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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.15 no.3 Juiz de Fora dez. 2021

https://doi.org/10.34019/1982-1247.2021.v15.26487 

ARTIGOS

 

Trajetórias Escolares de Adolescentes em Conflito com a Lei: Revisão da Literatura

 

School Trajectories of Adolescents in Conflict with the Law: A Literature Review

 

Trayectorias Escolares de Adolescentes en Conflicto con la Ley: Revisión de Literatura

 

 

Jéssica Costa MachadoI; Jana Gonçalves ZappeII; Ana Cristina Garcia DiasIII

IUniversidade Federal de Santa Maria. E-mail: costamachadojessica@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9384-2888
IIUniversidade Federal de Santa Maria. E-mail: jana.zappe@ufsm.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4452-643X
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: anacristinagarciadias@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2312-3911

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo investigou as trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei antes, durante e depois da intervenção do sistema de justiça juvenil. Realizou-se uma revisão sistemática de literatura, considerando artigos publicados nas bases Eric, Lilacs, Pepsic, PsycInfo e Scielo no período de 2013 a 2018. Os estudos evidenciaram que a trajetória escolar dos adolescentes que cometem atos infracionais é marcada por dificuldades de vinculação com a escola, repetência, defasagem idade/série, indisciplina e abandono escolar. Durante a intervenção do sistema de justiça juvenil, a escolarização e a profissionalização envolveram a oferta de atenção individualizada e investimento na relação entre educadores e adolescentes. Após a intervenção, os estudos demonstraram que os adolescentes construíram projetos de vida relacionados à educação e à profissionalização.

Palavras-chave: Escola; Delinquência Juvenil; Adolescente em Conflito com a Lei


ABSTRACT

This study investigated the school trajectories of adolescents in conflict with the law before, during and after intervention of the juvenile court system. A systematic literature review was carried out, considering articles published in the Eric, Lilacs, Pepsic, PsycInfo and Scielo databases in the period from 2013 to 2018. The studies showed that the school trajectory of the adolescents who commit juvenile offenses is marked by difficulties of connection with the school, grade repetition, age/school-grade discrepancy, indiscipline and school quitting. During intervention of the juvenile court system, schooling and professionalization involved providing individualized attention and investing in the relationship between educators and adolescents. After the intervention, the studies showed that the adolescents built life projects related to education and professionalization.

Keywords: School; Juvenile Delinquency; Adolescent in Conflict with the Law


RESUMEN

Este estudio investigó las trayectorias escolares de adolescentes en conflicto con la ley antes, durante y después de la intervención del sistema de justicia juvenil. Se realizó una revisión sistemática de literatura, considerando artículos publicados en las bases Eric, Lilacs, Pepsic, PsycInfo y Scielo en el período de 2013 a 2018. Los estudios evidencian que la trayectoria escolar de los adolescentes que cometen infracciones está marcada por las dificultades de vinculación con la escuela, repitencia, diferencia de edad/ grado, indisciplina y abandono escolar. Durante la intervención del sistema de justicia juvenil, la escolarización y profesionalización implicaron brindar una atención individualizada e invertir en la relación entre educadores y adolescentes. Después de la intervención, los estudios mostraron que los adolescentes construyeron proyectos de vida relacionados a la educación y a la profesionalización.

Palabras clave: Escuela; Delincuencia Juvenil; Adolescentes En Conflicto Con La Ley


 

 

Diversos autores têm procurado compreender o conjunto de aspectos envolvidos na dinâmica do ato infracional cometido por adolescentes (Borba, Lopes, & Malfitano, 2015; Costa & Santos, 2016; Formiga, 2010; Muller, Barboza, Oliveira, Santos, & Paludo, 2009; Nardi, & Dell'Aglio, 2010; Silveira, Maruschi, & Bazon, 2012). Em um estudo de revisão da literatura, Nardi e Dell'Aglio (2010) apontaram a importância de se identificar a dinâmica entre os fatores de risco e os protetivos, assim como o contexto em que se manifestam. Esses fatores podem ser classificados a partir de diferentes níveis, envolvendo tanto aspectos individuais (gênero, características genéticas, psicológicas, cognitivas) como ambientais (nível socioeconômico, características da família, comunidade, ambiente escolar, rede de apoio).

