SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 número2Prática esportiva e relacionamento familiar: uma revisão da literaturaQuais são as relações entre esquemas iniciais desadaptativos, habilidades sociais e satisfação conjugal? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.25 no.2 Porto Alegre dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Perspectivas do cônjuge sobre a doença oncológica do(a) parceiro(a): do trauma à possibilidade de ressignificação

 

Spouse's perspective about the oncologic disease of the partner: from trauma to the possibility of re-signification

 

 

Júlia Schommer Stein1 ; Mariana Calesso Moreira2, I

I Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As repercussões emocionais do câncer podem atingir o cônjuge com quase a mesma intensidade que atingem o paciente, justificando um paralelo com a noção de trauma para a Psicanálise. Já a capacidade dos cônjuges em ressignificar este trauma permite uma aproximação com o conceito de resiliência. O presente estudo transversal, qualitativo, exploratório e descritivo objetivou compreender a perspectiva do cônjuge sobre o adoecimento por câncer do(a) parceiro(a), analisando sua relação com os conceitos de trauma, ressignificação e resiliência para a Psicanálise. Entrevistas semiestruturadas foram realizadas com 11 cônjuges e analisadas por meio da Análise de Conteúdo Temática, obtendo-se 4 eixos temáticos (Complexidade emocional da vivência; Acesso ao traumático; Vicissitudes do processo de ressignificação; Expectativas para o futuro). Concluiu-se que, devido à complexidade da vivência, o reconhecimento do trauma e sua ressignificação nem sempre são possíveis, indicando a importância dos cônjuges como objetos de cuidado e estudo dos profissionais da saúde.

Palavras-chave: Câncer, Conjugalidade, Trauma, Psicanálise, Resiliência.


ABSTRACT

The emotional repercussions of cancer can reach the spouse with almost the same intensity as the patient, justifying a parallel with the notion of trauma for Psychoanalysis. The spouses' ability to reframe this trauma allows an approximation with the concept of resilience. This cross-sectional, qualitative, exploratory and descriptive study aimed to understand the perspective of the spouse about the partner's cancer illness, analyzing its relation with the concepts of trauma, resignification and resilience for Psychoanalysis. Semi-structured interviews were conducted with 11 spouses and analyzed through Thematic Content Analysis, obtaining 4 thematic axes (Emotional complexity of experience; Access to traumatic; Vicissitudes of the resignification process; Expectations for the future). It was concluded that, due to the complexity of the experience, the recognition of trauma and its resignification are not always possible, indicating the importance of spouses as objects of care and study of health professionals.

Keywords: Cancer, Conjugality, Trauma, Psychoanalysis, Resilience.


 

 

Introdução

Segundo dados da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, 2018), filiada à Organização Mundial da Saúde (OMS), as mais recentes estimativas sobre o câncer preveem a ocorrência de 29,5 milhões de novos casos da doença em 2040, representando uma expansão de 63% nos próximos 20 anos. Já a mortalidade deve subir de 9,6 milhões de pessoas hoje para 16,4 milhões em 2040. Tais índices revelam que o adoecimento por câncer é uma problemática atual e de grande relevância no âmbito da saúde, mas grande parte das pesquisas se volta ao paciente diagnosticado, ficando secundarizadas na literatura científica as demais pessoas envolvidas no processo de cuidado, sem tantos estudos que englobem seus sentimentos e percepções a respeito dessa vivência.

Um estudo que buscou compreender a experiência dos cônjuges de mulheres com câncer de mama mostrou que, por vezes, estes são negligenciados no contexto da assistência, evidenciando um cenário preocupante na medida em que a família e, principalmente, os cônjuges, desempenham um importante papel no cuidado ao paciente oncológico (Neris & Anjos, 2014). Uma revisão sistemática da literatura, ao investigar fatores relacionados à sobrecarga em cuidadores de pacientes com câncer, constatou que na grande maioria dos estudos esses cuidadores eram os cônjuges dos pacientes, sendo a maior parte esposas (Delalibera, et al., 2015). Tal dado evidencia uma sobreposição de papéis, uma vez que os cônjuges, além de adaptarem suas necessidades às do paciente, ainda precisam dar conta da dura realidade da doença (Farinhas, et al., 2013), podendo a qualidade conjugal ser prejudicada e trazer à tona um enfraquecimento dos vínculos já estabelecidos (Schirmer, et al., 2014).

Nesse sentido, todas as repercussões emocionais do câncer, assim como a possibilidade de morte que o acompanha, podem levar a uma interpretação da doença enquanto um evento traumático, seja para os pacientes, seja para os cônjuges. Segundo Freud (1920/1996), em “Além do Princípio do Prazer”, o trauma é o resultado de excitações exteriores suficientemente fortes para atravessar as barreiras protetoras do psiquismo, sendo um acontecimento traumático aquele que provoca distúrbios no funcionamento do organismo, acionando todas as medidas defensivas possíveis. Além disso, Ferreira e Castro-Arantes (2014) argumentam que o câncer tem uma dimensão inominável, de modo que o trauma se constitui justamente pela incapacidade de elaborar a vivência e traduzi-la em palavra.

Em um estudo sobre as significações atribuídas por pais a respeito do diagnóstico de câncer em seus filhos, os autores salientam que a possibilidade de perda de um objeto de amor e de investimento é acompanhada de um trauma. Assim, sendo o câncer um potencializador de perdas significativas física e psiquicamente, há em torno dele um estigma de fatalidade e sofrimento contínuos (Frizzo, et al., 2015). Ainda que a experiência de pais de crianças com câncer se difira em muitos aspectos da dos cônjuges cujos(as) parceiros(as) adoecem, há sentido em cogitar que tal experiência possa ser sentida como traumática em ambos os casos, uma vez que implica igualmente na possibilidade de perda de um objeto de amor.

