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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.7 no.2 Juiz de Fora dez. 2013
https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201300020007
ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201300020007
Contribuições de Edith Stein para a Fundamentação Filosófica da Psicologia Científica*
Edith Stein's Contributions to the Philosophical Foundation of Scientific Psychology
Carolina de Resende Damas Cardoso; Marina Massimi
Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto), Brasil
RESUMO
O artigo visa apresentar contribuições de Edith Stein para a fundamentação filosófica da Psicologia enquanto ciência rigorosa da subjetividade. São destacados momentos relevantes para situar o berço da Psicologia científica, assim como o surgimento da Fenomenologia. Ambas surgiram como resultado de questões filosóficas, sendo uma delas referente ao tema do psicologismo e à decorrente tendência à naturalização da Psicologia, de modo que a Fenomenologia surge em oposição a tal movimento. A figura de Edith Stein se destaca devido a suas análises do objeto e do enquadramento epistemológico da Psicologia. Partindo da análise das estruturas essenciais da pessoa, ela oferece uma nova concepção de subjetividade, assim como analisa as metodologias científicas que melhor poderiam apreender esse objeto.
Palavras-chave: Edith Stein; psicologia científica; psicologia e filosofia.
ABSTRACT
The article intends to present Edith Stein's contributions to the philosophical foundation of Psychology as a rigorous science of the subjectivity. Some relevant moments that situate the cradle of scientific Psychology as well as the emerging of Phenomenology are detached. Both disciplines arose from philosophical matters, and one of them refers to the concept of psychologism and the consequent naturalization of psychology. The phenomenological conception emerged in declared opposition to those movements. The figure of phenomenologist Edith Stein stands out due to her analyses of the object and the epistemological framing of Psychology. Based on the analysis of the essential structures of the human person, Stein offers a new conception of subjectivity, as well as analyses the scientific methodologies that could better apprehend such object.
Keywords: Edith Stein; scientific psychology; psychology and philosophy.
A Psicologia científica é, de modo geral, apresentada não como uma disciplina coesa, mas sim, definida no plural, enquanto "várias Psicologias" (cf. Bock, Furtado & Teixeira, 2001). Essa peculiaridade revela, antes de tudo, a sua fragmentação devido à falta de consenso sobre o objeto e o método empregado por essa ciência.
É possível compreender o status epistemológico atual da Psicologia pela via histórica, que revela um amplo panorama referente ao contexto do surgimento da disciplina enquanto matéria científica. O estudo histórico é, nesse sentido, fundamental para problematizar os pilares teóricos e metodológicos dessa área do saber.
O presente artigo, orientado pela perspectiva histórica, visa apresentar a fenomenologia e, em especial, a fenomenologia de Edith Stein (1891–1942) como uma proposta teórico-metodológica que intenta problematizar o objeto e a constituição da Psicologia científica, por meio da "volta às coisas mesmas" — no caso, volta ao objeto original da investigação psicológica — a partir do postulado da consciência intencional do sujeito do conhecimento.
Para tanto, foi utilizada como fonte primária a obra Introdução à Filosofia (1991/2003a) de Stein. A escolha da referida obra pautou-se no fato de a mesma apresentar uma análise filosófica detalhada a respeito da natureza e da estrutura da subjetividade, além de esclarecer a delimitação epistemológica das ciências que tratam desses objetos e a relação que estas devem estabelecer com a filosofia.
Para a contextualização histórica da proposta fenomenológica, buscou-se apresentar, em um primeiro momento, algumas concepções filosóficas a respeito do objeto de estudo da Psicologia, a partir da Idade Moderna. Tais concepções também constituíram as raízes da Psicologia científica, formalmente inaugurada no final do século XIX.
Apontamentos sobre o Contexto Histórico e Filosófico do Surgimento da Psicologia Científica
A construção do primeiro laboratório de Psicologia experimental geralmente é apontada como o marco formal e, inclusive político, da autonomia científica dessa área do saber em relação à Filosofia. Wilhelm Wundt (1832–1920), idealizador desse projeto, ocupou-se em oferecer um fundamento filosófico à Psicologia, conforme os modelos ditados pelas ciências naturais. Esse autor definiu o que deveria ser o objeto e método de estudo da nova ciência e, em resposta às reivindicações que Kant havia feito à Psicologia — às suas pretensões em tornar-se ciência —, já no século XVIII, admitiu a possibilidade do estudo experimental da experiência interna, ou dos processos conscientes, por meio do método introspectivo.
De acordo com Araujo (2010), o projeto de uma Psicologia científica de Wundt configurava-se a partir da concepção do autor a respeito do conceito de consciência. Wundt apontou o objeto da nova ciência como sendo as representações mentais conscientes dos sujeitos, como estas ocorrem e como se estruturam em relação umas às outras, pretendendo estabelecer as leis regentes da experiência interna.
Ainda segundo Araujo (2010), Wundt compreendia a experiência como algo totalizante; no entanto, para que fosse contemplada por uma ciência empírica experimental, haveria de ser dividida entre experiência mediada (referente aos objetos da experiência) e imediata (referente ao sujeito da experiência). Desse modo, postulou que a Psicologia deveria se ocupar da segunda, utilizando os mesmos métodos das ciências naturais, a observação e a experimentação científica. Tendo por objeto os processos psicológicos do sujeito, a Psicologia poderia constituir a ciência que fundamentaria a base para as demais ciências naturais e do espírito, sendo, inclusive, a base da própria Filosofia.
Para Wundt, também os processos culturais (linguagem, religião, mitos etc.) tinham por base os aspectos psicológicos dos indivíduos e, por essa razão, deu grande importância ao estudo do que chamou de "Psicologia dos povos" (Völkerpsychologie). Ocupou-se do estudo da mesma, para além da Psicologia individual e experimental, nos últimos 20 anos de sua vida, de modo que a maior parte de sua produção voltou-se para as análises nesse âmbito (Araujo, 2011).
Conforme explicita Araujo (2010, p. 27),
a psicologia wundtiana, embora epistemologicamente autônoma em relação às outras ciências particulares (física, química, biologia), deve ser compreendida como parte de um projeto maior, cujo objetivo último é a elaboração de uma nova Weltanschauung [visão de mundo].
Isso explicita a necessidade de compreensão da Psicologia wundtiana a partir do contexto filosófico/científico, no qual o autor estava inserido e desenvolveu seu projeto de Psicologia científica.
