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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.10 no.1 Juiz de Fora jun. 2016

https://doi.org/10.24879/201600100010042 

ARTIGO ORIGINAL

DOI: 10.24879/201600100010042

 

 

As políticas sociais nas disciplinas dos cursos de graduação em Psicologia no Brasil1

 

Social policies in subjects of undergraduate courses in Psychology in Brazil

 

 

Pablo de Sousa Seixas I; Ana Ludmila Freire Costa II; Andressa Maia de Oliveira III; Joyce Pereira da Costa IV; Oswaldo Hajime Yamamoto V

I Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, FACISA. E-mail: pablo.seixas@hotmail.com.

II Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 613, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. E-mail: fellipecoelholima@gmail.com.

III Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 613, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. E-mail: andressamaiaoliveira@gmail.com.

IV Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 613, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. E-mail: joycepcosta@gmail.com

V Campus Universitário Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, sala 614, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970, Caixa-Postal: 1622. E-mail: oswaldo.yamamoto@gmail.com

Endereço para Correspondência

 

 


Resumo

Objetivou-se investigar o tema “política social” nas disciplinas dos cursos de Psicologia no Brasil. Foram analisados 40 Projetos Pedagógicos dos Cursos de Instituições de Ensino Superior com distintas características (natureza jurídica, organização acadêmica e localização geográfica). Destes, identificou-se ementas de disciplinas a partir de critérios prévios e classificou-se quanto as áreas da Psicologia e conteúdo temático. Os principais resultados apontam a presença do tema em 8,3% das 2600 disciplinas analisadas, de forma pulverizada entre as instituições, sendo “Política social” estudada no Núcleo Comum (70%) e articulada com áreas especializadas da Psicologia (85%). Percebe-se que a abordagem mais ampla de políticas sociais, essencial para um profissional crítico, não ocorre de modo sistemático. Sugere-se investigar as orientações teórico-políticas tratadas nas disciplinas.

Palavras chave: formação em psicologia; currículo; políticas sociais.


Abstract

It aims to investigate the theme “social policy” in subjects of psychology undergraduate courses in Brazil. 40 Projetos Pedagógicos de Curso were analyzed, from institutions with different aspects (funds origin, academic organization and localization in Brazil). Syllabus related to the theme were identified by previous criteria and classified in Psychologic fields and main subject. Results show the theme on 8.3% of 2600 subjects analyzed, in a spread way between institutions. “Social policy” is studied mainly in Núcleo Comum (70%) and articulated with specialized areas of psychology (75%). The approach to “social policy” in a broad perspective, essential for a critical professional, does not occur systematically. It is still necessary to investigate the theoretical and political orientations in the subjects treated.

Keywords: training in psychology; curriculum; social policies.

 

 

A aprovação da nova edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de dezembro de 1996, que promoveu a substituição dos currículos mínimos pela formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), induziu transformações na estruturação e organização dos currículos dos cursos superiores em todo o país. No caso da Psicologia, as DCNs – regulamentadas em 2004 e reformuladas em 2011 para incluir a licenciatura – apenas para assinalar os delineamentos mais gerais, instituíram a divisão dos cursos em um Núcleo Comum e em Ênfases Curriculares. Além disso, sugeriram uma organização que articula conhecimentos, habilidades e competências em torno de seis eixos estruturantes, orientando a formulação de todas as disciplinas do currículo do curso.

As tentativas de modificação curricular conduzidas até a década de 1990 eram realizadas de forma esporádica e intuitiva, sem uma direção teórica e política clara (Bernardes, 2012; Rocha Jr., 1999). A partir de então, a categoria de psicólogos passa a problematizar, de forma mais detida, seu processo formativo, e a construir propostas coletivas que orientassem toda a formação graduada. Desde o importante “Encontro de Serra Negra” – evento que congregou representantes das 98 das 103 instituições de ensino superior (IES) que ofereciam cursos em Psicologia no país –, debates coletivos sobre o processo formativo graduado foram sistematicamente conduzidos, resultando em uma série de eventos científicos e profissionais e a criação, em 1998, de uma entidade voltada para esse fim, a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP).

