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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. v.5 n.1 Rio de Janeiro jun. 2009
ARTIGOS
Supervisão em habilidades sociais e seu papel na promoção deste repertório em estagiários de psicologia
Supervision in social skills and their role in promotion of this repertory in psychology trainees
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Psicóloga, mestre em psicologia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, doutora pela Universidade de São Paulo - USP- Ribeirão preto, pós-doutora pela USP- Ribeirão Preto, docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, da faculdade de ciências da Universidade Estadual Paulista. (UNESP)
RESUMO
O interesse pelo estudo das interações sociais de estudantes se justifica porque o ingresso na universidade exige novos repertórios para a vida acadêmica e social. Diante de tanta dificuldade de adaptação do estudante universitário, seria esperado que as universidades se preocupassem em ajudá-lo neste sentido, ainda que poucos estudos tenham sido conduzidos nesta direção. Ao supervisor de psicologia clínica cabe fornecer suporte social que permita melhorar o desenvolvimento profissional e social, de forma a estimular independência, autonomia e responsabilidade, colaborando para maior sucesso nas intervenções e satisfação com o supervisor e o treinamento. O objetivo deste trabalho é o de comparar (Teste Wilcoxon) as habilidades sociais (IHS-Del Prette) de 39 estudantes de psicologia antes e após frequentarem um estágio supervisionado em treinamento de habilidades sociais. A amostra é composta especialmente por mulheres e os resultados mostraram melhoras em quatro dos cinco fatores avaliados. Implicações destes achados são discutidas quanto ao repertório social e à saúde mental dos universitários.
Palavras-chave: Universitários, Habilidades sociais, Supervisão.
The interest in studying students’ social interactions is justified because the entrance in the university requires new behaviors for academic and social life. In view of university students’ adaptation difficulty, it would be expected that universities help them in this sense, although few studies have been carried out concerning this issue. The supervisor of clinical psychology needs to offer his students social support that improves professional and social development in a way to stimulate independence, autonomy, and responsibility. This process contributes to larger success in intervention programs, and students’ satisfaction with the supervisor and the training. The objective of this paper is to compare (Tests Wilcoxon) social skills (IHS-Del Prette) of 39 psychology students before and after their supervised apprenticeship in social skills training. The majority of the sample consists of women and the results showed improvements in four of five appraised factors. Implications of these results are discussed with respect to social behaviors and mental health of university students.
Keywords: University students, Social skills, Supervision.
Introdução
O ser humano passa grande parte do seu tempo envolvido em interações sociais, seja no contexto pessoal, seja no profissional (Caballo, 1996). Adicionalmente, estudos indicam relação inversa entre interações sociais positivas e problemas psicológicos (por exemplo, Del Prette Z. & Del Prette, 2002). Desta forma torna-se relevante o estudo das interações sociais, sejam as envolvidas na vida profissional, sejam as relacionadas ao contexto pessoal. O campo teórico-prático do Treinamento de Habilidades Sociais oferece instrumental útil para avaliar habilidades sociais, enquanto componentes das referidas interações (Del Prette & Del Prette, 1999).
Segundo a literatura, não há concordância sobre a definição das habilidades sociais, ainda que seja possível encontrar consonância e/ou complementaridade. Del Prette e Del Prette (2001a) afirmam que se tratam de diferentes classes de comportamentos que são utilizadas para lidar de maneira adequada com as demandas de situações interpessoais. Para McFall (1982), as habilidades sociais são unidades comportamentais observáveis ou encobertas e fazem parte do repertório social do indivíduo diante das demandas de situações interpessoais. Caballo (1996) as define como um conjunto de comportamentos que são emitidos por um indivíduo capaz de expressar os seus sentimentos, atitudes, opiniões e direitos, em um contexto interpessoal. Entretanto, a ausência de uma teoria geral ou de um sistema conceitual torna-se um obstáculo para um consenso, tornando essa definição mais difícil de ser elaborada e de ser contextualizada (Del Prette, Del Prette & Barreto, 1999).
