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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.2 Rio de Janeiro dez. 2005
ARTIGOS
A teoria da vinculação e a prática da psicoterapia cognitiva
Attchment theory and the cognitive psychoterapy practice
Cristiano Nabuco de Abreu
Psicólogo Clínico, Doutor em Psicologia Clinica pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre pela PUC/SP, S.E.I. - Universidade de York (Canadá). Coordenador da Equipe de Psicologia do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
RESUMO
O estudo da vinculação teve seu início marcado por uma pesquisa realizada por John Bowlby sobre as origens do desenvolvimento psicopatológico, na infância e na idade adulta, ao analisar a correlação entre perda e separação durante a infância e os possíveis distúrbios emocionais desenvolvidos na idade adulta. Semelhante àquela relação na qual as crianças procuraram desenvolver uma base segura com seus cuidadores, a conexão estabelecida entre o terapeuta e seu cliente também favorecerá a manifestação de níveis e padrões de confidencialidade parecidos com os encontrados em outros contextos. Muitas pesquisas conduzidas a respeito da melhora clínica sugerem que aspectos contraditórios de vinculação entre cliente e terapeuta conduzem a resultados positivos ao final do tratamento. Isto por que, na grande maioria das vezes, tal ligação torna-se muito mais responsável pela mudança pessoal do cliente do que aquelas apresentadas na história de vida, independentemente da etiologia envolvida no processo terapêutico. Por outro lado, outras investigações apontam que os aspectos semelhantes na vinculação é que conduziriam aos bons resultados. Dessa forma, ao longo desse trabalho, procurou-se, a partir de um estudo empírico, verificar quais modalidades de relação vincular (pares simétricos ou assimétricos entre o clínico e o cliente) oferecem maior possibilidade de sucesso no tratamento.
Palavra-chave: Teoria do apego, Psicoterapia, Relação paciente-terapeuta
ABSTRACT
Attachment was first studied when John Bowlby started to research the origins of the psychopathologic development during childhood and in adulthood, and analyzed the correlation between loss and separation during childhood and the emotional disorders potentially developed in adulthood. Similar to that relationship in which children tried to develop a safe basis with their caregivers, the connection established between therapist and client will also foster the manifestation of similar reliability levels and patterns to those found in other contexts.
Many studies on clinical improvement suggest that contradictory aspects of attachment between client and therapist lead to positive results in the end of the treatment. This is because, most of the times, such bond turns out to account more for the client's personal change than those presented in their history of life, no matter the etiology involved in the therapeutic process. On the other hand, other investigations indicate that common aspects in the attachment are what lead to good results. Thus, throughout this empirical work, we tried to ascertain which modalities of bond relationship (symmetrical or asymmetrical pairs between clinician and client) offer higher possibilities of treatment success.
Keywords: Attachment theory, Psychotherapy, Therapist-client relationship
Introdução
Alguns clínicos e teóricos da psicoterapia acreditam que o relacionamento que se desenvolve entre o terapeuta e o cliente é a essência de um tratamento efetivo. Outros acreditam que, embora o relacionamento não seja uma condição básica, ele fornece uma significativa alavanca para que sejam implementadas as técnicas terapêuticas utilizadas na promoção da mudança no paciente (Beck, 1995). Independente do posicionamento adotado, se a ligação entre ambos é um dos ingredientes essenciais da mudança em psicoterapia ou um método utilizado para se chegar a um fim, existe uma notável concordância de que a relação paciente-terapeuta desempenha uma importante função no tratamento psicológico.
A literatura a respeito dessas questões é ainda muito escassa e a maioria dos clínicos ainda não é capaz de verbalizar ou conseguir operacionalizar concretamente as bases nas quais sua postura interpessoal é construída frente aos diferentes tipos de clientes. Embora muitos profissionais experientes possam intuitivamente tentar moldar a sua postura relacional com cada um, existem poucas publicações que sistematizam este processo. Além disso, sabe-se que a demanda exigida pela psicoterapia (em termos de atuação do profissional) é signifi¬cativamente alterada com o passar do tempo. Ou seja, as posições adotadas inicialmente pelo clínico diferem marcadamente daquelas que deveriam ser adotadas a médio e a longo-prazo para que o processo continuasse a ser eficaz e efetivo (Abreu, 2005). Infelizmente, percebemos que a grande maioria dos profissionais posiciona-se de maneira incerta e até desinteressada frente a estas questões, continuando a exibir sempre os mesmos estilos de comportamento do início ao final do tratamento.
Portanto, a falta de habilidade do clínico em identificar, sistematizar e criar um contexto de segurança e facilitação à exploração pessoal, por exemplo, pode corroborar com o aparecimento de atitudes que criem uma predisposição sistemática do cliente em se opor às idéias do terapeuta, bem como induzir um relacionamento fracassado e pouco favorecedor de mudanças (Mallinckrodt, 1996).
