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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.17 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2021

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20210027 

10.5935/1808-5687.20210027 REVISÃO TEÓRICA

 

Intervenção em grupo na modalidade on-line: relato de experiência G10 on-line

 

Online group intervention: online G10 experience report

 

 

Tânia Moraes Ramos Andrade; Karen Priscila Del Rio Szupzynski; Rodrigo Casagrande de Lima Paganella; Margareth Da Silva Oliveira; Paulo Knapp

PUCRS, Programa de Pós-graduação em Psicologia - Porto Alegre - RS - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A pandemia de COVID-19 suscitou repercussões negativas na saúde mental da população, propiciando o aumento de níveis de estresse, ansiedade e depressão. Devido ao isolamento e distanciamento social, o uso de meios de comunicação digital tornou-se imprescindível para viabilizar intervenções psicológicas com foco no tratamento, prevenção e promoção de saúde mental. O objetivo deste estudo foi descrever um relato de experiência sobre a adaptação e viabilidade da aplicação do programa G10 na modalidade on-line, durante o período de distanciamento social da COVID-19. A amostra deste estudo integrou 14 participantes que se submeteram a avaliação da escala DASS-21, pré e pós-intervenção. Os resultados identificaram diferença estatisticamente significativa na dimensão Estresse (p=0,005), na qual se identificou uma redução da sintomatologia após a intervenção. Resultados igualmente significativos foram observados nas dimensões da Ansiedade (p=0,032) e Depressão (p=0,028). Os dados qualitativos obtidos sugerem o desenvolvimento, em nível grupal, de coesão entre os integrantes do grupo em torno de propósitos em comum e sentimentos de pertencimento; e, em nível pessoal, de estratégias para lidar com situações estressantes e de autoconhecimento a respeito de valores e forças de caráter.

Palavras-chave: Grupos; Intervenção baseada na internet; Terapias cognitivas e comportamentais; Terceira geração; Covid-19.


ABSTRACT

The COVID-19 pandemic negatively impacted the mental health of the population, causing increased levels of stress, anxiety and depression. Isolation and social distancing demand the use of digital media as an essential tool to enable psychological interventions focused on treatment, prevention and promotion of mental health. The aim of this study was to describe an experience report on the adaptation and feasibility of applying the G10 program online, during the period of social distancing from COVID-19. The sample consisted of 14 participants who underwent the evaluation of the DASS-21 scale, pre and post-intervention. The results identified a statistically significant difference in the Stress dimension (p=0.005), in which a reduction in symptoms was identified after the intervention. Equally significant results were observed in the dimensions of Anxiety (p=0.032) and Depression (p=0.028). The qualitative data obtained suggest the development, at the group level, of cohesion among group members around common purposes and feelings of belonging; and, on a personal level, coping strategies to deal with stressful situations and self-knowledge about values ??and character strengths.

Keywords: Groups; Internet-based intervention; Behavioral and cognitive therapies; Third wave; Covid-19.


 

 

Introdução

O desenvolvimento tecnológico em saúde tem aumentado de forma progressiva e vem conquistando cada vez mais espaço. O uso de tecnologias para o aprimoramento da oferta de serviços em saúde tem sido denominado ehealth (Rocha et al., 2016). Além disso, o uso de dispositivos móveis tem sido cada vez maior, possibilitando a profissionais de saúde e usuários o acesso a serviços de saúde a qualquer hora e em qualquer lugar.

Esse crescimento exponencial do uso de tecnologias foi impulsionado pela pandemia de covid-19, iniciada em dezembro de 2019. De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2020), no Brasil, o primeiro caso de infecção por covid-19 foi diagnosticado no final de janeiro de 2020. A doença rapidamente se espalhou pelo País, levando ao colapso do sistema de saúde em alguns estados. No dia 16 de junho de 2020, o Brasil ultrapassou os 934 mil casos confirmados, com mais de 45 mil óbitos pela doença. Levando-se em consideração o que ocorreu em todo o mundo, medidas urgentes foram adotadas para mitigar o colapso no sistema de saúde. Dentre elas, o isolamento e o distanciamento social, além de outras recomendações importantes. Sabe-se que os impactos da pandemia vão além dos diretamente relacionados ao vírus e à doença, pois a sociedade passou a viver momentos de grande incerteza, gerando sintomas como os de estresse, ansiedade e depressão. Diretrizes para auxiliar nas orientações em saúde mental e atenção psicossocial foram construídas, conforme iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz na publicação intitulada "Recomendações e orientações em saúde mental e atenção psicossocial na covid-19" (Noal et al., 2020).