Para descrever a produção em habilidades sociais no Brasil, Bolsoni-Silva e cols. (2006) analisaram 55 artigos empíricos, até o ano de 2004, encontrando estudos que buscaram caracterizar populações, correlacionar variáveis e desenvolver instrumentos. Destes, 13 estudos (20%) foram conduzidos com universitários, sendo que a maioria deles (n = 7) buscou tecer relações entre variáveis: habilidades sociais e estresse (Furtado, Falcone & Clark, 2003; Bandeira, Quaglia, Bachetti & Ferreira, 2005), habilidades sociais e traços de personalidade (Bueno, Oliveira & Oliveira, 2001), influência de cursos de graduação sobre assertividade e habilidades sociais (Bandeira & cols., 2006; Del Prette & Del Prette, 1983; Del Prette, Del Prette & Branco, 1998; Gouveia & Pereira, 1994), habilidades sociais, sexo e idade (Del Prette & cols., 2004); três dedicaram-se a desenvolver instrumentos de avaliação (Bandeira, Costa, Del Prette, Del Prette & Gerk-Carneiro, 2000; Del Prette, Del Prette & Barreto, 1998; Pasquali & Gouveia, 1990) e dois testaram efetividade de intervenções (Del Prette & Del Prette, 2003; Falcone, 1998).
O interesse pelo estudo das interações sociais dos estudantes se justifica porque o ingresso na universidade traz mudanças e transformações sociais, à medida que este novo contexto exige novas demandas de conhecimento, habilidades e competência, requerendo um processo de adaptação para se obter sucesso acadêmico (Gerk & Cunha, 2006). Furtado e cols. (2003) e Cole, Lazarick e Howard (1986) afirmam que as vivências acadêmicas, quando não garantem ao universitário uma boa qualidade de vida, tornam-se experiências estressantes e até depressivas, além de influenciar no rendimento acadêmico.
No caso do estagiário de psicologia, uma das competências acadêmicas envolve comportamentos do terapeuta para garantir adequada relação terapêutica, a qual para Rangé (1995) refere-se a características do terapeuta e do cliente e à interação estabelecida entre ambos, a qual auxilia no processo terapêutico de forma a aumentar o valor reforçador do terapeuta e evocar atitudes colaborativas por parte do cliente.
Os comportamentos dos terapeutas de forma a garantir relação terapêutica satisfatória envolvem para Meyer e Vermes (2001): solicitar informações sobre comportamentos do cliente, eventos encobertos e história de vida; fornecer informações sobre a terapia; ser empático, demonstrando compreensão e acolhimento; sinalizar variáveis relevantes; demonstrar aprovação; orientar; fornecer instruções, modelos para ação, para mudança de contingências, tarefa de casa; interpretar padrões de comportamento; confrontar; e silêncio.
Do ponto de vista de Oliveira-Silva e Tourinho (2006), para o atendimento individual, são importantes os comportamentos: informação, investigação, feedback, inferência, recuperação, conselho, verbalizações mínimas e outras verbalizações.
Bolsoni-Silva, Carrara e Marturano (2008), a partir da categorização de Oliveira-Silva e Tourinho (2006) constataram que as categorias são aplicáveis para o atendimento em grupo, entretanto algumas subcategorias e novas categorias necessitaram ser incluídas: a) sobre investigação, foram incluídas seis subcategorias: solicitar - modelos ao grupo, opiniões dos clientes, informações sobre tarefa de casa, compreensão do cliente quanto a verbalizações do terapeuta, avaliação da sessão e informações sobre o que aprendeu na sessão anterior; b) quanto a feedback duas subcategorias - verbalização que elogia comportamentos habilidosos do cliente e verbalização de desaprovação ou correção das verbalizações do mesmo; c) para conselho: sugestão, solicitação para que o cliente realize determinada tarefa, estruturação da sessão e tomada de palavra. As categorias sumarização, acolhimento e generalização foram elaboradas a partir das análises das sessões em grupo.
Nota-se que os comportamentos do terapeuta na interação com os clientes são de natureza social e, portanto, para serem implementados necessitam de satisfatório repertório de habilidades sociais.
Outros estudos também atestam a relação entre habilidades sociais, rendimento acadêmico e saúde mental. Baker (2003), com uma amostra de 104 estudantes, verificou correlação positiva entre resolução de problemas e ajustamento, motivação e desempenho acadêmico. Veenman, Wilhelm e Beishuizen (2004) identificaram que habilidades de auto-regulação, auto-controle e monitoria do próprio comportamento são preditivas de competência acadêmica e Ciarrochi, Deane e Anderson (2002) encontraram correlação positiva entre auto-regulação e saúde mental, sobretudo estresse. Resolver problemas, auto-controle e auto-regulação são comportamentos comumente avaliados e treinados pelo campo teórico prático do Treinamento de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001a).
