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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.7 no.2 Juiz de Fora dez. 2013
https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201300020006
ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201300020006
Comportamento Alimentar Inadequado e Insatisfação Corporal em Jovens Atletas: Comparações em Função das Características Esportivas*
Inadequate Eating Behavior and Body Dissatisfaction in Young Athletes: Comparisons According to Sports Characteristics
Leonardo de Sousa Fortes; Maria Elisa Caputo Ferreira
Universidade Federal de Juiz de Fora (Juiz de Fora), Brasil
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi comparar comportamento alimentar inadequado (CAI) e a insatisfação corporal (IC) entre atletas do sexo masculino de esportes coletivos, com divisão por classe de peso e modalidades de potência. Participaram 465 atletas com idades entre 10 e 19 anos, competidores de esportes coletivos e individuais. Utilizaram-se o Eating Attitudes Test e o Body Shape Questionnaire para avaliar o CAI e a IC, respectivamente. Conduziu-se análise univariada de covariância para comparar o CAI e a IC segundo grupos de esportes. Os resultados evidenciaram que atletas de esportes coletivos demonstraram maior frequência de CAI quando comparados aos demais grupos (p<0,05). Ademais, esportistas de modalidades com divisão por classe de peso mostraram-se mais insatisfeitos em relação aos outros grupos (p<0,05). Concluiu-se que tanto o CAI quanto a IC foram diferentes em função dos grupos de esportes.
Palavras-chave: Comportamento alimentar; imagem corporal; atletas; transtornos da alimentação.
ABSTRACT
The aim of this study was to compare the inappropriate eating behavior (IEB) and the body dissatisfaction (BD) among male athletes of team sports, with classification by weight categories and power modalities. The study included 465 athletes aged between 10 and 19 years, competitors of both team and individual sports. We used the Eating Attitudes Test and the Body Shape Questionnaire to evaluate IEB and BD, respectively. We conducted univariate covariance analysis to compare IEB and BD according to the groups of sports. The results showed that athletes of team sports showed higher frequency of IEB when compared to the other groups (p<0.05). Furthermore, athletes of sport modalities with classification by weight categories were more dissatisfied in relation to the other groups (p<0.05). We concluded that both IEB and BD were different for groups of sports.
Keywords: Eating behavior; body image; athletes; eating disorders.
Atualmente, a exigência para o bom desempenho em competições tem sido considerada alta em atletas (Schaal et al., 2011; Rouveix, Bouget, Pannafieux, Champely & Filaire, 2007). Deste modo, jovens esportistas gastam boa parte de seu tempo com esforços voltados para o treinamento árduo em busca da otimização da performance. No entanto, às vezes, muitos atletas não atingem os resultados esperados. Ademais, treinadores e atletas costumam considerar o baixo peso corporal e a magreza como características morfológicas predominantemente associadas ao rendimento atlético (Baun, 2006; Silva, Gomes & Martins, 2011; Holm-Denoma, Scaringi, Gordon, Van Orden & Joiner, 2009). Com isso, é possível que alguns competidores desenvolvam atitudes compensatórias para controle/perda de peso corporal, também conhecidas como comportamentos alimentares inadequados, tais como: autoindução de vômitos, restrição alimentar patológica, uso de laxativos/diuréticos para perda de peso, utilização de esteroides anabólicos para aumento de massa magra, entre outros (Fortes & Ferreira, 2011; Filaire, Larue & Rouveix, 2011). Alguns estudos têm apontado alta prevalência no âmbito esportivo competitivo para tais hábitos (Torstveit, Rosevinge & Sundgot-Borgen, 2008; Silva et al., 2011).
Todavia, a frequência de hábitos alimentares deletérios à saúde parece ser diferente, dependendo das peculiaridades da modalidade esportiva. Por exemplo, Schaal et al. (2011) e Krentz e Warschburger (2011) salientam que esportes com divisão por classe de peso corporal, como judô, tae-kwon-do, esgrima e boxe, são modalidades que costumam acentuar os comportamentos alimentares inadequados em seus participantes. Além disso, existem evidências de que a insatisfação corporal também é maior nesses esportistas (Filaire, Rouveix, Pannafieux & Ferrand, 2007; Rouveix et al., 2007).