Diante da adoção em massa da medida de distanciamento social, grande parte dos serviços presenciais em saúde foram interrompidos, e o uso da tecnologia vislumbrou-se como um recurso potente para o momento. Todas as relações humanas passaram a ser mediadas por algum equipamento conectado à internet (Noal et al., 2020). Em virtude disso, compreendeu-se que intervenções psicológicas on-line poderiam não apenas beneficiar diretamente os envolvidos, mas também contribuir com o olhar para o coletivo, desenvolvendo maior empatia e um olhar coletivo nos indivíduos.

Intervenções em grupo podem ser consideradas um "campo fértil" para o reforço de competências positivas dos seus membros. Todo ser humano, em sua integridade, pode oferecer algum tipo de conhecimento em prol da coletividade em determinado contexto (Rodriguez et al., 2017). Nesse sentido, a valorização da inteligência coletiva envolve encontrar o cenário em que o saber do indivíduo pode ser considerado valioso e importante para o desenvolvimento de um determinado grupo (Bembem & Santos, 2013). Inteligência coletiva é definida por Lévy (2015) como o resultado da mobilização efetiva das competências humanas, ou seja, uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada e coordenada em tempo real. É necessário, assim, compreender que cada indivíduo possui conhecimento a partir das experiências obtidas ao longo da vida e que pode ser partilhado. Assim, a inteligência coletiva serviria como uma infraestrutura das relações humanas, e o que reuniria os indivíduos não seria mais a pertença a um lugar ou a uma ideologia, mas a capacidade de compartilhamento dos saberes individuais (Bembem & Santos, 2013).

Associada ao conceito de inteligência coletiva, está a questão da desregulação emocional, que se relaciona a níveis elevados de respostas emocionais de valor negativo, como medo, tristeza e raiva, e à incapacidade de reconhecer e nomear emoções. A psicoeducação emocional capacita as pessoas a entenderem suas próprias emoções e seus gatilhos, bem como a aprenderem a se comportar de maneira adaptativa no contexto (p. ex., comunicar ao outro seus sentimentos de maneira assertiva). Em grupos, uma vez realizada a psicoeducação, as pessoas tendem a reconhecer que as dificuldades emocionais são comuns nos outros membros, criando um senso de humanidade compartilhada, em que podem ser exploradas habilidades sociais relacionadas a eventos emocionais, cognitivos e comportamentais. Assim, as habilidades sociais também são fundamentais na construção de inteligência coletiva, pois dizem respeito a comportamentos expressos em relações interpessoais que comunicam sentimentos, atitudes, opiniões ou direitos de forma adequada e eficaz no contexto situacional e cultural (Caballo, 2003; Pureza et al., 2013). As habilidades sociais constituem fatores de proteção no curso do desenvolvimento humano (Cecconello & Koller, 2000), denotando a importância de intervenções para a aprendizagem dessas habilidades entre grupos e contextos distintos. As técnicas cognitivo-comportamentais são predominantemente empregadas em treinamentos de habilidades sociais (Murta, 2005). Essas técnicas incluem fornecimento de instruções, ensaio comportamental, modelação, modelagem, feedback verbal e em vídeo, tarefas de casa, reestruturação cognitiva, solução de problemas, relaxamento (Caballo, 2003; Del Prette & Del Prette, 1999). E, em caso de intervenções grupais, também são realizadas técnicas vivenciais (Del Prette & Del Prette, 2001ab). Tais técnicas visam modificar componentes comportamentais (como o ensaio comportamental), cognitivos (como a reestruturação cognitiva) e fisiológicos (como o relaxamento), típicos em déficits de habilidade sociais (Herbert et al., 2005; Murta, 2005).