A necessidade de se considerar tanto os fatores de risco quanto os fatores de proteção para compreender os casos de adolescentes que cometem atos infracionais também foi evidenciada em alguns estudos empíricos. Silveira et al. (2012) procuraram descrever os fatores de risco e de proteção envolvidos no desenvolvimento do comportamento infrator, comparando alguns indicadores em 24 adolescentes do sexo masculino (12 recrutados em escola pública e 12 que apresentavam conduta delituosa). Os resultados indicaram que os adolescentes com boa adaptação social, mesmo tendo vivenciado fatores de risco, haviam sido expostos a mais fatores de proteção, por outro lado, os adolescentes que vivenciaram situações de conflito com a lei tiveram mais experiências negativas na escola, como repetência e expulsão. Os principais fatores de risco identificados nesse estudo foram aqueles relacionados ao âmbito familiar (separação dos pais, distanciamento de seus responsáveis, pais com problemas crônicos como doença mental e alcoolismo) e ao contexto escolar (desmotivação, repetências e indisciplina). Já os fatores de proteção identificados nos adolescentes que tiveram melhor adaptação foram: não exposição à violência familiar, presença de um bom relacionamento com os professores, engajamento escolar e estabelecimento de projetos futuros relacionados à continuidade nos estudos.

No que se refere ao contexto escolar, alguns estudos têm demonstrado que fatores de risco como baixa escolaridade, repetência, defasagem idade/série, reprovação, rotatividade entre escolas, falta de vínculo com a escola, situações de indisciplina, evasão e abandono escolar estão, de fato, associados às práticas de atos infracionais por adolescentes (Borba et al., 2015; Muller et al., 2009, Nunes, Pontes, Silva, & Dell'Aglio, 2015). De modo geral, pode-se considerar que estes fatores de risco são derivados de situações de baixo engajamento escolar, o que se define como a relação que se estabelece entre a motivação do aluno e uma atividade escolar (Gouveia, 2009; Julio, Vaz, & Fagundes, 2011). Fatores contextuais como o tipo de atividade escolar, o nível de dificuldade, relação e postura do professor, relacionamento com os colegas e experiências pregressas com o ambiente escolar são aspectos que influenciam o engajamento do aluno com as atividades escolares. É importante considerar que o engajamento escolar é um aspecto dinâmico que pode influenciar o aluno de diversas maneiras, em diferentes momentos, pois o engajamento pode ser ajustado de acordo com o relacionamento com os colegas em um momento específico, e em outro momento, pode ser regulado de acordo com a relação com os professores, ou, ainda, pelo tipo de atividade em questão (Julio et al., 2011). Assim, compreende-se que os fatores de risco associados às práticas de atos infracionais por adolescentes (Borba et al., 2015; Muller et al., 2009) compreendem um conjunto de situações que estão associados ao processo de desengajamento escolar do adolescente, podendo-se considerar que a evasão seria o estágio final deste processo (Finn & Zimmer, 2012; Li & Lerner, 2011).

Por outro lado, as pesquisas também têm identificado a presença de fatores de proteção no contexto escolar, os quais podem auxiliar na prevenção da prática de atos infracionais. Uma frequência regular à escola, melhores níveis de escolaridade, o estabelecimento de bons relacionamentos com professores e pares, e o desenvolvimento de atividades extracurriculares e pró sociais podem tanto prevenir a prática de delitos como reduzir as chances de reincidência nesse tipo de comportamento (Gallo & Williams, 2008; Silveira et al., 2012). Assim, pode-se considerar que o engajamento escolar seja um aspecto promotor destes fatores de proteção, colaborando com a prevenção da prática de atos infracionais por adolescentes (Gouveia, 2009; Julio et al., 2011).