A relação de ajuda: indo além do posicionamento intuitivo
Um conceito recente que poderia explicitar melhor as trocas que ocorrem na relação entre o clínico e o paciente é o da aliança terapêutica. Afirmam alguns autores que a idéia da aliança terapêutica originou-se no início da literatura psicanalítica e, nos últimos 10 anos, tem se tornado um tópico de crescente interesse entre os teóricos da psicoterapia e pesquisadores em geral (Safran, Muran & Samstag, 1994). Bordin (1979), outro importante colaborador, sugeriu ser aliança um aspecto fundamental nas mais variadas formas de sucesso em psicoterapia, afirmando que ela é uma resultante direta do grau de concordância estabelecido entre o paciente e o terapeuta a respeito da tarefa, da meta e dos vínculos envolvidos no processo de ajuda. Embora uma aliança positiva não ocorra imediatamente após o início da terapia (necessita-se aproximadamente de 4 sessões para sua formação), algumas investigações sugerem que seu desenvolvimento é necessário antes que se possa esperar qualquer tipo de êxito no processo de ajuda (Henry & Strupp, 1994). Assim, seria razoável pensar na aliança como uma série de janelas de oportunidades que vão se abrindo a cada sessão, pedindo por inevitáveis ajustes nos procedimentos adotados pelos terapeutas no trato com seus clientes (Bordin, 1994). Desta forma, enquanto temos de um lado a criação e manutenção de uma boa aliança de trabalho (gerando bons resultados na psicoterapia), temos de outro suas possíveis rupturas (gerando desistência ou resultados terapêuticos empobrecidos). Segundo Safran (1998, 2004), as “rupturas da aliança” são subdivididas em dois subtipos: afastamento e confronto. Nas rupturas de afastamento, o paciente afasta-se ou se descompromete parcialmente do terapeuta, de suas próprias emoções ou de alguns aspectos do processo terapêutico. Tais rupturas podem manifestar-se de diferentes formas. Em alguns casos, é totalmente óbvio que o paciente tenha dificuldade em expressar suas preocupações ou necessidades no relacionamento por exemplo, um paciente pode expressar suas preocupações de uma maneira indireta ou pouco esclarecedora (Safran & Muran, 1996). Em outros casos, o paciente concorda ou se acomoda com os desejos que percebe por parte do terapeuta de tal maneira que o clínico pode ter dificuldade em reconhecer tal acomodação do paciente. Não é incomum que paciente e terapeuta formem uma pseudo-aliança que corresponda ao tipo de falsa auto-organização do self, conforme já descrita por Winnicott (1994). Em tais casos, enquanto o progresso terapêutico pode estar acontecendo num nível, a terapia perpetua algum outro aspecto pouco funcional e mais redundante (de auto-defesa, por exemplo). No caso das rupturas de confronto, o paciente expressa diretamente seu descontentamento, o ressentimento ou a insatisfação com o terapeuta ou com algum outro aspecto da terapia.
Um importante ponto a ser considerado é que os tipos de relacionamentos (e as problemáticas a eles associadas) que o paciente traz ao contexto clínico, podem tornar-se, em certos momentos, uma questão secundária (embora não sem importância) se comparados ao processo de relacionamento estabelecido entre o cliente e o terapeuta (Holmes, 1993). Portanto, tanto o paciente como também o terapeuta acabam envolvidos na formação de uma boa aliança, contribuindo diretamente para algum tipo de resultado ao final da psicoterapia.
Teríamos então, como elemento emergente, um processo autenticamente interativo entre as partes, ou seja, entre aquele que busca e aquele que oferece ajuda. Neste sentido, isso nos leva ao ponto em que as habilidades de relacionamento, tanto do paciente quanto do profissional, são variáveis altamente relevantes no estabelecimento desta nova relação, determinando significativamente a probabilidade de resultados benéficos ou destrutivos. Considerando que a aliança é, ao mesmo tempo, interpessoal e interativa, a habilidade e a história passada não só do paciente, mas também do terapeuta, podem desempenhar um importante papel nesta nova configuração.
Em uma investigação de Raue e Goldfried (1994), foram avaliados alguns aspectos de uma boa psicoterapia e verificou-se que 70% dos pacientes bem sucedidos ao final do processo relataram como elementos primordiais de sua transformação pessoal, os seguintes itens:
1) A personalidade do terapeuta.
2) Serem auxiliados pelo clínico a entenderem seus problemas.
3) Encorajamento para gradualmente praticar o ato de enfrentar as situações que os aborrecem.
4) Serem capazes de falar com uma pessoa compreensiva.
5) Ter alguém que os ajudasse a se compreenderem.
Portanto, recai sobre o profissional de ajuda integrar a suas características pessoais de maneira que elas se tornem um elemento dinamizador e não limitador do transito psicológico. Se o clínico for efetivamente mais amistoso (e não somente aparentar amizade), é provável que o paciente tenda a considerar com mais tranqüilidade suas colocações. Tais conclusões, portanto, nos apontam para a pessoa do terapeuta como um componente de suma importância para a obtenção de resultados positivos.
Considerando que o aumento da aliança está diretamente associado ao decréscimo da sintomatologia, torna-se fundamental que tal aspecto seja então observado com mais parcimônia, pois pesquisas já mostraram que os terapeutas mais experientes não são necessariamente aqueles mais bem sucedidos na condução da psicoterapia (Mahoney, 1991).
A este respeito, existem estudos sistemáticos relacionando as reações pessoais do terapeuta com a qualidade de suas comunicações, bem como sua interpretação em relação às impressões diagnósticas e planos de tratamento. Por exemplo, atitudes negativas em relação ao paciente foram freqüentemente associadas a comunicações não-empáticas e prognósticos clínicos desfavoráveis (Horvath & Greenberg, 1994). Portanto, muito mais do que podemos imaginar, os fatores pessoais do clínico contribuem expressivamente para o resultado final da psicoterapia (Multon, Patton & Kivlighan, 1996).
Em foco: o profissional
Quando pensamos no processo terapêutico e nos muitos artigos existentes sobre o assunto, percebemos que a ênfase recai quase sempre sobre o paciente. Por exemplo, quando certos autores enfocam o processo terapêutico, descrevem alguns conceitos como processo empático, referência positiva incondicional, con¬gruência e aceitação incondicional (Rogers, 1957). Se formos analisar mais pormenorizadamente, esses entendimentos, definem quase que exclusivamente a postura do terapeuta e não o relacionamento entre terapeuta e paciente.
Na literatura existente, não encontramos muita informação sobre a influência mútua dos compor¬tamentos do cliente e do terapeuta. Tradicionalmente conhecemos o conceito de transferência significando conflitos passados relativos a relacionamentos anteriores expressados através de pensamentos, atitudes e comportamentos transferidos ao terapeuta (Gelso & Carter, 1994). Por outro lado, o conceito complementar de contra-transferência sugere que não somente os clientes experienciarão alguns sentimentos em relação ao terapeuta, mas o terapeuta também experienciará sentimentos em relação ao paciente. Temos, então, duas forças opostas influenciando os resultados da terapia: cliente de um lado e terapeuta de outro (Hermann, 1997). Outros autores afirmam que a pessoa do terapeuta tem sido muito negligenciada e muitas questões existentes sobre o ambiente criado pelo terapeuta permanecem ainda sem uma resposta clara (Lazarus, 1993).
