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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.13 no.1 São João del-Rei abr. 2018

 

Adesão a movimentos totalitários e de massas: contribuições da Teoria Crítica da Sociedade

 

Accession to totalitarian and masses movements: contributions of Critical Theory of Society

 

Adhesión a los movimientos totalitarios y de masas: aportes de la Teoría Crítica de la Sociedad

 

 

Gustavo Henrique Carretero

Bolsista de Doutorado pelo CNPQ; Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo - SP, Brasil - psycogus@hotmail.com

 

 


RESUMO

O artigo tem como referencial a Teoria Crítica da Sociedade nos moldes propostos por T. W. Adorno e H. Marcuse. Foram analisadas três obras de Freud com o objetivo de demonstrar como algumas contradições culturais tornam-se subjetividade na obra desse autor e como algumas de suas formulações antecipam os processos regressivos engendrados nos indivíduos pelo capitalismo monopolista, principalmente o fenômeno das massas. O conceito freudiano de ambivalência emocional serve de subsídio à compreensão da adesão de indivíduos a ideais que lhes seriam contrários. Assim, libido e agressividade são manejadas pela cultura visando à adesão das massas e coletividades. Adorno e Marcuse tomam a psicanálise como instrumento de análise da realidade social e a articulam com suas análises sobre o capitalismo em uma perspectiva marxiana.

Palavras-chave: Indivíduo e sociedade. Cultura. Ambivalência emocional. Teoria crítica da sociedade. Psicanálise.


ABSTRACT

The article has as reference the Critical Theory of the Society in the molds proposed by T. W. Adorno and H. Marcuse. Three works by Freud were analyzed in order to demonstrate how some cultural contradictions become subjectivity in the work of this author and how some of his formulations anticipate the regressive processes engendered in the individuals by the monopoly capitalism, mainly the phenomenon of the masses. The Freudian concept of emotional ambivalence serves as a basis for understanding the adherence of individuals to ideals that would be contrary to them. Thus, libido and aggressiveness are managed by the culture aiming to join the masses and collectivities. Adorno and Marcuse take psychoanalysis as an instrument of analysis of social reality and articulate it with their analysis of capitalism in a Marxian perspective.

Keywords: Individual and society. Culture. Emotional ambivalence. Critical theory of society. Psychoanalysis.


RESUMEN

El artículo tiene como referencial la Teoría Crítica de la Sociedad en los moldes propuestos por T. W. Adorno y H. Marcuse. En ello se analizaron tres obras de Freud con el objetivo de demostrar cómo algunas contradicciones culturales se tornan subjetividad en la obra de ese autor y como algunas de sus formulaciones anticipan los procesos regresivos engendrados en los individuos por el capitalismo monopolista, principalmente el fenómeno de las masas. El concepto freudiano de ambivalencia emocional sirve de subsidio a la comprensión de la adhesión de individuos a ideales que les serían contrarios. Así, libido y agresividad son manejadas por la cultura visando la adhesión de las masas y colectividades. Adorno y Marcuse toman el psicoanálisis como instrumento de análisis de la realidad social y la articulan con sus análisis sobre el capitalismo desde una perspectiva marxiana.

Palabras clave: Individuo y sociedad. Cultura; Ambivalencia emocional. Teoría crítica de la sociedad. Psicoanálisis.


 

 

Introdução

O artigo é fruto da análise de três obras de Freud: Totem e Tabu (1913/1996), Psicologia das Massas e Análise do Ego (1921/1996) e Mal-estar na Civilização (1930/1996), contrapostas às contribuições da primeira geração da Escola de Frankfurt, especialmente Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse. Para tanto, foi tomado como referência o conceito de ambivalência emocional tal como descrito por Freud.

Vale destacar a diferença entre os movimentos de massas autoritários e democráticos e entre massas e movimentos sociais. Os primeiros englobam o manejo da irracionalidade e aspectos inconscientes com a finalidade da manipulação dos participantes para interesses que, muitas vezes, são contrários às suas próprias vontades e necessidades. Já os movimentos de massas democráticos se referem a demandas reais de indivíduos e em prol do esclarecimento. Como exemplo do primeiro caso podemos, citar alguns movimentos derivados das "jornadas de junho de 2013" no Brasil, que assumiram tom antidemocrático ao considerarem suas demandas mais relevantes do que a vontade soberana dos votos das eleições de 2014 e acabaram por defender interesses escusos aos democráticos. Já como exemplo de movimentos de massas em prol do esclarecimento, citamos as "diretas já", nas quais espectros diversos da política nacional se reuniram a favor do retorno da democracia.

Os movimentos sociais, ao contrário das massas, implicam em um maior grau de organização, mobilização e institucionalização. Além disso, congregam indivíduos cujas necessidades e satisfações são expressas pelas próprias causas dos movimentos. Também podem adotar tom autoritário e/ou democrático, em prol da ideologia ou do esclarecimento. Destacamos como exemplos de movimentos sociais-democráticos e em prol do esclarecimento aqueles que se referem à garantia de direitos (terra, moradia, saúde, educação) e transformações sociais pautadas na justiça e igualdade. Já como exemplo dos autoritários e ideológicos há aqueles que querem suprimir direitos, como os organizados em favor da "escola sem partido".

Destaca-se que a análise do artigo avalia os movimentos de massas autoritários que acabam por assumir cunho fascista ao não apelarem à universalidade, mas apenas a interesses escusos. Adorno (1955/1991) encontra em tais movimentos tendências para se entregarem a políticas irracionais que estabelecem como metas ameaças, violência e sacrifícios desmesurados, em vez da conservação da vida e da felicidade. Tais elementos denunciariam a presença de uma violência latente neles. Assim, simplesmente demonstrar as condições objetivas da existência dos movimentos de massas pode ser ideológico, por escamotear elementos subjetivos que possibilitam tais formações.

A importância das pulsões para a compreensão da relação indivíduo e sociedade

As observações de Adorno (1955/1991 e 1951/2006) demonstram que, perante a irracionalidade da cultura, o estudo das estruturas pulsionais possibilita a compreensão dos fatores que levam à adesão dos homens a ideais que vão contra seus próprios interesses.

