialmente. Por fim, considerando os itens alternativos, gerados também na segunda fase, o total de conceitos representados graficamente foi 893. Os conceitos eram pertencentes a 26 categorias semânticas – 20 de Bordignon et al. (2015) e seis de Van Erven e Janczura (2007) –, todas estudadas em populações acima dos 40 anos de idade. Nas Tabelas 1 e 2, constam a categoria, o conceito e sua respectiva posição na escala de itens associados à categoria, respectivamente, no estudo de Bordignon et al. (2015) e Van Erven e Janczura (2007).

Em uma comparação entre os estudos de Bordignon et al. (2015) e Van Erven e Janczura (2007) observa-se uma diferença metodológica importante. No primeiro estudo, foram requisitados os cinco primeiros itens associados à categoria semântica (Bordignon et al., 2015). No segundo, apenas o primeiro item relacionado à categoria semântica foi requisitado. Para uniformizar os dados nas tabelas 1 e 2, foi disponibilizada apenas a informação da frequência da primeira palavra no estudo de Bordignon et al. (2015).

 

 

 

Etapa 2 – Normas de concordância de nomeação, concordância conceitual, familiaridade e complexidade visual

Participantes

Foram recrutados, por conveniência, 117 participantes, todos brasileiros e residentes no estado do Rio Grande do Sul. Todos tinham o português como língua materna. Desses, foram retirados quatro protocolos das análises devido ao preenchimento incompleto de mais de 30% das perguntas.

Dentre os 113 participantes que tiveram os dados analisados, 65,5% eram mulheres (n=74) e 34,5% eram homens (n=39). A idade média dos participantes era de 56,33 anos (DP=11,33), variando entre 40 e 89 anos de idade. A escolaridade média era de 12,47 anos de estudo (DP=5,74), variando entre 1 e 25 anos de estudo. A distribuição dos participantes entre os grupos etários foi de 30,1% com idade entre 40 e 49 anos (n=34), 38,9% com idade entre 50 e 59 anos (n=44) e 31% com idade superior a 60 anos (n=35). Foram critérios de inclusão na amostra a ausência de autorrelato de déficits sensoriais e perceptivos visuais não corrigidos e de doenças neurológicas que causassem déficits linguísticos.

Instrumentos e estímulos

Questionário de dados sociodemográficos, de condições de saúde e de hábitos de leitura escrita.

Instrumento Adaptado de Pawlowski (2007), trata-se de um questionário estruturado com perguntas sobre variáveis demográficas, classificação socioeconômica, hábitos de leitura e escrita, e saúde do participante (doenças neurológicas, psiquiátricas, problemas sensoriais e uso de drogas).

Caderno de estímulos pictóricos.

Os 89 estímulos pictóricos foram digitalizados e impressos. Posteriormente, foram alocados em quatro ordens aleatórias para formar os diferentes protocolos de aplicação (a, b, c e d). Cada protocolo contava com todo conjunto de figuras distribuídas em 16 imagens por página. Foi construída uma folha de rosto com instruções e exemplos para o preenchimento do material.

Procedimentos

O projeto de criação, validação e normatização do Teste MAPS (vinculado ao presente artigo) foi aprovado por Comitê de Ética. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e do preenchimento do questionário sociocultural, os participantes eram instruídos a nomear e a avaliar a familiaridade e a complexidade de cada um dos estímulos pictóricos. A maioria dos participantes respondeu ao instrumento de forma escrita, sem o auxílio do pesquisador. Contudo, em alguns casos, a pedido do participante, a aplicação ocorreu de forma verbal, e o aplicador realizou a anotação das respostas. Nesse caso, as escalas permaneciam visíveis para referência do participante. Todas as aplicações foram individuais, com tempo médio de 20 minutos, sendo acompanhadas por profissionais e estudantes de psicologia treinados.