Na literatura (Safran, 1998), geralmente encon¬tramos artigos onde os pacientes são considerados como indivíduos com bases singulares de interpretação, crenças, reações, narrativas etc; e o clínico tendo que respeitar e compreender esta variação pessoal. Mas como podemos ser tão flexíveis, considerando que também temos nossos estilos pessoais? Como podemos lidar com a diversidade humana se sempre somos os mesmos em nossa singularidade?
É claro, tentamos desenvolver alguma flexibilidade, quando dizem alguns autores que supostamente deveríamos seguir o exemplo do camaleão para a obtenção de um bom resultado na psicoterapia, isto é, adaptar-mo-nos a cada situação ao invés de ajustar nossos pacientes ao nosso tratamento (Lazarus, 1993). Mas será que não existe limite para isso? A terapia compor¬tamental oferece alguma contribuição a esse respeito ao afirmar que a terapia tem bons resultados quando o terapeuta é amigavelmente dominante e o paciente amigavelmente submisso (De Vogue & Beck, 1978). É claro, as pessoas obedientes são mais fáceis de tratar em terapia do que as pessoas arrogantes e hostis (Horowitz, Rosenberg & Bartholomew, 1993). Mas, existe uma resposta ideal para esta questão? Nós realmente seríamos úteis ao paciente mantendo-o submisso por longos períodos?
Para enfatizar a existência dessa co-dependência, existe uma importante teoria chamada Teoria Interpessoal que, dentre outras coisas, sugere que quando temos duas pessoas interagindo, elas influenciam seus comportamentos mutuamente. O comportamento de uma pessoa evocará certas reações na outra, isto é, quando a pessoa A é ríspida com a pessoa B, a pessoa B certamente ficará mal humorada ou se justificará. O conhecido princípio complementar, que faz parte dessa teoria, tem sido usado para conceituar o dilema dos depressivos. Quando uma pessoa depressiva expõe seu desconforto, dando a impressão de submissão e desamparo, o ouvinte, em muitos casos, reage com atitudes dominadoras no desejo de reduzir o desconforto do depressivo. Essa reação de dominação, então, atrai sentimentos de submissão e desamparo, reforçando os sentimentos depressivos nas pessoas já deprimidas (Horowitz, Rosenberg & Bartholomew, 1993).
Para apoiar essas suposições, outra pesquisa foi mais além ao mostrar a correlação de uma comple¬mentaridade negativa (estabelecida na relação terapêutica) aos resultados pouco satisfatórios ao final do processo, isto é, pouca ou nenhuma mudança pessoal foi registrada. Assim, nos parece que as bases pessoais, tanto do terapeuta quanto do cliente, interferirão no bom ou no mau resultado do tratamento.
Quando falamos nessas bases pessoais e na história de vida pregressa, é inevitável que pensemos nos modelos internos de trabalho, conforme discutido amplamente por John Bowlby (1969) ao postular a Teoria do Apego. Afirmou tal pesquisador que os padrões interpessoais observados por uma pessoa em sua vida adulta serão resultantes diretos da qualidade de apego (ou vinculação) que uma pessoa experienciou com seus pais ao longo de sua infância. Para Bowlby, tais padrões serão frutos de representações mentais, extraídas das histórias afetivas pregressas de cada um, e considerados poderosos ingredientes do comportamento humano (Abreu, 2005).
A teoria do apego: algumas noções
O estudo do apego ou da vinculação teve seu início marcado por uma pesquisa sobre as origens do desenvolvimento psicopatológico, na infância e na idade adulta, realizada por John Bowlby, na Clínica Tavistock (Inglaterra). Este trabalho representou um rompimento com a conceituação e a pesquisa psicanalítica tradicionais sobre a correlação entre perda e separação durante a infância e os possíveis distúrbios emocionais desenvolvidos na idade adulta. O objetivo de Bowlby foi, desde o início, compreender as possíveis influências adversas no desenvolvimento da personalidade, quando se dá a falta de cuidados maternos adequados durante os primeiros anos de vida - quando as crianças são separadas daquelas pessoas que lhe são familiares e lhe fornecem apoio emocional. Contraria¬mente ao que se imaginava, a teoria da vinculação foi muito rejeitada pela psicanálise, por ser excessivamente simplista e muito desvinculada da teoria freudiana original (Bowlby, 1977).
Fundamentada nas teorias da etiologia e da evolução, a teoria da vinculação de Bowlby (1969) foi estruturada sobre o conceito da existência de um sistema comportamental que regula os comportamentos de busca por proximidade e a manutenção de contato da criança com indivíduos específicos que venham a fornecer segurança física ou psicológica.
Bowlby (1988), assim, afirmou que o vínculo da criança com sua mãe é um produto da atividade de um certo número de sistemas comportamentais que têm a proximidade com a mãe como resultado previsível. Tal enunciado é facilmente verificável ao se observar uma criança em seu segundo ano de vida, quando se locomove para alcançar sua mãe na presença de circuns¬tâncias ameaçadoras.
O sistema de vinculação, assim, é um sistema comportamental independente semelhante a outros sistemas comportamentais como o alimentar-se, a busca da satisfação das necessidades fisiológicas e a exploração do ambiente. Desta forma, os comporta¬mentos de vinculação objetivam a busca de proximidade com as figuras de apego para a obtenção de segurança e apoio psicológico quando necessário – características básicas para a sobrevivência (Collins, 1996).
A teoria propõe então a existência de três estilos gerais referentes às sensações experimentadas na ativação do sistema comportamental de apego em função da disponibilidade materna - o apego seguro, o inseguro-evitativo e o inseguro-ambivalente (Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978).
FIGURA 1 – FUNCIONAMENTO DO SISTEMA DE VINCULAÇÃO
Um aspecto de relevância primordial nesta verificação será a quantidade de segurança abstraída pela criança no trato com seu cuidador. Bowlby afirmou ser um poderoso indicativo da qualidade da relação experimentada pela criança com sua mãe (após uma breve ausência) o modo com que ela responde por ocasião de seu retorno. Um modelo típico desta asserção é a criança considerada seguramente apegada. Estes bebês parecem perceber seus cuidadores como fontes confiáveis de proteção e segurança e, quando estressadas, são prontamente acalmadas e reasseguradas por este contato, explorando confiantemente o ambiente.