Para que um grupo possa compartilhar essa insuficiência emocional ou a escassez de habilidades sociais, a coesão grupal deve ser construída e permanentemente reforçada. O fortalecimento dos laços interpessoais envolve níveis altos de empatia, "estar com" a outra pessoa emocional e psicologicamente (Falcone, 1999). A empatia é considerada um componente fundamental da experiência humana e da cognição social. Consiste na capacidade de compartilhar dos sentimentos da outra pessoa (componente afetivo) e compreender a experiência do outro a partir do ponto de vista deste (componente cognitivo) (Melloni et al., 2014).

Além disso, outro importante alicerce para a construção de inteligência coletiva são as forças de caráter e as virtudes, na medida em que sugerem a identificação e o desenvolvimento de potencialidades humanas (Seibel et al., 2015). A classificação das forças de caráter é resultado dos primeiros estudos abrangentes e sistemáticos em psicologia dirigidos a classificar valores humanos essenciais (Peterson & Seligman, 2004; Rashid & Seligman, 2019). As forças de caráter podem ser conceituadas como traços positivos das pessoas que se refletem em pensamentos, sentimentos e comportamentos (Park et al., 2004), podendo ser atribuídas ao self dos indivíduos (Rashid & Seligman, 2019).

O estímulo à atenção plena (ou mindfulness) também está bastante associado à concepção de inteligência coletiva. Kabat-Zinn (2003) define mindfulness como a consciência que surge ao se prestar atenção sem julgamento e propositalmente no momento presente, enquanto se desenrola a experiência momento a momento. Sob outro ponto de vista, Langer (1989) define que o contrário disso é o funcionamento da mente no "piloto automático", ou mindlessness, que se caracteriza pelo estado de distração mental em que o indivíduo opera sem prestar atenção ao que está fazendo, pois fica preso às categorias previamente estabelecidas ou a hábitos enraizados, ou, ainda, porque enxerga o mundo a partir de uma única perspectiva (Langer, 2014; Vandenberghe & Assunção, 2009). As pesquisas sobre intervenções clínicas baseadas em mindfulness têm apresentado inúmeras técnicas em terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Germer et al., 2016; Hayes et al., 2004; Wenzel, 2018). Beck (2013) afirma que as técnicas de mindfulness ajudam o indivíduo a observar e aceitar sem julgamentos suas experiências internas, sem avaliar ou tentar mudá-las. Hayes e Wilson (2003) acrescentam que mindfulness constitui-se como um método ou um conjunto de técnicas que direcionam processos de aceitação, desfusão cognitiva e exposição.

Diante das intensas e abruptas mudanças provocadas pela pandemia, é importante compreender os diferentes tipos de impacto que podem ser gerados. Helgeson et al. (2006) descreveram que mudanças positivas associadas a eventos ruins são classificadas de diferentes maneiras: crescimento pós-traumático (posttraumatic growth), crescimento relacionado com o estresse (stress-related growth) e percepção de benefícios (benefit-finding) face ao trauma. No entanto, talvez o melhor termo seja "crescimento pós-traumático", pois destaca a possível evolução/amadurecimento de uma pessoa em comparação a um nível anterior de funcionamento, sendo que o termo "traumático" sublinha que o crescimento se dá depois de um evento significativo. Além disso, o termo "traumático" destaca que o progresso não advém de estressores menores ou como parte natural de um processo de desenvolvimento pessoal (Valverde et al. 2009; Zoellner & Maercker, 2006).

Barros et al. (2020), em um estudo com 45.161 brasileiros, verificaram que, durante a pandemia de covid-19, aproximadamente 40% da amostra pesquisada sentiram-se frequentemente tristes ou deprimidos. Já 52,6% relataram estar mais ansiosos ou nervosos, 43,5% relataram início de problemas com o sono, e 48,0% afirmaram que um problema de sono preexistente havia sido agravado. Os sintomas relatados estavam mais presentes entre mulheres jovens ou adultas e em pessoas com história pregressa de depressão. A elevada prevalência de sintomatologia de ansiedade, estresse e depressão reforça a necessidade de garantir a provisão de serviços de atenção em saúde mental adaptados ao contexto pandêmico.

