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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.3 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007

 

ENTREVISTA

 

Entrevista com Dr. James Blascovich1

 

Interview with Dr. James Blascovich

 

 

Aline Sardinha

Psicóloga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Grupo de Pânico e Respiração -Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB)

Endereço para correspondência

 

 

 

Dr. James Blascovich é professor de psicologia da University of California, Santa Barbara (UCSB). É graduado em psicologia pela Loyola University de Chicago e Ph.D em psicologia social pela University of Nevada, Reno. Anteriormente, foi professor da University of Nevada, Reno; da Marquette University e da SUNY em Buffalo. Atualmente, Dr. Blascovich é co-diretor do Research Center for Virtual Environments and Behavior. Foi presidente da Society for Personality and Social Psychology e da Society of Experimental Social Psychology. É membro da Academy of Behavioral Medicine and Research, da American Psychological Society e da American Psychological Association. Dentre os diversos prêmios que recebeu, podem-se destacar o Inaugural Australasian Social Psychology Society/Society of Personality and Social Psychology Teaching Fellowship, o Erskine Fellowship na University of Canterbury em Christchurch, Nova Zelândia e o Chancellor’s Award for Excellence in Undergraduate Research pela UCSB. Dr. Blascovich é membro do conselho de revisores da National Academy of Science e de conselhos editoriais de diversos periódicos científicos. Além disso, suas pesquisas são patrocinadas pela National Science Foundation há mais de 15 anos. Suas linhas de pesquisa são motivação social e influência social em ambientes mediados por tecnologia. Ele utiliza realidade virtual para investigar empiricamente os processos de influência social, incluindo comunicação não-verbal, processos colaborativos de tomada de decisão e liderança.

RBTC: Dr. Blascovich, o senhor é atualmente co-diretor do Centro de Pesquisas em Realidade Virtual e Comportamento. O que o levou inicialmente a interessar-se por realidade virtual?

JB: Eu experimentei uma demonstração com um dos meus colegas, Dr. Jack Loomis, em seu laboratório de realidade virtual. Um de seus ambientes virtuais é uma sala virtual, muito similar à sala real em que o sujeito se encontra, mas que possui uma enorme cratera no chão, atravessada por uma tábua virtual. O sujeito sabe que não há nenhuma cratera no chão em que ele está pisando, mas a maioria das pessoas não consegue atravessar a tábua virtual. A minha reação foi: “Não acredito que eu não consigo controlar conscientemente a reação de medo”.

Como psicólogo social, pensei em como eu poderia utilizar a tecnologia em meus experimentos, uma vez que ela possibilita tanto um alto controle experimental quanto realismo ecológico, sem mencionar que as condições do ambiente podem ser exatamente as mesmas em todas as sessões experimentais. Porém, percebi rapidamente que o conceito de realidade virtual não deve ser confundido com tecnologia. As pessoas, quando pensam em realidade virtual, pensam em ambientes criados digitalmente. Entretanto, ambientes virtuais podem ser criados de várias maneiras. Todos nós já estivemos em ambientes virtuais inúmeras vezes e ficamos absolutamente convencidos de que estávamos em ambientes reais, por exemplo, quando sonhamos. Mesmo fantasias ao longo do dia nos transportam para um mundo virtual. Eu acho que os seres humanos são predispostos e possuem um sistema nervoso equipado para nos transportar psicologicamente para situações diferentes da que estamos fisicamente. Há evidências cognitivas e neurológicas atualmente de que apenas imaginar realizar uma ação ou efetivamente realizá-la provocam uma ativação cerebral semelhante. Se pensarmos historicamente, a “tecnologia” virtual existe desde os contadores de histórias medievais, pintores, arte rupestre, teatro, livros, fotografias, radio, telefones, filmes, televisão e, mais recentemente, tecnologia digital. As tecnologias de mídia funcionam levando o indivíduo psicologicamente para um lugar diferente de onde ele se encontra fisicamente. Assim, acho que nós somos predispostos a experimentar situações virtuais e que existem diversas formas de fazer isso.

RBTC: Quais são os seus objetivos de pesquisa atualmente? Que resultados foram alcançados até o momento?