Um estudo que analisou os históricos escolares de 2.969 adolescentes que cometeram atos infracionais concluiu que uma trajetória escolar complicada esteve fortemente relacionada à prática de atos infracionais. Esse estudo descreve que a chance de um adolescente que pratica o ato infracional terminar seus estudos é duas vezes maior quando ele estava estudando regularmente antes da internação no sistema da justiça juvenil. A maioria dos adolescentes que estavam fora da escola apresentaram menores níveis de escolaridade. Os autores, então, concluíram que, apesar de todas as críticas que possam existir em relação à instituição escolar, essa é um fator de proteção importante no desenvolvimento do adolescente, especialmente entre aqueles que se encontram em situação de conflito com a lei (Borba et al., 2015).

No entanto, para que a escola se constitua em um fator de proteção efetivo no desenvolvimento, é preciso considerar as relações estabelecidas entre a escola, os adolescentes e suas famílias, o que repercute no engajamento escolar. A respeito disso, Coelho & Dell'Aglio (2018) evidenciaram que o suporte dos professores, da família e do grupo de pares contribuiu em diferentes aspectos (emocional, comportamental e/ou cognitivo) para o engajamento escolar dos alunos. No entanto, um aspecto preocupante com relação a isso foi evidenciado em um estudo que analisou as experiências educacionais de adolescentes em conflito com a lei, considerando seus pontos de vista e de suas famílias, pois foi identificado que a escola se mostra indiferente a esses alunos. Os adolescentes descreveram que puderam avançar em seus estudos apesar de não apreenderem ou conseguirem acompanhar os conteúdos trabalhados. A escola, apesar de identificar o desempenho insatisfatório, não ofereceu recursos de enfrentamento aos adolescentes ou orientação a suas famílias, negligenciando essa situação (Bazon, Silva, & Ferrari, 2013; Nunes et al, 2015).

Por sua vez, um estudo que investigou a percepção de educadores do sistema de justiça juvenil sobre a atuação da escola para a prevenção e diminuição da reincidência de atos infracionais em adolescentes identificou que apenas algumas ações educacionais isoladas são realizadas para fortalecer a relação professor-aluno. Esses educadores consideram que essas relações, bem como ações educativas que capacitem os adolescentes e facilitem a sua inserção, são vitais. Para eles, a escola, no contexto do cumprimento da medida socioeducativa, deveria investir em diálogos e aconselhamento que contribuam para o retorno do adolescente ao convívio social. Isso, entretanto, é pouco realizado, pois requer um investimento mais consistente, que considere as peculiaridades dos adolescentes e promova o desenvolvimento de suas habilidades e competências (Padovani & Ristum, 2013). Outra pesquisa que entrevistou professores que ministram aulas em uma instituição de justiça juvenil também chegou a conclusões similares no sentido do desinvestimento nos alunos. Em acréscimo, essa pesquisa apontou que a violência presente nesses contextos tem sido um obstáculo importante ao trabalho educativo, pois muitos professores se sentem inseguros e com medo, o que prejudica de forma significativa sua relação com os adolescentes (Silva & Ristum, 2010).

A partir do exposto, observa-se que variáveis escolares estão diretamente relacionadas à prática de atos infracionais por adolescentes e às possibilidades de socioeducação e reinserção social dos mesmos. Isso ganha sentido, se considerarmos que a escola se constitui em uma instância socializadora que tem grande influência sobre o desenvolvimento do indivíduo, especialmente, sobre suas relações interpessoais (Caldwell, Sturges, & Silver, 2007). Uma experiência escolar positiva, que promove o desenvolvimento cognitivo, emocional e social favorece o engajamento escolar (Coelho & Dell'Aglio, 2018) e é, portanto, fundamental para a prevenção e tratamento de casos de envolvimento em atos infracionais (Maschi, Hatcher, Schwalbe, & Rosato 2008). Por outro lado, um ambiente escolar excludente pode contribuir para o engajamento em atos infracionais (Fernández-Suárez, Herrero, Pérez, Juarros-Basterretxea, & Rodríguez-Díaz, 2016).