Em outro estudo, com amostra de 1.775 pessoas, Barbosa et al. (2021) analisaram a frequência de sintomas de ansiedade, depressão e estresse durante a pandemia de covid-19. Os resultados mostraram médias significativamente altas nos três sintomas avaliados pela escala DASS-21(Depression, Anxiety and Stress Scale), sendo mais prevalentes em mulheres solteiras, que não estavam trabalhando e que já apresentavam algum sintoma de saúde mental anterior.

Wang et al. (2020), em estudo com 1.210 participantes residentes em 194 cidades na China, verificaram a prevalência de sintomas moderados a severos de ansiedade, depressão e estresse durante a pandemia de covid-19. Os resultados demonstraram que 28,8% dos participantes apresentaram níveis significativos de ansiedade, 16,5% apresentaram sintomas de depressão e 8,1% demonstraram níveis de estresse importantes. Do total da amostra, 75,2% dos participantes referiram medo de que seus familiares contraíssem a doença. Ser mulher, estudante e apresentar sintomas físicos decorrentes da covid-19 ou problemas de saúde prévios estiveram significativamente associados a maiores níveis de ansiedade, depressão e estresse.

Segundo Schmidt et al. (2020), a psicologia pode contribuir para o enfrentamento das repercussões causadas pela COVID-19, desenvolvendo intervenções psicológicas durante a vigência da pandemia, com o objetivo de diminuir as dificuldades emocionais causadas pelo isolamento, bem como a fim de promover saúde mental. Além disso, é relevante avaliar intervenções que possam ser utilizadas após a pandemia, com o objetivo de auxiliar no processo de readaptação, elaboração de perdas e outras possíveis transformações causadas pela doença

Diante do exposto, este artigo destina-se a descrever um relato de experiência da adaptação para a modalidade on-line, durante a pandemia de covid-19, de uma intervenção em grupo (G10), com foco no despertar de coletivos inteligentes, relações humanas alicerçadas na mobilização de competências e na valorização da multiplicidade das habilidades humanas. O programa G10 tem como proposta ampliar o olhar dos indivíduos sobre si mesmos e sobre a comunidade na qual vivem, com objetivo de identificar e fortalecer os vigores psíquicos de cada participante, bem como do grupo como um todo, tornando-os mais eficazes em seus projetos em prol da sociedade.

Em virtude disso, compreendeu-se que o programa G10 poderia contribuir com medidas que influenciassem o olhar para o coletivo, desenvolvendo maior empatia e preocupação dos indivíduos para com a sociedade, principalmente neste momento de extrema vulnerabilidade social provocada pela pandemia de covid-19.

 

MÉTODO

Este estudo trata-se de um relato de experiência sobre a adaptação do Programa de Desenvolvimento Interpessoal G10 para a modalidade on-line, ante as medidas relacionadas ao distanciamento social em decorrência da covid-19.

Participantes dos grupos

Foram realizados três grupos on-line, cada um com média de seis a sete participantes, totalizando 22 participantes, sendo estes em sua maioria do sexo feminino e com idades variando entre 21 e 61 anos. Quanto à questão ocupacional, os participantes relataram ser profissionais liberais (n = 8), professores (n = 10) e estudantes (n = 4). Apenas 14 participantes preencheram os instrumentos na reavaliação.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados para avaliação e realização dos participantes foram:

• Questionário sociodemográfico para coleta de dados como sexo, idade, escolaridade, estado civil, profissão, entre outros;

• Depression Anxiety and Stress Scale (DASS-21) (Lovibond & Lovibond, 1995) - Short Form. A DASS-21, adaptada e validada para a população brasileira por Vignola e Tucci (2014), se divide em três subescalas do tipo Likert, de quatro pontos, totalizando 21 perguntas. Cada subescala é composta por sete itens, destinados à avaliação de depressão, ansiedade e estresse. O resultado é obtido pela soma dos escores dos sete itens para cada uma das três subescalas. Ao final, a escala fornece três notas, uma para cada subescala, em que o mínimo é "0" e o máximo "21". Foi utilizada a escala DASS-21 para avaliação e reavaliação dos participantes, com o objetivo de acompanhá-los em relação a ansiedade, estresse e depressão, bem como a fim de verificar os efeitos provocados pela intervenção sobre esses sintomas.