Um estudo pós-implantação das DCNs nos cursos de Psicologia do Brasil conduzido por Seixas (2014), analisando os Projetos Pedagógicos dos Cursos de Psicologia (PPCs), constatou a existência de um discurso que reivindica uma formação “compromissada socialmente, generalista, pluralista, com centralização na pesquisa, defesa da indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão, formação interdisciplinar e defesa de uma visão de homem e de Psicologia crítica e reflexiva e não-individualizante (coletivista)” (p. 225-226). Tais resultados parecem indicar que a mudança tendencial ocorre não só na configuração da profissão, mas também no cenário da formação graduada do psicólogo brasileiro – e é nesse contexto que este trabalho se inscreve.

Desde sua regulamentação como profissão até os dias atuais, a Psicologia tem experimentado mudanças consideráveis em sua configuração, diretamente associadas à significativa inserção do psicólogo no terreno compreendido pelas chamadas políticas sociais. Da porta de entrada no campo da saúde pública no final da década de 1980 (Yamamoto & Oliveira, 2010) à expressiva presença do psicólogo na assistência social nos anos 2000 (Macedo & Dimenstein, 2012), o desenho atual afasta qualquer tese relacionada ao seu elitismo. Para além, há não somente uma mudança na população que passa a ser alvo de atenção do psicólogo, mas das próprias questões que passa a enfrentar como, apenas para um exemplo, a pobreza e a violação de direitos (Leão, Oliveira & Carvalho, 2014). Este novo cenário profissional tem sido objeto de diversos estudos, como aqueles organizados pelo Conselho Federal de Psicologia (1988; 2005) abordando os novos espaços de atuação, ou os que se debruçaram especificamente sobre o tema das políticas sociais (Leão, Oliveira & Carvalho, 2014; Macedo & Dimenstein, 2012; Oliveira & Amorim, 2012).

Em que pese à ampliação do espectro de atendimento, abarcando em especial as classes subalternas, conforme predizia Campos (1983), uma constatação inquietante e recorrente é que os psicólogos continuam a desenvolver, nesses novos espaços, práticas tradicionais relacionadas à atividade clínica, com enfoque intraindividual, a partir de uma visão de homem abstrata e a-histórica (Bock, 1997; Lo Bianco, Bastos, Nunes & Silva, 1994). Igualmente recorrente, acompanhando a constatação da reiteração dessas práticas, é o questionamento sobre o papel da graduação em Psicologia: a formação deficitária é associada à falta de preparo e à limitação na atuação, principalmente apontando para o descompasso entre a prática do psicólogo e a realidade socioeconômica na qual atuam (Bock, 1997; Branco, 1998; Gomide, 1988; Yamamoto, Souza, Silva & Zanelli, 2010). Resta saber então como o tema “política social”, já presente nos espaços profissionais, adentram a graduação, a fim de avançar na compreensão da relação entre atuação e formação do psicólogo nesse espaço.

Assim, o objetivo do presente estudo é, pois, investigar o tema “política social” nas disciplinas dos cursos de graduação de Psicologia no Brasil.

 

 

Método

Para investigar a presença da temática das políticas sociais na formação graduada do psicólogo no Brasil, foi utilizada como fonte básica de informação os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), coletados de duas formas: (1) acessando as páginas eletrônicas das instituições; (2) enviando convites às coordenações dos cursos (por endereço eletrônico e telefone) para que participassem da pesquisa.

Tendo em vista a dimensão do campo (460 cursos), estabeleceu-se critérios embasados na literatura acerca das características essenciais dos cursos, de modo a formar uma amostra representativa do cenário. Para tanto, as informações utilizadas das Instituições de Ensino Superior (IES) que sediam os cursos foram: natureza jurídica (público ou privado), organização acadêmica (universidade, centro universitário e faculdade) e região de localização no país. Ademais, excluíram-se os cursos que não possuíssem egressos ou que compartilhavam seus Projetos Pedagógicos, por pertencerem a mesma IES – nesses casos, escolheu-se apenas um campus. Assim, a amostra foi formada por 276 cursos. Destes, a amostra final, acidental, foi composta por 40 PPCs. Não obstante, pode-se dizer que a configuração final continuou contemplando os diversos segmentos de cursos de Psicologia no Brasil.