Diante de tanta dificuldade de adaptação do estudante universitário, seria esperado que a universidade se preocupasse em ajudá-lo neste sentido, mas infelizmente, como apontam Gerk e Cunha (2006), as universidades não preparam o indivíduo para as mudanças que ocorrem após o ensino médio, não oferecem investimentos em recursos humanos, nem financeiros em práticas pedagógicas de currículos, bem como deixam de promover programas que favoreçam a adaptação psicossocial dos estudantes. Essas instituições, para os autores mencionados, partem do pressuposto que os estudantes ao ingressarem nas universidades já estão completamente prontos para essa nova etapa da vida e que estão livres de indagações, incertezas e inseguranças.
Pode-se concluir, então, que as relações interpessoais podem ser úteis dentro da universidade, podendo favorecer o bem estar físico e psicológico dos indivíduos que adquirem reforçadores diante de seus relacionamentos sociais, ajudando na adaptação favorável e saudável nesse novo contexto (Del Prette & Del Prette, 1999) e que a universidade tem um papel importante nesse sentido.
Enquanto repertório no contexto universitário, requerido para bom desempenho e relatado como difícil de ser realizado, podem ser destacadas as habilidades sociais envolvidas no falar em público (apresentação de seminários, responder perguntas de professor, fazer comentários ou dar recados em sala de aula, falar com autoridade, reclamar com o professor sobre notas e avaliações, trabalhar em grupo: ouvir, concordar/discordar, lidar com críticas, negociar, argumentar, perguntar, responder perguntas), para lidar com relacionamentos amorosos - abordar para relação amorosa, manter ou terminar relacionamentos - (Boas, Silveira & Bolsoni-Silva, 2005; Del Prette, & Del Prette, 2003; Del Prette & cols., 2004; Del Prette, Del Prette & Barreto, 1998; Pacheco & Rangé, 2006) e na interação com familiares (Bandeira & Quaglia, 2005).
Adicionalmente às informações acima, podem-se destacar pesquisas que comparam e/ou descrevem o repertório de habilidades sociais. Del Prette & cols. (2004), com uma amostra de 564 estudantes de psicologia, identificaram maior frequência de habilidades assertivas (Fator 1), de conversação e desenvoltura social (Fator 3) e de autoexposição a desconhecidos e situações novas (Fator 4) e menor frequência em expressão de afeto positivo e de auto-controle da agressividade (Fator 5). Bandeira e Quaglia (2005), ao estudarem 40 universitários, encontraram queixas relacionadas a situações negativas de expressar insatisfação e de solicitar mudança de comportamento. Há também influência do sexo na forma de interagir na universidade, sendo as mulheres avaliadas como mais habilidosas que os homens (Baker, 2003; Del Prette & cols. 2004; Sarason, Sarason, Hacker, & Basham, 1985).
Deve-se ressaltar que a aquisição das habilidades sociais também é importante para a vida profissional do indivíduo após o término da faculdade, por isso torna-se imprescindível que o treinamento dessas habilidades sociais garanta generalização dos comportamentos socialmente competentes para diversas situações sociais e para toda a vida dos indivíduos (Del Prette, Del Prette & Barreto, 1998). Uma das últimas etapas de formação do profissional psicólogo é o estágio supervisionado, o qual também deveria contribuir para o aprimoramento das habilidades sociais dos estudantes.
Allan (1992), a partir do estudo de 145 universitários de psicologia quanto à supervisão em clínica, encontrou: a) relação positiva entre suporte social e desenvolvimento profissional e satisfação com o treinamento; b) relação negativa entre suporte social e funcionamento psicológico e físico; c) o desenvolvimento profissional aumentou com o nível de treinamento; d) a satisfação foi correlacionada com novos conhecimentos, habilidades e ganho de confiança; e) os supervisores que promoviam independência, autonomia e encorajavam os estudantes a ter responsabilidade, ao mesmo tempo em que forneciam suporte e guia, foram altamente estimados.
Na mesma direção, Gross (2005) estudou as expectativas de 321 estudantes de psicologia quanto à supervisão clínica: a maioria dos estudantes relatou receber na supervisão o que esperavam; na pergunta se haviam recebido supervisão individual para os primeiros atendimentos, 72% responderam que não e parte dos estudantes se queixaram do supervisor agir com arrogância e de forma intimidadora. Consequentemente, eles relataram desejar supervisores que fornecessem maior suporte e menos críticas. Harnett e Dadds (2004) apontaram a existência de supervisão como preditiva do sucesso das intervenções realizadas. Conclui-se que cabe ao supervisor, além de ensinar as habilidades acadêmicas, também promover suporte social e criar condição para o estagiário agir com independência e responsabilidade, sem valer-se de arrogância ou de comportamentos intimidatórios, sendo modelo de comportamentos socialmente habilidosos por um lado e modelando esse repertório, por outro.