Segundo White e Halliwell (2010), a insatisfação corporal diz respeito à depreciação do peso e da aparência física. Pesquisas têm evidenciado baixas prevalências desse sentimento em atletas (Pickett, Lewis & Cash, 2005; Fortes, Miranda, Amaral & Ferreira, 2011). Entretanto, a literatura têm demonstrado resultados controversos (Frederick et al., 2007; Arroyo, González-de-Suco, Sanchez, Ansotegui & Rocandio, 2008), embora as investigações não se preocupem em diferenciar os esportes por suas características. Por isso, alguns autores ressaltam a importância de separar os esportes segundo suas peculiaridades (Fortes & Ferreira, 2011; Schaal et al., 2011; Krentz & Warschburger, 2011).
Os esportes podem ser caracterizados segundo suas exigências competitivas. Os coletivos, como futebol, basquetebol, handebol e voleibol, são modalidades de tomada de decisão com orientação fisiológica do tipo intermitente (metabolismo aeróbio versus anaeróbio) (Rosendahl, Bormann, Aschenbrenner, Aschenbrenner & Strauss, 2009). Por outro lado, em outras modalidades, como as lutas (judô, tae-kwon-do e esgrima), os atletas, para competirem em categorias mais leves contra adversários menores e mais fracos, costumam reduzir seu peso corporal dias antes das competições e o recuperam subsequentemente (Rouveix et al., 2007). Em competições com nível atlético elevado, nas quais o desenvolvimento técnico-tático dos atletas é bastante equivalente, a importância de preparação física adequada torna-se ainda mais evidente, e pequenas alterações, em qualquer variável que influencie o desempenho, podem determinar o resultado final de uma luta. Desse modo, a prática da redução rápida de peso pode ser contraproducente para o desempenho esportivo, e atletas brasileiros podem estar competindo com certo comprometimento de seu potencial físico. Por fim, os esportes que exigem do atleta elevada "explosão muscular", como alguns estilos da natação (50 m livre e 100 m livre), do atletismo (100 m rasos e 200 m rasos) e saltos ornamentais, são caracterizados como modalidades de "potência" (Sundgot-Borgen & Torstveit, 2010).
Estudos têm evidenciado maiores riscos para o transtorno do comportamento alimentar em atletas que participam de modalidades com divisão por classe de peso quando comparados a competidores de outros esportes (Rouveix et al., 2007; Filaire et al., 2007). Em contrapartida, Rosendahl et al. (2009) não replicaram esses achados, demonstrando que esportistas de modalidades de potência tinham maiores riscos para problemas alimentares. Ademais, Petrie, Greenleaf, Reel e Carter (2008) e Fortes e Ferreira (2011) não encontraram diferenças de comportamento alimentar inadequado entre grupos de esportes distintos. Sendo assim, os achados da literatura a respeito deste tema ainda são controversos.
Em relação à insatisfação corporal, poucos estudos foram realizados comparando-a em função de grupos de modalidades esportivas (Fortes & Ferreira, 2011; Frederick et al., 2007; Pickett et al., 2005). No entanto, a literatura tem preconizado que atletas de esportes com divisão por peso corporal podem ser mais depreciativos com peso e aparência física quando comparados aos esportistas de outras modalidades (Fortes et al., 2011; Filaire et al., 2011; Baun, 2006). Além disso, existe escassez de pesquisas envolvendo atletas do sexo masculino nas análises. Neste sentido, o avanço do conhecimento científico a respeito de variáveis afetivas e comportamentais com atletas do sexo masculino, em função da modalidade esportiva praticada, fica limitado, o que justifica a realização de investigações com esse público.
Contudo, uma variável que pode interferir na comparação de fenômenos comportamentais e afetivos entre atletas segundo modalidades esportivas relaciona-se com a idade. De fato, alguns achados evidenciam que adolescentes mais velhos costumam apresentar maiores frequências de comportamentos alimentares inadequados (Scherer, Martins, Pelegrini, Matheus & Petroski, 2010; De Bruin, Oudejans, Bakker & Woertman, 2011). Entretanto, as pesquisas que compararam as atitudes alimentares inapropriadas em função do esporte não se preocuparam em isolar possíveis fatores que poderiam influenciar tais variáveis. Quando fatores comportamentais e/ou afetivos são comparados entre grupos com características distintas, pode ser que o resultado seja fruto da diferença das variáveis independentes não isoladas. Portanto, comparações de comportamentos alimentares inadequados e insatisfação corporal em função das modalidades esportivas somente fazem sentido caso os atributos demográficos (idade) sejam igualados. Deste modo, pesquisadores ressaltam a importância de se utilizar a idade como covariável no processo de análise dos dados em investigações que buscam comparar grupos (Fortes et al., 2011; Fortes, Paes, Amaral & Ferreira, 2012).