JB: Nós temos feito muitas coisas com realidade virtual. Uma delas é utilizá-la como ferramenta para estudar o problema da consciência: como distinguimos entre o que é consciente, inconsciente e metaconsciente. Por exemplo, nós pedimos a um grupo de participantes para vir ao nosso laboratório participar de um jogo de cooperação. Sabemos, por outros estudos do meu laboratório de fisiologia, que quando interagem com um membro de um grupo estigmatizado, identificado pela raça, por uma marca de nascença ou etnia, as pessoas sentem-se ameaçadas e o padrão cardiovascular se altera, em resposta à ameaça. Assim, o participante vem ao laboratório e encontra uma pessoa, um colaborador, que é ou não membro de uma minoria, identificado por uma marca de nascença. Então, ambos entram no ambiente virtual, para o jogo de cooperação, e o representante virtual do colaborador apresenta ou não a marca, independentemente de o colaborador apresentá-la anteriormente. Nós pensamos que essa poderia ser uma maneira de avaliar se a resposta de ameaça ocorreria somente quando a pessoa real tinha a marca, o que sugeriria um processamento cortical, ou se a resposta ocorreria quando o representante virtual possuía a marca, independentemente de se a pessoa tivesse a marca anteriormente, o que sugeriria um processamento pré-consciente da informação. O que observamos foi que os sujeitos sentiam-se ameaçados se a pessoa real tinha a marca, mas que o padrão cardiovascular indicador de ameaça somente se mantinha, ao longo do experimento, se o representante virtual também apresentava a marca.

Outra linha de pesquisa que temos é o que chamamos de interações sociais transformadas. Em um ambiente virtual digital, não é necessário obedecer às leis da natureza. Portanto, uma professora cujos alunos possuem algum grau de déficit de atenção pode manter contato virtual com todos, simultaneamente, em um ambiente virtual, o que facilitaria o aprendizado e a memorização dos alunos.

Outro experimento interessante que nós realizamos foi para estudar como as pessoas interagem com elas mesmas, o que pode ter implicações clínicas relevantes. Por exemplo, digamos que o representante virtual do participante pode ser escolhido por ele ou por nós. O sujeito manterá uma distância interpessoal muito maior ao interagir com a representação de si mesmo do que com a representação de outra pessoa. Dessa forma, conseguimos promover uma espécie de “experiência de estar fora do corpo”. Mas este mesmo fenômeno não ocorre quando nós designamos um representante virtual de um gênero diferente do participante.

Nós também desenvolvemos um modelo geral de influência social em ambientes virtuais de imersão, que precisam ter realismo comunicativo e o que chamamos de intenção, isto é, se você acredita que a representação virtual com quem você está interagindo é uma representação de uma pessoa real, em tempo real, ou se você acha que está interagindo com um algoritmo de computador, o que chamamos de agente. Isso faz muita diferença, dependendo da resposta que estamos tentando medir. Se estamos medindo respostas automáticas, como reflexos, por exemplo, a intenção não produz diferença, um agente pode eliciar a mesma resposta defensiva que um representante virtual. Mas se nosso objetivo é medir variáveis da interação, sentimentos e atitudes em relação ao interlocutor, a influencia social só se dá da mesma forma que ocorreria no mundo físico quando o sujeito interage com um representante virtual.

Além disso, nosso centro também estuda percepção, raciocínio espacial, aprendizado e treinamento.

RBTC: Então, vocês conseguem recriar ambientes virtuais ecologicamente válidos e que podem realmente simular o mundo real?

JB: Certamente. Eu acho que as pessoas que são leigas em realidade virtual pensam em termos de correspondência fotográfica com o mundo físico, mas não é preciso ter esta correspondência. O que é necessário é correspondência comportamental. Nós precisamos colocar os sujeitos para interagirem com realismo comunicativo, e o que promove este realismo são os movimentos e um certo realismo antropométrico. Assim, não podemos, por exemplo, ter um movimento da mão, sem a presença da mão. Mas realismo fotográfico não faz diferença em termos de comunicação, exceto para estudos sobre identidade individual e de grupo.

Eu acho que a maioria dos comportamentos e respostas emocionais e comportamentais cotidianas ocorrem sem muito controle consciente. Se pensarmos sobre cartunistas ou animadores, apenas através das expressões faciais, eles nos fazem interagir com um patinho estranho como se fosse uma pessoa. Nesse sentido, eu tenho um conceito que chamo de relatividade psicológica. Nós pensamos que nosso ambiente físico é real, porque nós nascemos e fomos criados nele. Todo o resto é virtual, relativamente a este ambiente: sonhos, realidade virtual de imersão, etc. Esse é o tema de filmes como “Matrix”ou “Show de Truman”. Então, o que eu acho interessante sobre realidade virtual é que toda realidade é virtual.

RBTC: O senhor acha que ambientes virtuais podem ser úteis para terapia? De que maneira?

JB: Eu acho que ambientes virtuais podem ser usados, em geral, para simular situações que evocam comportamentos e estados mentais anormais. Eu acredito que a terapia realizada em uma realidade virtual pode ser facilmente transferida para a realidade física.