Neste sentido, questiona-se o quanto frequentar um estágio supervisionado na área de habilidades sociais é capaz de favorecer generalização deste repertório para a vida pessoal do universitário. Para Skinner (1953/1993), generalização é um:
... termo que descreve o fato de que o controle adquirido por um estímulo é compartilhado por outros estímulos com propriedades comuns, ou, posto em outras palavras, que o controle é compartilhado por todas as propriedades do estímulo tomadas separadamente. (pág. 136).
O objetivo deste trabalho é o de comparar as habilidades sociais de estudantes de psicologia antes e após frequentarem um estágio supervisionado preocupado em desenvolver habilidades sociais em seus clientes.
Método
Participantes
Participaram do estudo 39 estagiários (35 mulheres e quatro homens) de uma universidade estadual paulista. Nessa universidade existem dois cursos de psicologia: o curso integral implica em cinco anos de estudos e o noturno, em seis anos; apenas à turma do noturno é permitido cursar estágio no penúltimo ano de formação, portanto no quinto ano. Considerando o período, tem-se 20 alunos da psicologia integral e 19 da psicologia noturno, desses, 14 estagiários cursaram apenas este estágio, como sua primeira experiência e sem concomitância com outros. A idade variou de 21 a 38 anos, sendo a média de 23,16 anos (DP = 2,69); a distribuição por idade é: 21 anos (n = 4), 22 (n = 11), 23 (n = 17), 24 (n = 4), 25 (n = 1), 26 (n = 1) e 38 (n = 1).
Instrumento
O Inventário de Habilidades Sociais (IHS - Del Prette & Del Prette, 2001b) caracteriza o desempenho social em situações cotidianas. Este é composto por itens que apresentam ações e sentimentos frente a determinadas situações, diante das quais o participante deve avaliar a frequência com que age ou sente: nunca ou raramente (escore 0); com pouca frequência (escore 1); com regular frequência (escore 2); muito frequentemente (escore 3); sempre ou quase sempre (escore 4). Entre os fatores estão: Fator 1: enfrentamento e autoafirmação com risco; Fator 2: autoafirmação na expressão de sentimento positivo; Fator 3: conversação e desenvoltura social; Fator 4: autoexposição a desconhecidos e situações novas; Fator 5: autocontrole da agressividade; adicionalmente o IHS-Del Prette conta com um conjunto de itens denominados “itens que não entraram em nenhum fator”, os quais são: negociar uso de preservativo, pedir mudança de conduta, lidar com críticas justas, expressar desagrado a amigos, recusar pedido abusivo, interromper a fala do outro. O instrumento possui validação para a população universitária (Bandeira & cols., 2000), apresentando valores de referência para a classificação diagnóstica.
Procedimentos
Para verificar se os participantes compunham uma amostra homogênea antes das intervenções/supervisões e, portanto, para checar se apenas a variável supervisão em habilidades sociais poderia diferenciá-los, foram realizadas comparações das medidas de pré-teste (Teste Mann-Whitney) quanto ao repertório de Habilidades Sociais (IHS-Del Prette) no que se refere às variáveis: a) primeira experiência de estágio x concomitância de experiências; b) integral x noturno para os 38 itens e também para os cinco fatores e para “itens que não entraram em fator algum”, conforme indicação do próprio instrumento (Del Prette & Del Prette, 2001b). Para responder se os estagiários que frequentaram apenas esse estágio tiveram influência diferente dos que fizeram esse estágio em concomitância, os grupos foram comparados também quanto ao pós-teste (Teste Mann-Whitney).
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p ≤ 0,05) para as comparações entre primeira experiência x concomitância com outros estágios na avaliação de pré-teste; na segunda avaliação três itens tiveram diferenças entre esses grupos: item 22, p = 0,020; item 24, p = 0,024; item 38, p =0,044, os quais foram excluídos das análises subsequentes. Quanto à comparação integral x noturno, apenas três de 38 itens e na classificação “itens que não entraram em nenhum fator” apresentaram diferenças significativas no pré-teste (item 22, p = 0,021; item 27, p = 0,038; item 34, p = 0,016 e outros itens, p = 0,038), os quais foram desconsiderados nas próximas análises.