Diante das informações supracitadas, o objetivo do presente estudo foi comparar o comportamento alimentar inadequado e a insatisfação corporal entre atletas de esportes coletivos, do sexo masculino, com divisão por classe de peso e modalidades de potência.
Método
Participantes
Trata-se de estudo transversal com características comparativas, realizado com jovens atletas de diversas modalidades esportivas do sexo masculino, na faixa-etária dos 10 aos 19 anos, nas cidades de Juiz de Fora (MG) e Rio de Janeiro (RJ) no ano de 2011. Para inclusão dos adolescentes na pesquisa, foram adotados os seguintes critérios, levando-se em consideração as recomendações de Fortes e Ferreira (2011): (1) treinar sistematicamente sua respectiva modalidade esportiva há pelo menos um ano, com frequência e duração mínimas de três vezes semanais e uma hora por sessão, respectivamente; (2) participar de competição no ano de 2011; (3) não fazer tratamento com drogas psicoativas; e (4) ter disponibilidade para responder questionários. Deste modo, foram avaliados 487 esportistas provenientes de modalidades coletivas (futebol, handebol, basquetebol e voleibol), com divisão por classe de peso corporal (judô, tae-kwon-do e esgrima) e de potência (natação, atletismo e saltos ornamentais). No entanto, 22 foram excluídos do estudo por não apresentarem os questionários respondidos em sua totalidade.
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (protocolo 2149.209.2010), de acordo com a lei 196/96 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro. Ademais, todos os sujeitos, juntamente com seus responsáveis (caso fosse menor que 18 anos), assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), autorizando sua participação na pesquisa.
Instrumentos
O Eating Attitudes Test (EAT-26) foi utilizado para avaliar os distúrbios alimentares. Consta de uma ferramenta de autopreenchimento contendo 26 itens, com respostas em escala do tipo Likert (0 = Nunca, Quase nunca, ou Poucas vezes; 1 = Às vezes; 2 = Muitas vezes; 3 = Sempre), sendo que a pergunta de número 25 apresenta escore invertido. Essas questões avaliam recusa patológica a alimentos com alto teor calórico, preocupação com aparência física, episódios de compulsão alimentar, autocontrole em relação à comida e forças ambientais/sociais estimulantes à ingestão alimentar, considerados comportamentos alimentares inadequados segundo Fortes e Ferreira (2011). Escores iguais ou maiores que 20 indicam comportamento de risco para o desencadeamento de transtornos alimentares (Fortes & Ferreira, 2011). O EAT-26 foi validado para adolescentes brasileiros (Bighetti, Santos, Santos & Ribeiro, 2004), não apresentando diferença dos escores na reprodutibilidade teste-reteste, além de demonstrar consistência interna de 0,82. Ademais, essa ferramenta de pesquisa tem sido utilizada em amostras com faixas etárias dos 10 aos 19 anos (Fortes & Ferreira, 2011; Fortes et al., 2012). Calculou-se a consistência interna para a presente amostra, obtendo-se valor de alfa de Cronbach de 0,92.
O Body Shape Questionnaire (BSQ) é um instrumento de autopreenchimento composto por 34 perguntas em escala do tipo Likert, variando de 1 = Nunca até 6 = Sempre, que buscam avaliar a imagem corporal. O BSQ também possibilita rastrear a frequência de preocupação/descontentamento que o jovem possui com o peso e a aparência física, ou seja, sua insatisfação corporal. Quanto maior o escore, maior é a depreciação que o avaliado tem com sua aparência. Além disso, os escores do BSQ possibilitam classificar os participantes em grupos contrastantes a respeito de sua insatisfação corporal (Conti, Cordás & Latorre, 2009): <80 – livre de insatisfação corporal; ≥80 e <110 – leve insatisfação; ≥110 e <140 – moderada insatisfação; e ≥140 – grave insatisfação com o corpo. Esse questionário foi validado para a população adolescente brasileira (Conti et al., 2009), mostrando consistência interna de 0,96 para o sexo masculino e coeficiente de correlação entre os escores do teste-reteste significativo (0,91). Além disso, outras investigações com amostras de jovens na faixa-etária de 10 a 19 anos têm utilizado o BSQ como instrumento de pesquisa (Fortes & Ferreira, 2011; Scherer et al., 2010). Para a presente amostra, foi calculada a consistência interna pelo alfa de Cronbach, obtendo-se valor de 0,92.