No caso de fobias, por exemplo, é fácil de imaginar. Há um grupo em San Diego, Califórnia, que trabalha com dessensibilização em pacientes fóbicos: medo de avião, aracnofobia, medo de altura etc. Essa é uma das maiores utilizações clínicas da realidade virtual. Muitas pessoas acham que realidade virtual é um bom lugar para tratar fobias, por não ser real. Entretanto, eu acho que a experiência pode ser muito real para o indivíduo. É tão assustador quanto o ambiente real, ainda que não haja nenhum perigo real.

Pode-se também recriar eventos traumáticos que levam a Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Isso pode ser útil para TEPT, se você concordar com a idéia de que reviver e confrontar o incidente é uma parte importante da terapia, como colocam autores como Foa, por exemplo. Um grupo da University of Southern California (USC) trabalha com TEPT secundário a traumas de guerra e tenta recriar os incidentes vividos na guerra. Por exemplo, o paciente está em um tanque, avançando sobre uma cidade, e atropela um criança. Essa situação pode ser recriada virtualmente.

Eu acredito, ainda, que, em todos os momentos em que se usa role play em terapia, poderia-se usar realidade virtual, a fim de obter maior realismo ecológico, uma vez que a situação nunca é composta somente das pessoas, mas também de outros aspectos que não podem ser recriados no consultório. Assim, a terapia poderia ser mais eficaz, ao permitir sair da terapia centrada na fala para o uso de todos os processos automáticos que a situação evoca, independentemente da perspectiva teórica que se adote.

Há ainda outros usos clínicos que eu posso pensar. Pode-se, por exemplo, criar uma experiência alucinatória psicótica para pacientes esquizofrênicos que sofrem com alucinações, usando tecnologia digital virtual.

Além disso, há também aplicações em saúde nas quais eu estou interessado atualmente, porque eu também estudo psicofisiologia cardiovascular. Em meus estudos sobre desafio e ameaça, um dos resultados interessantes é que o fluxo sangüíneo aumenta em situações de desafio e diminui em situações de ameaça. Se pensarmos em pacientes com câncer que precisam de quimioterapia, o fluxo sangüíneo é uma variável importante para a dosagem ideal de medicação. E os médicos não prescrevem de acordo com o estado motivacional do paciente. A prescrição é baseada no peso corporal. Alguns pacientes não respondem apropriadamente à dosagem prescrita. Às vezes, os pacientes são pouco sensíveis, ou hipersensíveis, e eu acredito que isso seja influenciado por seu estado motivacional. Assim, dado que a realidade virtual promove distração e que nós podemos colocar os pacientes em situações nas quais eles são idiossincraticamente inclinados a se sentirem desafiados, se tivermos, por exemplo, um paciente que goste de apostar jogando cartas e se regularmos o jogo para que o paciente ganhe um pouco mais do que o normal, podemos eliciar a resposta cardiovascular a desafio, aumentando o fluxo sangüíneo por horas e conseguindo uma quimioterapia mais efetiva, com uma dosagem menor.

Finalmente, há um grupo da University of Washington que usa realidade virtual para manejo da dor. Eles publicaram um artigo na Scientific American, há uns dois anos, onde demonstravam redução de 90% na dor auto-reportada por vítimas de queimaduras, no momento da troca das bandagens. Eles colocavam os pacientes em um ambiente virtual com uma imagem de oceano, enquanto a bandagem era trocada.

RBTC: O senhor desenvolveu um modelo biopsicosocial de desafio e ameaça. O senhor poderia explicar brevemente este modelo?

JB: Basicamente, é uma teoria motivacional. Quando as pessoas estão em uma situação onde desempenho é importante, uma situação que apresenta objetivos importantes e que requer respostas cognitivas instrumentais, estlas podem responder sentindo-se ameaçadas ou desafiadas. Exemplos de situações de desempenho incluem realizar uma entrevista, ser entrevistado, realizar prova, negociações, dar uma palestra, realizar psicoterapia em um cliente etc. Se você avalia seus recursos como suficientes para as demandas da situação, você se sente desafiado, mas se as demandas superam os seus recursos, você se sente ameaçado. Essas avaliações podem ser conscientes ou inconscientes. Nós descobrimos, baseados em estudos com animais, que existem diferentes tipos de padrão cardiovascular para situações de desafio e ameaça. Tanto para desafio quanto para ameaça, há uma acréscimo na freqüência cardíaca e na constricção ventricular (ou seja, o quanto o ventrículo esquerdo se contrai). Em adendo, em situações de desafio, ocorre vasodilatação e aumento da resposta cardíaca (fluxo sangüíneo). Em situações de ameaça, há pouca ou nenhuma vasodilatação e, algumas vezes, até vasoconstricção, e pouca ou nenhuma mudança na resposta cardíaca.