A seleção dos estagiários foi realizada por uma equipe da universidade denominada Comissão de Estágio, em que um grupo composto por professores do departamento e por discentes trabalhou para determinar quais estagiários (aproximadamente 120) seriam alocados nos estágios oferecidos (em torno de 17); cada professor supervisor recebe oito alunos, em média. Resumidamente, a seleção ocorreu após os alunos preencherem um protocolo em que precisaram informar suas primeira, segunda e terceira opções. Nos casos em que o número de vagas coincidiu com os inscritos, a turma foi fechada; nos casos em que havia um número maior de inscritos que o número de vagas, ocorria seleção (também definida pela comissão), a qual foi geralmente entrevista. Os alunos desclassificados em determinada opção de estágio foram alocados na próxima oferta, e assim sucessivamente, até todas as turmas serem preenchidas. Os alunos que compõem a amostra deste estudo foram selecionados na primeira opção de estágio.
O procedimento de coleta de dados ocorreu nos anos de 2003 a 2007 e consistiu em aplicar coletivamente o IHS-Del Prette no primeiro dia de supervisão, em março de cada ano (avaliação pré-teste), o qual foi reaplicado no último dia de supervisão (avaliação pós-teste), em dezembro de cada ano, perfazendo um total de 20 sessões de grupo. Os estagiários assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual informava os objetivos do estudo e garantia a observância dos princípios anunciados pela Resolução 196 de 1996 (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da referida universidade no dia 30 de agosto de 2007, na 33ª Reunião Ordinária.
O tratamento e análise dos dados do IHS-Del Prette implicou no tratamento estatístico (Teste Wilcoxon), antes e após a supervisão, quanto aos itens, escores dos Fatores e Escore Total do IHS-Del Prette. Como “recusar pedido abusivo” (itens 22 e 34), “encerrar conversa ao telefone” (item 24), “expressar desagrado a amigos” (item 27), “lidar com chacotas” (item 38) e “itens que não entraram em nenhum fator” indicaram diferença significativa nas comparações realizadas, foram excluídos da análise (Teste Wilcoxon). Adicionalmente, apresenta-se uma tabela com a porcentagem de estagiários com indicação clínica e sem indicação clínica nas duas medidas de avaliação. Os resultados são expressos na forma de tabelas.
O procedimento de supervisão
O estágio é anual e em grupo, sendo atendidos dois grupos de pais (seis em cada grupo) e dois grupos de universitários (seis em cada grupo) que relatam queixas de interações sociais. Os estagiários trabalham em duplas, revezando-se nos papéis de terapeuta e de co-terapeuta. Tanto no caso dos pais como no de universitários, há procedimentos de avaliação e de intervenção descritos com detalhes, os quais ajudam os estagiários a identificar quais repertórios serão exigidos nas tarefas. As intervenções, de orientação analítico-comportamental, ocorrem uma vez por semana com duas horas de duração. A opção por trabalhar com pais e com universitários (com exceção dos de psicologia), enquanto clientes, dá-se pela experiência do supervisor em pesquisas na área e pela demanda do Centro de Psicologia Aplicada da universidade.
Enquanto procedimentos utilizados na supervisão, podem-se elencar alguns pontos:
- Os estagiários responderam ao IHS-Del Prette e tabularam o instrumento como forma de aprenderem a utilizá-lo e também para identificarem suas habilidades e dificuldades.
- O estudo de literatura da área (avaliação e intervenção clínica, habilidades sociais e análise do comportamento) durante todo o ano. Como a supervisão ocorre em grupo, tendo quatro horas de duração, duas delas são dedicadas ao relato dos casos clínicos, e as outras duas, ao estudo de textos selecionados pelo supervisor, sobretudo no primeiro semestre e, no segundo semestre, textos combinados com os alunos, considerando o tema do estágio e o interesse dos mesmos.
- Em um primeiro momento, prioriza-se o estudo de autores que darão suporte à avaliação individual dos clientes e, na sequência, são estudados os procedimentos de intervenções e a literatura relacionada; já no segundo semestre estudam-se geralmente textos aplicados e/ou filosóficos da Análise do Comportamento, já que é a abordagem teórica que subsidia o trabalho.
- Em cada supervisão, no primeiro semestre, ainda que todos os alunos leiam o texto selecionado, apenas um deles fica responsável por conduzir a discussão. A orientação do supervisor tem por objetivo a preparação ou direcionamento do aluno para apresentar o material, elencando tópicos de discussão, fazendo perguntas aos colegas e respondendo dúvidas. Após terminarem, os colegas são estimulados a fornecerem feedbacks positivos e modelos.