A familiaridade e a complexidade eram avaliadas por escalas do tipo Likert de cinco pontos que variavam entre "muito incomum" e "muito comum" no dia a dia (familiaridade), e entre "muito simples" e "muito complexa" (complexidade). Para facilitar a compreensão desses atributos, foram fornecidas explicações adicionais e dois exemplos (xícara e computador) com suas respectivas classificações nas escalas. Esse procedimento é referendado em outros estudos (Miranda et al., 2004) e auxilia o participante, tornando-se um parâmetro para a avaliação das demais figuras.

Caso não reconhecessem o estímulo, os participantes eram instruídos a responder NCO (não conheço o objeto). Caso o estímulo fosse reconhecido, mas seu nome não fosse conhecido ou lembrado, os participantes eram instruídos a responder NLN (não lembro o nome). Nesse estudo, a terminologia NLN abrangeu também aqueles casos em que o participante tinha a sensação de que o nome do conceito era conhecido e de fácil enunciação, mas que não conseguia lembrar apenas no momento (estava na "ponta na língua"). Em alguns estudos, a terminologia "ponta da língua" é utilizada separada do NLN, contudo alguns autores apontam a dificuldade dos sujeitos em julgar de forma diferencial os conceitos que conhecem, mas não sabem o nome, daqueles que conhecem, mas não conseguem acessar no momento da avaliação (Snodgrass & Vanderwart, 1980).

Análise de Dados

Os dados obtidos nos protocolos foram inseridos em um banco de dados, gerando as seguintes medidas:

(a) concordância conceitual: percentual de participantes que reconheceram corretamente o conceito desenhado independentemente do nome dado ao estímulo;

(b) concordância de nomeação dividida em:

(b.1) nome modal e percentual de nome modal: índices de concordância de nomeação que representam o nome mais comumente dado ao estímulo pictórico e sua respectiva frequência. Abreviaturas pouco comuns (ex: "maq. de costura" para o conceito "máquina de costura") e erros de ortografia (ex: "cerrote" para o conceito "serrote") foram considerados como pertencentes ao nome modal;

(b.2) estatística H: índice de concordância de nomeação que leva em conta a quantidade e a proporção de nomes dados ao estímulo. É calculado a partir da seguinte fórmula:

 

 

Nessa fórmula, k representa o número de nomes dados ao estímulo e Pi é a proporção de participantes que utilizaram cada um dos nomes. As respostas NCO e NLN não são computadas na análise. São somados todos os resultados obtidos para todos os nomes. Quanto mais perto de "zero" maior é a concordância de nomeação.

(c) Familiaridade: média dos escores atribuídos pelos participantes a cada conceito em escala do tipo Likert que variava de 1 (muito incomum no meu dia a dia, pouco familiar) a 5 pontos (muito comum no meu dia a dia, muito familiar). Não foram computados para o cálculo desse atributo os erros e as respostas NCO. Para o sumário dos dados foi calculada a média das médias obtidas por cada um dos conceitos.

(d) Complexidade: média dos escores atribuídos pelos participantes a cada conceito em escala do tipo Likert que variava de 1 (muito simples) a 5 (muito complexa). Nesse cálculo foram inseridos todas as respostas, mesmo NCO ou erradas, pois o julgamento da quantidade de detalhes pode ocorrer sem a identificação do conceito.

Foram realizados procedimentos estatísticos (Teste de qui-quadrado e Análise de variância) para verificar possíveis diferenças entre os quatro protocolos de aplicação (a/b/c/d). Não foram verificadas diferenças significativas (p<0,05) entre os protocolos de aplicação de acordo com sexo, idade, escolaridade e medidas dependentes (concordância conceitual, concordância nominal, familiaridade e complexidade). Sendo assim, as demais análises foram conduzidas de forma conjunta para os quatro protocolos de aplicação.