Dos PPCs, foram utilizados os ementários e coletadas as seguintes informações: título da disciplina, ementa, conteúdo, informações sobre carga horária e se faz parte do Núcleo Comum ou das Ênfases. Para identificar quais disciplinas estavam relacionadas às políticas sociais, foram utilizados 29 descritores, tendo por base os critérios definidos por Silva & Yamamoto (2013), selecionados em capítulos de livro e artigos científicos de autores que tem sido referência nessa área por sua produção: políticas sociais, políticas públicas, campo do bem-estar social, seguridade social, Estado, Estado do bem-estar social, Constituição Federal de 1988, questão social, reforma sanitária, movimento sanitário, movimentos sociais, VIII Conferência Nacional de Saúde, saúde pública, saúde coletiva, política de saúde mental, Atenção Básica, Atenção Primária, promoção e prevenção à saúde, Sistema Único de Saúde (SUS), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Programa de Saúde da Família (PSF), Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Proteção Social Básica e Especial, Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), programa Bolsa Família e políticas sociais para a infância, os idosos e as mulheres. As disciplinas relacionadas às políticas sociais foram, então, analisadas quanto ao conteúdo disponibilizado nas ementas segundo dois aspectos: (1) área da Psicologia a qual se relaciona2 e (2) temáticas das políticas sociais, a partir de adaptação dos critérios desenvolvidos por Costa (2014). Em relação ao segundo aspecto, os critérios sofreram adaptações a partir da leitura das ementas e, para adequação ao trabalho aqui exposto, obteve-se as seguintes categorias: Políticas Sociais e atuação do Estado; Cidadania e Direitos Sociais/Humanos; Movimentos e Controle Social; Vulnerabilidades e Risco Social; e Políticas setoriais, legislação e serviços.

Ressalta-se que todos os procedimentos éticos relacionados a pesquisas documentais foram adotados.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

1. Caracterização das disciplinas em relação à organização curricular

Um primeiro dado a ser analisado trata-se da quantidade de disciplinas que abordam algum conteúdo relativo às políticas sociais. Do conjunto de quase 2.600 disciplinas analisadas, distribuídas nas matrizes curriculares dos 40 cursos que compuseram a amostra, 214 trazem, em alguma medida, conteúdo sobre políticas sociais, o que equivale a 8,3% do total de disciplinas  ministradas.

Estes dados ajudam a responder aos estudos que atribuíam as limitações da atuação do psicólogo nas políticas sociais às deficiências na formação, pelo seu caráter eminentemente clínico em detrimento do conhecimento que pudesse subsidiar a atuação nas instituições e serviços públicos de corte social (Boarini, 1996; Witter & Ferreira, 2005).

Os percentuais relativos ao ensino de políticas sociais são semelhantes àqueles verificados por Seixas (2014) em áreas consolidadas da Psicologia, como a Escolar e da Educação com 9,5%; a Saúde com 8,8% e a Organizacional e do Trabalho com 8,2% - e ainda distantes dos 25% observados na área Clínica. Além disso, em estudos sobre a participação nos currículos da Psicologia Social (Yamamoto, Seixas, Costa & Coelho-Lima, 2013) e da Psicologia do Trabalho e das Organizações (Coelho-Lima, Bendassolli & Yamamoto, 2014), os dados obtidos são bastante semelhantes aos observados com relação às políticas sociais, com aproximadamente 10% das disciplinas. A distribuição da quantidade de disciplinas sobre políticas sociais nas diversas Instituições de Ensino Superior (IES) é apresentada na Tabela 1.

 

 

Observa-se que as IES se distribuem de forma relativamente homogênea entre os três primeiros estratos relativos à quantidade de disciplinas, sendo raras aquelas que ofertam acima de nove disciplinas sobre políticas sociais em seus currículos. Desse grupo, destaca-se o caso da UERJ, que apresentou 19 disciplinas correspondentes à temática3.