O autor desenvolveu seu projeto no contexto intelectual alemão do século XIX, herdeiro das concepções filosóficas modernas dos séculos anteriores. Serão destacados neste artigo alguns momentos considerados relevantes para situar o berço da Psicologia científica, separada definitivamente da metafísica.
Segundo Massimi e Mahfoud (2007), as raízes da ruptura na concepção de experiência remetem ao início da Idade Moderna, quando da separação entre razão e experiência por René Descartes (1596–1650). Para Descartes, "o homem e não a realidade é fonte de certeza" (Massimi & Mahfoud, 2007, p. 23). Mais especificamente, somente seria possível acercar-se de um conhecimento verdadeiro sobre as coisas por meio da razão. O filósofo francês (Descartes, 1637/2000), desta maneira, inaugurou uma nova teoria do conhecimento que, por sua vez, estabeleceu uma nova concepção sobre a estrutura ontológica do ser humano. A alma humana deixou de ser concebida como a forma do corpo ou da matéria, passando a ser considerada como uma substância completamente distinta e autônoma desta.
Após a ruptura promovida por Descartes, a Filosofia buscou se distanciar do problema metafísico da essência do ser, voltando-se para perscrutar as possibilidades e a fundamentação do próprio conhecimento. Segundo a tese de Porta (2007), o problema principal das filosofias antiga e medieval recaía sobre a análise metafísica do objeto, enquanto a ênfase da Filosofia moderna volta-se para o tema do conhecimento. Esse tema que trata de perscrutar a natureza e fundamentação do conhecimento, segundo o mesmo autor, percorrerá as correntes filosóficas que se seguiram desde então, sendo que estas exerceram enorme influência sobre a demarcação científica da Psicologia, já que a mesma tem por objeto de estudo o próprio sujeito do conhecimento.
No século XVIII, destacou-se a figura do filósofo iluminista Immanuel Kant (1724–1804) e sua famosa crítica à metafísica e ao projeto de uma Psicologia científica nos moldes das ciências naturais. Segundo Ferreira (2011), para que a Psicologia se tornasse uma ciência empírica de acordo com os critérios kantianos, ela deveria ter clareza sobre seu objeto elementar, para com ele realizar análises. Ademais, como todo estudo objetivo, deveria esclarecer a separação entre sujeito e objeto, além de promover a matematização dos processos da consciência.
Kant admitiu a Física newtoniana como sendo o modelo, por excelência, da ciência. De acordo com Porta (2007), a condição de possibilidade dessa asserção se baseia no fato de a Física ter por objeto os fenômenos naturais — estes podem ser conhecidos, segundo Kant, na medida em que a razão (instância que conhece) somente pode apreender os fenômenos e não a realidade em si mesma. A razão é um atributo do sujeito transcendental (a priori) e somente pode captar aquilo que, de certa maneira, já se encontra nela, ou seja, que é moldado pelas categorias formais do mesmo sujeito.
Os vetos kantianos à Psicologia científica — que deveria ter por objeto o sujeito empírico — se referiam ao fato de que, para o filósofo, seria um equívoco a tentativa de admitir um tratamento matemático aos fenômenos psíquicos, devido à característica não espacial dos mesmos. Além disso, o empreendimento exigiria uma auto-observação que não lograria sucesso, seja pela facilidade em distorcer os fenômenos psíquicos, ou pelo motivo de a própria observação provocar uma alteração na ocorrência dos mesmos (Mueller, 1978).
De acordo com Santos (2010) — e apesar dos vetos kantianos — os estudos em Psicologia experimental ganharam força no século XIX no contexto alemão, principalmente com as pesquisas de Rudolf Hermann Lotze (1817–1881), Johannes Müller (1801–1858), Gustav Fechner (1801–1887) e Hermann Von Helmholtz (1821–1894), influenciando uma classe de psicólogos que vieram a seguir na mesma esteira, tais como Hermann Ebbinghaus (1850–1909) e o próprio Wundt, que buscaram superar os vetos kantianos à Psicologia científica. Com esses autores, a Psicologia tornou-se o estudo experimental das sensações localizadas corporalmente e que constituem a base da experiência (subjetiva), podendo ser analisadas matematicamente em relação aos estímulos físicos que as provocam.
No contexto alemão do século XIX, a Psicologia tornou-se ciência da experiência reduzida às sensações, para ser considerada científica, em um contexto que, segundo Porta (2004), foi herdado do psicologismo — cujas raízes remontam ao empirismo de John Locke (1632–1704) e, de modo mais específico, à sua postulação do princípio de imanência1. Para o psicologismo, as sensações constituem o alicerce das representações mentais, de modo que os atos da consciência (como a percepção, recordação, imaginação etc., que são o fundamento do conhecimento) são compreendidos também enquanto conteúdos psíquicos, ou "produtos" do funcionamento do psiquismo.
Dessa maneira, no século XIX, de acordo com a concepção de que as sensações constituem a base da experiência e também a base do conhecimento — em uma posição claramente herdada do empirismo filosófico —, o estudo do sujeito cognoscente passou a ser domínio da Psicologia empírica. Ocorreu, então, uma "psicologização" do conhecimento, na qual as estruturas subjetivas, psicológicas (ideias ou representações) dos sujeitos foram consideradas as mediações para o conhecimento lógico e filosófico (Porta, 2004).
Para Santos (2010), o naturalismo filosófico, também vigente no século XIX — e o decorrente reducionismo da Psicologia — foi o resultado lógico do psicologismo, pois, segundo o mesmo postula, se todos os atos da consciência são instâncias psíquicas, as mesmas podem ser explicadas de acordo com modelos teóricos da Biologia, mais especificamente, podem ser explicados pela fisiologia cerebral. Outra decorrência do naturalismo e do psicologismo foi a redução dos fenômenos sociais, culturais e históricos a produtos do psiquismo humano.
Como consequência, sintetiza Massimi,
historicamente, um conhecimento baseado em um dualismo artificial impossibilitou, segundo [Edmund] Husserl, a construção de uma psicologia capaz de apreensão correta e abrangente da subjetividade e dos fenômenos dela decorrentes. (2012, p. 94)
O "dualismo artificial" apontado pela autora denota o resultado da separação entre natureza e espírito (posteriormente reduzido a apenas "psique", pela epistemologia positivista e naturalista, considerada em sua conotação mecanicista) historicamente colocado a partir de Descartes. No século XIX, também foi expressiva a distinção entre ciências da natureza e ciências da cultura (Rovighi, 2011) — chamadas ciências do espírito —, em última instância, provocada por essa cisão.