No entanto, apesar desta reconhecida importância do contexto escolar, identifica-se que poucos estudos se dedicam especificamente a investigar o engajamento e as trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei. A partir da revisão de literatura realizada por Silva & Bazon (2015), que sistematizou estudos sobre esse tema até 2012, buscou-se identificar que outros estudos sobre as trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei antes, durante e depois da internação no sistema da justiça juvenil foram produzidos entre 2013 e 2018.

 

Método

Foi realizada uma revisão sistemática de literatura, considerando artigos publicados nas bases de dados Eric, Lilacs, Pepsic, PsycInfo e Scielo. O período delimitado para a seleção de artigos foi de 2013 ao período em que foram realizadas as buscas (06 de fevereiro 2018), visando cobrir os estudos mais recentes e dar sequência a um trabalho que investigou esta temática até o período de 2013 (Silva & Bazon, 2015). Na realização das buscas, utilizou-se a combinação de quatro descritores nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola: educação, escola, delinquência juvenil e adolescente em conflito com a lei, inseridos dois a dois, com o operador boleano "and". Os descritores foram escolhidos pela frequência com que são utilizados em artigos da mesma temática, identificados através de uma busca exploratória realizada previamente. Nas bases de dados Lilacs, Pepsic e Scielo, os descritores foram inseridos no campo "todos os índices", buscando-se recuperar um número maior de artigos referente à temática proposta, já que os mesmos eram escassos nestas bases. Na PsycInfo, os descritores foram inseridos no campo "keywords" e, na base Eric, no campo "abstract", pois assim foram recuperados os artigos mais diretamente relacionados com a temática alvo da pesquisa, já que o volume de artigos nestas bases era maior.

Inicialmente, foram localizadas 311 referências: 09 no Pepsic, 32 no Eric, 36 no Scielo, 76 no Lilacs e 158 no PsycInfo. Foram excluídas 116 referências repetidas, sendo os 195 trabalhos restantes analisados e selecionados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, que foram definidos considerando o foco deste estudo. Os critérios de inclusão dos trabalhos foram: 1) ser artigo; 2) ser no idioma português, inglês ou espanhol; 3) abordar as trajetórias educacionais de adolescentes em conflito com a lei; 4) ter, como participantes ou público-alvo, adolescentes que estão ou estiveram em conflito com a lei. Assim, foram excluídos os resumos que 1) eram nota de pesquisa, relatório de pesquisa, revisão de livro e capítulo de livro; 2) estavam nos idiomas alemão, chinês, francês, dinamarquês; 3) não abordaram a temática central deste estudo; 4) comparavam crianças e adultos em diferentes contextos. A seleção dos trabalhos foi realizada através da leitura dos títulos e resumos, de forma independente por duas pesquisadoras, e as discordâncias foram sanadas por consenso. O processo de seleção dos artigos está expresso na Figura 1.

Os 27 trabalhos selecionados foram lidos na íntegra e as informações foram classificadas considerando-se: título, autores, ano de publicação, país no qual a pesquisa foi desenvolvida, objetivos dos estudos, metodologia, principais resultados e conclusões. As informações foram analisadas a partir da técnica de análise de conteúdo temática categorial (Bardin, 2004), sendo criadas três categorias de análise: 1) variáveis escolares e individuais relacionadas à manifestação da prática de atos infracionais por adolescentes; 2) intervenções e trajetórias escolares durante o conflito com a lei e; 3) a vida educacional e profissional dos adolescentes após a intervenção da justiça juvenil.