A partir dessas informações, surge então o questionamento: como é possível que os cônjuges consigam oferecer apoio e suporte emocional a seus(as) parceiros(as) se eles também vivenciam sentimentos de medo, incerteza e angústia? Uma reflexão sobre esse tema pode ser encontrada em um estudo recente, realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva, que analisou o papel da resiliência frente ao sofrimento emocional de díades de pacientes e cuidadores (Shaffer, et al., 2016). Nesta pesquisa, a resiliência foi considerada como a condição para entender as razões pelas quais, após traumas semelhantes, alguns pacientes e cuidadores experimentam sofrimento emocional significativo enquanto outros não, pelo menos não com a mesma intensidade. Sendo assim, torna-se possível pensar que características de resiliência talvez permitam que algumas pessoas lidem de forma menos sofrida que outras com o adoecimento de seus(suas) parceiros(as).

O conceito de resiliência, por sua vez, já foi investigado sob diferentes aportes teóricos e, mais recentemente, tem-se estabelecido sua relação com a perspectiva psicanalítica (Cabral & Levandowski, 2013). Diversas têm sido as articulações desse conceito com a Psicanálise, mas um ponto de maior convergência na literatura é sua associação com a noção de trauma (Malgarim, 2017). Em uma revisão de literatura sobre o tema, a resiliência é apontada como uma força que permite às pessoas transformarem um evento traumático em um acréscimo de melhores recursos e habilidades pessoais (Ungaretti, 2013). Nesse sentindo, parece plausível pensar que a vivência anteriormente significada pelo sujeito como um trauma passe a ser (re)significada como uma experiência de vida, de modo que o processo de “superação” desse trauma talvez seja consequência de um exercício de ressignificação. Segundo Ungaretti (2013), a resiliência representa um novo olhar capaz de ressignificar o problema sem o objetivo de eliminá-lo, uma vez que constitui parte da história do sujeito. Por esse motivo é que o processo de reconstrução de sentido, ou seja, de ressignificação do evento traumático do câncer, pode ser pensado como característico da resiliência na perspectiva psicanalítica.

Um estudo que comparou a resiliência de pais de crianças com câncer e de pais de crianças saudáveis, encontrou que o primeiro grupo se mostrou resiliente frente a esse desafio, pois mesmo tendo considerado o câncer como o evento mais traumático que já experimentaram, apresentaram boa capacidade de ajustamento a essa situação (Phipps et al., 2015). Ainda que este estudo trabalhe a resiliência sob outra perspectiva teórica, como é o caso da Psicologia Positiva, seus achados podem ser extrapolados para reflexões que articulem essa temática com a vivência de adoecimento por câncer em outras relações além da pais-criança, exatamente como se propõe o presente trabalho ao enfocar a relação dos cônjuges. Ademais, no referido estudo a vivência do câncer foi apontada como o evento mais traumático experimentado, o que também corrobora com a proposta aqui trazida.

Por fim, convém destacar ainda um último estudo, o qual evidenciou que o processo de auxiliar nos cuidados de uma pessoa com câncer pode promover uma ressignificação de vida para o cuidador (Anjos & Zago, 2014). As autoras salientam que a necessidade de ressignificação da própria vida deve partir do cuidador, mas cabe à equipe de saúde atuar como facilitadora desse processo, a fim de amenizar os sentimentos de insegurança, solidão e cansaço. Diante disso, pode-se afirmar a importância da proposta deste trabalho ao buscar conhecer a vivência dos cônjuges de pessoas com câncer, pois a tentativa de compreender o modo como o adoecimento do(a) parceiro(a) repercute emocional, física e socialmente em suas vidas e em sua experiência conjugal, pode auxiliar na construção de caminhos para a superação dos desafios impostos pela doença, amenizando o sofrimento dos envolvidos e possibilitando, talvez, uma ressignificação dessa vivência e de suas vidas.

Assim, o presente trabalho buscou analisar a perspectiva do cônjuge sobre a doença oncológica do(a) parceiro(a). Os principais aspectos abordados englobam a relação desta vivência com o conceito de trauma para a Psicanálise, as possibilidades de ressignificação da doença e as perspectivas de futuro a partir do adoecimento.

 

Método

O presente estudo transversal e de caráter qualitativo, exploratório e descritivo, contou com a participação de 11 cônjuges de pessoas com câncer que já haviam concluído os tratamentos propostos (quimioterápico, radioterápico e/ou outros associados) e estavam em processo de remissão da doença. A seleção dos participantes ocorreu por meio da amostragem por conveniência, com a divulgação de um convite on-line para a pesquisa nas redes sociais e com a mobilização de contatos pessoais da pesquisadora. O número de participantes seguiu o princípio da saturação de dados e foram respeitados os seguintes critérios de inclusão: (1) a pessoa acometida pelo câncer estar em processo de remissão da doença, com os tratamentos propostos já finalizados; e (2) o cônjuge ser maior de 18 anos, estar casado, em união estável ou coabitar com o(a) parceiro(a) no momento da coleta de dados, além de ter sido o cuidador principal. Como critérios de exclusão, foram descartados os cônjuges cujos parceiros(as) necessitaram passar por transplante em função da doença e, na maioria das vezes, aqueles que, quando a doença foi descoberta, não estavam casados, em união estável ou coabitação com a pessoa acometida pelo câncer. Para esta pesquisa, entende-se a coabitação ou união estável como a constituição de um casal a partir de um contrato informal, sem o registro civil da união, onde a decisão de viverem juntos declara tal união (Wainberg, et al., 2010). A idade dos participantes não foi utilizada como fator para sua inclusão ou não na pesquisa.