Este dado absoluto, contudo, não permite visualizar a dimensão real que um determinado tema ocupa no curso de graduação – para tanto, uma estratégia mais efetiva é analisar a carga horária destinada a este material. Sobre isso, observa-se que apenas quatro IES apresentam carga horária inferior a 100h para as disciplinas sobre políticas sociais; a maioria distribui-se entre as faixas de 100h a 300h (15), de 300h a 500h (8) e de 500h a 700h (9); e um pequeno grupo, composto por 4 IES, oferta acima de 700h.

Uma observação que se pode depreender desse quadro decorre da comparação entre a carga horária reservada para o tema das políticas sociais e a carga horária total dos cursos. Uma vez que as DCNs definem uma carga horária mínima para um curso de Psicologia funcionar de 4000 horas, verifica-se que 40% das IES analisadas (ou 16 instituições) disponibilizam mais de 10% de sua carga horária para o tema das políticas sociais. Portanto, embora não se tenha o comparativo da dimensão de outros temas na formação graduada do psicólogo, ao se tomar a diversidade teórica, temática e metodológica da Psicologia como norte, pode-se concluir que este aspecto tem sido valorizado pelos cursos e está presente na formação de um contingente significativo de egressos.

Para verificar se a temática das políticas sociais atinge o conjunto total de alunos ou se está restrito àqueles que têm preferência pelo tema como futuro contexto de trabalho, verificou-se em qual momento do curso se toma contato com estas disciplinas: 147 são ofertadas no Núcleo Comum e 67 como componente das Ênfases  Curriculares.

Chama a atenção o dado de que quase 70% das disciplinas que abordam as políticas sociais ocorrem no Núcleo Comum dos currículos de graduação de Psicologia, ou seja, as políticas sociais têm sido consideradas um tema geral, presente na formação básica do psicólogo.

Constatada a presença do debate sobre política social nos Projetos Pedagógicos de Curso, materializando-se na oferta de disciplinas, foi investigado o modo como elas abordam essa questão, a partir de duas caracterizações temáticas: em relação às subáreas da Psicologia e aos temas relativos às políticas  sociais.

 

2. Caracterização das Disciplinas em relação à distribuição temática da Psicologia

Sobre a distribuição temática do conteúdo disponibilizado nas ementas das disciplinas sobre políticas sociais, dois aspectos foram analisados: a exclusividade do tema “políticas sociais” nas disciplinas (em comparação com sua articulação com outros temas da formação de psicólogo) e a relação entre as disciplinas e as subáreas da Psicologia (Tabela 2).

 

 

Os dados expostos na Tabela 2 estão organizados em quatro conjuntos: (a) “Psicologia - subáreas específicas”, que compreendem disciplinas que, via áreas da Psicologia, tratam de alguma política setorial, como “Psicologia da Saúde”; (b) “Psicologia e Políticas Sociais”, que são disciplinas que debatem teoricamente o campo das políticas sociais e o apresentam como possibilidade de mercado de trabalho para o psicólogo, a exemplo de “Psicologia e políticas públicas” ou “Psicologia e compromisso social”; (c) “Psicologia - generalista”, que agrupa disciplinas como Ética e História da Psicologia, que abordam em alguma medida o debate sobre a inserção da Psicologia nas políticas sociais; e (d) “Não são de Psicologia”, que abarcam, por exemplo, disciplinas de Sociologia ou Ciências Sociais que discutem políticas sociais e papel do Estado, dentre outros pontos sobre a organização da sociedade. Observa-se que os três últimos blocos representam, em conjunto, apenas 14,5% do total de disciplinas sobre políticas sociais nos currículos de Psicologia e têm em comum o fato de não abordarem uma política setorial específica. A maioria das 214 ementas está, pois, reunida no primeiro bloco de disciplinas, que compartilham o fato de tratarem de alguma das políticas setoriais. Estas são detalhadas na Tabela 3.