Tendo em vista que existem diferentes formas de nomear, conceber e enfrentar os casos de adolescentes que cometem atos infracionais no Brasil e no mundo, e que não é objetivo deste estudo discutir tais diferenças, optou-se por utilizar a nomenclatura "sistema de justiça juvenil" para se referir ao enfrentamento dos casos de adolescentes que cometem atos infracionais.

 

Resultados e Discussão

Variáveis Escolares, Individuais e Contextuais Relacionadas à Manifestação da Prática de Atos Infracionais por Adolescentes

Nesta categoria, foram agrupados os trabalhos que identificaram a relação entre a experiência escolar pregressa e o cometimento de atos infracionais por adolescentes. Esses trabalhos demonstraram que a relação da escola com o adolescente em conflito com a lei é especialmente difícil e distante, ocorrendo situação de abandono e evasão escolar (Beckford, 2016; Cunha & Dazzani, 2016; Lansing, Washburn, Abram, Thomas, Welty, & Teplin, 2014; Maruschi, Estevão, & Bazon, 2014; Robison, Jaggers, Rhodes, Blackmon, & Church, 2017; Silva & Bazon, 2014).

As principais situações escolares identificadas nos estudos como associadas ao envolvimento em atos infracionais foram: defasagem idade/série escolar, baixa escolaridade, evasão escolar (Maruschi et al., 2014), baixo rendimento escolar relacionado a um funcionamento cognitivo deficitário (Lansing et al., 2014), vinculação a pares desviantes (Monahan, VanDerhei, Bechtold & Cauffman, 2014; Robison et al., 2017), problemas de comportamento no contexto escolar, dificuldades de aprendizagem não diagnosticadas e tratadas e outros transtornos como o de déficit de atenção e hiperatividade (Beckford, 2016). O bullying foi outro aspecto considerado em alguns estudos, que indicaram que os adolescentes que tiveram envolvimento com a justiça juvenil relataram ter experimentado bullying e situações de violência física na escola (Jeong, Davis, & Han, 2015; Silva et al., 2016).

Em conjunto, esses resultados descrevem um baixo engajamento escolar do adolescente com a escola, seja em função de características contextuais (práticas escolares excludentes) seja em função de dificuldades individuais (problemas de aprendizagem, entre outros). Alguns estudos indicam que um bom relacionamento do adolescente com os professores e colegas serve como base para fatores como vinculação e engajamento escolar, o que protegeria o adolescente do cometimento de atos infracionais. Esses fatores dificilmente estão presentes nas situações em que o adolescente vivencia reprovações ou punições severas no contexto escolar, pois as práticas punitivas afastam o adolescente da escola, assim esses podem ficar com tempo ocioso, aproximando-se de pares com comportamentos desviantes, o que contribui para a prática de atos infracionais (Silva & Bazon, 2015; Silva, Cianflone, & Bazon, 2016). Pereira e Sudbrack (2009) também argumentam que situações de reprovação e punições severas podem impactar de maneira negativa na autoestima e autoeficácia dos adolescentes, fazendo com que se sintam menos capazes de se adequar às regras impostas pela instituição escolar e de pertencer à comunidade escolar, afastando-os de projetos futuros relacionados à educação, o que lhes possibilitaria uma melhor inserção social.

O estudo Franco e Bazon (2019), da mesma forma, identificou a presença de uma relação instável entre escola e adolescentes em conflito com a lei, que pode até ter um início positivo, quando a escola é percebida como um ambiente afetivo, relacionado a jogos e brincadeiras, mas acaba culminando em experiências conflitivas e de fracasso, tanto em termos de conteúdos como de relacionamentos interpessoais, e que essas quando não trabalhadas de maneira adequada podem a um desengajamento escolar gradual que culminará em abandono escolar.