Procedimentos
A priori, procuraram-se os diretores de cinco clubes da cidade de Juiz de Fora e cinco da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, somente seis destes (quatro de Juiz de Fora e dois do Rio de Janeiro) responderam o e-mail, autorizando o contato com os treinadores de esportes de suas respectivas instituições. Em seguida, marcaram-se reuniões com os treinadores para explicitar objetivos e procedimentos da pesquisa. Após consentimento dos mesmos, os pesquisadores tiveram o primeiro contato com os atletas, marcando-se encontros para elucidar todos os passos que deveriam ser seguidos para a inclusão deles no estudo. Deste modo, foram distribuídos os TCLEs aos esportistas, pedindo-lhes que devolvessem devidamente assinado por seus responsáveis na semana subsequente a esse encontro.
Por conseguinte, o estudo foi realizado em apenas um momento. Sendo assim, os atletas responderam aos instrumentos (EAT-26 e BSQ), acrescidos de um questionário qualitativo para identificação de dados demográficos (idade e modalidade esportiva). Essa etapa foi realizada em grupo, por um único pesquisador (LSF), que padronizou as explicações verbais, na tentativa de evitar interferências intra-avaliadores.
Análise Estatística
Utilizaram-se medidas de tendência central (média) e dispersão (frequência e desvio padrão) para descrever as variáveis do estudo. Utilizou-se o qui-quadrado de Pearson (χ2) para comparar frequências das classificações do EAT-26 e do BSQ em função do grupo de modalidade esportiva. Conduziu-se análise univariada de covariância (ANCOVA), utilizando-se idade como covariável, para comparar comportamento alimentar e insatisfação corporal entre grupos de modalidades esportivas. Utilizou-se o post hoc de Bonferroni para identificar tais diferenças. Todos os dados foram tratados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 17.0, adotando-se nível de significância de 5%.
Resultados
A amostra final do estudo contou com 465 atletas, distribuídos segundo modalidades esportivas, conforme elucidado na Tabela 1. A prevalência encontrada para comportamento alimentar inadequado foi de 15%, enquanto para insatisfação corporal (BSQ>80) foi de 14,5%. No entanto, atletas de esportes coletivos apresentaram as maiores prevalências, tanto para o comportamento alimentar inadequado (17%) (χ²=435,82; p=0,001), quanto para a insatisfação corporal (16%) (χ²=234,69; p=0,001) em relação aos demais grupos (Tabela 2).
A ANCOVA evidenciou diferenças dos escores do EAT-26 em função dos grupos de modalidades esportivas (Tabela 3). Atletas de esportes coletivos demonstraram maior frequência de comportamentos alimentares inadequados quando comparados aos atletas de modalidades de "potência" (F=5,43; p=0,015). No entanto, atletas de modalidades coletivas não demonstraram diferenças estatisticamente significativas nos escores do EAT-26 para o grupo "divisão por classe de peso" (F=1,89; p=0,12). Do mesmo modo, a ANCOVA não evidenciou diferença entre atletas de esportes de "potência" e "divisão por classe de peso" (F=2,16; p=0,068). Por fim, os resultados apontaram que a idade esteve relacionada com os escores do EAT-26 (F=15,32; p=0,001). No entanto, o propósito da ANCOVA é inibir os efeitos de uma covariável, neste caso, a idade, sobre a variável critério (EAT-26).
A respeito da insatisfação corporal, a ANCOVA também apresentou diferenças entre os grupos de esportes (Tabela 4). Neste sentido, esportistas de modalidades com "divisão por classe de peso" mostraram-se mais insatisfeitos em relação ao grupo "potência" (F=8,55; p=0,001). Todavia, não foram encontradas diferenças estatísticas para os escores do BSQ quando comparados os grupos "coletivos" e "divisão por classe de peso" (F=2,51; p=0,082), assim como "coletivos" e "potência" (F=2,14; p=0,066). Ademais, ao contrário do que foi evidenciado para as análises com o EAT-26, os achados da ANCOVA não indicaram relação da idade com os escores do BSQ (F=2,48; p=0,12).
Discussão
A pesquisa teve como premissa comparar comportamento alimentar inadequado e insatisfação corporal entre atletas de esportes coletivos, do sexo masculino, com divisão por classe de peso e modalidades de potência. Os resultados evidenciaram diferenças de comportamento alimentar inadequado e insatisfação em função do grupo de modalidade esportiva.