Em busca de uma análise crítica das ciências por meio da fundamentação do conhecimento, alguns pensadores alemães de meados do século XIX retomaram a filosofia kantiana. O neokantismo ou neocriticismo, segundo Reale e Antiseri (2006), foi um movimento marcado pela crítica ao positivismo, pela negação da metafísica em favor de uma gnosiologia e pela tentativa de elaboração de uma teoria do conhecimento que fundamentasse tanto as ciências naturais como as do espírito.
São destacados alguns nomes nesse contexto alemão, tais como o do fisiologista Helmholtz, que aderiu à filosofia kantiana, buscando explicar as categorias a priori com as quais o filósofo iluminista se ocupava, em termos da estrutura psicofísica do sujeito. Para Helmholtz, a adesão à filosofia kantiana justificava-se na medida em que ele constatava na mesma uma abertura aos resultados das investigações científicas (Rovighi, 2011).
À transformação "psicologista" da filosofia kantiana, opôs-se a Escola de Marburgo, fundada por Hermann Cohen (1842–1918). Para o autor, o sistema filosófico kantiano não poderia servir para a investigação das faculdades cognitivas, mas sim, como uma crítica à metodologia das ciências, cuja principal preocupação deveria ser a fundamentação do conhecimento filosófico e científico (Reale & Antiseri, 2006).
Outros representantes do neokantismo expoentes de outra escola de pensamento — a Escola de Baden — foram Wilhelm Windelband (1848–1915) e Heinrich Rickert (1863–1936). Em consonância com as exigências neocriticistas no âmbito do pensamento filosófico alemão, Rickert buscou "fundar (ao invés de, mais ou menos simplesmente, registrar) a autonomia do conhecimento histórico" (Reale & Antiseri, 2006, p. 25), ainda que, para o mesmo autor, o sujeito do conhecimento fosse o sujeito transcendental kantiano e, portanto, o conhecimento histórico estaria condicionado a ele.
Em diálogo com esses autores, destacou-se a figura de Wilhelm Dilthey (1833–1911), cujo objetivo foi o de resgatar o aspecto espiritual então refém do naturalismo e do positivismo, devolvendo a autonomia metodológica ao âmbito dos fenômenos históricos, fundamento da vida espiritual. Para o filósofo, a característica principal do espírito que o distingue da natureza é a temporalidade e sua capacidade de ser vivenciado de maneira imediata. Por essa razão, a disciplina psicológica seria necessária para a compreensão do homem enquanto sujeito espiritual e histórico. Essa psicologia, que deveria ser descritiva e analítica, era distinta da Psicologia de matriz naturalista ou adepta da metodologia das ciências naturais (Rovighi, 2011).
Ao que compete às ciências da natureza, por sua vez, Massimi (2012) aponta que o dualismo metodológico, reflexo da cisão entre natureza e espírito, provocou a redução da concepção de natureza apenas a seu funcionamento mecânico, contribuindo para a distinção entre ambos os domínios científicos (o das ciências naturais e o das ciências do espírito).
A Psicologia científica alemã do século XIX encontrou-se, portanto, cercada pelas influências de filosofias positivistas, por um lado; e, por outro, pelo neocriticismo e historicismo — sem contar as influências do realismo lógico (cf. Porta, 2004) também datado do século XIX e das concepções de Psicologia empírica de Franz Brentano, cujas raízes remontam ao aristotelismo e ao sistema filosófico do iluminista pré-kantiano, Christian Wolff (cf. Rovighi, 2011).
Diante de um cenário, sem dúvida, complexo, Edmund Husserl (1859–1938), por sua vez, ciente dos problemas epistemológicos que a Psicologia enfrentava — devido ao distanciamento crescente da Filosofia e à apropriação acrítica do método das ciências naturais — opôs-se contundentemente ao psicologismo, cuja proposta, em última instância, deteria a própria lógica e a epistemologia aos condicionamentos de uma ciência que não conseguia definir o seu próprio fundamento.
Há de se salientar que o psicologismo formava a base para uma teoria do conhecimento na qual sujeito e objeto resultariam cindidos, de maneira que essa concepção relacionava-se justamente com a busca da Psicologia em aderir ao modelo das ciências naturais. Husserl, contudo, identificava em tal cisão a fenda sobre a qual a Psicologia buscava ineficazmente sustentar seus postulados.
A Proposta Fenomenológica
A respeito das origens dessa filosofia, Ales Bello (2006, p. 29) afirma que "a Fenomenologia surge de uma base psicológica". Edmund Husserl, fundador dessa corrente, a propôs principalmente em oposição ao psicologismo, ao naturalismo e ao positivismo vigentes no século XIX. Segundo Santos (2010), a origem da proposta fenomenológica não pode ser desvinculada da formação matemática do filósofo, uma vez que Husserl buscava uma fundamentação das formas matemáticas e lógicas — tema que certamente estava em pauta na época e que era discutido por filósofos da corrente psicologista e também por aqueles que se orientavam contrariamente ao psicologismo, tal como o matemático e lógico Gottlob Frege (1848–1925).
O intento de Husserl, a princípio, foi buscar o fundamento da matemática e da lógica nos atos psíquicos. Assim, em 1891, ele publicou sua obra Filosofia da Aritmética, a qual recebeu críticas contundentes de Frege, que o acusou de psicologismo. Mais tarde, ele admitirá tais críticas no prólogo de sua obra, marco da inauguração da fenomenologia, Investigações Lógicas (1901/1996).
Entre os anos de 1883 e 1886, Husserl estudou com Franz Brentano (1838–1917), proeminente filósofo e psicólogo. Brentano, ancorado em concepções aristotélicas, sustentava que todo o conhecimento provém da experiência — não se referindo, entretanto, às filosofias da tradição empirista. A experiência, segundo Brentano, seria capaz de promover uma universalidade do conhecimento, no sentido de se contrapor ao relativismo e ao ceticismo. Em sua obra Psicologia do ponto de vista empírico (1871), o autor buscou fundamentar o conhecimento, ao dissertar sobre a percepção interna (modo de captação) dos objetos imanentes, diferenciando o ato psíquico do conteúdo do mesmo ato.