 

 

Em 111 casos, as disciplinas tomam as políticas sociais como complemento de temas mais amplos – são aquelas classificadas como relativa a alguma subárea da Psicologia, não abordando as políticas sociais de forma exclusiva. São exemplos disso as disciplinas de Psicopatologia que incluem o debate sobre reforma psiquiátrica ou as de Psicologia Social que abordam a pobreza e exclusão social, ao lado dos temas tradicionais da área. Este é o conjunto que reúne a maioria das disciplinas (51,9%). Além destas, há disciplinas que se dedicam integralmente ao debate sobre políticas sociais, de forma especializada, como, por exemplo, as que tratam de “Psicologia e saúde pública”, “Psicologia comunitária”, “Psicologia e instituições de justiça”.

O tema está presente de forma predominante em disciplinas relacionadas à Psicologia da Saúde, Social e Comunitária, e Psicologia Escolar e Educacional. A saúde pública como o setor de maior absorção de psicólogos que trabalham em políticas de corte social pode explicar esse cenário, assim como a forte interlocução entre o trabalho desenvolvido em comunidades e instituições públicas ou não-governamentais. Em relação a Psicologia Escolar e Educacional, percebe-se que há o reconhecimento de que independentemente do seu local de atuação, público ou privado, ao psicólogo cabe conhecer a legislação e debates em torno das políticas educacionais brasileiras, uma vez que a inserção de psicólogos neste contexto é escassa (Guzzo, Mezzalira & Moreira, 2012). Também se justifica as disciplinas de Psicologia Jurídica absorverem este debate uma vez que este trabalho está predominantemente relacionado às instituições públicas de justiça.

As disciplinas de Psicologia Clínica e Psicologia do Desenvolvimento compartilham o fato de o tema das políticas sociais só aparecer como um dentre vários pontos tratados nas disciplinas. No primeiro caso, elas são referidas como local de estágio (8 das 12 sob essa classificação) e, no segundo, como característica do recorte populacional estudado em algumas teorias do desenvolvimento (9 das 10 disciplinas).

 

3. Caracterização das disciplinas em relação aos temas vinculados às políticas sociais

Os principais aspectos das políticas sociais abordados nas disciplinas são apresentados na Tabela 4.

 

 

Percebe-se que os cursos de Psicologia abordam, preferencialmente, as políticas sociais focalizando em um âmbito específico: todas as IES apresentaram disciplinas que contemplaram políticas setoriais, legislação e serviços, sendo que a maioria (77,5%) apresentou mais de duas disciplinas com esse tema.

Destacaram-se conteúdos relativos à Saúde, presente em todas as IES analisadas, e à Educação, em 55% delas. Outros setores também foram identificados, ainda que menos frequentemente: Assistência Social (n=9), Trabalho (n=8), Justiça (n=7) e Questão Agrária (n=1). A larga presença da Saúde e da Educação não surpreende, tendo em vista a relação histórica que as mesmas mantêm com a Psicologia – e em especial o caso da Saúde, que se configurou como uma das “portas” principais de inserção da Psicologia nas políticas sociais no Brasil (Yamamoto & Oliveira, 2010).

Examinando mais detidamente o conteúdo dessas 169 disciplinas, observa-se que, de modo geral, discutem as políticas setoriais focalizando o contexto nacional, abordando desenvolvimento histórico, concepções envolvidas, a organização de certos programas e serviços – tais como Programa Saúde da Família e Centros de Atenção Psicossocial –, bem como legislações próprias de cada setor – por exemplo: Lei Orgânica da Assistência Social, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação  Nacional.

Conquanto a Tabela 4 apresente que pouco mais da metade das IES (n=21) abordam a categoria “Movimentos e controle social”, é necessário acrescentar que a maior parte das mesmas (n=15) oferta apenas uma disciplina sobre o assunto. Isto significa que, por um lado, parcela significativa das IES reconhece a relevância desses assuntos para a formação, em tese, possibilitando uma problematização da realidade social brasileira; por outro lado, avalia-se que o espaço dedicado a tais discussões é reduzido, como regra, a um momento pontual da formação.