Nesses primeiros estudos, percebe-se que a escola culpabiliza os alunos, especialmente, quando esses apresentam um baixo rendimento acadêmico e situações de indisciplina. Outros estudos descrevem que características do contexto escolar também exibem práticas pouco efetivas ou excludentes que contribuem para o abandono e desengajamento escolar. Assim, é necessário que os agentes escolares e a instituição escola reflita sobre suas práticas e valores, questionando os padrões já instituídos. A escola deve se reinventar com o objetivo de oferecer um atendimento mais personalizado, inclusivo e efetivo aos adolescentes. Para prevenir a prática de atos infracionais, é preciso que a escola invista fortemente na vinculação e permanência dos adolescentes no ambiente escolar, promovendo práticas que lhes desenvolvam integralmente e que possa proporcionar condições favoráveis ao engajamento escolar.

Intervenções e Trajetórias Escolares Durante o Conflito com a Lei

Esta categoria apresenta as estratégias educacionais e os programas de intervenção que tem sido oferecidos aos adolescentes durante as suas internações no sistema de justiça juvenil sem privação de liberdade, dentro de escolas públicas (Seabra & Oliveira, 2017; Smokowski et al., 2017), e com privação de liberdade, dentro de escolas nas instituições de justiça juvenil (Lopez, Williams, & Newsom, 2015; Panosky & Shelton, 2015; Reed & Wexler, 2014; Schaeffer et al., 2014; Smeets, 2014; Steele, Bozick, & Davis, 2016; Wexler, Reed, & Sturges, 2015; Wexler, Pyle, Flower, Williams, & Cole, 2014; Vitale & Travnik, 2014).

Os estudos apontam dificuldades para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas específicas para os adolescentes que são inseridos no sistema de justiça juvenil o que dificulta a vinculação e o engajamento escolar. O acesso insuficiente às informações sobre a formação educacional prévia dos adolescentes, assim como sobre as dificuldades de aprendizagem e adaptação escolar vivenciadas anteriormente à entrada no sistema de justiça juvenil, prejudica o desenvolvimento de algumas intervenções e conduzem a dificuldades dos adolescentes engajarem-se no contexto educacional. Essas falhas ocorrem tanto em função de barreiras institucionais quanto devido ao grande número de escolas frequentadas pelos adolescentes antes da internação (Smeets, 2014).

Observa-se que a escola dentro do sistema de justiça juvenil reproduz uma subcultura do confinamento que desconhece os adolescentes, muitas vezes, não consegue promover sua autoestima e autoeficácia, não lhe oferecendo suporte necessário para seu desenvolvimento. Além disso, o seguimento de um currículo que está distante, limitado a reprodução do conhecimento também não auxilia no interesse pela escola, que pode impedir o engajamento dos adolescentes neste contexto (Vitale & Travnik, 2014).

A percepção dos professores como figuras desinteressadas e não apoiadoras, muitas vezes, permanece, o que também contribui para o desengajamento do adolescente e fracasso das práticas escolares no sistema de justiça juvenil. O estudo de Reed e Wexler (2014) identificou que os adolescentes não se sentem parte da agenda dos professores, descrevem a falta de apoio acadêmico e de comunicação. Esses, frequentemente, realizam cobranças excessivas, ministrando muitos trabalhos. Essas situações são vividas tanto antes quanto durante o processo de escolarização na socioeducação. Por outro lado, as práticas educacionais vividas durante a intervenção do sistema de justiça juvenil foram descritas pelos adolescentes como ligeiramente superiores àquelas experenciadas na escola anteriormente. Isso, provavelmente, deve-se ao fato de os adolescentes estarem inseridos em turmas menores, o que permite um trabalho mais personalizado.

A maioria dos estudos que abordaram a temática desta categoria são estrangeiros. Apenas um estudo brasileiro foi identificado, nele, também são descritas estratégias pedagógicas incipientes, que não consideram as especificidades dos alunos. Como, nos trabalhos desenvolvidos em outros países, a difícil relação entre escola e sistema de justiça juvenil contribui para a reprodução e ineficácia das práticas escolares adotadas (Seabra & Oliveira, 2017).