A teoria dos objetos imanentes — que postula a distinção entre os atos psíquicos e seus respectivos conteúdos, contudo admitindo a existência psíquica (real) de ambos (Granzotto, 2005) — de Brentano influenciou profundamente a concepção de intencionalidade de Husserl. Foi Brentano que, segundo Zahavi (2003, p. 154), argumentou a favor da necessidade de uma "análise puramente descritiva da consciência". Entretanto, de acordo com Porta (2004), mais do que tomar para si o conceito brentaniano de imanência, Husserl desenvolveu sua própria teoria da intencionalidade, criticando, mais tarde, a postura psicologista de Brentano.
Antes de suas críticas ao psicologismo, porém, a partir de 1886, Husserl estudou com Carl Stumpf (1848–1936), que também tinha sido aluno de Brentano e de quem compartilhava seus princípios para a fundamentação de uma Psicologia empírica. Nessa época, Husserl ainda tentava estabelecer os fundamentos psicológicos da lógica e da matemática, procurando situar a origem de tais fundamentos na experiência. Essa busca, segundo Santos (2010), expressou a influência do empirismo no início das análises filosóficas de Husserl a respeito das origens da lógica e da matemática. De fato, segundo o mesmo autor, Husserl iniciou seus estudos dos filósofos modernos com David Hume (1711–1776), além de dialogar com autores empiristas e psicologistas contemporâneos, como Stuart Mill (1806–1873) e Theodor Lipps (1851–1914).
Foi no decorrer da década de 1890, porém, que Husserl abandonou de vez o psicologismo. Segundo Zahavi (2003), a obra Investigações Lógicas, publicada em 1901, constituiu a grande inovação da fenomenologia e, portanto, para a Filosofia do século XX. Nela, Husserl tratou de temas centrais da fenomenologia, principalmente o conceito de intencionalidade, tema-chave para todo o posterior desenvolvimento de sua filosofia. Ele desenvolveu tal conceito com base na crítica que realizou ao psicologismo. Nessa obra, o autor buscou dar os fundamentos para a lógica pura e para a epistemologia — sendo que esta, para o filósofo, deveria versar sobre a análise da possibilidade do conhecimento.
Essa primeira publicação sobre a proposta fenomenológica chamou a atenção de vários daqueles que iriam formar o grupo de jovens alunos filósofos de Gottingen2, dentre eles, Edith Stein (1891–1942), que aprofundou seus estudos sobre a constituição da pessoa humana e os problemas referentes à discussão epistemológica da Psicologia3.
Neste artigo, será utilizada principalmente a sua obra Introdução à Filosofia (1991/2003a), pelo fato de estar contido nesta, de modo intencional, o esclarecimento do campo epistemológico das ciências empíricas — e, em especial da Psicologia — e a relação que estas devem estabelecer com a Filosofia.
Os principais problemas norteadores das análises de Stein contidas na referida obra são: como é possível conhecer a natureza e a subjetividade (objetos de investigação das ciências empíricas)? Como é possível uma abordagem científica de tais objetos? Qual a delimitação das ciências (em relação à) e da Filosofia?
Consciência Intencional: A Base para o Conhecimento
Em primeiro lugar, para abordar tais problemas, é fundamental a colocação da questão da consciência. Ao iniciar a explanação de seu método, Husserl (1931/2001) partiu do mesmo ponto que Descartes. Para se chegar a um conhecimento seguro e verdadeiro, livre de pré-concepções, seria necessário colocar entre parênteses tudo o que já se sabe a respeito do que se quer verdadeiramente conhecer. Seria necessário colocar até mesmo a própria realidade entre parênteses, pois esta pode estar repleta de aparências e enganar.
Caso se prescinda de todo o conhecimento proveniente da experiência natural e das ciências, o que restará? Em sua obra, Stein (1991/2003a) recorda que Descartes já tinha se colocado a mesma questão quando anunciou seu ceticismo. Segundo Descartes (1637/2000), para se adquirir um conhecimento absoluto, seria preciso começar do zero, colocando em dúvida todo o conhecimento adquirido até então. Caso se duvide de tudo, a única coisa de que não se pode duvidar é o próprio fato de que se duvida e, portanto, a consciência que se possui da dúvida. Stein, no entanto, assume que não é somente a dúvida mesma que resta, mas a percepção que se tem da própria dúvida. A dúvida somente pode ser afirmada se o sujeito da dúvida se percebe enquanto ator dessa vivência. Caso se prescinda, portanto, de todo o conhecimento já estabelecido, tem-se, então, que aquilo que resta é a percepção do próprio ato de duvidar, de modo que a percepção, esta sim, é uma das vivências que remetem ao âmbito da consciência.
A proposta da Fenomenologia, enquanto ciência de fundamentos absolutos, é ocupar-se, então, da análise das vivências intencionais do sujeito transcendental — resquício da redução eidética (primeira etapa do método fenomenológico), o sujeito que foi abstraído da realidade, ou "Eu" puro, autor das vivências. De acordo com os apontamentos de Stein, para a descrição das vivências intencionais, é preciso ter em conta que estas possuem duas facetas, uma subjetiva e outra objetiva (denominadas noésis e noema, respectivamente). Desse modo, ater-se somente à faceta subjetiva é insuficiente para se compreender uma vivência. Isso significa dizer, por exemplo, que não é possível a descrição do ato perceptivo em si, sem a consideração do objeto ao qual essa vivência se dirige.
O objeto, de certa maneira, também constitui a vivência. A percepção é sempre percepção de alguma coisa; a recordação é sempre recordação de algo; a imaginação, a reflexão, a vontade, a fantasia, todas as vivências são vivências de alguma coisa. Tais atos são subjetivos, ou seja, referem-se sempre a um sujeito; não obstante, trazem em si uma objetividade que lhes é inerente ou que os constitui. A relação com a objetividade, porém, ocorre de uma maneira distinta daquela demonstrada pela atitude natural ou pela científica. O mundo objetivo, considerado aqui, não diz respeito aos fatos empíricos da realidade ou aos produtos da experiência, mas é considerado como "correlativo da vivência" (Stein, 1991/2003a, p. 683, tradução nossa).
A suspensão do juízo a respeito da realidade é a primeira etapa do método fenomenológico. Suspender o juízo significa "colocar entre parênteses", sem descartar toda a realidade admitida pela atitude natural e científica. Quando a realidade é colocada entre parênteses, o que resta para analisar? Restam as vivências puras, assim denominadas pelo fato de serem despidas das roupagens — preconceitos e pressupostos estabelecidos — da realidade.