No tocante ao conteúdo, pouco menos da metade das IES (n=12) abordaram movimentos ligados à saúde (6), educação (n=3) e gênero (n=1). Movimento Sanitário, Reforma Psiquiátrica e movimentos de controle social do SUS são exemplos disso, com discussões sobre características, processo de formação e atuação junto ao desenvolvimento das políticas de saúde. Do ponto de vista histórico, a entrada dessas discussões reflete a própria inserção da Psicologia nas políticas sociais, que ocorreu principalmente via aproximação aos movimentos sociais, tais como o da Reforma Psiquiátrica e em outras lutas pelos direitos humanos (Yamamoto & Oliveira, 2010).

A categoria “Políticas sociais e atuação do Estado” apareceu em 15,5% das disciplinas de políticas sociais (19 IES). Na maioria das IES (n=12), há a oferta de apenas uma disciplina sobre o tema. Quanto aos conteúdos, os cursos tendem a abordar conceitos e contexto histórico de construção dessas políticas relacionando com o desenvolvimento da sociedade brasileira. Outras discussões versaram sobre a relação do Estado com as políticas sociais – abordando, principalmente, o papel do primeiro na formulação das últimas –, além da relação da Psicologia com as mesmas. Ainda que tenha caráter introdutório, como se pode depreender das informações sobre o conteúdo, ou pelo fato de que a maioria dos cursos oferece apenas uma disciplina sobre o tema - a presença das mesmas na formação não pode ser desprezada.

Os debates sobre o tema “Cidadania e direitos sociais/humanos” foram identificados em 17 IES (42,5%), que totalizaram 28 disciplinas (13%). Estas tratam, sobretudo, da contextualização histórica desses construtos e a sua relação com a Psicologia. Algumas disciplinas apresentam essa discussão por grupo/categoria social, contemplando pessoas com necessidades especiais, crianças e adolescentes, família, saúde e direito criminal. Assim, se por um lado a presença desses conteúdos na graduação em Psicologia mostra-se discreta, o que pode estar relacionado à falta de tradição da área sobre esses assuntos (Bock & Gianfaldoni, 2010), por outro lado evidencia que a preocupação com o papel da Psicologia na promoção e garantia dos direitos humanos e sociais nas últimas décadas está sendo tratada na graduação. Tendo em vista, também, que a importância desses temas vem sendo divulgada mais recentemente pelo Ministério da Educação, bem como a crescente aproximação da Psicologia junto a espaços que lidam diretamente com essas questões (a exemplo do âmbito jurídico), pode-se esperar que o debate sobre esses temas conte com maior presença nos cursos nos próximos anos.

Por fim, o quesito “Vulnerabilidades e risco social” apareceu em 14 disciplinas de 13 instituições, tendo havido uma IES com duas disciplinas sobre isso. Essas disciplinas referem-se ao debate sobre desigualdade, violência social e o binômio inclusão/exclusão social. Foram ainda identificadas disciplinas que discorrem sobre o conceito de “Questão Social”, elemento central para a compreensão da raiz histórico-social das políticas sociais. Essa categoria trata justamente das situações e segmentos da população focalizados pelas políticas sociais e pelos programas em que os psicólogos atuam. Seria esperado, portanto, uma maior presença desses conteúdos na formação, visando melhor embasamento dos egressos para uma atuação neste campo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do que é discutido sobre políticas sociais nas disciplinas de Psicologia permitiu averiguar por quais caminhos esses debates tem sido feitos. Resta questionar se a presença dessas discussões na conformação identificada na introdução desse artigo seria suficiente para subsidiar reflexões e atuações que superem a mera extensão de práticas tradicionais para as políticas sociais.

É preciso recordar que, mesmo que os psicólogos nao tenham papel decisivo de transformaçao da sociedade, é fato que sua atuaçao possui uma dimensao política, assim como as demais categorias profissionais (Yamamoto, 2012). Nesse sentido, ao ocupar os espaços ligados as políticas sociais, demanda-se da área a produçao de conhecimentos e uma formaçao profissional que possa contribuir para o enfrentamento das sequelas decorrentes da “Questao Social” que chegam aos psicólogos nos vários serviços.