- O procedimento, apontado no item anterior, tem por objetivo treinar o relacionamento com grupo, na perspectiva do Treinamento de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 1999), no que se refere a oferecer informações, estimular discussões e responder perguntas, habilidades importantes nas intervenções a serem realizadas e para expor-se em público conhecido e desconhecido. Esses comportamentos do terapeuta são apontados por Oliveira-Silva e Tourinho (2006) enquanto relevantes para a relação terapêutica estabelecida por terapeutas analítico-comportamentais.
- Como anunciado acima, as avaliações dos clientes ocorrem individualmente, a partir de entrevistas, inventários e questionários (duas sessões de duas horas cada), em que permitem, em conjunto, realizar um diagnóstico comportamental e objetivos individuais que serão considerados durante todo o ano nos atendimentos em grupo.
- Os estagiários são treinados nas habilidades necessárias a partir de transcrição das sessões, as quais são lidas pelo supervisor que tem por procedimento elogiar o que está adequado (modelagem por aproximações sucessivas) e oferecer modelo pontual como alternativa aos comportamentos inapropriados à tarefa (modelação).
- Adicionalmente indicam-se quais perguntas abertas e fechadas serão necessárias para concluir o diagnóstico; essas orientações dão suporte ao estagiário na condução da segunda entrevista, que novamente é gravada e transcrita, recebendo as orientações do supervisor, as quais auxiliarão na formulação da intervenção propriamente dita.
- Os dados colhidos são organizados na forma de estudo de caso, o qual possui por itens: caracterização do cliente, história da queixa, conceituação comportamental e objetivos individuais. Cada estagiário é responsável por três avaliações expressas na forma desses estudos de caso.
- As sessões de grupo também são gravadas e parafraseadas, as quais recebem o retorno do supervisor semanalmente, oferecendo modelos e modelando respostas. Cada relatório de intervenção possui em torno de dez páginas digitadas em Times New Roman letra 12.
- Na supervisão de quatro horas há o relato de pontos que os estagiários consideram mais importantes, dificuldades que encontraram e aspectos destacados pelo supervisor a partir da leitura dos relatórios. O supervisor tem o papel de questionar o grupo na solução dos problemas, os quais, em geral, são resolvidos com a experiência e opiniões dos outros colegas; em caso contrário, são oferecidos modelos e/ou realizados role-playings.
- Este procedimento, além do objetivo de ensinar comportamentos terapêuticos necessários, também tem o papel de oferecer modelo e modelar comportamentos de condução de grupo, sobretudo de fazer perguntas, conduzir discussão e estimular o grupo na solução de problemas, tal como a apresentação dos textos, previamente descrita;
- Destaca-se que o tema das habilidades sociais percorre toda a supervisão, pois são estes repertórios que serão ensinados/treinados nos grupos de intervenção, exigindo que os estagiários estudem com profundidade essa literatura e levem à supervisão todas as suas dúvidas teóricas e aplicadas, no que se refere à sua implementação junto aos grupos de intervenção.
Resultados
Esta seção apresenta os resultados obtidos com o IHS-Del Prette, considerando as medidas antes e após a supervisão, organizados a partir dos Fatores de 1 a 5 (Tabelas 1, 2). Na sequência encontra-se a Tabela 3 com a frequência de participantes nas classificações do instrumento.
Tabela 1 - Comparações da avaliação de F1 e F2 do IHS-Del Prette. Expressos os resultados com diferença significativa (p <0,05)
Pela Tabela 1 nota-se que seis dos dez itens que compõem o Fator 1 (Enfrentamento e autoafirmação com risco) aumentaram a ocorrência após a supervisão: declarar sentimento amoroso, falar a público conhecido, cobrar dívida de amigo, manter conversa com desconhecido, abordar para relação sexual e apresentar-se a outra pessoa. Os itens refletiram no escore total deste fator, cuja média aumentou de 26,64 para 31,64; considerando que são dez itens, o escore médio máximo para este fator é o de valor 40,00.
Quanto ao Fator 2 (Autoafirmação na expressão de sentimento positivo) apenas elogiar outrem de sete itens aumentou após a supervisão. O escore médio máximo para este fator é o de valor 24 e o grupo obteve 22,13 antes da supervisão e 23,10 após a mesma.
Tabela 2 -Comparações da avaliação de F3, F4 e F5 do IHS-Del Prette. Expressos os resultados com diferença significativa (p ≥ 5)
A Tabela 2 apresenta os resultados dos Fatores 3 (Conversação e desenvoltura social), 4 (Autoexposição a desconhecidos e situações novas) e 5 (Autocontrole da agressividade). Quanto ao Fator 3, três dos seis itens avaliados aumentaram após a supervisão: pedir favores a colegas, reagir a elogios e abordar autoridade, o que refletiu no escore médio total deste fator, que aumentou após a supervisão (de 16,92 para 18,62). O escore médio máximo é de 24,00.