RBTC: Qual poderia ser a utilização de medidas objetivas de ativação emocional, como as medidas cardiovasculares, em terapia? Como os terapeutas podem utilizar isso na prática?

JB: Digamos que o paciente apresente um transtorno de ansiedade, como TEPT secundário a abuso sexual na infância, e o terapeuta pede ao paciente que coloque duas palavras que ele vê no monitor em ordem alfabética, de acordo com um número que aparecer na tela, o mais rápido que puder. Assim, se o número quatro aparecer na tela, o paciente teria que colocar as palavras em ordem alfabética de acordo com a quarta letra da palavra. Por exemplo, “deaf” e “dead” teria que ser “dead” e “deaf”, se o número quatro aparecesse. Então, o terapeuta colocaria algumas palavras relacionadas ao trauma. Desta forma, se fosse um trauma sexual, o terapeuta poderia usar palavras como “incesto” ou “estupro”. Pacientes com história de trauma apresentariam resposta de ameaça. Entretanto, se a terapia for eficaz, em algum momento, eles não mais se sentirão ameaçados pela tarefa. Eu acho que esse é um indicador, contínuo e encoberto, e elimina a preocupação com a capacidade do paciente de reportar veridicamente a sensação de ameaça. Essa é uma forma de incrementar o efeito da terapia e deve funcionar bem, para analisar o sucesso de terapias de dessensibilização.

RBTC: Tendo em mente o progresso das pesquisas e o status atual do uso da realidade virtual, como o senhor vê seu futuro?

JB: Eu acho que será como o de qualquer outra mídia que nós temos:, áudio, vídeo, etc., Eu acho que seu uso é ilimitado. Ainda, acredito que as pessoas, nas próximas décadas, estarão vivendo a maior parte do tempo em ambientes virtuais. Atualmente nós já passamos muito tempo neles. Não são ambientes de imersão, mas poderiam ser.

Por outro lado, eu não acredito que os terapeutas venham a ser substituídos, uma vez que a inteligência artificial não progrediu tão rapidamente quanto as outras ciências da computação. De qualquer forma, acho que realidade virtual pode ser útil em muitos aspectos.

RBTC: Como os terapeutas podem ter acesso à tecnologia de realidade virtual atualmente? Qual o custo médio?

JB: Alguns terapeutas têm usado ambientes não-imersivos, usando somente computadores. De qualquer maneira, para um sistema de ambiente virtual de imersão, o custo médio seria de aproximadamente US$25.000, para montar um sistema para apenas um usuário.

RBTC: Então, o terapeuta teria que criar um ambiente interativo para cada paciente?

JB: Bem, poderia ser um ambiente mais geral. É fácil ser criativo com isso.

Para terapia de casais, por exemplo, o terapeuta poderia colocar um dos membros do casal num ambiente virtual que simulasse a perspectiva do outro. Eu acho que não há limites para isso, mas eu não acho que seja algo mágico. É apenas uma ferramenta que pode ser útil.

Existe um grupo na University of Southern California (USC) que possui uma sala de aula virtual para crianças de escola primária. Na sala virtual, existem distratores, como um carro que pode ser visto através da janela da sala, ou alguém jogando um aviãozinho de papel ou brincando dentro da sala. Os pesquisadores conseguem diferenciar as crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, através do movimento da cabeça dessas crianças em relação aos distratores. Crianças com TDAH movem muito mais a cabeça do que crianças sem TDAH. Eu acho que esse é um instrumento diagnóstico bem interessante.

A proximidade ou a distância que uma pessoa mantém entre si e outra pessoa é também uma medida muito sensível, que a maioria das pessoas não repara em seu próprio comportamento. Nós podemos pedir ao paciente que explore seu ambiente familiar, por exemplo, e que cumprimente as representações virtuais dos membros da sua família; e então, medirmos a distância que ele mantém deles, o que é um bom indicador de quem alguém tem mais medo, ou sente mais compaixão.

 

Endereço para correspondência
Rua Cinco de Julho 142/801 – Copacabana, Rio de Janeiro.
CEP: 22051-030.
E-mail: alinesardinhapsi@gmail.com

 

 

Notas

1 Entrevista realizada no dia em 15 de abril de 2007, em Santa Barbara, Califórnia – EUA.

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