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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.3 n.5 Barbacena nov. 2005

 

RESENHAS

 

 

Jaqueline Duque Kreutzfeld Toledo*

Unipac - Ubá

 

 

CALLIGARIS, Eliana dos Reis. Prostituição: o eterno feminino. São Paulo: Escuta, 2005. 88 p.
ISBN 85-7137-239-X

A psicóloga e psicanalista Eliana dos Reis Calligaris clinica em São Paulo e Nova Iorque. É membro fundador da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e membro da Association Lacanienne International. Eliane é também Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/SP, pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia Fundamental na PUC/SP e Doutora em psicanálise pelo Institute for Study of Violence, Boston-MA.

A obra tem origem em uma dissertação de mestrado defendida no ano de 1996. Por intermédio de três histórias centrais, a de Laura, Andréa e Rochele, a autora faz uma análise psicanalítica, pela qual conduz a investigação da prostituição feminina na origem do ser mulher, o Édipo feminino, seguindo também pela análise dos aspectos individuais de cada história.

O assunto é introduzido a partir das reações defensivas que se opõem ao desejo feminino de ter o corpo exibido e desejado. Eliana evoca Ferenczi para analisar a escolha da mulher pela sedução ou pelo pudor. Com base na escuta clínica, a autora permeia, com sutileza, a consideração de que "a escolha feminina para a sedução (e não para o pudor), e sua conseqüente possibilidade de entregar-se, estejam em uma certa continuidade com a freqüente fantasia de prostituição" (p. 13), que é uma das fantasias que organizam a sexualidade feminina.

Em Laura, um depoimento clínico, analisa-se a prostituição enquanto fantasia vivida na forma de transição, por meio da qual tornou-se possível (pelo corpo de mulher) sentir o gozo, sem o amor como condição prévia. Esse gozo só é satisfatório, isto é, sem culpa, se a passagem edípica for bem sucedida. É necessário interpretar amor e desejo no olhar paterno e ir além, adquirindo condições de sair e de se colocar sob outro olhar, o do parceiro amoroso e sexual.

Eliana desenvolve o tema ao tocar em questões fundamentais do tornar-se mulher, passando pelos emaranhados edípicos, como desejos e fantasias eróticas, focalizando a importância e os caminhos da superação.

A segunda análise começa com uma reflexão sobre a mulher. Ao tomar como ilustração a passagem do castigo de Eva, do texto bíblico, a autora faz a leitura de algumas fantasias de nossa cultura. Traz abordagens com leituras psicanalíticas sobre o movimento feminista, sobre a diferente visão de corpo de menino e menina e sobre a visão fantasiosa que o homem tem do corpo da mulher.

Na obra, a análise é da prostituição enquanto violência, e a proposta é responder à questão de como uma mulher poderia sair do Édipo. A análise é feita por meio de um fragmento literário, de autoria de Andrea Dworkin, uma contra resposta ao artigo científico de John Irving, escritor norte americano que argumenta contra o projeto de lei do senador republicano Mitch McConnell, que visava responsabilizar a pornografia pelos crimes sexuais de psicopatas.

Para tentar fundamentar a importância do projeto de lei do Senador, Andrea relata sua trágica experiência sexual e aponta para a pornografia como algo masculino. Vitima de três abusos sexuais, tem na prostituição a tomada de poder sobre o próprio corpo. Mais tarde, perde esse poder para o marido, também um homem violento. Na obra, Eliana traz as circunstâncias de cada estupro e a significação dada por Andrea a cada um dos atos de violência - justamente a significação analisada pela autora para traçar o caminho percorrido por Andrea até a prostituição, um caminho aberto na relação edípica com o pai que se cala diante da primeira violência sexual sofrida pela filha.

Após várias considerações a respeito da experiência de Andrea, a autora retoma a pergunta inicial: "Como uma mulher poderia sair do Édipo?" (p. 47). A resposta vem como continuidade da reflexão da experiência frustrada de Andrea, que se tornou impossibilitada de alcançar o amor. Uma vez que a violência masculina passa a ser o que movimenta o encontro sexual, o encontro é sempre de violência. A saída está justamente no que Andrea não superou, a troca do falo (enquanto violência, castração...) pelo amor. Amor que um dia o pai lhe deu e hoje outro pode lhe dar, libertando a mulher do medo de ser apenas desejada, do medo do pornográfico que pode, também, de forma direta, levar à entrega, ao amor, ao gozo.

A terceira análise é de Rochele, uma prostituição realizada. Rochele é filha de uma prostituta. Com 13 anos de idade já havia passado por várias famílias, sem ter, em nenhuma delas, a presença paterna para acolher suas fantasias e dar-lhe amor e proteção.

Eliana aborda, além dessa ausência paterna, o papel materno na vida de Rochele. As famílias com quem passa a morar são de suas tias, colocadas pela autora como substitutas da mãe que desaparece. Esse fato vai de encontro à afirmação de Zimerman (2000): "a função materna, tomada em seu sentido genérico, que tanto pode referir-se unicamente à mãe concreta, como a qualquer outra pessoa que, de forma sistemática e profunda, venha exercer a função". (p. 41). Essas mães substitutas, no entanto, negligenciam a função materna, o que culmina na retirada de Rochele do núcleo familiar. As tias rasgam as fotos de Rochele. As fotos são analisadas por Calligaris como parte da construção simbólica que cada indivíduo possui da inserção familiar.

O caso de Rochele termina sem indicação do caminho seguido por ela. A análise de Eliana é justamente a de pensar a possibilidade da prostituição como o caminho escolhido por Rochele. Não é forçoso pensar tal escolha "quando a foto é rasgada" e "nenhum olhar mais pousa sob Rochele" (p. 55). Na busca de estar em uma nova foto que simbolize um espaço reconhecido, pode restar-lhe apenas a oferta das ruas, do corpo prostituído.

A autora, através da trajetória de Rochele, faz um levantamento de autores que escreveram sobre histórias de prostituição. Ela própria fala de suas pesquisas com meninas de rua, sempre frutos de violência. Eliana confronta várias histórias de prostituição e reflete sobre questões como a relevância da fantasia na prostituição real, a perda do simbólico, o acolhimento paterno e outras que aborda com clareza, apontando seus possíveis paralelos.

Na conclusão, a autora reúne as três histórias para tecer considerações sobre o lugar da fantasia e da prostituição em relação à mulher. A autora não pretende encerrar o assunto; como ela mesma diz: "Deixo um tema em aberto". (p. 70).

Como parte do tema em aberto, a última parte do livro é um apêndice que traz reflexões sobre a feminilidade masculina, isto é, fala-se sobre como na masculinidade é possível ser desejado e lidar com quem se dispõe a desejá-lo. Embora a questão da feminilidade aparentemente aponte para uma questão feminina, através de Eliana ela é vista como um processo que tem vida própria e pode ser vivido por ambos os gêneros.

O livro é de linguagem clara e concisa, o que torna a leitura interessante e agradável. Exige um conhecimento prévio, já que utiliza, embora de forma acessível, a terminologia técnica da psicanálise e suas teorias.

O assunto é de extrema relevância em relação à nova posição sociocultural em que homens e mulheres se situam hoje. Se a posição é nova, aponta também, obviamente, para uma nova subjetividade que reivindica abordagens como esta de Eliana.

 

Referência:

ZIMERMAN, David E. Fundamentos Básicos da Grupoterapias. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Aluna do 4º período de Psicologia da Unipac- Ubá

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