No Fator 4, dois dos quatro itens aumentaram após a supervisão: pedir favores a desconhecidos e falar a público conhecido. Houve mudança no escore médio total (de 11,49 para 12,72), sendo o escore médio máximo de 16,00.
Para o Fator 5, apenas um item (cumprimentar desconhecidos) aumentou após a supervisão, o que possivelmente implicou no aumento do escore médio total deste fator (de 8,10 para 8,69), sendo o máximo possível de 12,00.
Considerando o escore total do IHS-Del Prette, obteve-se diferença estatisticamente significativa nas comparações pré e pós-teste (p = 0,038), cujas médias variaram de 114,00 para 117,72.
Tabela 3 - Número de participantes, antes e após a supervisão, nas classificações do IHS-Del Prette
A análise da classificação dos universitários no IHS-Del Prette encontrou que 32 participantes (82% da amostra) já apresentavam, antes da supervisão, repertório bastante elaborado de habilidades sociais, o que permaneceu na avaliação pós-teste. Havia apenas uma pessoa que apresentava indicação clínica antes da intervenção, que superou no pós-teste; outra pessoa sem indicação clínica passou a ter essa classificação na segunda avaliação. Apenas dois participantes pioraram sua classificação no IHS-Del Prette após a supervisão.
Discussão
Os resultados apontam que a amostra de universitários, composta especialmente por mulheres (89,7%), já era habilidosa antes mesmo do estágio, o que pode ser influência do gênero (Baker, 2003; Del Prette & cols., 2004; Sarason & cols., 1985) ou mesmo por já ter vivenciado diferentes situações interpessoais no decorrer do curso, pesquisas indicam maiores dificuldades interpessoais para os alunos ingressantes (Gerk & Cunha, 2006). Esses resultados também estão em consonância com achados de Del Prette & cols. (2004) que verificaram que os estudantes, sem qualquer intervenção, tinham habilidades assertivas, de conversação e de autoexposição a desconhecido e situações novas.
Apesar de serem socialmente habilidosos, nota-se que os estagiários melhoraram em todos os fatores avaliados, sobretudo em quatro deles que atestaram melhoras inclusive no escore total: Fator 1: enfrentamento e autoafirmação com risco; Fator 3: conversação e desenvoltura social; Fator 4: autoexposição a desconhecidos e situações novas e Fator 5: autocontrole da agressividade. Este último fator foi referido por Del Prette & cols. (2004) como difícil de implementar pelos universitários, e como a amostra desse estudo aprendeu a resolver problemas sem usar de agressividade, é possível que consigam obter reforçadores positivos e negativos nos contextos pessoal e profissional.
Em relação a contextos de interação, identificou-se melhora em: a) Relacionamento amoroso: declarar sentimento amoroso, abordar para relação sexual; b) Falar em público: falar a público conhecido, manter conversa com desconhecido, pedir favores a desconhecidos, cumprimentar desconhecidos; c) Relacionamento com colegas: cobrar dívida de amigo e pedir favores a colegas; d) Lidar com autoridade: abordar autoridade; e) outras habilidades: apresentar-se a outra pessoa, elogiar outrem, reagir a elogios.
Com base nesses achados pode-se concluir que a supervisão foi um ambiente que propiciou a generalização (Skinner, 1953/1993) das habilidades sociais, cumprindo seu papel (Del Prette & Del Prette, 1999; Gerk & Cunha, 2006; Cole & cols., 1986), sobretudo as que envolvem falar em público, relacionamento com colegas e lidar com autoridade, concordando com estudos prévios que as apontam como dificuldades enfrentadas por estudantes universitários (Boas & cols., 2005; Del Prette & Del Prette, 2003; Del Prette & cols., 2004; Del Prette, Del Prette & Barreto, 1999; Pacheco & Rangé, 2006).