Intervenção

O programa G10 on-line faz parte do Programa de Desenvolvimento Interpessoal G10, do Grupo de Pesquisa "Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva e Comportamental" (GAAPCC), do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

O programa G10 tem por objetivo promover o desenvolvimento pessoal e social, ampliando o olhar dos indivíduos sobre si mesmos e sobre a comunidade na qual vivem, fortalecendo os vigores psíquicos de cada participante, bem como do grupo como um todo. Visando o desenvolvimento intrapessoal e interpessoal dos participantes, durante os encontros são utilizadas técnicas cognitivo-comportamentais (como identificação de pensamentos automáticos), ampliação do repertório e estratégias de enfrentamento, treinamento de habilidades e técnicas sobre empatia, assertividade e mindfulness. O modelo cognitivo também foi parte fundamental dos encontros. A forma como as pessoas se sentem emocionalmente e a forma como se comportam podem ser mediadas pelo processamento cognitivo de como percebem ou interpretam os eventos (Beck, 2013). Pensamentos disfuncionais, distorções cognitivas e suas crenças subjacentes estão diretamente associados ao sofrimento psicológico e à psicopatologia (Knapp & Beck, 2008). Assim, seguindo os pressupostos da TCC, o programa G10 tem como um de seus objetivos oferecer aos participantes uma compreensão do funcionamento humano.

A urgência em auxiliar a população em geral, em função da pandemia causada pela covid-19, determinou que o programa originalmente idealizado para dez encontros presenciais (Quadro 1) fosse condensado em cinco encontros on-line (Quadro 2). Tal mudança permitiu que a proposta de formar lideranças para o coletivo fosse mantida em um momento tão necessário para a vida em sociedade. Em virtude deste momento, o G10 on-line passou a ter nova importância e significância, tendo em vista a capacidade que tem de congregar pessoas distintas em uma ação coletiva. O fato de ser oferecido na modalidade on-line facilitou o acesso das pessoas, colaborando para maior adesão à intervenção.

O programa original G10 inclui dez encontros, com duração média de 1h30min. A adaptação para a modalidade on-line foi realizada por meio de um processo de revisão dos temas mais relevantes do programa e que contemplavam as necessidades para o momento de pandemia. Assim, o programa adaptado foi constituído de cinco encontros via internet, com duração de 1h30min cada, realizados por meio da plataforma Google Meet. O programa completo adaptado pode ser visto no Quadro 2.

A estrutura dos encontros foi a mesma em todos os grupos. Todos os encontros apresentavam estratégias comuns, como boas-vindas, técnicas de atenção plena, agenda do dia e tarefas da semana.

Procedimentos para a Coleta de Dados

A divulgação do Programa ocorreu, durante a pandemia, nas redes sociais e no site do GAAPCC e do Programa G10. O post usado nas redes sociais informava a respeito do programa G10, objetivos, número e duração dos encontros, data de início, gratuidade, link de acesso às inscrições, com dados de informações pessoais e a escala DASS-21.

Considerações Éticas

Para todas as etapas deste estudo, as considerações éticas seguiram o estabelecido na Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde ([CNS], 2016) e envolveram a submissão deste projeto à Comissão Científica da Escola de Ciências da Saúde e da Vida. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUCRS sob o CAAE 79241717.0.0000.5336.

Análises Estatísticas

O objetivo central deste artigo é um relato de experiência, porém alguns dados quantitativos serão apresentados como forma de ilustrar a aplicação da intervenção. O tratamento estatístico dos dados foi realizado com o auxílio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 25.0. Como critério de decisão estatística, adotou-se o nível de significância de 5%. A apresentação dos resultados ocorreu pela estatística descritiva por meio das distribuições absoluta e relativa (n - %), bem como pelas medidas de tendência central (média e mediana) e de variabilidade (desvio padrão e amplitude interquartis), com estudo da simetria das distribuições contínuas analisada pelo teste de Shappiro-Wilk. Para análise de comparação entre os escores, foi utilizado o teste por postos de Willcoxon, baseando-se nas medidas dos participantes nos dois momentos de investigação (pré e pós). Para identificar a magnitude das diferenças observadas entre as avaliações pré e pós-intervenção, foi calculada a estimativa do tamanho de efeitos de Cohen, com correção de Hedges e Olkim (1985). Os pontos de corte relacionado aos efeitos de Cohen (1992) são classificados da seguinte forma: desprezível (d < 0,20), pequeno (d ≥ 0,20 e < 0,50), médio (d ≥ 0,50 e < 0,80) e grande (d ≥ 0,80).