O segundo tipo de reação infantil percebido foi aquele que sugeriu um visível desinteresse pelo regresso da mãe. Bebês mostrando um padrão inseguro-evitativo evitaram contato com o cuidador quando estressadas e nas situações de ameaça e de estresse, mostraram os níveis mais baixos de expressividade emocional. Houve também a constatação de um terceiro tipo de reação, aquele em que a criança demonstrou uma ambivalência emocional após o reencontro, ora buscando e ora resistindo ao contato materno. Tais bebês buscam contato corpóreo nas situações de medo, todavia, tal aproximação vai acompanhada de raiva, resistência e de não exposição ao desejo de aproximação.
A teoria do apego e a psicoterapia
O leitor deve estar se perguntando qual é a relação dessas experiências com a vida do psicoterapeuta, conforme há pouco mencionávamos. O que sabemos é que, na vida adulta, tais estilos de afiliação não desaparecerão, mas tenderão a se perpetuar nas mais variadas condições (nos relacionamentos afetivos, no enfrentamento do estresse, nas atitudes frente ao trabalho, nas crenças religiosas, na transmissão de valores inter-geracionais etc) (Liotti, 1991). É desta forma, então, que os adultos seguramente apegados (semelhante ao que ocorre na infância), frente a uma situação estressante, muito possivelmente, esperarão ser ajudados nos momentos de necessidade, pois acreditam que um outro significativo aparecerá (estando disponível) quando eles mais necessitarão. Então, facilmente tais indivíduos buscarão (sem receios) apoio social para lidar com o estresse. Em contraste, adultos evitativos, que carregam expectativas negativas sobre a disponibilidade dos outros, tenderão a usar suas próprias estratégias de enfrentamento ao invés de buscar apoio social, pois no passado tiveram que superar sozinhos suas dificuldades. Já os indivíduos ambivalentes intensivamente buscarão apoio (mais até do que os seguros), mostrando altos níveis de emoções e ansiedade. Ou seja, adultos, da mesma forma que crianças, exibirão diferentes estilos de apego no trato com seu meio social (Mayseless, Danielli & Sharabany, 1996).
Mahoney (1998) afirma que, ao edificarmos nossas vidas, projetamos para o futuro exatamente aquelas experiências que somos capazes de nos recordar no presente. Assim, uma pessoa somente poderá imaginar receber afeto na exata medida em que pode se lembrar dessa experiência no passado. Portanto, como então um adulto-terapeuta seria capaz de reconhecer, e ao mesmo tempo favorecer, a manifes¬tação de certos aspectos emocionais (confia¬bilidade, segurança etc) necessários a seus pacientes se estes aspectos não são elementos presentes em sua história pregressa de ligações? Perguntando de outra forma, como um profissional poderá se oferecer como uma base segura para seu paciente se em seu passado nunca obteve isso de alguém?
Da mesma maneira que o cliente explicita suas estratégias pessoais no consultório, é muito provável que o profissional de ajuda também manifeste, de forma não tão neutra, um determinado padrão de vinculação com seu paciente. Uma vez que em sua história de vida o profissional também desenvolveu um certo estilo de vinculação, muito provavelmente suas características se farão presentes na nova relação, direcionando a maneira como a relação será estabelecida (mesmo que dentro de um contexto neutro). De fato, isso acontecerá. Pesquisas indicam que há um relacionamento sistemático entre as reações pessoais do terapeuta e a qualidade de suas comunicações, impressões diagnósticas e planos de tratamento. Pesquisas sugerem que se o terapeuta tem um modelo interno de trabalho (um padrão de relação) diferente do paciente, provavelmente ele enfocará principalmente aqueles aspectos associados ao seu modelo pessoal ao invés do modelo do paciente, ou seja, priorizará a analise dos fatores (relacionais) considerados importantes para ele (clínico) e não aqueles mais relevantes ao seu cliente (Hesse, 1996).
Os modelos de apego do clínico e as interferências no processo terapêutico
Muito pouco foi pesquisado para identificar como o modelo de apego do clínico influencia o desenvolvimento do tratamento e os resultados finais da psicoterapia e, desta maneira, nossa pesquisa procurou responder a estas questões. O que podemos brevemente afirmar aqui é que tais fatores levam a uma dramática variação do resultado final da psicoterapia, se analisados os diferentes tipos de vínculos apresentados pelos terapeutas (Multon, Patton & Kivlighan Jr., 1996). Por exemplo, pesquisas mostram que clínicos seguramente apegados intervieram mais com aqueles clientes que mais necessitavam deles, favorecendo o desenvolvimento de atitudes de compaixão e entendimento em relação àquelas pessoas que os pacientes relatavam ter discordâncias. Os clínicos inseguramente apegados intervieram mais com aqueles pacientes que menos necessitaram de sua ajuda. Além disso, esta psicoterapia foi marcada por uma aliança pobre, caracterizada por altos níveis de hostilidade velada, explanações muito complexas do terapeuta, e desenvolvimento da culpa como uma das estratégias terapêuticas de mudança (Dozier, Cue & Barnett, 1994).
Desta maneira, os clínicos que são inseguramente apegados parecem ouvir o chamado das estratégias de apego do cliente e reagir muito mais em concordância a elas (contra-transferem mais). Suas intervenções respondem às expectativas que o paciente apresenta em relação aos outros e, ao agirem assim, complementam as estratégias disfuncionais. Por outro lado, os clínicos que são mais seguros, conseguem intervir de maneira que possam ser desconfortáveis para si próprios, mas dentro daquilo que julgam ser mais correto dentro da psicoterapia, ou seja, contra-transferem menos.
Além destes resultados, outra importante evidência foi observada. Terapeutas que agiram com hostilidade em relação a si mesmos, encaixaram-se por três vezes mais no mesmo processo interpessoal desafiliativo com seus pacientes do que outros terapeutas (5.6% vs. 17.7%) (Henry & Strupp, 1994). Além disso, houve uma forte correlação entre o número de afirmativas do terapeuta que foram hostis e controladores, e o número de afirmativas de crítica e autoculpa desenvolvidas feitas pelos pacientes após terapia (r = 0.53, p < 0.05). Portanto, estes achados descrevem uma ligação teórica coerente entre as ações precoces dos pais com o comportamento do terapeuta no setting de trabalho.