Há, porém, uma objetividade imanente presente em toda vivência. Stein admite que os objetos constituem as vivências, devido ao caráter intencional das mesmas. Nesse sentido, a realidade é considerada na medida em que for vivenciada pelos sujeitos. O conhecimento do objeto pressupõe o posicionamento do sujeito, ou seja, não há possibilidade de conhecimento se o sujeito não se voltar intencionalmente ao objeto. Da mesma maneira, não haverá um posicionamento do sujeito se não houver um objeto diante do qual se colocar, o que deixa claro, portanto, a unidade existente entre a faceta subjetiva e objetiva das vivências intencionais. Dessa maneira, tem-se que a intencionalidade da consciência é o fator que permite superar a polarização entre sujeito e objeto do conhecimento.
Conceito de Subjetividade segundo Edith Stein
Edith Stein, ao abordar o tema da consciência, a vincula com a definição de pessoa. Para quem não está familiarizado com o método fenomenológico, parece óbvia a vinculação da consciência ao ser pessoal. Entretanto, para a Fenomenologia (e, portanto, para a própria Stein), tal vinculação não é necessária. A consciência intencional é absoluta, ou seja, é autônoma a qualquer existência singular — inclusive, é a estrutura que se mantém como resquício da redução eidética, na qual todas as circunstâncias reais são colocadas "entre parênteses". A expressão "pessoa humana", por sua vez, é utilizada para denominar uma realidade composta por corpo e alma — e pelas qualidades psíquicas idiossincráticas e estáveis que remetem ao caráter e à personalidade definidora da pessoa.
Ao voltar para a análise da pessoa humana, é possível deparar-se com uma vida interior, denominada por Stein como "vida do 'eu'" (Stein, 1991/2003a, p. 776, tradução nossa), constituída em seus aspectos anímicos e espirituais. Quando se utiliza a expressão "interior" para a referência da vida anímica da pessoa, remete-se, de alguma forma, a uma contraposição à externalidade do corpo, o que não quer dizer que a vida interior localiza-se espacialmente dentro do corpo. Stein enfatiza que [...] a vida do 'eu' é não espacial por excelência, algo a que não se pode assinalar um lugar determinado. (Stein, 1991/2003a, p. 776, tradução nossa).
Entretanto, essa vida interior, ou a instância denominada "eu", também está inscrita corporalmente, de modo que o corpo constitui o mediador da vida interior com o mundo real. O corpo também fornece expressividade à vida interior, é o seu instrumento de ação no mundo.
O significado do termo "pessoa" não se esgota apenas com essa caracterização anímico-corpórea. Designa-se pessoa aquele nível da realidade composta por qualidades estáveis que remetem ao caráter e à personalidade — qualidades psíquicas idiossincráticas — que a definem. Nesse âmbito, também são consideradas as qualidades sensoriais e intelectuais (espirituais) de um indivíduo. O aspecto do caráter é definido pela autora como o principal constituidor de uma pessoa, por refletir aquilo que fornece a sua peculiaridade em relação às demais.
Pode-se dizer que o caráter, compreendido em termos mais amplos, abarca a totalidade das qualidades de uma pessoa. Por essa razão, está em constante transformação, sendo influenciado por circunstâncias externas ao sujeito, mas também por aquelas que lhes são internas. Mesmo considerando esse aspecto mutável do caráter, geralmente, ele é compreendido inserido num processo de desenvolvimento. Fala-se que o caráter de um indivíduo se desenvolve ao longo de sua vida, o que remete a algo que possa estar já com ele desde sua origem, manifestando-se de maneira gradual.
Outro ponto a ser destacado, ainda a respeito da personalidade de um indivíduo, ou seja, daquilo que o define enquanto tal, diz respeito às influências das circunstâncias externas na determinação do caráter. Stein destaca que a circunstância externa que mais exerce influências sobre a pessoa é o relacionamento com outras pessoas. Ela sintetiza:
[...] a pessoa é o sujeito de uma vida atual do "eu", um sujeito que tem corpo e alma, que possui qualidades corporais e anímicas, que está dotada especialmente de um caráter em constante desenvolvimento, ou com qualidades que se desenvolvem sob a influência de circunstâncias externas; e que esta evolução contempla uma disposição original que possuía. (Stein, 1991/2003a, p. 778, tradução nossa).
A vida do eu é, portanto, para Stein, o fator que define a pessoa. Dessa forma, a autora assegura que a pessoa coincide com o "eu" puro, na medida em que este é o sujeito das vivências suscitadas pela vida anímica e pelo ambiente externo que compreende principalmente o relacionamento com as outras pessoas. O sujeito das vivências, ou seja, o "eu" puro, é o ponto a partir do qual se origina o fluxo das vivências intencionais que, por sua vez, constitui a consciência pessoal. Outro fator que caracteriza a consciência pessoal, em sua essência, consiste no fato de esta ocorrer em forma do cogito.
O "eu" puro constitui a estrutura essencial da consciência. Isso significa que toda consciência é formada por essa estrutura. No entanto, enquanto origem das vivências, pertence a ele a característica de ser também pessoal e, portanto, individual. Nas palavras de Stein, ele é um "individuum absoluto" (Stein, 1991/2003a, p. 779, grifos da autora, tradução nossa), que faz com que as vivências formem uma unidade, ou seja, fornece consistência à unidade do fluxo das vivências. Não se trata das diferenças individuais entre os conteúdos das vivências pessoais, mas de uma evidência mais básica que consiste na capacidade do "eu" em diferenciar-se de um outro "eu", ou "[...] ser-si-mesmo-e-um-não-ser-outro" (Stein, 1991/2003a, p. 779, tradução nossa).
Corporeidade, Psique e Espírito
A concepção steiniana de subjetividade contempla, portanto, a própria constituição tripartida (considerados os aspectos corpóreos, psíquicos e espirituais), porém essencialmente unitária, da pessoa humana (Stein, 1991/2003a). Tem-se, então, que o corpo não é constituído apenas por seu aspecto material (Körper), mas é uma estrutura viva (Leib). Ao analisar a constituição do corpo vivo, Stein parte da descrição de seus atributos. A primeira característica diz respeito à impressionabilidade, ou seja, o corpo vivo é capaz de sentir, de ter sensações localizadas ao longo de toda sua extensão. Ademais, ele é capaz de emitir movimentos próprios — que, segundo Stein, são provenientes do núcleo anímico em relação constante de trocas com o ambiente externo — e de expressar a vida interior ou anímica.