Por fim, alguns estudos avaliaram o desenvolvimento de algumas intervenções específicas que apresentaram resultados satisfatórios. Essas promoveram maior escolarização, ampliação das possibilidades de emprego e de realizações educacionais, inserção no mercado de trabalho, redução de comportamentos inadequados e violentos, possibilitando uma elevação dos níveis de autoestima, autoconfiança, satisfação escolar e da capacidade de realizar escolhas saudáveis para o futuro (Schaeffer et al., 2014; Steele et al., 2016; Smokowski et al., 2017; Panosky & Shelton, 2015).

Uma análise conjunta destas intervenções revela que o investimento na promoção de comportamentos e habilidades sociais positivas em um ambiente educacional no qual o aluno é atendido de maneira sistemática e individual, de acordo com as necessidades pessoais, tem sido uma das estratégias mais bem-sucedidas (Lopez et al., 2015). Além disso, as intervenções escolares mediadas por colegas se constituem em estratégias promissoras, uma vez que permitem maiores oportunidades de interação e de recepção de feedback, em linguagem acessível (Wexler et al., 2014). Ademais, essas estratégias, em conjunto, demonstram que há necessidade de investimento em mecanismos que possam oportunizar a vinculação escolar e consequente engajamento.

A Vida Educacional e Profissional dos Adolescentes Depois da Intervenção da Justiça Juvenil

Esta categoria aborda os reflexos educacionais e profissionais na vida de adolescentes que receberam intervenção do sistema de justiça juvenil. Foram encontrados apenas três estudos, todos estrangeiros, que investigaram estes aspectos (Augustyn & Loughran, 2017; Nurse, 2013; Solomontos-Kountouri & Hatzittofi, 2016). Não foram encontrados trabalhos sobre a vida após a intervenção no sistema de justiça juvenil brasileiro, o que pode estar relacionado ao fato de que o próprio sistema de justiça juvenil brasileiro possui dificuldades para fazer um levantamento sobre o tema devido à ausência de programas de acompanhamento de egressos na maioria dos estados (Coscioni, Costa, Rosa, & Koller, 2017).

De modo geral, os estudos indicam que, após a passagem pela internação no sistema de justiça juvenil, os adolescentes saem rotulados e são discriminados tanto em instituições escolares como no mercado de trabalho, enfrentando diferentes dificuldades para a reinserção social (Augustyn, & Loughran, 2017; Nurse, 2013). Neste sentido, enfatiza-se a importância de um acompanhamento após a saída do sistema de justiça juvenil, para que o adolescente possa dar continuidade ao desenvolvimento escolar e profissional, iniciado durante a internação. Ainda, um trabalho que lhes possibilite lidar com os preconceitos e lhes auxilie no desenvolvimento de projetos futuros, que contemplem ter uma família, educação, emprego e relações sociais positivas, deve ser o foco dessas intervenções (Solomontos-Kountouri & Hatzittofi, 2016).

A esse respeito, Nurse (2013) sugere a importância de programas que estimulem a interação de adolescentes inseridos no sistema de justiça juvenil com outros da mesma faixa etária que estão inseridos em outros contextos educacionais, como o ensino superior, por exemplo. Durante estes programas, os adolescentes terão a oportunidade de desenvolver as habilidades acadêmicas necessárias para o ingresso e manutenção no ensino superior. Os autores sugerem um acompanhamento individualizado de acordo com as necessidades pessoais, educacionais e sociais de cada jovem atendido.

Observa-se que ainda são limitados os estudos sobre a vida dos adolescentes após a internação no sistema da justiça juvenil, o que pode estar relacionado com limitações relacionadas ao próprio acompanhamento destes casos que, em geral, acabam recebendo menos atenção. Muitas vezes, a internação no sistema da justiça juvenil acarreta consequências negativas como a estratificação social desigual, menores salários, dificuldades escolares mais acentuadas, fraca vinculação e desengajamento escolar, e, com isso, menores possibilidades de conclusão do ensino básico, médio e superior. Por outro lado, para alguns adolescentes, o afastamento da realidade de violência e privação de direitos se constitui como uma oportunidade para ressignificar suas vivências e poder traçar projetos futuros distantes da criminalidade e relacionados à educação, profissionalização e construção familiar, o que salienta a importância do investimento em programas especificamente direcionados a estas questões.