Os resultados também sinalizam que a maioria dos itens de habilidades envolvidas com Autoafirmação na expressão de sentimento positivo não sofreu alterações após a intervenção, bem como habilidades que envolvem lidar com críticas (colegas e familiares). No caso das habilidades de autoafirmação, pode-se levantar duas hipóteses: a) manutenção do repertório: o escore máximo possível considerando o número de itens é 24,00, nota-se que o grupo já era socialmente habilidoso (22,13) e, após a supervisão, atingiu um escore médio muito próximo ao máximo esperado (23,10), portanto pode ser que tais habilidades tenham sido mantidas após o treino; b) ausência de generalização: Boas e cols. (2005) encontraram, após intervenção com universitários, a permanência da dificuldade de expressar afeto, apesar de outros deficits interpessoais serem superados, indicando que, em nossa cultura, tais comportamentos são pouco ensinados na história de reforçamento (Skinner, 1974) e, ainda que tenham sido estimulados na supervisão de estágio, tais comportamentos não foram generalizados para outros contextos. Bandeira e Quaglia (2005) afirmam que expressar insatisfação e solicitar mudança de comportamento foram apontados como situações de maior desconforto, sobretudo nas interações familiares, o que está em consonância com os resultados da presente pesquisa.
Uma variável a ser considerada refere-se ao fato dos estagiários ingressarem no estágio supervisionado enquanto sua primeira opção, o que por um lado garantiu motivação, e, por outro, como já eram socialmente habilidosos, provavelmente era uma amostra que possuía habilidades acadêmicas (Baker, 2003; Veenman & cols, 2004) importantes para o engajamento nas tarefas propostas, o que certamente influenciou na melhoria de seu repertório social e na satisfatória relação terapêutica com os clientes.
As relações interpessoais permeiam a vida pessoal e profissional (Caballo, 1996) e cabe à universidade, sobretudo ao professor, ensinar não apenas comportamentos diretamente envolvidos na prática profissional, mas também estimular a aprendizagem de comportamentos que favoreçam interações sociais mais satisfatórias, pois são repertórios importantes na adaptação à universidade (Baker, 2003; Del Prette & Del Prette, 1999; Gerk & Cunha, 2006), à saúde mental (Baker, 2003; Ciarrochi & cols, 2002; Veenman & cols, 2004) e após a formatura dos universitários (Del Prette & cols, 1998).
Ao supervisor de psicologia clínica cabe fornecer suporte social que permita melhorar o desenvolvimento profissional (Alan, 1992) e social, de forma a estimular independência, autonomia e responsabilidade, sem, contudo, ser coercitivo com seus alunos (Alan, 1992; Gross, 2005), colaborando para maior sucesso nas intervenções (Harnett & Dadds, 2004) e satisfação com o supervisor e treinamento (Alan, 1992).
Os alunos que frequentaram o estágio avaliado foram estimulados nessas habilidades, conforme descrição na Seção de Método, em que trabalharam com responsabilidade e independência ao implementar as sessões de avaliação e de intervenção, ao elaborar relatórios, ao estudar textos importantes para os atendimentos e ao prepararem-se para apresentá-los na supervisão. O supervisor também parece ter cumprido seu papel de oferecer suporte e guia ao oferecer modelos e modelar respostas de seus estagiários; e, ao evitar dizer diretamente que certo comportamento foi inapropriado, tendo o cuidado de oferecer um modelo alternativo, nesses momentos, pode ter garantido um relacionamento professor-aluno reforçador, estimulando os estagiários a se engajarem cada vez mais nas tarefas. O procedimento em supervisão de estimular a resolver problemas, falar em público, ouvir, elogiar e dar feedback aos colegas pode ter colaborado para a generalização das habilidades sociais e permite ambiente para promover comportamentos imprescindíveis para a relação terapêutica, tais como os apontados pela literatura (Oliveira-Silva & Tourinho, 2006).
O estudo mostrou que a supervisão foi eficaz na ampliação das habilidades sociais dos estagiários e, ainda que tenha controlado algumas variáveis (noturno x integral; primeira e única experiência de estágio x concomitância com outros estágios), não foi possível controlar a variável gênero e também deixou de ter um grupo controle ou de comparação, dificultando afirmar categoricamente que os resultados obtidos são devido a apenas essa intervenção/supervisão. Entretanto, devido à forma como os estagiários são alocados, fica inviável a distribuição aleatória em grupos experimental e controle, bem como distribuir igualmente homens e mulheres, devido, sobretudo, à prevalência de mulheres nos cursos de psicologia. Estudos futuros poderiam melhorar o controle de variáveis, utilizando grupos de comparação, ou seja, comparando estagiários que frequentam diferentes modalidades de atendimento (grupo, individual, institucional), que visam o treino direto ou indireto de habilidades sociais e os que não têm este repertório como foco. Com estes dados seria possível testar qual procedimento de estágio favorece mais a aquisição de habilidades sociais de estagiários em psicologia.
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Endereço para correspondência
Endereço do autor principal: Alessandra Turini Bolsoni-Silva.
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Recebido em: 04/10/2008
Aceito em: 02/03/2009