Terapeutas ambivalentes: Achados sugerem que estes profissionais, mais do que os seguros e os evitativos, interferirão muito mais no processo porque, tendo emoções oscilantes, tendem a ficar muito intensamente vinculados ao paciente e ao processo de ajuda e ao não perceber suas respostas complementares, criam muito mais rupturas da aliança do que os outros dois tipos de clínicos. Estas rupturas ocorrem quando o terapeuta, inconscientemente, acaba por participar dos ciclos interpessoais mal-adaptativos do cliente, validando suas interações desadaptativas passadas.
Delimitando o problema
Quando os clientes vão à psicoterapia, carregam com eles um conjunto de desordens, histórias, rede de relações e dificuldades que são organizadas por cada um de maneira pessoal e idiossincrática. Nós, profissionais, também carregamos conosco nossa bagagem histórica que, implícita ou explicitamente, acaba também por interferir no curso de nossas vidas sem falar nas interferências que caminham consultório adentro. Assim, quando se enfoca o serviço psicoterapêutico, normalmente tem-se a noção de que boas técnicas, combinadas a um grau de relativa amistosidade, seriam suficientes para produzir mudança psicológica nos pacientes. Porém, vale a pena fazer uma pergunta: O encontro das subjetividades (do paciente e do profissional) não contribuiria para a criação de uma terceira tendência resultante desse processo? Ou seja, não seria a psicoterapia afetada por essa mescla de histórias que conduziriam o processo clínico para outra direção diferente daquela esperada?
Nesse sentido, o objetivo de nossa investigação era, inicialmente, voltado a verificar como terapeutas cognitivos pertencentes aos três grupos (predominantemente seguros, evitativos e ambivalentes) se comportariam mediante clientes pertencentes também aos três estilos de vinculação (predominantemente seguros, evitativos e ambivalentes) quando combinados. Nossa idéia inicial era a de parearmos profissionais seguros com clientes seguros, profissionais seguros com clientes evitativos e profissionais seguros com clientes ambivalentes. Fariam parte da amostra profissionais evitativos combinados com clientes seguros, profissionais evitativos com clientes evitativos e profissionais evitativos com clientes ambivalentes. E, finalmente, profissionais ambivalentes pareados com clientes seguros, evitativos e ambivalentes.
Todavia, isso acabou não sendo possível. Foi expressiva a manifestação de desconforto de muitos desses clínicos no que diz respeito a uma suspeita de que fossem avaliados em sua competência profissional mesmo tendo sido repetidamente aclarado qual seria o objetivo da investigação. Dessa forma, para aqueles que concordaram em participar, foram enviados 100 conjuntos de questionários acompanhados das instruções de como seriam os procedimentos de aplicação (quais inventários seriam aplicados em quais sessões, informações que deveriam ser fornecidas aos pacientes etc.).
Após algum tempo, muitos clínicos, depois de exaustivas tentativas de contato telefônico, alegaram que seus processos terapêuticos acabaram antes que pudessem atingir a 14ª sessão, impossibilitando, dessa forma, a realização de uma avaliação completa e em concordância com as linhas gerais idealizadas inicialmente pela investigação. Outros clínicos de renome, após terem recebido o material, chegaram a ficar mais de três meses sem nenhum paciente novo, o que nos pareceu ser de alguma forma constrangedor em serem avaliados em suas competências, e finalmente, muitos daqueles que efetivamente contribuíram, telefonaram insistentemente ao pesquisador para saber como eles estavam nos resultados finais da investigação. Outros ainda, ao devolver o material, o entregavam em total estado de desorganização, com partes ausentes, trechos incompletos, espaços em branco, invalidando totalmente a contribuição. Curiosamente, com raríssimas exceções, os conjuntos de questionários que retornaram dentro das previsões foram aqueles que pertenciam aos terapeutas mais distantes (geográfica e emocionalmente) do pesquisador, ou mesmo desconhecidos, sugerindo, em nosso ponto de vista, uma menor preocupação com as possíveis conseqüências de seu desempenho.
Dessa maneira, optou-se apenas por discernir as díades (terapeuta-paciente) em similares ou diferentes com relação à predominância dos fatores do EVA (Escala de Vinculação do Adulto - Adult Attachment Scale-R), ou seja, os similares foram considerados os pacientes seguros com terapeutas seguros, pacientes evitativos com terapeutas evitativos e pacientes ambivalentes com terapeutas ambivalentes) e os diferentes foram aqueles que não contemplaram as combinações anteriores.
Em um estudo de Tyrrell, Dozier, Teague e Fallot (1999), as evidências sugerem que as diferenças entre cliente e terapeuta facilitam resultados mais positivos do tratamento, pelo menos para díades que já trabalham juntas por mais de seis meses.
Amostra
O requisito para que cada profissional pudesse ser incluído na amostra era possuir, no mínimo, cinco anos de atividades clínicas e exercer uma orientação terapêutica de base cognitiva. Foram considerados critérios de exclusão pacientes que pudessem exibir algum grau de dificuldade para a compreensão dos inventários ou que não estivessem de acordo com a participação no estudo.
Todavia, pelas dificuldades acima expostas, prosseguimos nosso estudo tendo que alterar a proposta inicial (de um terapeuta para cada cliente) e, dessa maneira, em alguns casos, um mesmo terapeuta foi avaliado com diferentes clientes, pois o que nos interessou para o desenho estatístico foram os pares terapeuta-cliente e as relações que se estabeleceram em cada um desses pares (e não cada terapeuta ou cada cliente individualmente). Quando este era o caso, o terapeuta preencheu novos conjuntos que foram analisados com cada cliente especificamente.
Dentro das condições acima descritas, foram incluídos neste estudo 19 terapeutas e 23 pacientes. Um terapeuta acompanhava três pacientes (casos 3, 4 e 5); outro acompanhava dois pacientes (casos 9 e 10); e um último também acompanhava dois pacientes (casos 12 e 13).
Entre os terapeutas, cuja média de idade era de 36,6 anos (entre 23 e 59 anos), houve predominância do sexo feminino (69,0%). Entre os pacientes, cuja média de idade era de 32,5 anos (entre 17 e 52 anos), também foi predominante o sexo feminino (83,0%). Portanto, nosso estudo procurou verificar como todas essas díades (considerando a similaridade e a diferença nos estilos de vinculação) se comportam no ambiente terapêutico.