 

RESULTADOS

É importante ressaltar que este estudo se trata de um relato de experiência e que serão apresentados alguns dados a fim de ilustrar e reforçar a importância de estudos com intervenções on-line direcionadas para a mobilização de competências e valorização da multiplicidade das habilidades humanas. A intervenção proposta teve o intuito de prevenir o agravamento de sintomas de ansiedade, estresse e depressão por meio do fortalecimento de conceitos como inteligência coletiva, atenção plena e resiliência.

Inicialmente foi realizada a adaptação para a modalidade on-line da versão presencial do programa G10 de desenvolvimento de inteligência coletiva. Diante da necessidade da criação de mais opções relacionadas à assistência em saúde mental ante a situação de crise provocada pela pandemia de covid-19, a equipe do G10 manteve reuniões on-line constantes, com o objetivo de dar seguimento ao projeto e concretizar essa adequação. Os Quadros 1 e 2 demonstram esse processo de adaptação e a proposta final para a modalidade on-line.

A base de dados inicial contou com 22 participantes, predominantemente do sexo feminino (95,5%; n = 21) e com idades variando de 21 a 61 anos, sendo a média estimada em 36,7 (dp = 12,6) anos. Sobre a situação conjugal, 68,2% (n = 15) dos participantes declararam viver sem companheiro(a). Em relação à questão educacional, 27,3% (n = 6) dos participantes afirmaram estar cursando ensino superior. Quanto à profissão, 45,5% (n = 10) dos respondentes declararam exercer a profissão de professor. Ao final da intervenção, houve uma perda de 36,4% (n = 8) dos casos, obtendo-se uma amostra de 14 participantes (63,6%). As características desse grupo estão devidamente apresentadas na Tabela 1.

Tomando-se como base os 14 casos que completaram o estudo, foi realizada a comparação dos escore pré e pós-intervenção em cada uma das dimensões da escala DASS-21. De acordo com os resultados apresentados na Tabela 2, foi detectada, por meio do teste de Wilcoxon, diferença estatisticamente significativa na dimensão Estresse (p = 0,005), na qual se identificou uma redução da sintomatologia após a intervenção. Resultados igualmente significativos foram observados nas dimensões Ansiedade (p = 0,032) e Depressão (p = 0,028).

Foi realizada uma avaliação das médias de depressão, ansiedade e estresse antes da intervenção, obtendo-se 13,6 (DP = 6,0) para depressão, 11,7 (DP = 6,2) para ansiedade e 17,0 (DP = 6,6) para estresse. Após a intervenção foi possível observar uma alteração nas médias, obtendo-se 10,5 (DP = 4,0) para depressão, 19,5 (DP = 2,8) para ansiedade e 14,1 (DP = 5,4) para estresse. Em relação ao efeito do programa, pode-se considerar a estimativa do "tamanho de efeito", observando-se que o maior impacto da intervenção foi identificado na dimensão Depressão, apresentando tamanho de efeito médio (d Cohen = -0,620) [redução de magnitude "média" no escore ao final da intervenção]. Em relação às dimensões Ansiedade (d Cohen = -0,489) e Estresse (d Cohen = -0,483), o impacto da intervenção foi classificado com magnitude pequena.

 

Tabela 3

 

Na Figura 1 é possível observar a diferença entre as médias pré e pós-intervenção. Dessa forma, mesmo se tratando de um relato de experiência, é possível constatar que os dados apresentados podem indicar representatividade maior de resultado em relação a sintomas de depressão.