Para definição do que Stein denomina "vida interior", é preciso destacar a diferença entre a estrutura psíquica e a consciência pura. Quando se fala em unidade psicofísica, esta se refere à unidade existente entre corpo e alma, sendo a psique a estrutura que constitui a alma. Ela está presente nos sujeitos psicofísicos reais e, portanto, faz parte da realidade, contrapondo-se à consciência pura ou ao fluxo das vivências puras. Por essa razão, a psique está submetida às leis de causalidade, sendo portadora de qualidades próprias, além de ser capaz de modificar-se ao longo do tempo, em função das circunstâncias reais às quais está submetida. A psique possui, portanto, uma dimensão temporal; no entanto, em contraposição com as coisas materiais, ela não é constituída espacialmente em si própria, mas somente quando vinculada ao corpo vivo.
Além disso, sua relação com a consciência pura ocorre na medida em que os estados psíquicos são passiveis de serem vivenciados pelo "eu". Os estados psíquicos inserem-se no âmbito dos condicionamentos reais. Há, contudo, um aspecto fundamental que "condiciona" os estados psíquicos e que diz respeito à motivação — de ordem espiritual. A psique origina estados interiores resultantes da conexão do corpo vivo com o mundo exterior. Por sua vez, quando a pessoa está motivada a se colocar diante do mundo de maneira consciente ou intencional, os estados internos suscitados a partir desse encontro são provenientes do "eu" e, portanto, constituem o aspecto espiritual da vida real da psique. Stein esclarece: "a vida psíquica atual está formada pela sensibilidade e espiritualidade que se encontram em conexão com a realidade". (Stein, 1991/2003a, p. 800, tradução nossa).
A psique é constituída por qualidades disposicionais que oscilam de acordo com as situações e que também são constituídas por aspectos sensíveis e espirituais. Stein (1991/2003a) define as qualidades que se referem à acurácia da visão, audição e tato como pertencentes ao primeiro grupo. Às qualidades psíquicas espirituais, ela dá o exemplo da inteligência, do arrebatamento e da força de vontade. As qualidades psíquicas, sejam elas sensíveis ou espirituais, são formadas pelos estados psíquicos que também fornecem a condição para sua manifestação. São exemplos o cansaço, a saúde, a enfermidade, o ânimo.
Outra característica da estrutura psíquica é que, tal como o corpo vivo, ela está em constante desenvolvimento ao longo da vida de uma pessoa. Dessa maneira, as qualidades psíquicas modificam-se ao longo do tempo, podendo ser adquiridas. Além disso, assim como os estados vitais são codeterminados pelo ambiente externo e pelas condições orgânicas do corpo vivo, assim também as qualidades psíquicas o são. A autora postula, porém, que o condicionamento do mundo externo não é suficiente para explicar o desenvolvimento das qualidades psíquicas, mas é preciso que haja também uma disposição interna original (proveniente do núcleo anímico ou a chamada "alma da alma") que seja estimulada por um ambiente favorável para que tais qualidades possam ser desenvolvidas.
A qualidade fundamental da vida anímica, e que se desenvolve a partir do núcleo, é o caráter pessoal. Ele é formado principalmente a partir daquelas qualidades psíquicas de ordem espirituais que estão em constante processo de desenvolvimento. A autora aborda o caráter como resultado da vida afetiva ou dos sentimentos que podem atuar sobre a vontade e o comportamento da pessoa, mais do que aos aspectos do entendimento e da inteligência. A vida afetiva de ordem espiritual é vinculada à estimação de valores realizada pela consciência. Todo ato em que se valora algo vem acompanhando de um estado do "eu" — ou seja, um estado consciente —, que provoca uma alteração nos sentimentos e nos estados internos vitais da pessoa, possibilitando a geração de mudanças no caráter. Quanto maior é um valor, ou seja, quando estiver enraizado na vida afetiva de maneira mais profunda, maior poderá ser a mudança ocasionada por ele.
A sensibilidade e o entendimento podem constituir, também, aspectos importantes para o desenvolvimento do caráter pessoal. De acordo com Stein, os valores não estão desvinculados da materialidade que compõe os bens aos quais eles estão atrelados. E mais, é necessário que haja certo grau de entendimento que integre o sentimento ao valor e à vontade, para que haja uma ação congruente com esses demais aspectos. Nesse sentido, para a autora, o desenvolvimento das qualidades psíquicas sensíveis e espirituais está em nossas mãos4. O mesmo ocorre com o desenvolvimento do caráter.
O caráter, assim como as demais qualidades da alma, emerge do interior da pessoa em direção à sua manifestação externa. De acordo com Stein, toda a vida espiritual possui esse movimento. No entanto, a vida do "eu" não está voltada apenas para o mundo exterior; ao contrário, ele possui a capacidade de abrigar em si o mesmo mundo, fornecendo-lhe uma morada no interior de sua alma. Segundo a autora (Stein, 1991/2003a, p. 811, tradução nossa), "a alma é o centro da pessoa, o 'lugar' onde ela está em si mesma".
Foram explicitadas em linhas gerais as principais características da estrutura ontológica da pessoa humana, segundo Stein, dando especial ênfase à definição da estrutura psíquica — tema de maior interesse para a Psicologia científica. Tendo buscado lançar luzes a respeito da definição do objeto dessa ciência, faz-se necessário, agora, apresentar as análises metodológicas propostas pela autora para o estudo científico da subjetividade.
A Expressividade como Forma de Manifestação da Subjetividade
O motivo pelo qual Stein apresentou a análise das estruturas psíquicas foi devido ao fato de estas constituírem a vida interior da alma, a qual é expressa pelo corpo vivo. A capacidade expressiva humana relaciona-se com a atuação da pessoa em seu mundo circundante. Dessa forma, é por meio da expressão do corpo vivo que o ser humano cria o seu próprio mundo, por meio da literatura, artes plásticas e qualquer outro produto de atuação do homem em seu ambiente. Por essa razão, para a autora, o mundo inteiro no qual um indivíduo atua leva a marca de sua personalidade: de seus traços típicos e de sua peculiaridade pessoal (Stein, 1991/2003a, p. 818, tradução nossa).