Instrumentos utilizados
Utilizou-se a tradução para a língua portuguesa (Portugal) dos questionários WAI, BSI e EVA, sendo feita uma adaptação para o português do Brasil.
WAI (Inventário de Aliança Terapêutica - Working Alliance Inventory) Desenvolvido por Horvath (1994), tal instrumento já possuía uma versão autorizada pelo autor em língua portuguesa. O referido instrumento tem como finalidade medir os três aspectos participantes da aliança terapêutica propostos por Bordin (1979 e 1994), a saber: meta, tarefa e vínculo1. Dessa maneira, o WAI é um inventário de auto-resposta consistindo de 36 itens, no qual o indivíduo, assim como o terapeuta, devem classificar o grau como se sentem frente ao seu parceiro [numa subescala de sete níveis de tipo Likert variando desde nunca (0) até sempre (7)], no que se refere a aspectos relativos ao conforto interpessoal, metas e objetivos da terapia, compreensão mútua, respeito, honestidade, confiança, afetividade, uso produtivo de tempo, motivação e comunicação - aspectos estes que, em tese, deveriam permear uma relação terapêutica produtiva. Tal questionário é aplicado ao cliente e ao terapeuta no final da 4ª e 14ª sessões.
Os escores baseados nessas escalas (particu¬larmente a tarefa) e obtidos no início da psicoterapia foram fortemente preditivos dos bons resultados e diferenciados entre aqueles que prematuramente encerraram o processo de ajuda e aqueles que permaneceram em psicoterapia. Portanto, aqueles clientes com dificuldades para manter-se nas relações sociais ou com histórico de relacionamento familiar pobre são os que menos provavelmente desenvolverão fortes alianças terapêuticas. Similarmente, pacientes com uma expectativa negativa de sucesso antes do início do tratamento clínico e que obtiveram altas medidas de defensividade, hostilidade e dominância foram os que encerraram a psicoterapia antes do tempo previsto, indicando os mais baixos escores de aliança terapêutica. Portanto, escores relativos a uma boa aliança terapêutica mostraram-se bons indicadores de resultado. Em nosso estudo estatístico foi utilizado o WAI Global (que é a soma do goal, task e bond), pois o autor descreve essa possibilidade.
BSI (Inventário Breve de Sintomatologia - Brief Symptom Inventory) Inventário de auto-resposta construído por Derogatis (1993) consistindo de 53 itens, no qual o indivíduo deve classificar o grau em que cada problema o afetou durante a última semana, numa escala de tipo Likert variando desde nunca (0) até muitíssimas vezes (4).
Tal inventário avalia os sintomas psicopa¬tológicos em nove dimensões (somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal, depressão, ansiedade, hostilidade, ansiedade fóbica, ideação paranóide e psicoticismo), além de três índices gerais que são avaliações globais a respeito da perturbação emocional e indicam diferentes aspectos da psicopatologia individual, assim como seu grau de intensidade; o Total de Sintomas Positivos (TSP), é indicativo do número de sintomas assinalados pelo sujeito e o Índice de Sintomas Positivos (ISP) é uma medida que tem por função agregar a intensidade da sintomatologia com o número de sintomas presentes.
Derogatis (1993) referiu boas características psicométricas do inventário, apresentando níveis adequados de consistência interna para as nove escalas, com valores de alpha entre 0.71 (Psicoticismo) e 0.85 (Depressão) e coeficientes teste-reteste entre 0.68 (Somatização) e 0.91 (Ansiedade Fóbica). A validade de construto foi testada através de estrutura fatorial, avaliada na população em geral e em população clínica, que confirmou a estrutura dimensional subjacente à versão mais longa (SCL-90-R) (Derogatis, 1977). Para além dos estudos referidos, que mostram a equivalência entre o SCL-90-R e o BSI, diversos estudos são mencionados no sentido de avaliar a validade convergente do BSI, entre os quais se destaca a convergência encontrada com o MMPI, especialmente para as dimensões Sensibilidade Interpessoal (correlações entre 0.44 e 0.63), Ansiedade (correlações entre 0.40 e 0.57) e finalmente Depressão (correlações entre 0.43 e 0.72) (Derogatis, 1993).
Dessa maneira, as nove dimensões primárias foram descritas por Derogatis (1993) da seguinte forma: Somatização, Obsessão-compulsão, Sensibilidade Interpessoal, Depressão, Ansiedade, Hostilidade, Ansiedade Fóbica, Ideação Paranóide e Psicoticismo. Dos três índices globais descritos no referido instrumento, foi utilizado o GSI como o melhor indicador da melhora.
EVA2 (Escala de Vinculação do Adulto - Adult Attachment Scale-R): Idealizada por Collins e Read(1990), foi concebida para identificar os três padrões de vinculação mencionados por Bowlby (seguro, evitativo e ansioso) desenvolvidos por indivíduos adultos na relação com outros parceiros. Collins e Read (1990) desenvolveram as descrições a partir de Hazan e Shaver (1987) e incluíram itens que contemplam padrões de vinculação experienciados na infância. Na construção da escala, os autores extraíram afirmações do instrumento de Hazan e Shaver e obtiveram 15 itens (cinco para cada estilo de vinculação: seguro, evitativo e ansioso). Posteriormente, 6 novos itens foram agregados, com o objetivo de incluir mais dois aspectos dos processos de vinculação, não incluídos no instrumento original de Hazan e Shaver. Portanto, no presente instrumento, são também agora verificadas as (1) crenças sobre a disponibilidade da figura de vinculação e sua resposta na referida interação, consistindo de 3 itens e (2) as reações possíveis às separações da figura de vinculação, consistindo também de 3 itens, perfazendo um total de 21 itens, ou seja, 7 itens para cada estilo específico de vinculação. Vale ressaltar que em uma amostra de 286 mulheres e 184 homens, foram realizados estudos psicométricos, dos quais resultou a atual versão utilizada que é composta de 18 itens, os quais procuram avaliar o tipo de vinculação que o indivíduo estabelece com outros parceiros na vida adulta. Para quantificar o tipo de vinculação predominante, é utilizada uma escala de cinco pontos, do tipo Likert, que vai desde nada característico em mim até extremamente característico em mim.