Os dados aqui apresentados permitem afirmar que o debate sobre as políticas sociais adentrou o espaço da formação graduada desse psicólogo. A primeira constatação positiva foi a de que todas as IES pesquisadas tratam do tema em suas disciplinas, com uma carga horária não desprezível, sobretudo se comparada com a presença de outros campos da Psicologia. Grande parte dessas disciplinas encontra-se no Núcleo Comum, o que só reforça o caráter essencial, de formação básica, que esse tema tem preenchido na graduação.

Dentro dessas disciplinas, o tema da política social aparece de forma especializada, vinculadas a subáreas da Psicologia. Assim, a área da saúde acaba por congregar a maior parte das discussões, em uma vertente mais aplicada. No entanto, em menor escala, ainda há o espaço para um debate teórico, com o tema sendo tratado nos seus fundamentos. Esse dado foi corroborado ao analisar os aspectos das políticas sociais tratados, predominando a apresentação da estruturação e funcionamento das políticas setoriais e dos serviços ofertados pelas mesmas, localizados em disciplinas de caráter prático. Embora não na mesma extensão, diversos debates importantes sobre as políticas também são tratados, como atuação do Estado, Cidadania, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social.

Uma das questões importantes trazidas pelo presente estudo foi perceber uma formação voltada para as políticas sociais setorizadas, instrumentalizando os psicólogos a uma ação mais qualificada. No entanto, a defesa de uma atuação nas políticas sociais voltada para a transformação das condições de vida da população, perpassa necessariamente pela preparação de um profissional com olhar crítico, com conhecimento da realidade na qual vai se inserir, e articulado com um projeto ético-político mais amplo. Nesse sentido, conteúdos essenciais que deveriam dar suporte a essa perspectiva não se encontram de forma sistemática nas ementas analisadas. Apenas alguns cursos parecem ter a preocupação com a inserção desses debates, ficando ainda por descobrir sua operacionalização, e sua relação com o restante da proposta pedagógica.

Assim, o presente estudo permitiu perceber uma aproximação maior do tema das políticas sociais sendo tratado nos cursos por meio de suas disciplinas, com diversos conteúdos importantes para o campo das políticas surgindo em alguns cursos, ainda que, em diversos casos, de forma discreta. A análise, contudo, para além do levantamento de alguns aspectos tratados nas ementas, tem como limite a não identificação do cotidiano de condução das aulas pelos docentes, o que implica que um componente importante da análise das políticas sociais passa despercebida, a orientação teórico-política dada pelos professores e supervisores de estágio. Resta como continuidade desse estudo, uma análise do processo de condução da formação pela ótica dos atores que compõem as instituições de ensino superior.

 

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Recebido em 02/07/2016

Aceito em 21/10/2016

Endereço para correspondência:

Pablo de Sousa Seixas

Caixa Postal 1622

CEP: 59078-970 – Natal/RN

E-mail: pablo.seixas@hotmail.com.

 

1 O presente artigo é oriundo de um projeto mais amplo, intitulado “O lugar das políticas sociais na formação do psicólogo” apoiado pelo CNPq (Processo #473487/2011-0). Agradecemos a todos os alunos, bolsistas e voluntários, que participaram desse projeto.

2 Apesar de problemático o conceito de área, ele tem sido utilizado por várias entidades científicas e profissionais da Psicologia, como uma combinação de atividades desenvolvidas e local de trabalho, e acaba sendo utilizado como critério para análise da identidade profissional do psicólogo. Costa (2014), analisando os critérios usados pela CAPES, ANPEPP e CFP, chegou na seguinte lista: Saúde; Social e Comunitária; Educação e Escolar; Jurídica; Clínica e da Personalidade; Desenvolvimento; Trabalho e Organizações; e Hospitalar.

3 A organização curricular da UERJ não diferencia as disciplinas optativas das obrigatórias, apresentando um leque de ofertas maior do que os outros cursos. Apesar de aparecerem 19 disciplinas vinculadas ao campo das políticas sociais, provavelmente só uma parte delas está sendo oferecida semestralmente.

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