 

Considerações Finais

Este trabalho buscou identificar as trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei antes, durante e depois da internação no sistema da justiça juvenil. Antes da prática de atos infracionais e consequente inserção no sistema de justiça juvenil, as trajetórias escolares dos adolescentes são marcadas pela fraca vinculação e o progressivo distanciamento do contexto escolar, que culmina, frequentemente, no último estágio do desengajamento escolar: evasão. Durante a internação no sistema de justiça juvenil, os estudos apontam dois direcionamentos, dependendo de como forem desenvolvidas as atividades escolares. Em um, a trajetória escolar dos adolescentes pode não diferir da anterior, sobretudo, se houver falta de investimento e desconsideração das peculiaridades dos casos, mantendo o afastamento e reforçando a exclusão. Nessa situação, observa-se a privação de direitos fundamentais, como a revivência de um sistema escolar excludente. Por outro lado, quando são adotadas estratégias educacionais personalizadas, que estimulam a vinculação e o engajamento escolar dos adolescentes, resultados satisfatórios podem ser alcançados, envolvendo o aumento da escolarização e a aquisição de habilidades e competências necessárias para o desenvolvimento integral.

No que se refere à relação à trajetória escolar após a internação no sistema de justiça juvenil, destaca-se a escassez de estudos e a necessidade de se investir no acompanhamento de egressos. Esses adolescentes podem enfrentar dificuldades para a inserção nos contextos educacionais e de trabalho, especialmente, em função de rótulos e de discriminação por terem cometido atos infracionais e por terem cumprido medidas socioeducativas.

Os estudos demonstram que a falta de vinculação e engajamento do adolescente com o contexto escolar apresenta-se como um aspecto decisivo para o desenvolvimento de situações de conflito com a lei, assim como para a superação dele. A escola deve fazer parte de estratégias de prevenção em situações de risco, da mesma forma que deve fazer parte dos programas de reinserção dos adolescentes. Para isso, salienta-se a necessidade de oferecer capacitação e treinamentos específicos para professores e demais profissionais presentes no contexto escolar. O reconhecimento do contexto de vida desses adolescentes e a oferta de estratégias pedagógicas adequadas devem ser discutidos nessas capacitações. Em suma, considera-se que, além de ensinar e promover a aprendizagem, cabe à escola vincular e apoiar os alunos para o desenvolvimento de projetos de vida positivos e desvinculados da prática de atos infracionais.

Dentre as limitações encontradas para realização da pesquisa, estão o número restrito de artigos sobre a realidade nacional. Partindo disso, considera-se a importância de realizar pesquisas empíricas longitudinais com adolescentes egressos do sistema socioeducativo, buscando avaliar os impactos educacionais, pessoais e sociais dessa vivência na atual situação de vida dos mesmos.

Implicações para a prática profissional derivadas desse estudo envolvem a indicação de aspectos que podem ser valorizados na atuação prática de profissionais da área de educação, como a necessidade de atenção individualizada para os casos de adolescentes que estão se afastando do ambiente escolar. É preciso instaurar práticas de vinculação com estes adolescentes, propiciando um ambiente atrativo quando os mesmos apresentam dificuldades ou não conseguem se conectar com a escola, sendo fundamental buscar incluir o adolescente e aproximar-se da sua realidade quando o mesmo não apresenta os resultados esperados pela escola, em vez de excluí-lo.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelos financiamentos ao projeto 405731/2012-4 e pela bolsa de Produtividade da 3ª autora.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Jéssica Costa Machado
costamachadojessica@gmail.com

Recebido em: 01/06/2019
Aceito em: 19/08/2019

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