As formas de expressividade, portanto, são os fatores que permitem o conhecimento da vida interior das pessoas. Mas como é possível que a consciência apreenda a vida interior por meio das expressões corpóreas? Edith Stein (1991/2003a) nos aponta três vivências específicas que permitem captar o sentido da subjetividade, tanto a própria quanto a subjetividade alheia. Tais vivências são a empatia, a percepção externa e a percepção interna. A empatia (Einfühlung, cf. Stein, 1916/2003c) é uma vivência representativa, por meio da qual é possível intuir o núcleo vital de outrem, por meio da expressividade de seu corpo vivo. A percepção externa (äussere Wahrnehmung) permite apreender o próprio corpo vivo, assim como o corpo vivo de outra pessoa. Já por meio da percepção interna (innere Wahrnehmung), é possível apreender os próprios estados e qualidades anímicas que, por sua vez, são iluminados pela consciência original5. Essas três vivências devem, portanto, ser consideradas como a base sobre a qual a metodologia das ciências que almejam estudar a subjetividade deve se pautar.
A Possibilidade da Psicologia como Ciência Rigorosa da Subjetividade
À Psicologia cabe, portanto, o estudo dos indivíduos psicofísicos. Nesse sentido, é preciso analisar os estados e qualidades psíquicas para poder investigar as relações que possuem com o corpo vivo. Havemos de considerar, então, a partir da definição do objeto, qual o método que, segundo Stein (1991/2003a), pode ser mais apropriado para apreendê-lo.
A Psicologia, apesar de considerar a apreensão externa do corpo vivo (como as ciências biológicas o fazem), deve ir além dela. Stein afirma que a estrutura psíquica manifesta-se por meio de seus estados, de modo a ser possível a apreensão destes por meio da expressividade da pessoa alheia. No entanto, por mais que haja correspondência entre a expressão e os conteúdos psíquicos internos, estes não estão reduzidos a ela. Eles não são a expressão, possuem uma natureza distinta, ou seja, não são por si mesmos espaciais. Somente o são quando vinculados ao corpo vivo. Por essa razão, a autora sustenta que a análise dos estados psíquicos não se esgota com a percepção externa, tendo em vista a necessidade de se recorrer sempre à própria experiência para compreendê-los.
Edith Stein menciona a atuação dos psicólogos que realizam experimentos científicos com sujeitos humanos6. Neste caso, por mais que esses cientistas recorram às estatísticas e aos procedimentos experimentais, ainda assim necessitam do relato do sujeito acerca de sua experiência. Esse relato, portanto, somente é passível de análise se conjugado com a experiência do próprio cientista. Nas palavras de Stein (1991/2003a, p. 886, tradução nossa), "[a experiência do psicólogo] constitui a base da análise científica". Se, por outro lado, os psicólogos que realizam os experimentos não levam em consideração o relato dos sujeitos, segundo a autora, estes estão a medir apenas os efeitos somáticos decorridos dos estados psíquicos. Para a investigação dos estados psíquicos em si, a autora nos orienta:
Aquilo que um estado psíquico é em si mesmo, dele se adquire notícia unicamente pelo fato de que se manifeste no transcurso de uma vivência, e de que pode se investigar as vivências segundo sua essência (e como dissemos anteriormente, somente segundo sua essência). Por conseguinte, todo trabalho psicológico pressupõe a investigação das vivências puras, tal como as descreve a Fenomenologia (Stein 1991/2003a, p. 886, grifos da autora, tradução nossa).
Depreende-se, a partir dessa afirmação, que, para a filósofa, o estudo da psique em si mesma, ou seja, de sua constituição empírica, somente poderá se sustentar na medida em que for baseado na análise das vivências puras às quais os estados psíquicos se referem. Somente dessa maneira, é possível evitar os perigos do reducionismo que cercam a Psicologia científica.
Ademais, a autora argumenta que, para adquirir o status verdadeiramente científico, a Psicologia deve ter seus principais conceitos esclarecidos, o que poderá ocorrer somente por meio do trabalho fenomenológico. Para Stein, as pesquisas empíricas levadas adiante pela Psicologia são pautadas em conceitos confusos, de modo que os resultados adquiridos por meio deles acabam por restringir-se a fatos isolados, não sendo, portanto, legitimamente científicos.
A autora também afirma que a Psicologia não deve pautar o rigor que busca na metodologia das ciências naturais, uma vez que a exatidão matemática somente se sustenta quando utilizada para a análise dos fenômenos naturais. Ao valer-se de critérios matemáticos, as investigações psicológicas permanecem circunscritas ao nível dos aspectos somáticos dos fatos psíquicos, não alcançando, porém, tais fatos em si mesmos, ou seja, aquilo que pertence essencialmente ao nível psicológico e que não pode ser reduzidos aos aspectos naturais. Segundo a autora, a formulação matemática que se obtém no âmbito da Psicologia somente é possível com a análise dos efeitos que os estímulos externos produzem concomitantemente no nível da psique e da corporeidade física. Por essa razão, tendo em vista que a ocorrência dos fatos psíquicos está relacionada ao acontecer físico e fisiológico, a Psicofísica e a Psicofisiologia devem ser disciplinas auxiliares da Psicologia científica.
O tão almejado rigor científico da Psicologia não consiste, então, na adoção de critérios matemáticos, mas [...] na pureza e exatidão de sua estrutura conceitual, tal como é possível unicamente em virtude da análise fenomenológica. (Stein, 1991/2003a, p. 887, tradução nossa).
Somente na medida em que estiver equipada com o esclarecimento de seus conceitos fundamentais, a Psicologia poderá voltar-se às atividades que lhes são próprias. Como se trata de uma ciência empírica, ela deverá investigar as leis que regem factualmente o acontecer psíquico — por exemplo, "[...] a formação das disposições, os rendimentos da memória etc." (Stein, 1991/2003a, p. 887, tradução nossa).
Nesse sentido, o que a proposta de Stein para a Psicologia pode evidenciar também é a necessidade de a mesma ser sustentada por uma Antropologia filosófica que leve em consideração as estruturas a partir das quais os seres humanos são constituídos enquanto tais — o núcleo da alma e a consciência intencional — e que lhes permitem uma abertura permanente ao universo que os circundam. Não devem ser excluídas do nível de análise psicológica as mesmas circunstâncias reais externas ou internas que, a partir do núcleo, interferem na formação/desenvolvimento de uma pessoa — e, ao mesmo tempo, a capacidade humana de atuar ativamente em sua própria formação. Em específico, isso significa ultrapassar a mera interpretação dos fatos humanos de acordo com um modelo ou uma teoria psicológica, ou melhor, fornecer um esclarecimento sobre o que é essencial na estrutura da pessoa, ou seja, aquilo que não pode ser deixado de lado, antes das formulações dos modelos (ou, ao menos, complementando-os).