Há mais de trinta anos delineia-se nas massas dos países altamente industrializados a tendência a entregar-se a políticas catastróficas, em vez de perseguir interesses racionais [...]. Grande parte disso é tão evidente para tais sujeitos que dificilmente aquele que procura compreender esse estado de coisas se contenta com o que é decisivo: a demonstração das condições objetivas dos movimentos de massa, deixando-se levar pela sugestão de que não vigoram mais leis objetivas. Não é suficiente apenas a velha explicação de que os interessados controlam todos os meios da opinião pública, pois as massas dificilmente seriam cativadas por falsas propagandas, toscas e capciosas, se nelas não houvesse algo que correspondesse às mensagens de sacrifício e vida perigosa. Por isso, se considerou necessário, com relação ao fascismo, completar a teoria da sociedade com a psicologia, sobretudo a psicologia social analiticamente orientada. A ação conjunta do conhecimento de determinantes sociais e das estruturas pulsionais predominantes nas massas prometeu completo discernimento sobre a composição da totalidade. (Adorno, 1951/2007, pp. 71-72)

As obras pesquisadas de Freud apresentam alguns aspectos anticivilizatórios da cultura que apontam para a violência e o totalitarismo: "A liberdade do indivíduo não constitui um dom da civilização" (Freud, 1930/1996, p. 102).

[...] é impossível desprezar o ponto até o qual a civilização é construída sobre uma reúncia ao instinto, o quanto ela pressupõe exatamente a não satisfação (pela opressão, repressão, ou algum outro meio?) de instintos poderosos. Essa 'frustração cultural' domina o grande campo dos relacionamentos sociais entre os seres humanos. Como já sabemos, é a causa da hostilidade contra a qual todas as civilizações têm que lutar. (pp. 103-104)

Para além disso, uma das grandes descobertas da teoria freudiana repousa na formalização do conceito de pulsões. Estas demonstram como a cultura penetra no mais profundo do indivíduo moldando-o de acordo com seus padrões e metas (Marcuse, 1955/1999). Este artigo tem, portanto, a finalidade de demonstrar como algumas das contradições da cultura tornam-se subjetividade na obra freudiana. Algumas formulações do autor (mesmo que inadvertidamente) antecipam os processos regressivos engendrados nos indivíduos pelo capitalismo monopolista.

Adorno (1955/1991) acrescenta que na atual configuração do capitalismo indivíduos e sociedade estão radicalmente alienados, de tal maneira que a psicodinâmica proposta por Freud é a reprodução de conflitos de origem social na subjetividade dos indivíduos, mas tal elemento não seria meramente uma cópia das tensões culturais. A cisão entre objetividade e subjetividade faz com que a dinâmica psíquica se desenvolva a partir de si mesma e da patogênese da totalidade social.

Assim, na concepção da Teoria Crítica da Sociedade, o estudo das pulsões, concebidas como o amálgama entre cultura e natureza, é um elemento importante para a compreensão da relação indivíduo e sociedade na psicanálise freudiana. O indivíduo, como mônada, proposto por Freud e perpassado por contradições sociais, carrega em si a própria irracionalidade do todo: "Não é exagero se dissermos que Freud, apesar de seu pouco interesse pela dimensão política do problema, claramente antecipou o surgimento e a natureza dos movimentos de massas fascistas em categorias puramente psicológicas" (Adorno, 1951/2007, pp. 156-157).

Gomide (2007, p. 101) destaca que, para Adorno e Horkheimer, a pulsão é categoria fundamental nas análises sobre a dialética natureza/cultura, sendo a natureza compreendida como tudo o que é e foi irredutível à razão ou à dominação social e que se sedimenta na subjetividade como "arcaico" (que é, em si, histórico, e não natural). A pulsão, por conter, nela mesma, o amálgama de elementos da cultura e da natureza, faz a denúncia de que no desenvolvimento da civilização burguesa tais dimensões foram rompidas e separadas com a finalidade da dominação do homem e da natureza.

Já Freud lançou luz à realidade objetiva da sociedade moderna (que recaiu na barbárie por fomentar regressões) ao levantar ideias sobre a "rejeição" do homem civilizado às suas formas primitivas de vida (suas heranças arcaicas, a natureza em si) e tudo o que lembre a natureza dominada. Assim, a formação burguesa (que pelo esclarecimento visava libertar o homem do medo da natureza) impediu a satisfação plena das pulsões, sendo que o lado sombrio dessa insatisfação, resultante do recalque das pulsões e paixões humanas, veio à tona na manifestação de regimes políticos de natureza fascista.

Para Gomide (2007), Adorno e Horkheimer fazem uma aproximação entre "dominação das pulsões" e "dominação histórica dos homens sobre a natureza", pois tais aspectos estão vinculados à questão da emergência da cultura, sendo o resultado mais funesto de tal processo o desenvolvimento da sociedade moderna e seu destino rumo ao fascismo. A ambivalência emocional, que é objeto de estudo no artigo, é resultante da dialética entre "dominação das pulsões" e "dominação histórica dos homens sobre a natureza", denunciando as contradições de tal processo na subjetividade de cada indivíduo.

O conceito de ambivalência emocional na psicanálise freudiana

A ambivalência é um conceito que perpassa as três obras estudadas (Freud, 1913/1996; 1921/1996 e 1930/1996) e é trabalhado sob diferentes perspectivas pelo autor. Além do mais, a própria cultura cria artimanhas para manipulação de tal manifestação (gerada por suas contradições), transformando-a em fator de adesão dos indivíduos às massas e movimentos totalitários. Deve-se destacar, aqui, que Freud encontrou mesmo no indivíduo (pautado no modelo liberal) "brechas" que o levariam a aderir a movimentos totalitários. Mesmo não tendo estudado as regressões fomentadas nos indivíduos pelo capitalismo tardio, ele formalizou conceitos que permitiram aos frankfurtianos destacar os efeitos regressivos das transformações culturais na formação dos indivíduos.

Em Totem e Tabu (Freud, 1913/1996), a ambivalência surge a partir da horda primitiva. O tipo de relações com o pai da horda facilitaria o desenvolvimento de sentimentos opostos em relação a ele pelos filhos. Ao mesmo tempo em que eram protegidos pelo líder da horda, sofriam com a violência e a interdição de seus desejos sexuais. Tal forma de organização social levou os integrantes da horda a desenvolverem sentimentos opostos pelo pai: ele era amado pelos benefícios que oferecia aos filhos e odiado por não permitir a realização dos desejos sexuais.