 

 

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve o objetivo de relatar a experiência da adaptação para a modalidade on-line, e posterior aplicação, do Programa de Desenvolvimento Interpessoal G10. Os dados apresentados demonstram a importância de uma adaptação adequada de um protocolo de intervenção, avaliando-se a viabilidade de sua aplicação. A adaptação para um número menor de sessões, com duração menor de cada sessão, possibilitou maior aderência dos participantes para a modalidade on-line. Além disso, evidenciou-se que o programa nessa configuração foi viável, podendo ser oferecido em outras circunstâncias e testado por meio de estudos de efetividade. Outro fato importante em relação à adaptação realizada, foi a estrutura proposta nas sessões. O fato de todas as sessões iniciarem com "boas-vindas", momento no qual a terapeuta acolhia falas sobre momentos da semana ou perguntava sobre familiares, foi destacado como muito positivo pela maioria dos participantes. Durante o feedback, foi referido que isso era uma forma de cuidado, explicitado pela fala de um dos participantes: "me senti cuidado pelo grupo, isto fortalecia, sabia que naquele dia estaria com pessoas legais que tinham o mesmo propósito que eu, pensar no coletivo" (T.A., 43 anos).

Apesar de este artigo não ter o objetivo de discutir dados de efetividade, é importante ressaltar que os resultados quantitativos se mostraram muito satisfatórios. De acordo com a comparação estabelecida em relação à avaliação e à reavaliação, os resultados relativos a ansiedade (p = 0,032), depressão (p = 0,028) e estresse (p = 0,005) demonstraram diferenças estatisticamente significativas após a intervenção. O destaque para a diminuição dos níveis de estresse sugere que os participantes necessitavam de um espaço para compartilhar angústias e para ampliar as possibilidades de estratégias de enfrentamento ante os meses desafiadores vividos (Barros et al., 2020; Wang et al., 2020). Os resultados promissores apresentados corroboram dados encontrados na literatura (Barbosa et al., 2021).

A maioria dos integrantes referiu dificuldades relacionadas ao distanciamento social, pois sentia necessidade do convívio social, sair de casa para trabalhar, estudar ou realizar tarefas que eram cotidianas antes da pandemia. Alguns integrantes usavam o grupo para dividir angústias, assim como para trocar experiências positivas. Essa demanda ficou ainda mais prevalente considerando-se que as instituições, como escolas, empresas e igrejas, estavam fechadas, o que pode ter gerado sentimentos de solidão e vulnerabilidade. Esses dados associam-se aos dados levantados por Schmidt et al. (2020), que destacam a importância das intervenções para o fortalecimento das conexões com a rede de apoio social, ainda que os contatos não ocorram face a face.

De acordo com depoimentos dos participantes, os encontros favoreceram a sensação de bem-estar entre os integrantes, bem como melhoraram a relação com familiares. Vários participantes referiram menos ansiedade, mais empatia e, com isso, mais tolerância consigo mesmo e com as demais pessoas, principalmente no enfrentamento do home office. Muitos passaram a utilizar técnicas de respiração e relaxamento em seu cotidiano, com o intuito de controlar o estresse.

É importante salientar a assiduidade e a pontualidade dos integrantes. Muitos afirmaram que o fato de o G10 ser disponibilizado na modalidade on-line facilitou muito a adesão aos encontros. Isso corrobora dados da literatura que destacam os diferenciais apresentados por intervenções on-line, uma vez que geram benefícios como maior facilidade de acesso, baixo custo e maior alcance de pessoas (Rocha et al., 2016). Isso evidencia-se a partir do relato de alguns participantes:

"Uma amiga tinha feito G10 presencial, devido ao trabalho e ser longe da minha casa não conseguia, agora on-line, facilitou muito..." (M.Z., 34 anos)

"A pandemia teve isto de bom, estava mais aberta para coisas novas. E o G10 foi ótimo." (E.O., 31 anos)

"Como moro fora de Poa, não teria oportunidade de conhecer..." (I.H., 57 anos)

"Moro sozinha, espero ansiosa o dia do G10, passo até batom." (N.S., 56 anos)