A Psicologia científica deve, portanto, ocupar-se com um aspecto da alma, ou seja, com sua definição vinculada à vida e ao desenvolvimento das estruturas da psique, em conexão com o corpo vivo e, logo, com o mundo natural, estando inserida na rede das determinações causais do ambiente empírico. Faz parte também do âmbito de investigação da Psicologia científica a vida factual da alma que manifesta a personalidade genuína e particular de cada um — e, desse modo, aquele nível da individualidade espiritual, proveniente do núcleo anímico, pelo fato de este ser a origem tanto da estrutura essencial humana como da formação das qualidades pessoais (por exemplo, do caráter) de cada indivíduo.
Conclusão
Diante do que foi exposto, caberia resgatar de que maneira, então, a Psicologia científica poderia obter uma consistência necessária diante do encargo de ser uma ciência rigorosa da subjetividade. O conceito de subjetividade atrelado apenas ao conceito de experiência interna acarretou uma cisão na concepção de experiência, historicamente colocada.
A essa posição cientificista, porém, é preciso contrapor aquela concepção idealista — sustentada pelo princípio de imanência — segundo a qual o sujeito é fonte da certeza. Também essa posição, de maneira semelhante à primeira, resultou na cisão da experiência e, em último caso, no psicologismo. A ênfase fenomenológica na intencionalidade da consciência é, portanto, fundamental para o reestabelecimento do que antes fora cindido. Nesse sentido, uma ciência rigorosa da subjetividade surge como uma proposta concreta real.
As contribuições de Edith Stein para a fundamentação da Psicologia efetivam-se a partir da definição que a filósofa nos oferece a respeito do conceito de pessoa e, com ele, a de subjetividade alicerçada na unidade entre a experiência interna e externa — enfatizada pela concepção de corporeidade viva —, além de fornecer os fundamentos acerca da possibilidade de conhecimento de outras pessoas e de si mesmo. A Fenomenologia pode, dessa maneira, fornecer uma fundamentação gnosiológica mais consistente à Psicologia, herdeira desde sua origem como disciplina científica, de concepções filosóficas enraizadas no dualismo cartesiano e no empirismo. Ao abordar o tema do conhecimento, Stein aprofunda as análises acerca da estrutura ontológica da pessoa, resgatando a unidade essencial do corpo e dos aspectos anímicos referentes às vivências do âmbito psíquico e espiritual.
Além disso, suas análises propõem a delimitação metodológica da Psicologia em relação às demais ciências. Definindo-se o objeto em questão, define-se também o enquadramento epistemológico da Psicologia. Como o tema da subjetividade não é esgotado apenas por essa ciência, ela afirma a necessidade de se bem delimitar os domínios científicos para que não haja reduções epistemológicas — do domínio psicológico ao natural; ou do domínio espiritual ao psicológico e ao natural; ou até mesmo do domínio natural ao psicológico e espiritual. As disciplinas científicas devem ser autônomas, porém complementares.
Referências
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Endereço para correspondência:
Carolina de Resende Damas Cardoso
Avenida Bandeirantes, 3.900 – Cidade Universitária
CEP 14040-901 – Ribeirão Preto/SP
E-mail: cmrdc@hotmail.com
Recebido em 30/01/2013
Revisto em 09/04/2013
Aceito em 08/05/2013
* Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
1 O princípio de imanência se fundamentou na afirmação de que o conhecimento da realidade somente seria possível por meio da me- diação das representações mentais (ideias) do sujeito cognoscente, ou seja, o mesmo sujeito possuiria acesso direto apenas às suas re- presentações, e não à realidade em si.
2 Adolf Reinach (que, anteriormente, fora aluno de Theodor Lipps), Conrad e Hedwig Martius, Dietrich Von Hildebrand, Alexandre Koyré, Johannes Hering, Fritz Frankfurther. Citados por Stein (1964/2002, p. 358) em sua autobiografia, estes eram alguns dos principais nomes dos filósofos que participavam da "Sociedade fi- losófica", composta pelos alunos orientados por Husserl, quando a autora chegou a Gottingen em 1913.
3 Podemos citar algumas de suas obras, tais como Einfuehrung in die Philosophie (Introdução à Filosofia, publicação póstuma, de 1991); Zum problem der Einfuehlung (O Problema da Empatia, sua tese doutoral, de 1916); Beitraege zur philosophischen Begründung der Psychologie und der Geisteswissenschaften (Contribuições para a fundamentação filosófica da psicologia e das ciências do espírito, de 1922); Der Aufbau der menschlichen Person (A Estrutura da pessoa humana, de 1932/33), nas quais a autora aborda a questão.
4 Como já foi apontado, a vontade é um fator fundamental para a constituição do caráter pessoal; todavia, pode encontrar-se limita- da por disposições originais naturais de uma pessoa. Se um sujeito nasce sem o sentido da visão, assim ele permanecerá durante toda sua vida, independentemente de sua força de vontade para enxergar. O caráter da referida pessoa contemplará, portanto, tal característica e pode ser que, devido a essa deficiência, a pessoa desenvolva melhor outras capacidades, tanto sensíveis quanto espirituais.
5 A consciência original é a consciência da consciência, ou o ser consciente de si mesmo. Não é um ato propriamente, pois, se assim o fosse, o encadeamento de "consciências"seria infinito. Mas constitui uma "luz"que ilumina o fluxo das vivências (Stein 1991/2003a, tradução nossa).
6 Edith Stein cursou disciplinas de Psicologia na Universidade de Breslau. Em 1911, foi aluna de William Stern (1871-1938) — aluno de Hermann Ebbinghaus (1850-1909) que, por sua vez, fora aluno de Wundt e influenciado pelas concepções de Fechner a respeito da possibilidade de traduzir fenômenos mentais em equações matemáticas — que se dedicou ao estudo experimental do desenvolvimento cognitivo de crianças e jovens. Nas palavras da autora: "Todos os meus estudos de Psicologia me haviam convencido de que esta ciência estava nas fraldas, que faltava o fundamento necessário de ideias básicas claras e que esta mesma ciência era incapaz de elaborar estes pressupostos. Ao contrário, o que até o momento conhecia de Fenomenologia havia me entusiasmado, porque consistia fundamental e essencialmente num trabalho de esclarecimento e porque, desde o princípio, ela mesma havia forjado os instrumentos intelectuais de que necessitava."(Stein, 1933, 1939/2002, p. 331, tradução nossa).