Os dados normativos de cada uma das figuras foram extraídos pelo procedimento matemático mais adequado para cada um dos atributos (percentual do total, fórmula de base e média). Esses dados compuseram um segundo banco de dados para as análises do conjunto total de figuras. A distribuição nos histogramas e o teste Kolgomorov- Smirnov (p<0,05) demonstraram distribuição assimétrica para as variáveis no segundo banco. Por isso, foram conduzidas análises de correlação de Spearman e apresentados dados da mediana dessas variáveis.

 

Resultados

Índice de concordância conceitual e sumário dos dados normativos

Como se trata de um novo conjunto de estímulos, é importante verificar se as representações gráficas são adequadas aos conceitos propostos. A identificação da representação gráfica, no presente estudo, foi realizada pelo percentual de concordância conceitual. Na Tabela 3, pode-se verificar o número de figuras pelo percentual de concordância conceitual.

 

 

A Tabela 3 mostra que mais de 85% dos estímulos pictóricos apresentou percentual de concordância conceitual igual ou superior a 80% da amostra. Esses dados sugerem que a maioria dos estímulos é reconhecida tal como proposto, o que denota a qualidade geral dos estímulos produzidos. Os percentuais obtidos de concordância conceitual são próximos aos obtidos por Lotto et al. (2001) para o banco PD/DPSS.

Apenas seis estímulos pictóricos tiveram percentuais abaixo de 70% de concordância conceitual: "margarida", "pulseira", "pudim", "xampu", "prego" e "taco". A análise qualitativa apontou que a maioria dos erros ocorre na categoria semântica que representa o conceito. Por exemplo, os conceitos "margarida" e "pulseira" foram nomeados como elementos da categoria semântica (girassol, brinco e anel) ou como a própria categoria (flor, joia). Ou seja, no estímulo existem características suficientes para identificar a categoria semântica, mas não qual elemento de seus elementos. Esse padrão de erros também foi encontrado para os conceitos "pudim", "xampu" e "prego". Já o conceito "taco" foi desenhado como um "taco de beisebol" parecendo pouco familiar e apresentando grandes percentuais de NCO, de NLN e de erros espúrios.

As normas percentuais de concordância conceitual, de nome modal e sua respectiva frequência, da estatística H, bem como, as médias e os desvios-padrão da familiaridade e da complexidade por conceito podem ser consultadas em anexo. Na Tabela 4, um sumário dessas estatísticas pode ser consultada.

 

 

Na Tabela 4, observa-se que o percentual de concordância conceitual é bastante superior ao percentual de concordância de nomeação. Esse resultado sugere que, para algumas das figuras do conjunto apresentado, exista mais de um nome que represente o conceito. Essa condição é determinada por características intrínsecas à língua. Por exemplo, no Japão foram adotados dois critérios para a classificação de concordância de nomeação: um estrito e outro mais flexível (Nishimoto et al., 2005). Já na Holanda foi observada uma grande quantidade de palavras de mesma raiz morfológica para um mesmo conceito (Severens et al., 2005).

Em comparação a outros estudos brasileiros, o presente conjunto de estímulos apresentou índices de concordância de nomeação muito próximos aos obtidos por Pompéia et al. (2001) em estudo de normatização, para adultos brasileiros, do conjunto de 400 figuras de Cycowicz et al. (1997). Em relação ao índice H, observase que os dados obtidos no presente estudo são inferiores aos observados para adultos jovens e superiores aos observados para crianças (Pompéia et al., 2003). Esses dados também são pertinentes àqueles que demonstram que adultos jovens tem maior concordância de nomeação do que idosos (Siróis et al., 2006). O resultado obtido quanto à concordância de nomeação é, portanto, pertinente à expectativa de que idosos tenham uma concordância menor do que adultos jovens na nomeação, mas, ainda assim, bem maiores do que crianças (que ainda estão desenvolvendo o vocabulário). Tal constatação é adequada às teorias sobre o envelhecimento cognitivo, no entanto, essas comparações devem ser examinadas com cuidado, pois são oriundas de conclusões obtidas por estudo em diferentes bancos de imagens.