A forte coesão grupal construída por meio do G10 on-line evidenciou-se pela presença constante de empatia. Os integrantes preocupavam-se com a saúde física e emocional do grupo, referiam preocupações por meio de falas como "cuidem-se", preocupações com familiares que haviam sido infectados e estavam hospitalizados, bem como com as perdas de amigos e familiares de alguns participantes. Após a finalização dos encontros, um dos grupos permaneceu em contato, mantendo fortes relações interpessoais em situações como a perda de familiares ou a infecção por covid-19 de um dos participantes. Esse grupo ainda mantém contato mensal, apoiando-se em relação às adversidades que cada participante vai enfrentando. Assim, pode-se inferir que a intervenção demonstrou forte potencial de estimular traços de empatia e ressaltar a importância das relações pessoais, ainda mais ante uma situação de crise como a que estamos vivendo (Falcone, 1999; Melloni et al., 2014).

Outro resultado muito satisfatório e que reforça a ideia de futuros estudos de efetividade da intervenção, foram os relatos relacionados aos temas abordados nos encontros. Muitos integrantes referiram que o conhecimento dos aspectos psicológicos e emocionais trouxe vários benefícios, como, por exemplo, olhar para o coletivo, pensar a respeito de valores e propósitos, saber lidar com situações estressantes, controlar as situações estressantes e emoções. Fica evidente que espaços que trabalham com a psicoeducação desses conceitos podem beneficiar não apenas os participantes, mas estimular ações coletivas, ampliando a característica de inteligência coletiva e/ou agência pessoal (Bembem & Santos, 2013; Rodriguéz et al., 2017).

Um dos objetivos centrais do protocolo do programa G10 é o desenvolvimento de inteligência coletiva e de ações dentro das próprias comunidades. Os encontros tinham o intuito de desenvolver características pessoais em prol de coletivos inteligentes, com relações alicerçadas na valorização da multiplicidade das habilidades humanas. A partir dos relatos dos participantes, foi possível observar que alguns já atuavam em projetos sociais e outros tinham o desejo de participar, porém não demonstravam o engajamento necessário. A fala a seguir traduz o quanto essa característica foi estimulada e reforçada entre os participantes: "Participo há muitos anos de um projeto com moradores de rua, conversar a respeito do coletivo fez toda a diferença, vocês até contribuíram com os alimentos para doação quando pedi..." (A.S., 56 anos).

Diante do exposto, compreende-se que a intervenção G10 adaptada para a modalidade on-line tem grande potencial para o desenvolvimento de características de grande importância em situações como a pandemia do novo coronavírus. O crescimento exponencial do uso de tecnologias em saúde, alavancado pelas medidas de isolamento e distanciamento social, tornou necessários estudos com maiores opções de atenção em saúde mental (Noal et al., 2020). No Brasil, ainda são escassos estudos com intervenções on-line, o que reforça a característica inovadora deste estudo.

É importante também destacar algumas das limitações deste artigo. Inicialmente, destaca-se o fato de ser um relato de experiência, o que limita a generalizações dos resultados obtidos. Além disso, a amostra deste estudo é considerada pequena, uma vez que se tratou de um estudo-piloto da realização do programa G10 para o formato on-line. Outra limitação que necessita ser destacada é a perda de participantes entre a avaliação e a reavaliação. Os pesquisadores inferiram que isso ocorreu, provavelmente, pela dificuldade de acesso à internet por parte de alguns participantes e pelas dificuldades relacionadas à aplicação dos questionários de reavaliação. Além disso, os desafios enfrentados pelas incertezas do momento de pandemia podem ter influenciado na condução das sessões e na adequada reprodução das etapas em cada sessão. Havia certa dificuldade em manter o foco e a estrutura dos encontros diante de diversas demandas apresentadas pelos participantes. Apesar disso, destacam-se os resultados satisfatórios alcançados, sugerindo-se estudos futuros relacionados à efetividade da intervenção e reforçando a necessidade da ampliação de serviços em saúde mental na modalidade on-line no Brasil.

 

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Correspondência:
Karen Priscila Del Rio Szupzynski
E-mail: karenszu@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 25 de Agosto de 2021. cod. 255
Artigo aceito em 15 de Outubro de 2021

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