A tabela abaixo apresenta os dados sociodemográficos, a fim de ilustrar a caracterização dos participantes do estudo e salientar alguns aspectos clínicos da doença de seus(suas) parceiros(as).

 

 

A pesquisa contou com a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa e seguiu as recomendações éticas das Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, as quais dispõem, respectivamente, sobre as normas aplicáveis a pesquisas com seres humanos e a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Todos os participantes foram inicialmente contatados pela pesquisadora para verificar sua adequação aos critérios de inclusão e exclusão e, na sequência, realizou-se um encontro individual com cada um deles. Este se iniciou sempre pela leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enfatizando-se a participação voluntária, o sigilo frente aos dados e a possibilidade de desistência a qualquer momento sem nenhum prejuízo.

Após, prosseguia-se o encontro com o preenchimento de uma breve Ficha de Dados Sociodemográficos e com a realização de uma entrevista semiestruturada composta pelas questões: (a) “Como foi para você ver seu(sua) parceiro(a) ser acometido por um câncer?”; (b) “Como você se sentiu tendo que conviver com a doença de seu(sua) parceiro? Quais eram seus principais receios/medos/angústias?”; (c) “Que efeitos/mudanças você considera que essa vivência trouxe para sua vida pessoal e conjugal?”; (d) “Você considera essa vivência como traumática? De que modo ela ficou marcada em você?”; (e) “Que leitura você faz dessa vivência hoje? Qual seu entendimento atual sobre tudo o que aconteceu?”; (f) “Neste momento, quais são suas expectativas para daqui em diante?”.

Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas de forma literal e na íntegra e analisadas por meio da Análise de Conteúdo Temática, que consiste em descobrir os núcleos de sentido da comunicação, de modo que sua presença ou frequência tenha algum significado para o objeto em questão (Minayo, 1992/2010). O presente estudo também seguiu as três etapas de operacionalização propostas pela autora para este tipo de análise: 1) pré-análise: a partir dos objetivos de pesquisa e da leitura repetida das entrevistas, definiu-se os eixos temáticos a posteriori; 2) exploração do material: a partir da emergência dos eixos temáticos, explorou-se os dados para o recorte de falas representativas de cada um deles; 3) tratamento e interpretação dos resultados: os dados foram organizados para apresentação e discussão de cada eixo temático.

 

Resultados e Discussão

As descrições das vivências de cada participante com relação ao adoecimento de seus(suas) parceiros(as) permitiram o estabelecimento de eixos temáticos e subeixos, os quais serão apresentados a seguir juntamente de algumas falas para ilustrar os conteúdos abordados. Salienta-se que tanto os eixos temáticos quanto os subeixos não são incompatíveis entre si, pois indicam caminhos que coexistem e expressam, em alguns casos, movimentos opostos e ambivalentes que se coadunam.

 

 

Complexidade Emocional da Vivência

Uma das falas passível de ilustrar o referido medo do desconhecido é a seguinte: “Nossa, como é que pode uma doença ser tão FDP”, sabe? Levar as pessoas e tu não tem o que fazer, né. Às vezes o tratamento te cura, às vezes não, às vezes nem tem chance de fazer um tratamento, enfim, muitos casos, né.” [sic] (P.9).

O trecho acima, em consonância com o que salientam Farinhas et al. (2013) em seu estudo sobre o impacto emocional da doença oncológica para o cuidador, evidencia o quanto a convivência com alguém que tem câncer introduz as pessoas próximas a um mundo novo, totalmente diferente, amedrontador e desconhecido: o mundo da doença. Nesse mundo, o câncer parece despontar como um dos principais causadores de sentimentos de falta de controle, dada a impossibilidade de prever a evolução e o desfecho que a doença terá (Neris & Anjos, 2014). É nesse sentido que surge então o medo frente ao desconhecido vivenciado pelos participantes desta pesquisa, sendo que o temor reflete a realidade interna do cônjuge diante da realidade externa da doença do(a) parceiro: “E é aquela coisa, quem tá ali no dia-a-dia é os dois [o casal], então eu tenho, eu tenho medo no fundo.” [sic] (P.2).

Frizzo et al. (2015) argumentam inclusive que a própria doença oncológica se caracteriza como um desconhecido, pois ela invade a privacidade familiar e expõe as pessoas a situações com as quais não sabem lidar. Nesse sentido, o medo frente ao desconhecido pode ser um representante tanto da doença em si quanto das consequências que a acompanham. Uma vez que não é possível para o cônjuge e nem mesmo para o paciente e a equipe de saúde preverem a evolução da doença, torna-se plausível pensar que, psiquicamente, também não é possível para o ego dar conta de todas as excitações exteriores que atravessam as barreiras protetoras do psiquismo a partir do diagnóstico de um câncer – eis então uma relação possível entre o medo do desconhecido identificado na presente pesquisa e o conceito de trauma segundo Freud (1920/1996).

Além disso, também é plausível cogitar que o medo do desconhecido experimentado pelos participantes seja uma das facetas do medo da morte, dado o fato de que a finitude humana é cercada de mistérios e incertezas (Arantes, 2016) e de que a doença oncológica se relaciona a uma série de fantasias de morte (Frizzo et al., 2015). Nesse sentido, outro fator que se mostrou relevante no relato dos participantes foram as reflexões sobre a finitude, exemplificadas pela fala a seguir: “Na verdade, eu tenho muito medo de ficar sozinha a partir de agora, porque a gente se dá conta que as doenças elas estão aí e podem... Ai, agora eu fiquei nervosa [participante se emociona].” [sic] (P.2).