Na mitologia freudiana, o assassinato do pai pelos filhos deu vazão à agressividade reprimida e recalcada, gerando inicialmente a disputa entre os irmãos sobre quem tomaria o lugar do pai assassinado. Mediante os conflitos gerados pela falta do líder, foi estabelecido um contrato social a partir do qual ninguém mais assumiria tal posição e que todos os membros da horda encontrariam seus objetos sexuais fora desta. O amor sentido pelo pai (que fora reprimido e recalcado para o assassinato dele) retorna após algum tempo. A nostalgia pela proteção oferecida aparece na cultura por meio da instituição que é denominada totem. Essa seria uma manifestação da ambivalência dos homens em relação ao pai da horda e se desenvolveria posteriormente no sentimento de religiosidade, que demonstra ao longo da história a ambivalência dos homens.

Nessa obra (Freud, 1913/1996), a ambivalência é remetida ao Complexo de Édipo, tornando o indivíduo algo autoexistente, uma mônada. Nela pode-se interpretar que a ambivalência parece surgir a partir de fenômenos sociais e se estruturaria nos indivíduos, retornando à cultura por meio de instituições que carregam em si a ambivalência particular. O autor deixa aberta tal antítese, mas procura encontrar a gênese dela nos próprios indivíduos. O Complexo de Édipo acaba por se tornar um conceito que desfaz as contradições da realidade concreta, reduzindo as contradições políticas, sociais, econômicas e culturais à relação do homem com o pai (principalmente dentro da família burguesa). A sensação é de que categorias apropriadas pela burguesia tornam-se a-históricas como a família patriarcal e o indivíduo.

Todavia, na conclusão da obra, Freud (1913/1996) reabre a discussão. Ele se questiona sobre a origem da ambivalência: ela poderia ser fenômeno fundamental da vida emocional (autoexistente), mas ao mesmo tempo poderia ter sido adquirida pela raça humana em conexão com o complexo-pai (Édipo).

Uma das pressuposições possíveis é que ela seja um fenômeno fundamental de nossa vida emocional. Mas parece-me bastante válido considerar outra possibilidade, ou seja, que originalmente ela não fazia parte de nossa vida emocional, mas foi adquirida pela raça humana em conexão com o complexo-pai, precisamente onde o exame psicanalítico de indivíduos modernos ainda a encontra revelada em toda a sua força. (Freud, 1913/1996, p. 158)

Deve-se destacar que é cogitada por Freud a hipótese de que o Complexo de Édipo não seja um fenômeno fundamental da vida emocional e que esteja relacionado com o desenvolvimento histórico da humanidade. Entretanto, a explicação sobre a horda primitiva, na qual o desenvolvimento da ambivalência se dá pelo assassinato do pai, soa fantasiosa. Freud (1913/1996) não consegue encontrar as origens da ambivalência emocional; remete-a ao complexo de Édipo e à morte do pai primevo, que já são "sintomas" de tal característica. Ele encontra em algumas instituições da cultura rastros da ambivalência emocional, mas torna a ambivalência um fenômeno da natureza ou biológico. Seria mais fácil supor que a própria ambivalência é resultante dos totalitarismos de algumas das instituições da cultura.

Mediante a dificuldade em lidar com a origem da ambivalência, Freud parece tomar o caminho mais curto, mas que acaba por reduzir a complexidade do fenômeno. O autor afirma em Mal-Estar na Civilização (Freud, 1930/1996) que há certa hostilidade primária e autoexistente nos seres humanos que ameaça a própria cultura: "Em consequência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração" (p. 117). Freud remete as pulsões a princípios biológicos, naturalizando o que surge a partir da relação indivíduo e sociedade, que é mediada pela cultura. Assim, deve-se destacar a diferença entre a agressividade para manutenção da existência e a violência como fenômeno que medeia a constituição do indivíduo na cultura.

Uma possível interpretação que não é trabalhada exaustivamente por Freud em Totem e Tabu (Freud, 1913/1996), mas que ressurge em Mal-Estar na Civilização (Freud, 1930/1996, p. 102), é que a ambivalência emocional (sentimentos amorosos e hostis pelo mesmo objeto) seja proveniente da díade desejo/proibição. Em outras palavras, o desenvolvimento de sentimentos aparentemente contrários pelo mesmo objeto está associado à não satisfação pulsional dos homens devido à forma como as normas sociais se desenvolvem.

Freud (1913/1996) ressalta que a proibição é proveniente dos mandamentos da cultura e aparece aos indivíduos, no início, conscientemente, sendo externa e violentamente imposta aos homens por uma geração anterior. Essas proibições perduram de geração a geração, tornando-se cultura na forma de tradição. Com o passar do tempo, acabam por ser internalizadas pelos indivíduos, tornando-se fenômenos psicológicos, mas mediados pela realidade concreta. A proibição que aparece em um primeiro momento socialmente acaba por se organizar psicologicamente, passando a ocorrer na subjetividade:

O problema pareceria ainda mais difícil se tivéssemos de admitir que os impulsos mentais podem ser tão completamente reprimidos que deles não reste nenhum vestígio. Mas não é este o caso. Mesmo a mais implacável repressão tem de deixar lugar para impulsos substitutos deformados e para as reações que deles resultem. Se assim for, portanto, podemos presumir com segurança que nenhuma geração pode ocultar, à geração que a sucede, nada de seus processos mentais mais importantes, pois a psicanálise nos mostrou que todos possuem, na atividade mental inconsciente, um apparatus que os capacita a interpretar as reações de outras pessoas, isto é, a desfazer as deformações que os outros impuseram à expressão de seus próprios sentimentos. Uma tal compreensão inconsciente de todos os costumes, cerimônias e dogmas que restaram da relação original com o pai pode ter possibilitado às gerações posteriores receberem sua herança de emoção. (Freud, 1913/1996, p. 160)

Segundo o autor, o contraponto da proibição está relacionado às pulsões não satisfeitas. A proibição, tanto social quanto psicológica, não tem a possibilidade de apagar o desejo de realização e consumação das pulsões. Todas as inclinações proibidas indicam um forte desejo para sua realização, que não pode se consumar socialmente. Freud ressalta que tal fenômeno gera a ambivalência emocional, pois no inconsciente dos indivíduos não há nada mais que gostassem de fazer do que violar as proibições; todavia temem fazê-lo; o temor está diretamente ligado ao desejo. Assim, a proibição é consciente e o desejo permanece inconsciente e a força da proibição está intimamente ligada à intensidade do desejo.