Pode-se observar, considerando a média do conjunto total de figuras, que os estímulos pictóricos foram avaliados como mais familiares (figuras mais comuns no dia a dia). Esse tipo de resultados é comum a diversos outros estudos (Brodeur et al., 2010; Pompéia et al., 2001; Snodgrass & Vanderwart, 1980). No presente estudo, a alta familiaridade era esperada devido ao processo de seleção de conceitos frequentes nos estudos de Bordignon et al. (in press) e de Van Erven e Janczura (2007). Índices de familiaridade altos como o do presente estudo só foram observados por Brodeur et al. (2010) e Pompéia et al. (2001). No primeiro caso, os autores argumentam que, como os estímulos são gerados a partir de fotos, eles são mais próximos aos observados no dia a dia, portanto, mais familiares (Brodeur et al., 2010). No segundo caso, não há um argumento proposto pela autora para explicar esse índice alto de familiaridade das figuras. Contudo, em estudos posteriores os índices obtidos são altamente correlacionados aos de estudos estrangeiros (Pompéia et al., 2003). Uma hipótese alternativa para os altos índices de familiaridade para o presente estudo é o processo de seleção dos conceitos que são mais frequentemente associados a uma categoria semântica e, talvez, um direcionamento próprio dos participantes brasileiros para avaliar os estímulos pictóricos como muito familiares, ou seja, esse dado teria uma origem cultural.

Por fim, considerando os dados médios do conjunto de figuras, tal qual representado pelo sumário das estatísticas, o conjunto criado apresenta um nível satisfatório de reconhecimento. Além disso, as figuras em geral são familiares ao público a que se destinam, sendo observadas em um gradiente de complexidade, desde estímulos muito simples até estímulos muito complexos.

Correlação entre as variáveis

Na Tabela 5, estão apresentados os coeficientes de correlação de Spearman entre os atributos do conjunto de figuras. Os dados observados na Tabela 5 mostram coeficientes de correlação de moderados a altos entre o percentual de nome modal, o percentual de concordância conceitual e a estatística H. A direção das correlações aconteceu conforme esperado, principalmente considerando que, na estatística H, quanto mais próximo de "zero", maior a concordância de nomeação. Esse resultado é compatível com o mais consistente resultado encontrado nos estudos de normatização de figuras discutido por Brodeur et al. (2010), que revisa cerca de 15 estudos. Ou seja, os escores de nomeação tem consistentemente apresentado correlações de moderadas a altas, independentemente do estudo e do conjunto de imagens, o que é corroborado no presente estudo. Essas conclusões também foram observadas no Brasil, tanto para adultos como para crianças (Pompéia et al., 2001, Pompéia et al., 2003). Além disso, foram reportadas conclusões semelhantes por análises fatoriais que apontavam que esses índices, acrescidos da familiaridade, compunham um único fator (Cycowicz et al.,1997). Alguns estudos apontam para correlações baixas, porém significativas, entre os percentuais de nome modal, concordância conceitual, estatística H e a familiaridade (Brodeur et al., 2010; Cycowicz et al.,1997). No presente estudo não foram encontradas essas correlações. Tem-se como hipótese que a origem dos conceitos (mais frequentes nas categorias semânticas) e um possível direcionamento de cultura (interpretar grande parte dos estímulos como familiares) possam ter reduzido a relação entre essas variáveis.