Tal verbalização ilustra a impossibilidade de a participante nomear a morte, que fica apenas subentendida quando refere seu medo de ficar sozinha e a percepção de que as doenças podem trazer consequências dolorosas. Em nossa sociedade, o fato de a morte ainda ser considerada um tabu a torna difícil de ser verbalizada, logo, difícil de ser pensada. Isso interfere até mesmo nas relações conjugais, pois ainda que tenham ciência do estado de saúde do parceiro(a) e da gravidade da doença, muitos cônjuges tendem a encontrar barreiras para falar sobre o assunto (Pichetti, et al., 2014). Diante da doença, a já instalada dificuldade de pensar a finitude acaba por agravar-se frente a possibilidade real de perda: “... tu se dá conta que de repente tu não vai mais tá com a pessoa, que pode acontecer isso.” [sic] (P.1).

Diferentemente, a dificuldade dos cônjuges entrevistados em pensar a finitude mediante o adoecimento de seus(suas) parceiros(as) também pode ser entendida como uma dificuldade de encarar não somente a morte destes, mas sim as suas próprias mortes. Conforme Arantes (2016), a morte de uma pessoa próxima instaura uma reflexão sobre a morte do nosso próprio Eu. Essa reflexão, por sua vez, pode forçar o processo de tomada de consciência do Eu e do Outro enquanto seres não-eternos, provocando um abalo narcísico significativo (Santos & Custódio, 2017). Além disso, um estudo encontrou que pais de crianças com câncer têm seu narcisismo abalado pelo paradoxo entre o filho real (com câncer) e o imaginado (saudável) (Frizzo et al., 2015), sendo possível pensar que o mesmo ocorra para os cônjuges: estes sofrem um ataque narcísico na medida em que reconhecer a doença e a finitude do(a) parceiro(a) implica abrir mão deste Outro – e também do Eu – idealizados.

 

 

Acesso ao Traumático

Um trecho capaz de exemplificar as reticências sobre o trauma é o seguinte: “Eu não considero que foram traumáticas, né, teve momentos que eu meio que sozinho chorava e, e achava, achava que ela já ia morrer e aquela coisa toda, entendeu?” [sic] (P.8).

Nessa fala, pode-se perceber o quanto o fator traumático da experiência é marcado por uma profunda ambivalência: ao mesmo tempo em que tenta negar o trauma, denuncia-o com a lembrança dos momentos em que, sozinho, projetava um futuro de solidão sem a esposa. Neste estudo, a dificuldade de reconhecimento do trauma parece estar atrelada a tentativas de defesa psíquica por parte dos cônjuges, corroborando com a noção freudiana de que um acontecimento traumático provoca distúrbios no funcionamento do organismo, acionando todas as medidas defensivas possíveis (Freud, 1920/1996). A negação do trauma surge, então, como um meio para lidar com as perdas causadas pela doença (Blanc, et al., 2016), pois é negando o fator traumático dessa experiência que os cônjuges se resguardam de pensar sobre os danos gerados por ela. Além disso, negar o trauma pelo adoecimento do(a) parceiro(a) também aparece na presente pesquisa como uma forma de proteção contra uma possível recidiva do câncer, o que pode ser visualizado em outra fala do mesmo participante: “Tomara que eu tenha força pra lidar mais algumas vezes com isso; tomara que não seja necessário, mas se se apresentar, que que a gente vai fazer, né?” [sic] (P.8).

Um segundo mecanismo de defesa identificado nas verbalizações dos cônjuges foi a projeção, pois o sofrimento com relação à doença era quase sempre colocado no(a) parceiro(a), apontando para a dificuldade de os participantes reconhecerem sua própria dor: por não serem eles que estavam doentes, talvez não se sentissem autorizados a sofrer tanto quanto o(a) parceiro(a). A projeção também apareceu em um estudo clínico, o qual investigou os mecanismos de defesa de pacientes oncológicos recidivados, identificando projeções frente àqueles conteúdos internos que, por serem potencialmente desestruturantes, não podiam emergir à consciência e eram colocados em algo ou alguém externo (Borges & Peres, 2013). Ainda que este estudo tenha sido com pacientes e não seus companheiros, parece plausível que a projeção ocorra não somente no sentido paciente-outros, mas também na direção oposta (outros-paciente), principalmente quando esses outros acompanharam todas as fases da doença, desde o diagnóstico até a remissão, tal qual fizeram os participantes da presente pesquisa.

Apesar disso, as reticências sobre o trauma se apresentaram em movimentos ambivalentes, os quais apontam para a coexistência de dissidências na forma de os cônjuges perceberem e descreverem sua vivência. Nesse sentido, um caminho diverso do anterior que também pôde ser visualizado nas entrevistas foi o reconhecimento do trauma, ilustrado pela seguinte fala: “É extremamente traumático; não me colocando, colocando qualquer pessoa que passe por uma doença como o câncer, ela é uma coisa, assim, que tu não tem noção do que é, do que pode vir a ser.” [sic] (P.2).

A possibilidade de os participantes identificarem as repercussões emocionais do adoecimento de seus(suas) parceiros(as) pode ser pensada como um recurso egóico importante. Um paralelo pode ser feito com estudo de Frizzo et al. (2015), no qual os pais foram percebidos como mantenedores da sustentação egóica do filho com câncer, na medida em que o auxiliavam a elaborar sua própria doença. Nesta pesquisa, alguns cônjuges conseguiram traduzir para si mesmos os sentimentos envolvidos na vivência de seus(suas) parceiros(as) e, assim, pode-se pensar que talvez tenham sido mais capazes de auxiliá-los no processo de elaboração do adoecimento, servindo-lhes como egos auxiliares e demonstrando terem recursos suficientes para manejar psiquicamente a situação vivenciada.