Os achados do presente estudo demonstraram prevalência de aproximadamente 15% para comportamento alimentar inadequado em jovens atletas do sexo masculino. Alguns achados corroboram tais resultados. Por exemplo, Filaire et al. (2007) avaliaram judocas e ciclistas e encontraram prevalência de 17% para tais hábitos. Do mesmo modo, Fortes et al. (2012) identificaram que 19% dos nadadores avaliados apresentavam atitudes alimentares prejudiciais à saúde. Em contrapartida, outros estudos têm identificado prevalências consideravelmente menores (Toro et al., 2005; Gomes, Martins & Silva, 2011) ou maiores (Rouveix et al., 2007; Torstveit et al., 2008). Todavia, acredita-se que essas discrepâncias sejam fruto da diversidade de instrumentos aplicados nessas pesquisas. Deste modo, seria interessante tentar padronizar a utilização de ferramentas que avaliem comportamentos alimentares deletérios à saúde em atletas, com intuito de possibilitar futuras comparações entre a literatura científica que sejam mais plausíveis e confiáveis.
A respeito da comparação dos escores do EAT-26 segundo grupos de modalidades esportivas, os resultados identificaram que atletas praticantes de esportes coletivos tinham alimentação mais inapropriada quando comparados aos esportistas de modalidades com características de potência. Pressupõe-se que a pressão para o desempenho imposta pelos colegas de equipe possa ser um dos fatores determinantes para a acentuação da frequência de hábitos alimentares prejudiciais à saúde em praticantes de esportes coletivos competitivos. Ademais, talvez as características morfológicas possam ter influenciado de alguma maneira nesses resultados, pois alguns autores salientam que, em modalidades com exigências intermitentes (metabolismo aeróbio versus metabolismo anaeróbio), os atletas costumam apresentar perfis de gordura um pouco acima dos percentuais apresentados por jovens competidores de esportes de potência (Fortes & Ferreira, 2011; Schaal et al., 2011). Toro et al. (2005) estudaram 467 atletas de diversos esportes e evidenciaram elevada frequência de hábitos alimentares inadequados em sujeitos com acentuado perfil de gordura. Neste sentido, várias investigações têm apresentado que indivíduos com adiposidade corporal acentuada podem estar mais vulneráveis aos hábitos alimentares inadequados (Fortes et al., 2012; Arroyo et al., 2008), podendo, então, ser uma das explicações para os presentes achados.
Entretanto, os resultados da presente pesquisa em relação a tais comparações vão de encontro ao que a literatura científica tem preconizado. Estudos têm apontado os atletas participantes de modalidades com divisão por classe de peso como os mais suscetíveis para o desenvolvimento de comportamentos alimentares inapropriados (Baun, 2006; Silva et al., 2011; Holm-Denoma et al., 2009). Por outro lado, Fortes e Ferreira (2011), assim como na presente pesquisa, não replicaram essa tendência. Além disso, Gomes et al. (2011) e De Bruin et al. (2011) ressaltam que a participação esportiva, por si só, já pode ser considerada fator de risco para desencadeamento de transtorno do comportamento alimentar. Desta maneira, estima-se que esse tópico ainda permaneça impreciso, devendo-se explorá-lo melhor em futuras investigações.
No que tange às análises com a variável insatisfação corporal, os achados do presente estudo evidenciaram prevalência de 16%. No entanto, somente a pesquisa de Fortes e Ferreira (2011) encontrou resultado semelhante. Parece que a insatisfação corporal tem sido elevada em homens no âmbito esportivo. Por exemplo, os achados de Arroyo et al. (2008) indicaram que 78% dos atletas do sexo masculino estavam descontentes com os seus corpos. Acrescentando, Petrie et al. (2008) evidenciaram prevalência de quase 50% para a insatisfação corporal em atletas universitários americanos. É interessante ressaltar que essas discrepâncias possam ser fruto da diversidade de instrumentos aplicados nessas pesquisas. Além disso, algumas investigações têm enfatizado que a depreciação do corpo no sexo masculino está mais associada à musculosidade (White & Halliwell, 2010; Didie, Kuniega-Pietrzak & Phillips, 2010). Porém, o BSQ busca avaliar o descontentamento com o peso e a aparência física relacionada à adiposidade corporal (Conti et al., 2009), podendo ser uma das explicações para a baixa prevalência evidenciada de insatisfação corporal. Por isso, recomenda-se padronizar a utilização de ferramentas a respeito da avaliação de preocupação/descontentamento com o peso e a aparência física em jovens atletas.