 

 

O segundo resultado mais consistente na normatização de estímulos pictóricos é a correlação fraca e negativa entre familiaridade e complexidade (Brodeur et al., 2010). Entre esses estudos, pode ser incluído o clássico de Snodgrass e Vanderwart (1980) e estudos nacionais (Pompéia et al., 2001). Uma crítica que se poderia fazer a esses resultados é em relação ao procedimento de coleta e extração dos dados. Na maioria desses estudos, a coleta da familiaridade ocorre de forma separada da complexidade e da nomeação, possibilitando que o conceito, mesmo que reconhecido erradamente, tenha sua familiaridade avaliada. Por exemplo, se o participante reconhece o desenho do conceito "alho" como sendo "abóbora" ele julgará a familiaridade da "abóbora", e não do "alho". O mesmo acontece com a complexidade visual, no entanto, a interferência da nomeação é menor, pois esse atributo se refere à complexidade do estímulo pictórico desenhado, e não, necessariamente, do conceito representado. No presente estudo, a avaliação dos três atributos ocorreu por um mesmo participante e de forma simultânea, sendo possível mensurar a familiaridade apenas quando o participante nomeou de forma correta o estímulo. Mesmo assim, foi observada uma correlação fraca e negativa entre familiaridade e complexidade, o que sugere que, mesmo com a correção realizada, os participantes tendem a avaliar os estímulos mais familiares como menos complexos, e os menos familiares como mais complexos.

Por fim, em termos de conclusão, a média e os índices de correlação obtidos pelo presente conjunto de estímulos nos atributos de concordância de nomeação, familiaridade e complexidade visual apresentaram dados compatíveis com as maiores pesquisas nacionais e internacionais de normatização de figuras. Esses dados sugerem que o processo de criação e normatização dos 89 estímulos pictóricos foi adequado, e que grande parte do presente conjunto de estímulos pode ser aplicável em instrumentos psicológicos destinados à população brasileira de adultos entre 40 e 89 anos. Do total de 89 conceitos representados graficamente, apenas "margarida", "pulseira", "pudim", "xampu", "prego" e "taco" não tiveram índices de concordância conceitual satisfatória e poderiam ser revistos para a versão final do conjunto de estímulos pictóricos. Mesmo com os resultados satisfatórios e com a utilização de conceitos oriundos de estudos nacionais, consideram-se limitações metodológicas principalmente no que tange à origem da amostra (apenas região Sul do Brasil), o que pode ter enviesado os resultados obtidos. No entanto, cabe salientar que trata-se de um estudo originalmente construído para a criação de estímulos para um único instrumento de avaliação da memória denominado Teste MAPS (Memória e a Aprendizagem através de Pistas Seletivas), e que os resultados obtidos já permitem selecionar os estímulos pictóricos mais adequados para o instrumento.

Nesse sentido, a presente investigação também contribui para ressaltar a necessidade de mensuração e de controle dos atributos dos estímulos pictóricos para a construção de testes e tarefas cognitivas. Esses parâmetros servem para tentar uniformizar efeitos na execução de diversas tarefas e testes cognitivos, implicando maior a confiabilidade das medidas utilizadas. Sendo assim, o produto final do estudo foi um conjunto de estímulos pictóricos que apresentam reconhecimento e nomeação satisfatórios, são familiares e tem diversidade quanto de nível de complexidade visual. O banco de estímulos com normas adequadas pode ser disponibilizado mediante contato por e-mail com os autores. Esses parâmetros são muito escassos na literatura nacional e podem auxiliar na qualificação de instrumentos que utilizem estímulos pictóricos cujo rigor e parametrização ainda estão aquém dos estímulos unicamente verbais.

 

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Recebido em janeiro de 2014
Reformulado em abril de 2014
Aprovado em abril de 2014

 

 

Sobre os autores

Murilo Ricardo Zibetti: é doutorando em Psicologia no programa de Pós-Graduação em Psicologia UFRGS.
Suelen Bordignon: é doutoranda em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Clarissa Marceli Trentini: possui Doutorado em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é Professor Associado nível I, do Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

1Agradecimento ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) que fomentou esta pesquisa através da concessão de bolsas de mestrado.
2Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia – UFRGS, Sala 119, R. Ramiro Barcelos, 2600, Santa Cecília, 90035-003, Porto Alegre-RS. E-mail: mrzibetti@gmail.com
3Os conceitos podem ser disponibilizados pelo e-mail mrzibetti@gmail.com


 

 

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