Conforme salientado por Neris e Anjos (2014), um fator imprescindível para o casal em que um dos membros está com câncer é a capacidade de se comunicar abertamente, pois isso possibilita a criação de um espaço para compartilhar dúvidas, medos, anseios e vivenciar de forma mais amena a situação da doença e do tratamento. Diante disso, a possibilidade de os cônjuges verbalizarem o traumático da experiência de ver os(as) parceiros(as) acometidos por câncer se apresenta como um mecanismo valioso, pois o reconhecimento e a transformação em palavra facilitam que o trauma possa ser repensado e, conforme será visto a seguir, ressignificado.

 

 

Vicissitudes do Processo de Ressignificação

Uma passagem que pode servir para demonstrar a questão da impossibilidade de fuga é a seguinte: É que é mais o tipo de coisa, ah, aconteceu [o câncer], tem que enfrentar e vamos fazer a coisa da melhor forma possível, né. É abraçar e resolver. Tentar e não perder muito tempo em cima disso.” [sic] (P.5).

A fala da participante ilustra um sentimento muito recorrente: ao receberem o diagnóstico, os cônjuges viam-se confrontados com o dilema da impossibilidade de escapar da situação, pois até mesmo a escolha de uma “não-ação” pressuporia a ação de escolher não agir. Encarcerados pela imposição da realidade, muitos cônjuges não conseguiam simbolizar a experiência que vivenciavam na prática: o “agir” substituía o “pensar” e, nesse movimento, ficava pendente a significação da experiência no psiquismo – essa pendência, por sua vez, é que confere o caráter traumático do acontecimento, pois o trauma é instaurado mediante um excesso pulsional que não encontra caminho para a simbolização (Freud, 1920/1996).

Nesse sentido, entende-se que o trauma se instala na medida em que, diante de uma experiência de sofrimento que não pode ser nomeada, falta ao cônjuge um espaço interno para significar sua dor. O diagnóstico do câncer, isolado da vida psíquica, passa a ficar fora de qualquer rede associativa e a energia a ele ligada não pode ser descarregada simbolicamente (Quintana, 1999). O processo de enfrentamento é, então, marcado por ações objetivas no plano do concreto, como é possível perceber na fala de outro participante: “... tem que fazer o tratamento como tem que ser feito, o que eu disse pra ela, vamos confiar nos médicos.” [sic] (P.8). A impossibilidade de fugir da situação não permite evitá-la nem externa, nem internamente. Ainda assim, as repercussões do mundo externo parecem mais manejáveis do que as repercussões internas, ou seja, há mais possibilidade de ação sobre o “mundo lá fora” do que de tradução do “mundo aqui dentro”. Dessa forma, a aproximação se dá na ação exterior e não na simbolização psíquica, mas a fuga não é possível em nenhum dos dois planos.

Ainda que a impossibilidade de fugir da situação tenha imposto limitações aos cônjuges, é possível pensar que também ela permitiu um processo construtivo: ao serem obrigados a se deparar com o adoecimento de seus(suas) parceiros(as), alguns participantes encontraram uma “saída” significando para si mesmos sua experiência. Nesse contexto é que se insere a possibilidade de reconstrução do sentido da vivência, percebida na análise das entrevistas e ilustrada pelo trecho: “Então tudo isso aí pra nós foi uma cura. Hoje a gente consegue ajudar outras pessoas, isso pra nós não tem sentido maior tu ter passado por isso [pelo câncer] do que a oportunidade de ajudar os outros.” [sic] (P.10).

Diante disso, é possível perceber que apesar do caráter traumático da vivência, certos participantes puderam “ir além do trauma”. A via para a superação deste passa pela possibilidade de integrar a experiência mobilizadora de afeto em um contexto associativo, o que ocorre mediante um processo de reconstrução de sentido (Quintana, 1999). Nesse processo, pode-se pensar que a vivência anteriormente significada como traumática acaba por ser ressignificada como uma experiência de vida e, conforme salientado anteriormente, a ressignificação de um problema que constitui parte da história de vida do sujeito sem o objetivo de eliminá-lo é, por sua vez, uma das formas de conceber a resiliência no viés psicanalítico (Ungaretti, 2013). Assim, a “cura” a que se refere o cônjuge no trecho em destaque pode ser traduzida como o resultado da ressignificação da vivência como algo que “... veio pra nos deixar algum aprendizado, deve ter tido algum significado, acredito eu até pra gente mudar um pouco os nossos valores, né, tá mais junto, mais unido.” [sic] (P.4).

Em uma revisão sistemática sobre resiliência e psicanálise, a primeira foi considerada como um processo que vai além da simples adaptação, sendo uma característica intimamente relacionada ao contexto social do sujeito (Malgarim, et al., 2018). Diante disso, é possível que dois fatores do contexto social dos participantes tenham contribuído para que eles se mostrassem resilientes, isto é, para que ressignificassem sua vivência. O primeiro fator refere-se às relações sociais, visto que muitos destacaram a importância do suporte que receberam de pessoas do seu entorno: “Eu acho que a coisa que mais marca é questão da amizade que a gente tem, né, os amigos, a família, as pessoas que nos rodeiam, que nos querem bem...” [sic] (P.8). Já o outro fator refere-se às condições socioeconômicas, pois todos os participantes contavam com planos de saúde que possibilitaram agilidade no diagnóstico da doença e acesso a tratamentos diferenciados, alguns dos quais não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde.

Destaca-se, portanto, que a resiliência envolve diferentes recursos e habilidades, os quais variam desde a estabilidade intrapsíquica até as questões do contexto social (Malgarim et al., 2018). A capacidade de ser resiliente também parece estar profundamente enraizada nas funções do ego, que remetem impreterivelmente aos mecanismos de defesa. As defesas têm um papel de conciliação entre demandas internas e externas e são consideradas como recursos egóicos que, somadas a um ambiente favorável, traçam um caminho possível para se chegar a indivíduos resilientes (Malgarim, et al., 2018). Assim, a possibilidade de os cônjuges fazerem uso de defesas psíquicas variadas se mostrou como um artifício para manter o ego suficientemente intacto, o que pode ter viabilizado, inclusive, a posterior ressignificação do evento traumático.