A análise fatorial desses 18 itens sugere a existência de três dimensões (close, depend e anxiety). Correlações feitas entre esses três fatores revelaram uma ligação modesta entre os fatores depend e close (r = 0.38), uma ligação fraca entre os fatores anxiety e depend (r = -0.24) e a inexistência de negação entre os fatores anxiety e depend (r = -0.08). Os autores revelam uma boa viabilidade para a escala, referindo alphas de Cronbach para as três subescalas em causa de 0.81, 0.78 e 0.85, respectivamente. Para um período de seis meses, foi verificada uma estabilidade temporal de r = 0.64, para a subescala Anxiety; r = 0.71 para a subescala close; e r = 0.70 para a subescala depend. Aspectos da validade convergente da escala são mencionados pelos mesmos autores, que apontam correlações entre a AAS-R e o instrumento de Hazan e Shaver (1987).
Procedimentos
Os profissionais que fizeram parte da amostra receberam o conjunto dos questionários (ins¬trumentos), de acordo com os seguintes procedimentos:
1) Pedido de colaboração voluntária, explicação sobre a natureza do estudo e do tipo de tratamento que os dados receberiam e garantia de confidencialidade das respostas (suas e de seus clientes).
2) Preenchimento dos questionários, com instruções padronizadas (tanto para os clientes como para os profissionais).
3) A seqüência do preenchimento dos questionários foi determinada seguindo a ordem cronológica dos episódios:
• Após o final da primeira sessão, foram aplicados o BSI (Inventário Breve de Sintomatologia) e o EVA (Escala de Vinculação do Adulto) aos clientes. O EVA também foi preenchido pelo terapeuta no final da primeira sessão.
• Após o final da 4ª sessão, foi aplicado o WAI (Inventário de Aliança Terapêutica) a ambos, respeitando-se a versão do cliente e do terapeuta.
• Após o término da 14ª sessão, foi novamente aplicado o WAI (Inventário de Aliança Terapêutica) a ambos, respeitando-se a versão do cliente e do terapeuta. O BSI foi aplicado novamente ao cliente.4) Todos os questionários em poder dos terapeutas foram recolhidos no final da 15ª sessão e embalados separadamente (cliente e terapeuta), uma vez que os clínicos já haviam sido orientados a manter a confidencialidade das respostas de seus clientes.
Descrição da hipótese estatística
O objetivo deste experimento é testar a hipótese de que díades de pacientes e terapeutas com prevalência de vinculação semelhantes, de acordo com o EVA, obtêm diferença na avaliação via BSI - comparando-se a 1ª e 14ª sessões em relação às díades com prevalência de vinculação diferentes.
Neste experimento, também é feita a aplicação do WAI na 4ª e 14ª sessões em pacientes e terapeutas, a fim de se medir a aliança terapêutica entre os mesmos. Os escores obtidos no WAI serão avaliados quanto à possibilidade de serem considerados covariáveis no modelo estatístico, ou seja, como variáveis que são consideradas tratamento na Análise de Variância, mas que podem influenciar a variável resposta.
Teste da Hipótese Estatística
O modelo estatístico utilizado para o teste dessa hipótese é a Análise de Variância de Medidas Repetidas. Esse modelo testa a igualdade de médias quando os membros da amostra são mensurados em diferentes condições.
Primeiramente, foi feita a avaliação dos escores do WAI Global para a verificação da possibilidade de serem utilizados como covariáveis. Assim, foi gerada uma matriz de correlação dos escores do WAI Global e as variáveis dependentes, BSI/GSI 1ª sessão e BSI/GSI 14ª sessão. Essa matriz de correlação na amostra em geral é mostrada a seguir na tabela 1:
TABELA 1 – MATRIZ DE CORRELAÇÃO ENTRE OS ESCORES DO WAI GLOBAL E OS ESCORES DO BSI/GSI 1ª E 14ª SESSÕES
A matriz de correlação nos permite verificar que não existem associações entre os escores do WAI Global e dos GSI/BSI que sejam fortes o suficiente para serem considerados como covariáveis no modelo de análise de variância de medidas repetidas, portanto, o WAI não foi utilizado.
O modelo utilizado foi do tipo full factorial com soma de quadrados Tipo III. O nível de significância utilizado na ANOVA foi de 5%.
Como o tamanho da amostra é pequeno, optou-se pela abordagem univariada com ajuste dos graus de liberdade através dos fatores de correção de Greenhouse-Geisser e de Huynh-Feldt, uma vez que o teste de esfericidade de Mauchly que testa a hipótese de que a matriz de covariância apresenta variâncias iguais e covariâncias iguais a zero foi rejeitada. O quadro da análise de variância que testa os efeitos por indivíduos é mostrado na tabela 2 a seguir:
TABELA 2 – ANÁLISE DE VARIÂNCIA WITHIN INDIVÍDUOS
Essa análise testa a hipótese de que as sessões (1ª e 14ª) e sua interação com as díades (semelhantes e diferentes) não têm efeitos sobre as variáveis dependentes (BSI/GSI 1ª sessão e BSI/GSI 14ª sessão). Dessa análise, verifica-se a não significância para sessão (nível descritivo = 0.13791) nem para a interação sessão x díades (nível descritivo = 0.46154). A análise de variância a seguir testa o efeito entre indivíduos (vide tabela 3).
Essa análise testa a hipótese de que a díade não tem efeito sobre as variáveis dependentes (BSI/GSI 1ª sessão e BSI/GSI 14ª sessão). Dessa análise, verifica-se a não significância para díade (nível descritivo = 0.31454).
TABELA 3 – ANÁLISE DE VARIÂNCIA BETWEEN INDIVÍDUOS
O reduzido tamanho da amostra (19 díades) com o qual obrigou-se a desenvolver a análise estatística, trouxe como conseqüência um grande erro amostral para os estimadores, o que provavelmente contribuiu para a não significância estatística da Análise de Variância.