Tal pressuposto traz mais elementos para o estudo da ambivalência emocional do que o mito da horda primitiva, pois denuncia que a repressão, o recalque e a não possibilidade de satisfação geram sentimentos ambivalentes nos indivíduos.

Freud (1930/1996) ressalta que a cultura se fundamenta sobre a não satisfação de poderosas pulsões que se tornam traços caracterológicos. A não satisfação dos indivíduos traz riscos à própria cultura, pois os impulsos hostis despertados pela organização social colocam em risco a vida de todos os homens.

Marcuse (1955/1999, pp. 219-220) destaca a importância dessas contribuições da psicanálise, ressaltando que, para além de todas as diferenças entre as formas históricas da sociedade, Freud viu a inumanidade básica e comum a todas elas, assim como os controles repressivos que perpetuam, na própria estrutura das pulsões, a dominação do homem pelo homem. O controle repressivo da cultura sobre as pulsões demonstra que a personalidade e o seu desenvolvimento estão pré-formados até a mais profunda camada da estrutura pulsional, e essa pré-formação é fruto da civilização acumulada.

A cultura na fase do capitalismo tardio cria mecanismos para que os indivíduos desenvolvam um modelo padronizado de reação estabelecido socialmente. Freud demonstra como a ambivalência da cultura (na dialética da civilização - que contém em si processos anticivilizatórios) está inter-relacionada na própria dinâmica pulsional. A teoria freudiana ressalta a própria ambivalência do processo civilizatório e da natureza no mais profundo da constituição do indivíduo. Freud não minimiza a extensão e profundidade do conflito entre indivíduo e sociedade. Ele faz a denúncia de como a personalidade e seu desenvolvimento estão pré-formados até as mais profundas camadas da estrutura pulsional.

O manejo da ambivalência emocional pela cultura

Pode-se inferir que a ambivalência emocional encontrada nos indivíduos por Freud está associada às contradições da cultura. Todavia, a quantidade de energia agressiva gerada por tal processo coloca em risco a própria civilização. Dessa forma, são criados mecanismos culturais que transformam amor e hostilidade em adesão às metas da cultura. Isso torna a ambivalência inócua.

Freud não associou suas descobertas às transformações do capitalismo, muito menos elucidou que seu modelo de indivíduo se refere à ideologia liberal; todavia, se surpreendeu em como os homens que deviam se pautar pela autonomia entregavam seus ideais de eu e tinham reações irracionais. Tal mecanismo social pode ser pensado como a manipulação da ambivalência emocional em prol das metas da cultura. Para Freud: "o indivíduo num grupo está sujeito [...] ao que com frequência constitui profunda alteração em sua atividade mental" (1921/1996, p. 99). A submissão à emoção torna-se extraordinariamente intensificada, enquanto a capacidade intelectual é acentuadamente reduzida, ocorrendo ambos os processos em todos os integrantes. Tais elementos são resultantes da aparente remoção de inibições às pulsões individuais. A adesão dos indivíduos às massas é um dos mecanismos criados para a adesão dos indivíduos às metas irracionais da cultura. Tal fato, somado às regressões fomentadas pelas alterações do capitalismo, acabam por permitir o aparecimento de movimentos totalitários e políticas fascistas.

A psicanálise freudiana não trata diretamente das regressões individuais, mas fornece os instrumentos para análise da adesão dos indivíduos às massas e movimentos totalitários. A ambivalência emocional é um processo produzido socialmente que se torna individual. Assim o amor torna-se a prisão que prende os homens à cultura, ama-se o que se deveria odiar (a própria irracionalidade da cultura), e a hostilidade e a agressividade tornam-se prisão ao não serem direcionadas para a libertação dos homens da opressão da cultura, mas "desviadas" para metas culturais. As forças que podem gerar transformação são subjugadas, dominadas e dirigidas pela cultura. O uso da ambivalência emocional para a adesão dos homens a metas da cultura se dá pela manipulação do mecanismo de identificação.

Para a psicanálise freudiana, o amor está associado aos desejos sexuais (Freud, 1921/1996), até mesmo amizade, amor-próprio, altruísmo e amor pela humanidade estão associados a fins sexuais. A diferença é que nas relações amorosas a pulsão pode se manifestar como sexual; todavia, nas outras concepções da palavra amor, o objetivo sexual é desviado de sua meta e até mesmo impedido de atingir tais objetivos.

Durante a história da humanidade houve, portanto, o desenvolvimento do recalque da finalidade sexual da pulsão em prol das metas da cultura, haja vista que o amor inibido em sua finalidade sexual é, para Freud, fator de união dos homens em sociedade e cultura. Para a psicanálise, a adesão dos homens à cultura se dá por meio de relações amorosas inibidas em sua finalidade; tais elementos se constituem em laços emocionais:

O núcleo do que queremos significar por amor consiste naturalmente (e é isso que comumente é chamado de amor e que os poetas cantam) no amor sexual, com a união sexual como objetivo. Mas não isolamos disso - que, em qualquer caso, tem sua parte no nome "amor" -, por um lado, o amor próprio, e, por outro, o amor pelos pais e pelos filhos, a amizade e o amor pela humanidade em geral, bem como a devoção a objetos concretos e a ideias abstratas. Nossa justificativa reside no fato de que a pesquisa psicanalítica nos ensinou que todas essas tendências constituem expressão dos mesmos impulsos instintuais; nas relações entre os sexos, esses impulsos forçam seu caminho no sentido da união sexual, mas, em outras circunstâncias, são desviados desse objetivo ou impedidos de atingi-lo, embora sempre conservem o bastante de sua natureza original para manter reconhecível sua identidade (como em características tais como o anseio de proximidade e o autossacrifício). (Freud, 1921/1996, p. 101)

A transformação de energia sexual em laços emocionais para a adesão dos homens às metas da cultura é um mecanismo que não surgiu no capitalismo. Todavia, em sua versão tardia, uma modalidade de "união" dos indivíduos aos ideais da cultura torna-se predominante: a formação das massas, grupos e movimentos totalitários nos quais aspectos regressivos são fomentados.