Além disso, convém mencionar também que todas as famílias possuem pontos fortes e potenciais para o crescimento. Walsh (1996) defende que, englobando tanto o ambiente familiar quanto contextos fora dele, os membros do sistema familiar são mais capazes para lidar de forma eficaz com períodos de crises ou tensões persistentes. A maneira como uma família enfrenta e lida com uma situação adversa faz com que todos sejam influenciados em suas adaptações e, nesse sentido, a resiliência familiar acaba por ter efeito duradouro e prolongado, podendo gerar implicações no curso do desenvolvimento do grupo (Rooke & Pereira-Silva, 2012).

 

 

Expectativas para o Futuro

Um trecho passível de elucidar a referida ânsia pelo esquecimento é o seguinte: “Que ela [a doença] não volte, que ela não volte mesmo, entendeu? Que não vá pra ninguém também, simplesmente não volte.” [sic] (P.7).

Na fala acima, a pretensão de manter no passado a experiência de adoecimento da esposa fica bastante clara. Simbolicamente, o desejo manifesto de que a doença “não volte” parece referir-se a algo mais que uma possível recidiva, servindo também como um representante da sua vontade de que a doença não volte à memória, à lembrança. Esse “exercício de esquecimento”, por sua vez, também foi identificado em profissionais de um hospital que prestavam assistência a pacientes com câncer, sendo interpretado como um mecanismo de defesa ou de ajustamento que os auxiliava a manejar psiquicamente as situações vivenciadas (Alencar et al. 2015). Nesse sentido, parece plausível cogitar que o mesmo ocorra com os participantes deste estudo, pois além de terem auxiliado no cuidado de seus(suas) parceiros(as) durante o tratamento, contavam ainda com o agravante de manterem um vínculo especial com as pessoas alvo do seu cuidado.

Outro estudo, o qual investigou cuidadores de homens que ainda estavam realizando o tratamento contra o câncer, encontrou que estes tentavam esquecer-se dos momentos passados, quando a doença e a jornada do câncer não faziam parte de suas vidas, para melhor aceitar a situação em que se encontravam (Almeida, et al., 2013). Na presente pesquisa, considerando que os(as) parceiros(as) dos entrevistados estavam em fase de remissão da doença, isto é, com todos os tratamentos já concluídos, percebe-se que a tentativa de esquecimento também ocorreu em relação ao passado, mas em um sentido diferente: enquanto os cuidadores do estudo de Almeida et al. (2013) queriam esquecer-se do passado sem a doença para melhor tolerar o presente com esta, os cônjuges desta pesquisa demonstraram querer esquecer-se do passado com a doença para melhor viver o presente sem esta, o que pode ser exemplificado quando uma das participantes diz que “... hoje em dia parece que eu esqueci, sabe? Parece que ele [o esposo] não teve nada. Às vezes a gente se lembra, meu Deus, aquele ano, aquele tratamento...” [sic] (P.11).

Atrelado à ânsia pelo esquecimento também foi possível identificar um movimento de retomada da vida, como se parte do processo de esquecimento implicasse em uma necessidade de “seguir em frente”, de dar sequência à vida. Assim, uma expectativa igualmente importante no relato dos participantes se refere a um desejo de “virar a página”, o qual pode ser ilustrado pela seguinte fala: “... e a gente tem planos pro futuro, né, isso é que é importante, a gente se planejar pro futuro não importa o que vai acontecer, se isso vai dar certo ou não, mas tu tem que te planejar. Acho que isso é importante.” [sic] (P.6).

O relato da participante faz perceber que o simples fato de considerar um futuro é visto como uma manutenção da crença na vida. Conforme salienta Frizzo et al. (2015), o olhar para o futuro após uma experiência de adoecimento por câncer é marcado pela esperança em continuar a vida de onde se parou e retomar as atividades cotidianas juntamente daquele cuja saúde esteve vacilante – assim como as certezas de quem o acompanhava. Ainda assim, a convivência com uma doença grave como o câncer é sentida pelo indivíduo como uma agressão causadora de abalos na condição de ser, gerando incertezas sobre o amanhã. Por esse motivo, as perspectivas de futuro são tomadas por desejos de melhoras, curas, cuidados, recuperações do tempo perdido (Frizzo et al., 2015), tal como parece salientar uma das participantes: “... manter um acompanhamento, ter cuidado com a própria saúde, estar atento, né, com o outro também. Procurar precocemente a assistência, porque as pessoas não procuram muitas vezes.” [sic] (P.3).

Outro achado interessante que diz respeito ao futuro foi o fato de muitos cônjuges só terem conseguido colocá-lo em perspectiva por saberem que a doença de seus(suas) parceiros(as) já estava sob controle, em processo de remissão. Muitas vezes, o próprio movimento de pensar nas possíveis complicações da doença quando ela ainda é parte da realidade presente, pode gerar tanto sofrimento nos familiares, que eles optam por se atentar somente ao agora (Blanc et al., 2016). Tal fato pode ser ilustrado com a experiência de um dos participantes, que ao lembrar do adoecimento da esposa relata: “... teve momentos que a gente não tinha muito como pensar, a sensação era de que tava tudo parado, no ar, suspenso, esperando as coisas se acalmarem pra poder a gente começar a andar de novo.” [sic] (P.8). Constata-se, então, que só existe sentido em se cogitar um futuro uma vez que a doença tenha ficado no passado. As perspectivas de futuro dos cônjuges, por mais que possam afastar-se da temática da doença, ainda assim têm como pano de fundo recorrente a experiência passada de adoecimento, evidenciando a importante marca mnêmica dessa vivência em sua conjuntura psíquica.