Resultados
Tivemos como objetivo procurar visualizar o resultado final de uma psicoterapia à luz das diferentes vinculações estabelecidas entre terapeutas cognitivos e seus pacientes. Procuramos, assim, identificar as possíveis variações, levando em consideração os aspectos relativos à similaridade e à diferença nos modelos de vinculação.
Uma das grandes dificuldades (se não a maior) encontradas ao longo da investigação foi a resistência velada exibida pelos clínicos quando foram apresentados ao estudo e convidados a contribuir. Seguramente, pelo menos 60% dos conjuntos de questionários foram entregues e jamais devolvidos conforme descrito anteriormente. Num determinado momento, acreditamos ser inevitável o cancelamento da investigação, uma vez que o universo psicoterapêutico de base cognitiva no Brasil não é tão extenso, e as características da amostra exigiam que tais clínicos tivessem pelo menos cinco anos de atividades profissionais na referida orientação teórica. Mas, finalmente, apesar do número de colaboradores ter sido menor do que aquele idealizado inicialmente, conseguimos mesmo assim tecer algumas considerações importantes. Vale lembrar ainda que a amostra recolhida contemplou profissionais derivados das diversas regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste).
Embora a proposta inicial do experimento fosse testar as igualdades e/ou diferenças entre as várias combinações de díades paciente-terapeuta com relação ao estilo de vinculação medido pelo BSI/GSI, foi possível, devido ao pequeno número de observações coletadas, estudar as díades de maneira distinta daquela imaginada e, assim, as mesmas foram agrupadas em diferentes e semelhantes, no que tange aos estilos de vinculação. Dessa forma, o experimento consistiu em testar se havia diferenças dessas díades em termos dos indicadores da melhora clínica.
Dessa maneira, como resultado de nosso experimento obteve-se que, independentemente da díade terapeuta-paciente ser categorizada em semelhante ou diferente, a mensuração na 14ª sessão do BSI/GSI decai na média em relação à 1ª sessão, embora não haja diferença estatisticamente significativa entre as médias nas duas categorias de díades. O gráfico 1, mostrado a seguir, apresenta essa variação para ambas as díades.
Outro dado pode ser constatado que, independentemente de haver semelhanças ou diferenças nos resultados finais ao final das 14as sessões de ambos os grupos, as díades diferentes apresentam uma maior melhora na pontuação do BSI/GSI da 14ª sessão em relação à 1ª sessão, se comparadas com as díades semelhantes. Isto é, índices de melhora foram observados entre ambas as díades, porém com maior queda no BSI/GSI entre as díades diferentes em seus estilos de vinculação.
Conclusão
Ao longo desta investigação, mencionou-se repetidamente que modalidades incompatíveis de relação vincular entre terapeuta e cliente talvez estivessem predispondo a psicoterapia a um resultado negativo, ou seja, uma base distinta de apoio contribuiria para resultados pobres ao final da terapia, acarretando pouca ou nenhuma mudança pessoal (Dunkle & Friedlander, 1996). Dessa forma, tornava-se implícita a idéia de que certos tipos de relação entre o profissional e o cliente poderiam, de alguma maneira, tornar-se incipientes.
Infelizmente, a idéia original de combinação de análise de cada estilo combinado não pôde ser levada adiante, o que nos daria, sem dúvida alguma, uma riqueza e sofisticação de análise, pois o universo de psicólogos cognitivos brasileiros (e dentro dos critérios de inclusão) já havia se esgotado. Portanto, a partir do que foi exposto, podemos afirmar que a relação de ajuda, independentemente de suas combinações vinculares, sempre propiciou significativos graus de melhora clínica, fazendo com que o paciente sempre se beneficiasse de alguma maneira dessa interação. Corroborando nossos achados, em um estudo de Tyrrell, Dozier, Teague e Fallot (1999), verificamos que as evidências sugerem que as diferenças entre cliente e terapeuta facilitam resultados mais positivos do tratamento, ou seja, a disparidade de estilos entre cliente e terapeuta é associada aos melhores resultados ao final da terapia. Estes últimos construtos tendem a demonstrar que pares assimétricos (clínico-cliente) oferecem maior possibilidade de sucesso no tratamento. Isto por que, na grande maioria das vezes, tal ligação torna-se muito mais responsável pela mudança pessoal do cliente do que aquelas apresentadas na história de vida, independentemente da etiologia envolvida no processo terapêutico.
GRÁFICO 1 - MÉDIAS PARA AS DIADES NA 1ª E 14ª SESSÕES DO BSI/GSI
Segundo alguns autores, um terapeuta genuinamente efetivo para valorizar a concordância do tratamento e compensar a resistência, precisa de: (1) uma ampla variedade de técnicas à sua disposição, e (2) um repertório flexível de estilos de relacionamento e posturas para as diferentes necessidades e expectativas dos clientes um autêntico camaleão terapêutico. Isto poderia incluir decisões sobre o nível de formalidade e informalidade do paciente, o grau no qual ele revela informação pessoal, a extensão na qual o terapeuta introduz os tópicos da conversação e, no geral, quando e como ser diretivo, apoiador ou reflexivo.
Afirmam alguns autores que estar emocionalmente presente para o paciente não é nem fácil nem livre de riscos para os clínicos (Mahoney, 2005; Neimeyer & Mahoney, 1997). O estresse e imparcialidade do profissional podem ser amplificados pelos desafios de estar emocionalmente disponível (e algumas vezes sentir-se responsável) pelas vidas afetivas daqueles que buscam a sua ajuda.
“Um terapeuta reconhece a intersubjetividade da experiência humana. Isto significa, dentre outras coisas, que sempre existem “convidados especiais” no consultório. Os pacientes sempre trazem seus “outros significativos” com eles, assim como nós terapeutas. Nossos pais, famílias, amigos, inimigos e professores estão todos lá. Nós raramente temos consciência de suas presenças, é claro, e isto é adaptativo. Mas significa que o consultório e o relacionamento terapêutico estão fortemente povoados por memórias, antecipações e personagens cujas maneiras de relacionar-se conosco são inegavelmente poderosos ao influenciar como nos relacionamos com os outros.”
Michael Mahoney
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Endereço para correspondência
Rua Pará nº 50 Higienópolis cjs. 81/82 . São Paulo - CEP 01243-020.
Recebido em: 20/08/2005
Aceito em: 02/12/2005