Freud (1921/1996) ressalta que, devido à retirada de inibições, tendências latentes podem se manifestar em tais instituições. O manejo da ambivalência emocional é fundamental para a constituição das massas, grupos e movimentos totalitários, pois tanto amor como hostilidade tornam-se elementos de "união" entre os indivíduos. O mecanismo da identificação é fundamental em tal processo (dando a base para que os indivíduos possam se "perder" nessas instituições, gratificando poderosos desejos amorosos e agressivos recalcados pela cultura).

A identificação em si é ambivalente e se esforça por moldar o ego na forma do que foi tomado como modelo. Nos movimentos, grupos e massas totalitárias, os laços emocionais pautam-se nas identificações baseadas na percepção de qualidades comuns partilhadas com outras pessoas que não são objeto (consciente) da pulsão sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum, mais bem-sucedida pode tornar-se a identificação, podendo representar o início de um novo laço.

Para Freud (1921/1996), a qualidade dos laços emocionais formados entre os integrantes dos grupos, movimentos ou massas depende da existência de um líder ou ideia que reúne os homens. Esse amor é transformado em elemento de união pelo manejo da identificação pela cultura. Os vínculos emocionais gerados em tais formações têm dois objetos: os outros integrantes e o líder ou uma ideia. A intensidade dos vínculos emocionais explica a falta de independência e iniciativa dos membros, a semelhança nas reações de todos eles e a redução de todos a estados regredidos de consciência.

Freud (1921/1996, p. 139) destaca que nos grupos ou massas cada indivíduo "entrega" seu ideal de ego (formulação prévia do superego) ao líder, ideia ou ideal. Para ele os grupos, movimentos e massas se constituem de certo número de indivíduos que colocam um só e mesmo objeto no lugar do ideal de ego e, consequentemente, se identificam uns com os outros. Ou seja, nos grupos, movimentos e massas totalitárias, a energia libidinal ou amor é transformado em adesão pela identificação dos integrantes entre si e da "entrega" do ideal de ego particular à figura do líder, ideia ou ideal. Os membros amam e sentem-se amados entre si e pelo líder. Em tais formações, os indivíduos ficam presos em duas direções (entre si e ao líder), a ponto de despertarem características regressivas pela remoção de inibições, ou seja, pode-se realizar o que individualmente não seria possível nem permitido socialmente.

Adorno (1951/2006, p. 162) procura associar tais formulações freudianas ao contexto da propaganda fascista. Ele afirma que os vínculos que unem os participantes dos grupos, movimentos e massas fascistas são de natureza sexual inibida em sua finalidade. Para isso, a liderança fascista, usa do mecanismo psicológico de manter a energia libidinal primária em um nível inconsciente, de modo a desviar suas manifestações numa forma adequada aos fins políticos. Quanto menos uma ideia objetiva desempenha um papel na formação da massa, tanto mais a manipulação dos grupos, movimentos e massa se torna o único fim. O amor desinibido (sexual) tem que ser reprimido e moldado em obediência. Muito pouco há, no conteúdo de ideologias autoritárias, que possa ser amado. Além disso, a intensidade do vínculo emocional estabelecido com o líder, ideia ou ideal dificulta a não obediência dos indivíduos, pois eles criam imagens inconscientes a respeito de seu poder.

O autor destaca que os vínculos emocionais fomentados nos movimentos, grupos ou massas totalitárias (pelo manejo da identificação e transformação de energia libidinal em adesão) acabam por se tornar amor forçado (Adorno, 1955/1991). Ao mesmo tempo, tal processo tem a finalidade de reduzir a vida humana à adesão a processos econômicos. Tais elementos demonstram a intimidade entre relações de troca, fomentadas pelo capitalismo, e violência que, ao mesmo tempo, restringem o poder da subjetividade. Assim, a própria racionalidade da economia da sociedade burguesa é colocada em cheque, pois é baseada na coerção (física, corporal e pulsional), importante para a manutenção do status quo. A adesão dos indivíduos aos grupos, movimentos e massas é racional mediante os processos econômicos engendrados pelo capitalismo tardio e a partir dos quais a autoconservação é garantida. Mas, ao mesmo tempo, é irracional, pois os indivíduos aderem a ideais contrários aos seus próprios interesses na tentativa da autoconservação, que fica reduzida à possibilidade da adesão.

Até aqui foi destacado das leituras das obras de Freud (1913/1996, 1921/1996 e 1930/1996) como o amor (ou energia libidinal desviada das metas sexuais) acaba por se tornar adesão na cultura, deixando de fora aspectos hostis relacionados à ambivalência emocional e manejados pela cultura para se tornarem inócuos. O processo é mais complexo do que o relacionado à energia libidinal, pois parte da agressividade é usada para "união" dos grupos e massas e outra parte é direcionada contra o próprio indivíduo.

Em Psicologia do Grupo e Análise do Ego, Freud (1921/1996, p. 111) enfatiza como a agressividade acaba por se tornar em elemento da adesão a movimentos, massas ou grupos por parte dos indivíduos pelo manejo da identificação. Ele destaca que aspectos que poderiam gerar hostilidade entre os integrantes dessas instituições são projetados para os exogrupos. Isso acaba por se tornar elemento de fortalecimento dos vínculos libidinais entre os integrantes, pois aspectos que poderiam levar à desagregação dessas formações são vistos em outras coletividades ou indivíduos.

A ambivalência emocional em relação aos objetos gera certa independência, pois a hostilidade permite o aparecimento de faculdades críticas da razão. Quando a ideologia toma o objeto apenas como digno de amor, os indivíduos ficam submetidos apenas por uma vinculação positiva ao líder, ideia ou ideal e aos outros membros. Freud (1921/1996 e 1930/1996) ressalta que, no desenvolvimento da cultura, a hostilidade proveniente da ambivalência emocional é fruto de recalque, de tal maneira que apenas os sentimentos positivos podem se manifestar; todavia, a hostilidade, mesmo que inconsciente, é um anteparo poderoso para a adesão dos homens a coletividades autoritárias.

O manejo do mecanismo da identificação para a adesão das coletividades autoritárias (fazendo os indivíduos se identificarem entre si e com o líder, ao mesmo tempo em que projetam a hostilidade inconsciente para outros grupos) favorece o aparecimento de políticas e ideologias totalitárias. Estas se sustentam pela identificação entre os que pertencem à massa, movimento ou grupo e o ódio àqueles que não aderiram.

Freud (1921/1996, p. 113) destaca que, quando um grupo, movimento ou massa se forma, a intolerância entre os membros se desvanece, temporária ou permanentemente. Enquanto tais formações persistem, por meio do manejo da identificação, os "indivíduos" do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus membros, igualam-se a eles e não sentem aversão entre si.

Adorno (1951/2006, p. 182) afirma que o manejo da identificação pelos líderes fascistas não se dá conscientemente, mas apenas serve como espelho para tendências totalitárias latentes na coletividade. Na realidade brasileira, pode-se perceber a intencionalidade da manipulação sem a percepção por parte dos líderes ou figuras midiáticas do manejo da identificação e consequentemente dos conteúdos latentes. Se o líder tomasse consciência de tal manejo, o processo se tornaria ineficiente, pois tais aspectos não poderiam ser manipulados conscientemente. O líder simplesmente manifesta tendências expressas na própria cultura e que acabam por se tornar subjetividade pela mediação entre interno e externo. As verdadeiras finalidades de tais movimentos são econômicas e visam manter o status quo. Vale ressaltar que os verdadeiros fins de tais movimentos não são conscientes pois se encontram encobertos pela ideologia.

A identificação fomentada nas massas contém traços regressivos, na medida em que exige, sistematicamente, igualar indivíduos. A consequência de tal mecanismo é, portanto, a dissolução da individualidade e da autonomia dos integrantes dos movimentos, grupos e massas. Freud (1921/1996, p. 107) destaca que a formação de coletividades por meio de tal processo dá a sensação a cada homem de ser amado e protegido pelo líder (ou figura midiática) e pela coletividade; entretanto, o preço a ser pago por tal benefício é altíssimo: seria a perda da autonomia e da individualidade. Tal sensação é causada pela substituição do ideal de ego individual pelo do grupo, sendo o líder, figura midiática, ideia ou ideal a encarnação desse ideal, o que todos gostariam de ser. O ideal de ego, além da função de características desejadas, é para a psicanálise freudiana uma instância crítica com função de auto-observação, consciência moral, censura dos sonhos e a principal influência no recalque. Os indivíduos ao projetarem no líder e/ou figura midiática seu ideal de ego acabam por abrir mão de instâncias críticas.

O uso da ambivalência emocional pela cultura não se reduz apenas ao manejo da identificação. Freud (1930/1996, p. 135 e 136) consegue encontrar nos indivíduos formações que denotam a transformação da hostilidade contra a cultura em energia destrutiva voltada contra o indivíduo. A isso o autor chama de culpa. Para Freud, a culpa é o maior problema do desenvolvimento da cultura, pois o avanço da civilização é acompanhado pela perda da felicidade e pela intensificação da culpa. Ao mesmo tempo, quando os indivíduos experimentam a culpa sem objeto, têm a sensação de mal-estar, um sentimento sem causa aparente. Qual seria a gênese da culpa para Freud?

Infere-se que a culpa está intimamente associada à hostilidade que os homens sentem pelas contradições da cultura, o que acaba por gerar a ambivalência emocional. A cultura cria na subjetividade dos indivíduos mecanismos que inibem a agressividade (em relação às contradições sociais), a ponto de torná-la inofensiva ao status quo. Para tanto, a agressividade que os homens sentem em relação à cultura se volta contra o próprio indivíduo como culpa e pode ser amainada pela adesão às massas ou movimentos totalitários.

Para Freud a agressividade é introjetada, internalizada e enviada novamente para o lugar de onde proveio. No ego é transformada em parte dele que se coloca contra o próprio ego como superego.

O que acontece neste para tornar inofensivo seu desejo de agressão? Algo notável, que jamais teríamos adivinhado e que não obstante, é bastante óbvio. Sua agressividade é introjetada, internalizada; ela é, na realidade, enviada de volta para o lugar de onde proveio, isto é, dirigida no sentido do próprio ego. Aí é assumida como parte do ego, que se coloca contra o resto do ego, como superego []. (Freud, 1930/1996, p. 127)

Assim, a agressividade que seria direcionada à cultura é usada contra o ego em forma de "consciência". Freud formalizou o superego após escrever Psicologia do Grupo e Análise do Ego (1921/1996), de tal maneira que o que foi denominado anteriormente de ideal de ego passa a ser chamado de superego em Mal-Estar na Civilização (Freud, 1930/1996).

A tensão entre as metas do ego e do superego é experimentada pelo indivíduo como sentimento de culpa, expressa na necessidade de punição. Freud (1930/1996, p. 127) destaca: "A civilização, portanto, consegue dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo, enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada". Vale ressaltar que o superego é formado, para a psicanálise, a partir da internalização da autoridade; portanto, reflete a necessidade de amor por parte dela, assim como recebe os traços agressivos do indivíduo. Na concepção da formação do indivíduo liberal proposta por Freud, o superego torna-se fundamental para a compreensão do manejo da ambivalência emocional, pois, a partir dele, são projetados os elementos libidinais inibidos quanto à finalidade e também os traços agressivos são direcionados ao ego.

As exigências do superego, para Freud, são a continuação da autoridade externa, a qual o superego sucedeu e substituiu. Além disso, a agressividade de tal instância não se alimenta apenas da renúncia pulsional, mas é somada à própria energia da hostilidade pela autoridade, que não pode ser sentida. Para Freud a autoridade é internalizada por meio da identificação, de maneira que a agressividade não investida contra a autoridade volta-se contra o ego. Pode-se inferir que, com a formação das massas, o problema da agressividade contra a autoridade se extingue, sendo direcionada aos exogrupos. Quanto maior é a hostilidade contra a autoridade, maior é o ódio irracional para com os integrantes dos exogrupos.

Para Freud (1930/1996), a ambivalência emocional não é proveniente das contradições da cultura, mas de instintos. Ele propõe que duas forças psicológicas atuam nos indivíduos: pulsão de vida, também denominada Eros, e pulsão de morte, Thánatos (Freud, 1920/1996). Tais instintos são primários e naturalizados. A agressividade é remetida a princípios biológicos; a disposição para agressão constitui uma disposição instintiva original e autossubsistente, sendo um empecilho para o desenvolvimento da cultura. Freud deixa de denunciar a cultura e culpa o fracasso dela a uma agressividade que existe por si mesma no homem, ou seja, naturaliza a violência. Ele relega a responsabilidade da violência aos indivíduos e à natureza, apontando para uma solução harmonizadora, por meio da defesa da cultura em detrimento dos indivíduos.

Gomide (2007, p. 113) afirma que Freud aponta que a crueldade e a agressividade são fatores inerentes ao homem (predisposições psíquicas). Já para Adorno e Horkheimer (citados por Gomide, 2007, p. 113), as questões da crueldade humana e do "medo arcaico" manifesto nos movimentos irracionais de massa, na realidade, longe de serem "naturais", são resultados da cultura que se desenvolveu com base na violência da subjetividade por meio da opressão ao prazer corporal. A destrutibilidade das massas, movimentos e grupos totalitários e seus temores são provenientes da violência exercida pela sociedade contra os indivíduos. Adorno (1951/2006) destaca que a categoria psicológica da destrutibilidade é resultado da rebelião dos indivíduos contra a civilização, o fascismo não é simplesmente a recorrência do arcaico, mas sua reprodução na e pela civilização. Tal rebelião toma emprestada sua energia, em parte, de outras instâncias psicológicas que são forçadas a servir ao inconsciente.

A crítica de T. W. Adorno e H. Marcuse à sociedade e à psicanálise

Adorno e Marcuse lançam mão da psicanálise para fazer crítica à sociedade capitalista. Todavia, ressaltam as contradições e ambiguidades dessa teoria. Ao mesmo tempo em que ela pauta seu modelo de indivíduo na ideologia liberal, tomando-o como mônada, aponta para além da organização capitalista ao encontrar nas pulsões a fonte da insatisfação dos homens contra a sociedade (elementos de esclarecimento da teoria freudiana). Eles defendem que o capitalismo tardio leva os indivíduos a estágios regredidos de consciência (que apontam para um período pós-psicológico, ou seja, o fim da autonomia do indivíduo nos moldes liberais) devido ao totalitarismo da cultura e à "formação dos indivíduos" por meio da massificação. Os autores ressaltam que o capitalismo monopolista leva à "formação do indivíduo" para aquém do período liberal. As teorizações de Freud apontam, portanto, para uma forma de existência que não é mais possível (Adorno, 1955/1991; Marcuse, 1963/1998).

A formação das massas, principalmente as fascistas, indica a recaída da cultura na barbárie, assim como a irracionalidade da economia e dos rumos tomados pelo desenvolvimento da sociedade. Tais elementos apontam para o enfraquecimento da "formação do indivíduo" devido às alterações que ocorreram no capitalismo. Adorno e Marcuse lançam mão da psicanálise para formalizar suas concepções a respeito de tal temática; algumas observações são convergentes, enquanto outras sugerem concepções diferentes a respeito dos fenômenos estudados. Não se deve pensar que a divergência de interpretações diminua o valor das contribuições, pois um dos elementos defendidos pela Teoria Crítica da Sociedade é a possibilidade da existência do particular diante do total. Dessa forma, interpretações diferentes indicam a possibilidade do particular na construção teórica, haja vista que nenhum conhecimento é neutro e que nenhum autor também o seja. A teoria freudiana serve de base para as contribuições de Adorno e Marcuse; todavia, esses autores subvertem algumas contribuições freudianas à luz dos fenômenos sociais que acontecem na cultura.

Gomide (2007, p. 119) ressalta que há uma questão crucial descoberta por Freud que é de fundamental importância para Adorno e, acrescenta-se aqui, para Marcuse: a psicanálise freudiana indica as condições psicológicas das regressões individuais de indivíduos filhos de uma sociedade liberal ao evidenciar as características de um indivíduo como mônada ou "isolado" que, ao mesmo tempo, preserva um "[...] fragmento de independência e originalidade" (Freud, 1921/1996, p. 139) quando comparado com as características psíquicas desse mesmo indivíduo imerso nos grupos. Assim, mesmo o modelo de indivíduo freudiano podendo ser classificado como liberal, pode-se encontrar nele brechas que indicam a possibilidade de adesão a processos totalitários.

Para Gomide (2007), no capitalismo tardio, os poderes totalitários, a fim de "integrar" as massas aos ideários totalitários, determinam outro tipo de organização psíquica, com a prevalência das forças inconscientes que, não obstante, são moldadas de acordo com as demandas econômicas da fase monopolista. Os comportamentos ditos individuais são expressão da sociedade irracional e de suas forças produtivas. Assim, o que Freud postulou de acordo com categorias psicológicas, Adorno e Marcuse tomam como evidência histórica.

As diferenças entre as concepções de Freud, Adorno e Marcuse são explícitas. O primeiro toma a formação do indivíduo como um fenômeno autoexistente, procurando encontrar nele e na natureza a origem de ambivalência emocional. Em suas obras, Freud (1913/1996, 1921/1996 e 1921/1996) apresenta uma postura ambígua em relação à cultura: ao mesmo tempo em que ele denuncia sua violência e totalitarismo, nega-se a defender os homens e outras metas culturais, pois, independentemente da organização social, os homens possuiriam uma "natureza" agressiva que deve ser domada cada vez mais pela cultura para a manutenção da própria sociedade. Assim, o autor se coloca a favor da ideologia e manutenção do status quo.

Os frankfurtianos fazem crítica à concepção apontada. A agressividade dos homens é mediada pela própria violência e destrutividade da cultura em relação a eles. Todavia, a cultura, durante o seu desenvolvimento, cria mecanismos para proteger-se de tais elementos. Freud encontra, mesmo no modelo de indivíduo pautado na ideologia liberal, elementos que o levarão a aderir às metas culturais. Dentre eles se destaca a repressão e o recalque das pulsões que leva os homens a tomarem como próprias as metas culturais. Além disso, por meio do manejo da ambivalência emocional, a agressividade que os homens sentem devido à insatisfação pulsional e também contra as autoridades impostas pela cultura é direcionada contra o próprio indivíduo, tornando-se superego e violência na organização liberal da sociedade.

Outro mecanismo descrito por Freud que leva à adesão dos indivíduos às metas culturais é a identificação. Ela é considerada arcaica na formação do indivíduo e tem um papel na sua formação: ela é anterior à organização do Complexo de Édipo.

Pelo exposto no artigo, pode-se perceber que é a partir desses mecanismos que Adorno e Marcuse iniciam a crítica ao capitalismo tardio, mas não se reduzindo a eles. As transformações sociais ocorridas na organização do capital levam a "formação do indivíduo" para um período aquém do Complexo de Édipo, tornando os homens meros objetos capazes de identificação e adesão. O termo indivíduo não se encaixa em tal concepção, pois denota certa autonomia que não pode mais ser encontrada socialmente devido aos processos políticos, econômicos e culturais que levam à formação do indivíduo para estágios arcaicos.

Adorno e Marcuse fazem crítica à concepção monadológica na qual Freud assenta a discussão sobre o Complexo de Édipo, mas destacam que pode ser encontrado nesse conceito um elemento extremamente importante da relação indivíduo e sociedade: a relação dos homens com a autoridade. A formação liberal do indivíduo deixaria espaços para a formação da subjetividade no espaço privado, sendo o confronto com a autoridade experimentado na relação com o pai. Todavia, com as alterações sociais engendradas no capitalismo tardio, a formação do indivíduo passa a ocorrer por meio da socialização coletiva. Tal fenômeno leva a uma menor diferenciação entre os indivíduos, pois, na formação liberal, a socialização se dava no seio da família, possibilitando o espaço para idiossincrasias na diferença subjetiva de cada pai, na educação ministrada e imposta. Já no capitalismo monopolista o modelo de socialização é coletivo e padronizado, gerando subjetividades estandardizadas de acordo com o modelo social imposto. Ao mesmo tempo, o embate com o pai no seio da família, mesmo que marcada pela desproporcionalidade de poder, possibilita ao indivíduo o espaço para o desafio da autoridade.

Todavia, com a alteração na formação do indivíduo, a desproporcionalidade é incomensuravelmente maior; além disso, a possibilidade do diálogo e mediação fica reduzida, pois os modelos de subjetividade são impostos. Deve-se ressaltar que não há possibilidade de discussão e embate com tais modelos impostos pela Indústria Cultural, pois as produções já chegam prontas e não resta outra possibilidade ao indivíduo senão adaptar-se ou colocar em risco a própria autoconservação, pois a não adesão resulta na redução da possibilidade de existência. Uma das contribuições dos frankfurtianos, nesse sentido, é a possibilidade da resistência, não sem certa dose de adaptação, haja vista a dificuldade de se imaginar um indivíduo que vai contra toda a sociedade e possa subsistir. Mesmo que nas produções da Indústria Cultural sugiram tal possibilidade, ela serve para alimentar o narcisismo das massas.

 

Considerações finais

A relação entre indivíduo e autoridade é marcada, no capitalismo tardio, pela submissão. A regressão dos indivíduos é trabalhada por Adorno e Marcuse em uma perspectiva psicossocial, sem recair em reducionismos, a partir da relação que os homens estabelecem com os líderes. Esta é pautada na total submissão, como também no manejo das pulsões individuais em prol das metas da cultura.

O nazifascismo e movimentos em prol da "escola sem partido", do retorno da ditadura, contrários à cidadania e participação social são movimentos que demonstram o quanto as metas da cultura são regressivas. Até mesmo em países ditos democráticos, o totalitarismo da cultura se manifesta. Basta tomar a realidade do Brasil na contemporaneidade: onde tais movimentos, apesar de sugerirem a mudança da sociedade, na sua raiz mantêm o status quo inalterado (principalmente os que se aferraram contra a vontade soberana dos votos, direitos sociais e políticas compensatórias). Tais movimentos de massas autoritários transformam indivíduos em "peças" ou "rebanho", pois seus participantes tornam-se um aparato, aceitando as determinações impostas, tomando os mandamentos sociais como próprios, perdendo completamente a autonomia, recalcando as faculdades críticas e reproduzindo mecanicamente discursos alienados e alienantes.

Adorno e Marcuse tomam tais processos como "sintoma" das regressões que os indivíduos sofrem na alteração do capitalismo. Na organização social engendrada no capitalismo tardio, a imposição de modelos de subjetividade coletivos leva a formação do indivíduo para estágios aquém do período liberal. Com o manejo da identificação pela cultura, tal processo se dá inconscientemente. Pode-se dizer que a consciência regride para o inconsciente e que os homens passam a ser manipulados a partir de processos que não são mais mediados pela razão. Horkheimer (1955/2010) sugere que há um movimento no qual a razão deixa de ser individual e passa a ser coletiva, alienando-se da consciência individual e sendo colocada no aparato. Marcuse (1941/1998) também trabalha com tal hipótese, mas vale-se da psicanálise para compreender as ressonâncias de tal fenômeno na formação da subjetividade.

Adorno (1951/2006 e 1955/1991) e Marcuse (1963/1998 e 1955/1999) apontam para o manejo inconsciente da identificação para a adesão dos indivíduos às massas. Tal elemento, somado à regressão da formação dos indivíduos para aquém da ideologia liberal (que já era regressiva), forma uma combinação explosiva que culmina, nos países democráticos, com totalitarismos e ditadura da maioria manipulada.

Pode-se concluir, diante das reflexões apresentadas, que Freud, por meio do estudo da ambivalência emocional, antecipa, com o uso de categorias meramente psicológicas, algumas das regressões que os indivíduos sofrem na transição do capitalismo liberal para o tardio. O psicanalista transforma em essência o que nasce das contradições da sociedade, relegando à natureza o que é social, mas, mesmo assim, descobre como mecanismos psicossociais são criados para manipular o indivíduo para adesão às metas culturais.

Adorno e Marcuse lançam mão da psicanálise freudiana com a finalidade de ilustrar o anacronismo do sujeito freudiano à luz das transformações históricas. Tais contribuições não têm como finalidade a defesa da psicanálise, mas denunciar como o progresso se torna regressão na atual configuração da sociedade industrial. O indivíduo, nos seus moldes liberais, um dos pilares da psicanálise freudiana, se torna um apêndice diante da sociedade total, na qual a autonomia se transforma em um adereço desnecessário. As regressões fomentadas pelo capitalismo levam a formação do indivíduo para aquém do que já foi e do que poderia ter sido, tornando-se tal concepção esvaziada de sentido em termos políticos, econômicos, culturais e sociais, mesmo que a individualidade disfarçada em individualismo seja defendida.

Entretanto, a defesa do indivíduo é diferente do individualismo. Ela remete à possibilidade da oposição ao existente pela via do particular, do novo e do não idêntico. A luta pela possibilidade da autonomia é primordial, mas esta não pode ser marcada pelo idealismo, assim como pelo fortalecimento de processos regressivos que remetam os homens a totalitarismos.

 

Referências

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Recebido em 16/09/2016
Aprovado em 15/02/2018

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