 

Conclusão

Este estudo realizou uma análise aprofundada sobre o modo como cônjuges de pessoas que foram acometidas pelo câncer experenciam o adoecimento de seus(suas) parceiros(as). Em um primeiro momento, foram analisados os aspectos emocionais envolvidos nessa experiência, destacando-se os sentimentos de medo do desconhecido e as reflexões sobre a finitude que subjazem a complexidade emocional da vivência. Após, passou-se à análise do fator traumático no adoecimento por câncer, cenário no qual foram encontradas tanto as reticências sobre o trauma quanto o reconhecimento deste, caracterizando formas possíveis de acesso ao traumático nos participantes do estudo. Outro elemento analisado refere-se à ressignificação, cujo percurso englobou a impossibilidade de fuga da situação, mas também a reconstrução do sentido da vivência, ilustrando as vicissitudes que permeiam o processo em questão. Finalmente, as expectativas de futuro dos cônjuges também foram consideradas, tendo sido possível identificar uma ânsia por esquecimento e um desejo de “virar a página”, que denunciam a esperança de uma vida sem a doença.

Os resultados indicaram que o adoecimento por câncer do(a) parceiro(a) desperta sentimentos e pensamentos difíceis de manejar psiquicamente, de modo que os cônjuges mal conseguem traduzir em palavras a complexidade emocional da experiência. Ainda que estejam nos papéis de marido ou esposa do(a) paciente, demonstram vivenciar a doença quase como se ela também fosse sua e, diante de tamanho envolvimento e intensidade emocional, a experiência assume para eles uma dimensão traumática, a qual nem sempre é conscientemente reconhecida. Este estudo também ofereceu elementos para se pensar a resiliência em uma perspectiva diferente: a dos cônjuges, que ao tomarem o adoecimento do(a) parceiro(a) como um aprendizado de vida e uma chance para praticar ações positivas em prol de outros, podem ressignificar sua vivência. Além disso, ao considerar as expectativas de futuro destes, a pesquisa pôde ilustrar movimentos em dois sentidos: um no qual tenta-se abandonar no passado a experiência de adoecimento e outro no qual o amanhã é construído com base nesta.

Diante disso, os achados indicam aspectos relevantes para a inclusão dos cônjuges como objetos de estudo e cuidado por parte dos profissionais da saúde. A possibilidade de dar voz às suas experiências surge como um meio para que os profissionais e, principalmente, os psicólogos, obtenham uma maior compreensão a respeito da dimensão psíquica da vivência do câncer, entendendo como ela repercute não somente no paciente, mas também naquele com quem este estabelece uma relação de intimidade. Oferece também uma contribuição para terapeutas de família e casais no sentido de trazer à tona o potencial que as características de resiliência familiar podem ter nos momentos de crise que atingem a todo o sistema. Trabalhar este potencial de saúde pode ser de grande relevância para incrementar intervenções no campo da prevenção, com o objetivo de fortalecer as famílias vulneráveis ou em situação em crise. À equipe de saúde em geral, cabe então o papel de reconhecer a importância do acompanhamento psicológico neste contexto e, especificamente aos psicólogos, cabe a construção um espaço de escuta do traumático que abra caminhos rumo à ressignificação.

A presente pesquisa também apresenta limitações, como é o caso da realidade socioeconômica dos participantes, uma vez que todos dispunham de planos de saúde por meio dos quais tiveram acesso a tratamentos rápidos e diversificados. Para estudos futuros, então, sugere-se a possibilidade de investigar também os cônjuges cujos parceiros foram tratados somente pela rede pública de saúde, a fim de identificar possíveis mudanças na percepção da vivência conforme o contexto de vida em que os sujeitos se inserem, uma vez que este tem intrínseca relação com a resiliência. Ademais, sugere-se que a perspectiva dos cônjuges seja investigada também de forma longitudinal, a fim de se conhecer as especificidades de suas vivências em diferentes momentos da doença de seus(suas) parceiros(as). Finalmente, outras formas de investigação do fator traumático e da resiliência/ressignificação também seriam bem-vindas para complementar a análise desses fatores no objeto de estudo em questão.

 

Referências

Alencar, A. R. de, Alencar, A. M. P. G, Menezes, I. R. A. de, Kerntopf, M. G., Ramos, A. G. B., Brito, S. M. O., et al. (2015). Emoção e cuidado na assistência à criança com câncer: Percepções da equipe de enfermagem. Revista Cubana de Enfemería, 30(2).         [ Links ]

Almeida, S. S. L. de, Martins, A. M., Rezende, A. M., Schall, V. T., & Modena, C. M. (2013). Sentidos do cuidado: a perspectiva de cuidadores de homens com câncer. Psico-USF Bragança Paulista, 18(3), 469-478. doi:10.1590/S1413-82712013000300013        [ Links ]

Anjos, A. C. Y. dos & Zago, M. M. F. (2014). Ressignificação da vida do cuidador do paciente idoso com câncer. Revista Brasileira de Enfermagem, 67(5), 752-758. doi:10.1590/0034-7167.2014670512        [ Links ]

Arantes, A. C. Q. (2016). A morte é um dia que vale a pena viver. Casa da Palavra.         [ Links ]

Blanc, L. O., Silveira, L. M. de O. B., & Pinto, S. P. (2016). Compreendendo as experiências vividas pelos familiares cuidados frente ao paciente oncológico. Pensando Famílias, 20(2), 132-148.         [ Links ]