Em relação à comparação dos escores do BSQ em função dos grupos de esportes, a ANCOVA demonstrou diferenças entre modalidades com divisão por classe de peso e potência. Deste modo, esses resultados corroboram outros achados. Schaal et al. (2011) e Pickett et al. (2005) avaliaram atletas de vários esportes e demonstraram que os praticantes de modalidades que apresentavam divisão de categoria em função do peso corporal (judô e luta greco-romana) estavam mais descontentes com o corpo quando comparados aos esportistas de modalidades com características de potência (natação e atletismo). Desta forma, parece que a pressão para controlar/perder peso, na tentativa de competir em categorias acima ou abaixo da sua, em esportes com divisão por classe de peso corporal, como judô, tae-kwon-do e esgrima, faz com que o atleta sinta-se insatisfeito com sua aparência física (Filaire et al., 2011). Sendo assim, o esportista pode sentir-se incapaz de realizar dieta saudável para atingir tal objetivo, podendo, então, ser predisposto aos comportamentos compensatórios para perda de peso que são descritos como: autoindução de vômitos, restrição alimentar patológica, entre outros (Fortes et al., 2012; Filaire et al., 2011; Baun, 2006).
Os achados da presente investigação identificaram relação da idade com os escores do EAT-26. Segundo Fortes e Ferreira (2011), os adolescentes mais novos costumam apresentar maiores frequências de atitudes alimentares prejudiciais à saúde e preocupação com a aparência física quando comparados aos mais velhos. No entanto, a ANCOVA não apontou relação significativa da idade com a insatisfação corporal na presente amostra. De qualquer forma, deve-se inserir a idade como covariável em pesquisas que tenham o propósito de comparar grupos.
O presente estudo apresentou resultados interessantes. No entanto, possui algumas limitações. A primeira foi utilizar ferramentas auto-reportadas como instrumentos norteadores da pesquisa. Alguns autores argumentam que os participantes podem não responder com fidedignidade aos questionários, por se tratarem de respostas subjetivas (Rouveix et al., 2007; Torstveit et al., 2008). Por outro lado, vários pesquisadores recomendam sua utilização em investigações com grandes amostras, pois consta de método de fácil aplicabilidade, além de baixo custo financeiro (Fortes & Ferreira, 2011; Baun, 2006; Toro et al., 2005). A segunda limitação foi não ter avaliado variáveis morfológicas (índice de massa corporal e percentual de gordura). Estudos têm demonstrado que características corporais podem influenciar os resultados de variáveis comportamentais e afetivas em atletas (Fortes et al., 2011; 2012). De qualquer forma, a presente pesquisa destaca-se por utilizar um grande tamanho amostral de atletas brasileiros do sexo masculino. Acredita-se, ainda, que esta investigação acrescente importantes lacunas do conhecimento sobre variáveis afetivas e comportamentais em atletas brasileiros do sexo masculino, que até então haviam sido pouco exploradas.
Os resultados do estudo permitiram concluir que os comportamentos alimentares inadequados foram mais presentes em atletas de esportes coletivos. Por outro lado, a insatisfação corporal esteve mais elevada em esportistas de modalidades com divisão por classe de peso.
Desta forma, os treinadores, os colegas de equipe, os patrocinadores e os pais de atletas praticantes de modalidades coletivas ou com divisão por classe de peso corporal poderiam ser mais cautelosos ao cobrarem a maximização do desempenho ou ao mencionarem comentários negativos a respeito da morfologia física desses jovens. Geralmente, esses atletas associam o bom rendimento esportivo ao baixo peso corporal. Neste sentido, caso o treinamento físico não seja suficiente para a perda de peso, esses esportistas poderão utilizar métodos inadequados para esse fim.
Recomenda-se acompanhamento nutricional e psicológico com jovens atletas, a fim de reduzir a frequência de atitudes alimentares deletérias à saúde, bem como diminuir os níveis de sentimentos depreciativos com o peso e a aparência física.
Finalmente, sugere-se que sejam realizadas pesquisas comparando diferentes construtos do comportamento alimentar e insatisfação corporal associados à musculosidade, segundo modalidades esportivas, em jovens atletas do sexo masculino.
Referências
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Endereço para correspondência:
Leonardo de Sousa Fortes
Rua Guaçui, 525/202 – São Mateus
CEP 36025-190 – Juiz de Fora/MG
E-mail: leodesousafortes@hotmail.com
Recebido em 27/06/2012
Revisto em 20/10/2012
Aceito em 14/11/2012
* Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).