Borges, G. M., & Peres, R. S. (2013). Mecanismos de defesa em pacientes oncológicos recidivados: Um estudo clínico-qualitativo. Revista Psicologia em Pesquisa, 7(2), 171-179. doi:10.5327/Z1982-1247201300020005        [ Links ]

Cabral, S. A. & Levandowski, D. C. (2013). Resiliência e psicanálise: Aspectos teóricos e possibilidades de investigação. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 42-55. doi:10.1590/S1415-47142013000100004        [ Links ]

Delalibera, M., Presa, J., Barbosa, A., & Leal, I. (2015). Sobrecarga no cuidar e suas repercussões nos cuidadores de pacientes em fim de vida: Revisão sistemática da literatura. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 20(9), 2731-2747. doi:10.1590/1413-81232015209.09562014        [ Links ]

Farinhas, G. V., Wendling, M. I., & Zanon, L. L. D. (2013). Impacto psicológico do diagnóstico de câncer na família: Um estudo de caso a partir da percepção do cuidador. Pensando Famílias, 17(2), 111-129.         [ Links ]

Ferreira, D. M. & Castro-Arantes, J. M. (2014). Câncer e corpo: Uma leitura a partir da psicanálise. Analytica, 3(5), 37-71.         [ Links ]

Freud, S. (1996). Além do princípio de prazer. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (J. Salomão trad., V.18, pp. 13-75). Imago. (Original publicado em 1920).         [ Links ]

Frizzo, N. S., Quintana, A. M., Salvagni, A., Barbieri, A., & Gebert, L. (2015). Significações dadas pelos progenitores acerca do diagnóstico de câncer dos filhos. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(3), 959-972. doi:10.1590/1982-3703001772013        [ Links ]

International Agency for Research on Cancer (2018). Global Cancer Observatory (GCO): Cancer tomorrow. World Health Organization, GLOBOCAN 2018.         [ Links ]

Malgarim, B. G. (2017). Resiliência, entre o trauma e o tratamento: Um estudo qualitativo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.         [ Links ]

Malgarim, B. G., Macedo, M. M. K., & Freitas, L. H. (2018). The meaning of resilience as a psychoanalytic concept: An exploratory study of the perspectives of training and supervising psychoanalysts. British Journal of Psychotherapy, 34(3), 443-466. doi:doi.org/10.1111/bjp.12380        [ Links ]

Malgarim, B. G., Santana, M. R. M., Machado, A. P., Bastos, A. G., & Freitas, L. H. (2018). Resilience and psychoanalysis: a systematic Review. Psico (Porto Alegre), 49(2), 206-212. doi:10.15448/1980-8623.2018.2.27632        [ Links ]

Minayo, M. C. S. (2010). O desafio do conhecimento. Hucitec. (Original publicado em 1992).         [ Links ]

Neris, R. R. & Anjos, A. C. Y. dos (2014). Experiência dos cônjuges de mulheres com câncer de mama: Uma revisão integrativa da literatura. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 48(5), 922-931. doi:10.1590/S0080-6234201400005000020        [ Links ]

Phipps, S., Long, A., Willard, V. W., Okado, Y., Hudson, M., Huang, Q., et al. (2015). Parents of children with cancer: At-risk or resilient?. Journal of Pediatric Psychology, 40(9), 914–925. doi:10.1093/jpepsy/jsv047

Picheti, J. S., Castro, E. K. de & Falcke, D. (2014). Silêncios e rearranjos na conjugalidade em situação de câncer em um dos cônjuges. Psicologia em Pesquisa, 8(2), 189-199. doi:10.5327/Z1982-1247201400020008        [ Links ]

Quintana, A. M. (1999). Traumatismo e simbolização em pacientes com câncer de mama. Temas em Psicologia, 7(2), 107-118.         [ Links ]

Rooke, M. I. & Pereira-Silva, N. L. (2012). Resiliência familiar e desenvolvimento humano: Análise da produção científica. Psicologia em Pesquisa, 60(2), 179-186. doi:10.5327/Z1982-12472012000200011        [ Links ]

Santos, R. C. S., & Custódio, L. M. G. (2017). Reflexões sobre a finitude: Concepções históricas, psicológicas e cognitivas sobre a morte. Psicologia.PT, 1-15.         [ Links ]

Schirmer, L. M., Miranda, F. V., & Duarte, I. V. (2014). Mulheres tratadas de câncer do colo uterino: Uma análise da questão conjugal. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 17(1), 99-120.         [ Links ]

Shaffer K. M., Riklin E., Jacobs J. M., Rosand J., & Vranceanu A. M. (2016). Psychosocial resiliency is associated with lower emotional distress among dyads of patients and their informal caregivers in the neuroscience intensive care unit. Journal of Critical Care, 36, 154-159. doi:10.1016/j.jcrc.2016.07.010        [ Links ]

Ungaretti, M. S. (2013). Revisão literária sobre a relação de resiliência com conceitos psicanalíticos. Diaphora, 13(1), 63-69.         [ Links ]

Wainberg, L., Pereira, C. R. R., Hutz, C. S. & Lopes, R. C. S. (2010). O efeito da coabitação na satisfação conjugal. Pensando Famílias, 14(2), 99-119.         [ Links ]

Walsh, F. (1996) The concept of family resilience: Crisis and challenge. Family Process, 35, 261-281.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Júlia Schommer Steini
E-mail: juliasstein@gmail.com

Mariana Calesso Moreira
E-mail: marianacalesso@gmail.com

Enviado em: 15/05/2020
1ª revisão em: 15/12/2020
2ª revisão em: 19/05/2021
Aceito em: 29/07/2021

 

 

1 Psicóloga pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
2 Psicóloga e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Psicopatologia pela Universitat Autónoma de Barcelona (UAB). Professora adjunta da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons