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Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.8 no.2 São Paulo jul./dez. 2017

https://doi.org/10.18761/PAC.2016.031 

ARTIGOS

DOI: 10.18761/PAC.2016.031

 

Descrição e análise de prescrições comportamentais em legislações referentes ao planejamento urbano brasileiro

 

Description and analysis of behavioral prescriptions in laws related to Brazilian urban planning

 

Descripción y análisis de prescripciones del comportamiento en leyes relativas a la planificación urbana brasileña

 

 

Luiz Antonio Lourencetti; Kester Carrara

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O desenvolvimento urbano brasileiro é caracterizado pela ausência de planejamento que pode ser apontada como um dos precursores dos fenômenos de exclusão e desigualdade social atuais. Diante disso, tornam-se imprescindíveis políticas públicas como forma de minimizar eventuais consequências negativas. O planejamento de políticas públicas muitas vezes envolve um planejamento cultural, o que está intrinsecamente relacionado à maneira com que os indivíduos interagem entre si e com o ambiente em que estão inseridos. Nesse sentido, utilizando a descrição de contingências comportamentais de três termos (contexto antecedente, resposta e consequência), este estudo objetivou analisar funcionalmente legislações acerca do planejamento urbano, especificamente no Estatuto da Cidade, Política Nacional de Mobilidade Urbana e Plano Diretor de Bauru/SP, para identificar e analisar prescrições comportamentais direta ou indiretamente referenciadas. Foram identificadas e descritas contingências comportamentais, sendo estas relacionadas a prescrições comportamentais a agentes públicos de diferentes níveis de governo, bem como contingências que tratam do comportamento dos munícipes. Foi possível constatar que a lei não explicita os termos que compõem as contingências, sendo que tais implicações são discutidas sob a ótica da Análise Comportamental da Cultura, destacando relações entre as leis e os possíveis efeitos sobre o comportamento dos envolvidos em sua execução.

Palavras-chave: análise comportamental da cultura, prescrições comportamentais, planejamento urbano, legislação urbana, políticas públicas.


ABSTRACT

Brazilian urban development is marked by the absence of planning, which can be pointed out as one of the precursors of the contemporary social exclusion and inequality phenomena. Considering this, planning and proposing policies to minimize negative consequences for the population are essential. Public policy planning often involves a design of cultural practices, intrinsically related to the way that people interact between each other and with the environment. In this context, employing the description of three terms contingencies (antecedent context, response and consequence), this study aimed to analyze functionally urban planning laws, specifically the City Act, the National Policy of Urban Mobility and the Participative Director Plan of the City of Bauru/SP, to identify and analyze behavioral prescriptions directly or indirectly referenced. Behavioral contingencies were identified and described, being these related to behavioral prescriptions to public agents of different levels of government, as well as contingencies related with the residents behavior. It was possible to concluded that the law does not specify the terms that compose the contingencies. Such implications are discussed based on the perspective of Behavioral Analysis of Culture. Relations between the laws and the effects on the behavior of those involved in their implementation were emphasized.

Keywords: behavior analysis of culture, behavioral prescriptions, urban planning, urban law, public policies.


RESUMEN

El desarrollo urbano en Brasil se caracteriza por la falta de planificación, que se presenta como uno de los precursores de exclusión y desigualdad social observados. Así, son imprescindibles acciones y políticas públicas para reducir consecuencias negativas para la población. La planificación de políticas públicas frecuentemente emplea un diseño de prácticas culturales, considerando como los individuos interactúan entre sí y con el medio donde viven. De este modo, empleando la descripción de contingencias de comportamiento de tres términos (contexto antecedente, respuesta y consecuencia), este estudio tuvo como objetivo analizar funcionalmente legislación de planificación urbana, específicamente en el Estatuto de la Ciudad, en la Política de Movilidad Urbana Nacional y el en Plan Maestro de la Ciudad de Bauru/SP, para identificar y analizar prescripciones comportamentales que directa o indirectamente se referencian. Contingencias comportamentales han sido identificadas y descritas, las cuales están relacionados con las prescripciones comportamentales de diferentes niveles de gobierno, así como contingencias relacionadas con el comportamiento de los ciudadanos. Se constató que la ley no especifica los términos que conforman las contingencias. Se discuten estas implicaciones a partir de la Análisis Comportamental de la Cultura, destacando las relaciones entre las leyes y efectos sobre el comportamiento de los implicados.

Palabras clave: análisis del comportamiento de la cultura, prescripciones de comportamiento, planificación urbana, legislación urbana, políticas públicas.


 

 

É constante no noticiário contemporâneo brasileiro a disseminação de informações relacionadas a problemas na mobilidade urbana em todo o país. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007, 2015) indicam o contínuo aumento da densidade populacional advindo do processo migratório das zonas rurais para as urbanas, sobretudo a partir da década de 1940. Na década de 1950 aproximadamente 36% da população brasileira residia em áreas urbanas, enquanto que no início da década de 1970, período em que o Brasil passou a ser caracterizado como majoritariamente urbano, essa concentração passou a representar aproximadamente 56% da população; volume que saltou para cerca de 85% no ano de 2012.

Souza (2011) aponta que esse processo de migração foi motivado por diversos fatores, sobretudo econômicos e sociais, tais como: crescimento da industrialização nos centros urbanos, o que consequentemente resultou em necessidade de mão de obra; busca por oportunidades de trabalho ou fontes de renda; ou o anseio por possível melhoria na qualidade de vida, proveniente do acesso a centros de educação, lazer e saúde. Em síntese, a migração se deu em busca daquilo que não era facilmente acessível ou disponibilizado no campo, ou seja, motivada pela procura por algo "novo" a ser oferecido pela cidade, como também forçada por mudanças significativas na estrutura da sociedade, como as resultantes do processo de mecanização da agricultura que, eventualmente, reduziu postos de trabalho no campo e restringiu a competitividade de pequenos produtores rurais (Alves & Marra, 2009; Oliveira, 2001).

Apesar desse rápido e intenso crescimento do contexto urbano das cidades, estas não foram planejadas e estruturadas em proporção similar de modo a receber esse novo contingente populacional de forma adequada, garantindo amplo acesso a aparatos de educação, habitação, lazer, saneamento básico, segurança, saúde e transporte. Como apontado na literatura (Maricato, 2003; Rolnik, 2009), a urbanização massiva acarretou um conjunto de desigualdades, sobretudo sociais e ambientais, e os elementos atrativos dispostos no início do processo de migração para a cidade caíram em saturação, não dando conta de suprir as demandas da população.

Essa ausência de planejamento pode ser compreendida como um dos precursores dos fenômenos de exclusão e desigualdade social que são observados no espaço urbano atual. Exemplo clássico desse processo é a tendência de diferentes classes sociais a se concentrarem em regiões territoriais diversas nas grandes cidades, sendo as classes mais pobres dispostas de forma dispersa e mais distantes do centro e de aparatos urbanos, como saúde, educação e transporte (Villaça, 2001).

Considerando um processo de urbanização com tais características e as necessidades originadas do aumento das demandas urbanas, revela-se indispensável o planejamento e a proposição de ações, de forma a evitar eventuais prejuízos à população em virtude do crescimento não planejado, tais como congestionamento de vias públicas, aumento dos níveis de poluição sonora e do ar ou pelo aumento do número de acidentes de trânsito. A elaboração de políticas públicas, leis e diretrizes norteadoras do desenvolvimento dos municípios surgem com o objetivo de equalizar tais consequências a curto e longo prazos, evitando ações que possam vir a ser prejudiciais à população.

Entretanto, é importante destacar que tais dispositivos, isoladamente, muitas vezes não dão conta de abarcar todas as especificidades que a gestão e o planejamento urbanos possuem. Diretrizes e leis, no sentido prescritivo de ações, nem sempre são suficientes pelo fato de que não apresentam necessariamente descrições claras sobre as ações a serem executadas, bem como as consequências para o cumprimento ou não de tais ações. Compreendendo tal noção, é na concepção do estudo de aspectos relativos ao comportamento humano que este trabalho se insere, uma vez que a implementação de instrumentos e o estabelecimento de normas e diretrizes para que os municípios possam planejar suas políticas urbanas de forma sustentável – ou seja, suprindo as necessidades atuais sem comprometer as possibilidades e demandas de gerações futuras – estão intrinsecamente relacionados à interação entre indivíduos e ambiente, representando assim um importante foco de estudo para a Psicologia e, em especial, para a Análise do Comportamento.

 

Notas sobre o planejamento urbano e seu desenvolvimento no Brasil

Sobre o planejamento e a gestão urbana brasileira, em linhas gerais, historicamente é possível observar um maior engajamento governamental em ações e políticas públicas entre as décadas de 1950 e 1980. Nesse período se observou a mudança da capital federal para o Planalto Central com o planejamento e construção de Brasília, objetivando favorecer um processo de desenvolvimento uniforme de todas as regiões. Além disso, entre as décadas de 1960 e 1980, sob tutela do regime militar, foi dada maior atenção às questões relativas à gestão urbana, principalmente com a expansão dos planos diretores aos municípios como instrumento de gerenciamento das políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano (Ministério das Cidades, 2004).

Contudo, apesar do engajamento governamental, a maior parte das ações desenvolvidas nesse período foi de natureza tópica e paliativa, com o objetivo de reduzir problemas pontuais como o déficit habitacional e o ordenamento urbano, sem planejamento e mensuração de efeitos e consequências futuras (Ministério das Cidades, 2004; Rolnik, 2009). Tampouco garantiam o crescimento estruturado dos municípios, uma vez que as ações federais, estaduais e municipais eram limitadamente articuladas entre si e não consideravam as reais necessidades da população.

Como destaca Rolnik (2009), as políticas implementadas nesse período corroboraram um modelo de ocupação que produzia uma "cidade 'fora da cidade', eternamente desprovida das infraestruturas, equipamentos e serviços que caracterizam a urbanidade" (p. 33). Ou seja, ainda que existissem políticas urbanas, a pouca articulação e o caráter pontual resultaram em incompatibilidade e inconsistência entre as ações e os rumos ideais que deveriam seguir. Com isso, eram desenvolvidos programas de construção de moradias em áreas afastadas e que não contavam com aparatos adequados de saúde, educação, comércio ou trabalho, requerendo que os habitantes dessas localidades se locomovessem para outras regiões para suprir suas necessidades.

Mais recentemente, no contexto de elaboração da Constituição Federal de 1988, a partir de intensa mobilização social, passou-se a contemplar a participação popular no desenvolvimento da política e gestão urbanas, assegurando interesses populares e o exercício de direitos (sociais e individuais) ao bem-estar, ao desenvolvimento, à igualdade e à justiça social (Avritzer, 2010; Souza, 2011). Tais disposições constitucionais também passaram a prever que as políticas de desenvolvimento urbano propostas pelos municípios seguissem um conjunto de diretrizes gerais que garantissem o desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Quanto à articulação de competências federais, estaduais e municipais, entrave em políticas urbanas anteriores, a Constituição contribuiu para um processo de descentralização federativa, a qual buscava fortalecer a autonomia local de municípios e estados, na medida em que promoveu a organização político-administrativa em quatro entes federados que integram toda a federação, sendo representados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aos quais é conferida autonomia de organização, legislação, governo e administração.

A fim de regulamentar as normativas referentes à política urbana presentes na Constituição, foi instituída a Lei n. 10.257 (2001), que passou a estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, e recebeu a denominação de Estatuto da Cidade. O Estatuto da Cidade estabelece normas de ordem pública e interesse social a fim de regulamentar o uso da propriedade urbana, objetivando ordenar o desenvolvimento municipal por meio de diretrizes e instrumentos como o plano diretor.

O plano diretor já fora utilizado no passado, porém suas disposições não garantiam a articulação necessária entre ações federais, estaduais e municipais quanto ao adequado planejamento e desenvolvimento dos municípios. Nesse sentido, a partir da Constituição Federal de 1988 o plano diretor passa a ser contemplado como o instrumento básico da política urbana, compreendendo um conjunto de diretrizes norteadoras do planejamento, desenvolvimento e gestão urbana municipal.

 

Contribuições da Análise do Comportamento para a compreensão do contexto social

É de amplo domínio dos analistas comportamentais o fato de que a Análise do Comportamento tem como seu objeto de estudo o comportamento nas suas relações com o ambiente, compreendido como um processo multideterminado, resultante da interação entre três dimensões distintas e complementares de variação e seleção por consequências: filogenética, ontogenética e cultural (Skinner, 1953/2003; 1981).

Para Skinner (1969/1984), uma adequada descrição dos comportamentos (individuais) é dada pelo conceito de "contingência" que consiste basicamente na descrição de relações de dependência entre eventos e entre eventos e comportamento, e que "deve sempre especificar três coisas: (1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, (2) a própria resposta e (3) as consequências reforçadoras. As relações entre elas constituem as 'contingências de reforço'" (p. 182). Segundo Souza (2000), uma contingência especifica relações de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais, sendo utilizada como um importante termo técnico para enfatizar a probabilidade de um evento ser afetado por outros eventos.

Segundo Skinner (1953/2003) o indivíduo "opera sobre o ambiente para gerar consequências" (p. 71) que podem incidir sobre o próprio indivíduo, modelando e alterando a probabilidade de emissão de respostas futuras. Tal noção corresponde a um conceito fundamental da Análise do Comportamento, o de comportamento operante. Nessa modalidade de comportamento, um indivíduo emite respostas que produzem alterações no ambiente (consequências), as quais, por sua vez, podem incidir sobre o próprio indivíduo, afetando a probabilidade de ocorrência de respostas futuras pertencentes à mesma classe funcional. Quando se trata de comportamento operante, uma contingência indica e descreve a condição na qual uma consequência pode ser produzida por uma resposta do indivíduo (Souza, 2000; Todorov, 1985).

O enfoque da Análise do Comportamento pode auxiliar na compreensão da interação dos indivíduos em ambientes tipicamente sociais, como aqueles que envolvem o contexto urbano e suas políticas públicas, e assim viabilizar, eventualmente, o desenvolvimento de intervenções que possam vir a se tornar efetivas, uma vez que muitos dos comportamentos de um indivíduo são emitidos em contextos que envolvem relação com comportamentos de outros indivíduos, a fim de que se alcance uma consequência compartilhada por todos eles ou, ao menos, parte deles (Morford & Cihon, 2013).

Em tal perspectiva, a interação com consequências mediadas por outros indivíduos e/ou o compartilhamento de um mesmo ambiente é denominada "comportamento social", podendo ser compreendido especificamente como "o comportamento de duas ou mais pessoas uma em relação à outra ou destas, em conjunto, em relação a um ambiente comum" (Skinner, 1953/2003, p. 325) e "surge porque um organismo é importante para o outro como parte de seu ambiente" (p. 326).

Note-se que, nesta definição, as respostas de um indivíduo constituem ambiente para que outro indivíduo emita respostas, evidenciando assim um entrelaçamento de contingências individuais. Esse entrelaçamento resulta em um conjunto de comportamentos e práticas que pode afetar um grupo de indivíduos e não apenas alguns indivíduos isoladamente. Assim, quando se trata de comportamento social, se está lidando com duas (ou mais) contingências relacionadas as respostas de dois (ou mais) indivíduos que podem representar ambiente (antecedente e consequente) para as respostas de outros indivíduos (Andery, Micheletto & Sério, 2005; Glenn & Mallot, 2004; Mallot & Glenn, 2006; Morford & Cihon, 2013; Skinner, 1953/2003).

Essas práticas associadas ao comportamento social consistem em um conjunto de comportamentos de vários indivíduos, porém esse conjunto específico de comportamentos se torna uma prática cultural na medida em que o repertório comportamental que compõe a prática (ou parte dele) passa a ser replicado por outros indivíduos de um mesmo grupo ou contexto social (Andery et al., 2005; Glenn, 2004; Glenn & Malagodi, 1991; Skinner, 1953/2003). Os comportamentos de um membro do grupo podem se tornar práticas culturais na medida em que forem aprendidos, mantidos e transmitidos pelos demais membros daquele mesmo grupo. Nesse sentido, uma prática cultural pode ser ilustrada por uma situação que envolve, por exemplo, a prevenção da proliferação do vetor transmissor da dengue, na qual um repertório comportamental relacionado à prática preventiva, como evitar locais com água parada, seria reproduzido por vários membros de uma comunidade com o objetivo de que se reduzisse a incidência da doença (Carrara et al., no prelo).

Apesar de até aqui serem utilizados termos que fazem (aparente) referência a comportamentos do grupo, mencionando-o enquanto uma unidade que se comporta, é importante destacar que essa é meramente uma metáfora utilizada para tratar do comportamento de indivíduos se comportando em conjunto, já que, nas palavras de Skinner (1953/2003) "é sempre o indivíduo que se comporta" (p. 340). Para Carrara (2008), os indivíduos estão sujeitos a contingências particulares que selecionam seu próprio repertório comportamental, mas também podem estar sujeitos a consequências resultantes da articulação de seus comportamentos com o de outros membros do grupo.

 

Interpretação analítico-comportamental das leis

Segundo Skinner (1953/2003), a interação dos indivíduos em ambientes sociais por vezes pode necessitar da presença de regras e práticas de controle do comportamento que visam estabelecer contingências específicas entre os indivíduos inseridos em um determinado ambiente social e, assim, evitar ações prejudiciais para aquele ambiente como um todo. Para Skinner (1989/1991), "as regras nos dizem o que devemos fazer, no sentido de qual é nossa obrigação para com o grupo" (p. 61).

Nessa perspectiva, regras podem ser compreendidas como estímulos verbais que descrevem contingências, ou seja, descrevem a ocasião ou condição para que uma determinada resposta, quando emitida, tenha probabilidade de ser consequenciada (Baum, 2005/2006; Matos, 2001; Skinner, 1969/1984). Seriam úteis à sociedade à medida que podem ser empregadas em situações em que as consequências descritas nas contingências operam em longo prazo ou possuem pouco efeito no curto prazo (Matos, 2001). Seguir regras nos coloca uma questão central quando se cogita uma análise comportamental de políticas públicas: a questão da prescrição, ou seja, o sentido de que, em determinada situação, o cidadão deve se comportar de determinada maneira (o que leva a consequências específicas). Uma determinada regra é seguida porque o comportamento de seguir regras foi selecionado com base na história do indivíduo, sendo importantes por descrever respostas que devem ser emitidas diante de determinados contextos (Skinner, 1974/2009). Além disso, as regras podem dispensar a necessidade de que o indivíduo tenha sido anteriormente exposto a esses contextos (Skinner, 1969/1984). Seguir regras, portanto, é comportamentalmente "econômico", no sentido de que não é imprescindível reiteradamente aprender diretamente mediante contingências, sendo, antes, possível aprender pela descrição de um arranjo de contingências garantido pela apresentação das regras. De modo prático, regras descrevem contingências. Por sua vez, prescrições comportamentais indicam como proceder diante de certas contingências, não sendo, em si mesmas, as próprias contingências.

Além da necessidade da especificação de regras, algumas das ações prejudiciais destacadas anteriormente podem ocorrer devido à falta de planejamento das consequências em curto e longo prazo. Desse modo, a manutenção de práticas culturais sem planejamento pode, futuramente, ocasionar consequências nocivas a grupos de indivíduos. Tomemos como exemplo o hipotético processo de ocupação territorial de um município, sobretudo com regiões caracterizadas como já saturadas em empreendimentos imobiliários e com ausência de terrenos vazios para a construção de novas casas, mas que frequentemente enfrentam grande procura por parte de potenciais novos moradores. Nessas áreas, eventualmente, agentes imobiliários poderiam adquirir imóveis já existentes, demoli-los e construir grandes edifícios residenciais a fim de que: 1) esses edifícios abriguem os interessados em residir na região; 2) os agentes obtenham lucro financeiro dessa operação. Nesses casos algumas consequências de curto prazo são claras: amplia-se a disponibilidade de imóveis para moradia (consequência reforçadora para um grupo de moradores) e há movimentação econômica e lucro para os agentes imobiliários (consequência reforçadora para os agentes imobiliários).

Entretanto, apesar de no exemplo ficarem claras as consequências de curto prazo para dois grupos (moradores e agentes imobiliários), em longo prazo os grupos estariam suscetíveis a outras consequências. No caso dos moradores, por exemplo, duas das consequências poderiam ser o aumento no tráfego de veículos e a ausência de equipamentos urbanos que comportem o grande volume populacional. Assim, fica evidente que o adequado planejamento do processo de ocupação deveria, ao menos, considerar efeitos de curto prazo (provável benefício do aumento da oferta de moradia) e efeitos de longo prazo (prováveis malefícios relacionados à carência de recursos adequados para um grande volume populacional).

Um importante aspecto relacionado à situação exemplificada anteriormente se dá na dimensão temporal. Segundo Abib (2001) há na espécie humana uma maior suscetibilidade às consequências imediatas (de curto prazo), pois na história de evolução filogenética tais consequências tiveram valor de sobrevivência, sendo mais efetivas que as consequências de longo prazo. Baum (2005/2006) aponta que responder exclusivamente em função das consequências de curto prazo pode ser problemático, pois apesar de aparentarem um maior benefício aos indivíduos, em longo prazo o custo pode ser maior e as consequências incertas.

Segundo Skinner (1953/2003), os indivíduos que compõem o grupo passam a estabelecer controle sobre os comportamentos de seus membros por meio do seu poder de reforçar ou punir determinadas práticas consideradas como "certas" ou "erradas". Porém, um grupo de indivíduos, por si só, pode não ser tão bem organizado; constituem-se, então, agências, compostas por membros de diversos grupos (ou seus representantes, numa democracia representativa) e, que são, em tese, mais bem organizadas para atuar no estabelecimento de regras. Essas agências foram denominadas por Skinner (1953/2003) como "agências de controle", sendo o Governo uma delas. Essas agências manipulariam um conjunto particular de variáveis, classificando os comportamentos e consequenciando-os de acordo com seu escopo de atuação.

Enquanto agência de controle, o Governo atua, por exemplo, no estabelecimento do controle do comportamento que é classificado "legal" e "ilegal" a partir da elaboração de leis. Skinner (1953/2003) define as leis como enunciados de contingências mantidas por uma agência governamental, sendo "uma regra de conduta no sentido de que especifica as consequências de certas ações que por seu turno 'regem' o comportamento" (p. 370). Ou seja, uma lei deveria especificar um comportamento (ou conjuntos de comportamentos) e as consequências para tal.

Considerando que as leis apresentam descrições de contingências, especificando respostas e consequências, Todorov, Moreira, Prudêncio e Pereira (2004) afirmam que elas poderiam ser estudadas sob a ótica da Análise do Comportamento, uma vez que diferentes códigos e leis como a Constituição Federal ou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) descreveriam contingências para diferentes setores e segmentos da sociedade. Há, na literatura, diversos outros autores (Cabral, 2007; Carvalho, 2013; Lourencetti, 2015; Martins, 2009; Silva, 2012) que estudaram códigos e leis subsidiados pela Análise do Comportamento, o que evidencia a aplicabilidade de seus conceitos como instrumentos para análise e interpretação de documentos legais, uma vez que estes apresentam prescrições comportamentais.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, foi estudado por Todorov et al. (2004), utilizando a contingência de três termos como unidade de análise para a identificação dos termos das contingências comportamentais entrelaçadas presentes nos diferentes artigos da lei. O método utilizado pelos autores consistiu na leitura dos 267 artigos do ECA e sua classificação em eventos antecedentes, respostas e eventos consequentes, arranjando-os em contingências. Outros documentos como o projeto de lei que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Cabral, 2007), as Leis Orgânicas da Saúde que regulamentam o Sistema Único de Saúde (Martins, 2009), as políticas públicas de manejo e uso de agrotóxicos no Distrito Federal (Silva, 2012), e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Carvalho, 2013) também foram analisadas seguindo metodologia similar.

Nesse contexto, entende-se que a formulação ou o planejamento de leis e políticas públicas, subsidiadas ou instrumentalizadas pela Análise do Comportamento, poderia constituir auxílio para que os munícipios deem conta de seu processo de desenvolvimento urbano, evitando algumas das consequências prejudiciais anteriormente mencionadas. Diante disso, considerou-se relevante, no presente estudo, fazer uma análise das contingências implícitas em legislação acerca da política urbana. Tal análise buscou identificar prescrições comportamentais em relação ao planejamento urbano, seja diretamente para a população no que respeita às suas práticas culturais, seja indiretamente às instituições públicas, quando representadas no contexto de políticas públicas.

Em função do exposto, objetivou-se, nesta pesquisa, desenvolver uma análise das contingências comportamentais, direta ou indiretamente referenciadas no Estatuto da Cidade, na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e no Plano Diretor do Município de Bauru-SP, considerando suas prescrições comportamentais e as relações que os documentos estabelecem entre si. Para dar conta dessa finalidade, de forma específica, objetivou-se: (a) identificar e descrever as contingências presentes no Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257 (2001); (b) identificar e descrever as contingências presentes na PNMU – Lei n. 12.587 (2012); (c) identificar e descrever as contingências presentes no Plano Diretor do Município de Bauru-SP – Lei n. 5.631 (2008); (d) analisar, comparativamente, as contingências referidas no Estatuto da Cidade, na PNMU e no Plano Diretor do município de Bauru-SP, as quais contemplem relação com o planejamento urbano; (e) verificar se, e como, ocorre entrelaçamento entre as contingências previstas no Estatuto da Cidade, na PNMU e no Plano Diretor do município de Bauru-SP

 

Método

Este estudo adotou procedimento metodológico descritivo, cujo levantamento de dados se deu por meio de análise documental, tendo por finalidade identificar e sistematizar as prescrições comportamentais de três documentos de lei brasileiros. Tal procedimento consiste em adaptação parcial do método adotado por Todorov et al. (2004) para o estudo do ECA.

Fontes de Dados

Os documentos selecionados para compor o objeto de estudo consistem de legislação, das esferas federal e municipal, relacionadas à política urbana, sendo eles: o Estatuto da Cidade, a PNMU e o Plano Diretor de Bauru-SP. O Estatuto da Cidade é o documento que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e estabelece as diretrizes gerais da política urbana brasileira. A PNMU consiste em instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte, a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território dos municípios e o estabelecimento de diretrizes para o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. O Plano Diretor de Bauru estabelece normas de ordem pública e interesse social, que regulam o uso da propriedade em todo o território municipal, em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental. Trata-se da regulamentação, no município, das proposições apresentadas na Constituição Federal e Estatuto da Cidade.

Procedimento de Coleta e Análise de Dados

A etapa de coleta dos dados teve início com a seleção dos documentos que foram alvo de análise, sendo eles identificados e compilados em três diferentes arquivos com o objetivo de que fossem estudados separadamente. A ordem de leitura e análise dos três documentos foi: (1) Estatuto da Cidade, (2) PNMU e (3) Plano Diretor. Como critério para a sequência de análise dos documentos, considerou-se a amplitude das prescrições, assim optou-se por observar inicialmente uma legislação federal (e mais ampla) e em seguida aquelas que nela se basearam.

A estratégia de pesquisa foi baseada em Todorov et al. (2004) e consistiu em um procedimento similar aplicado em cada um dos três documentos. A metodologia em questão adota a contingência de três termos como unidade de análise para identificar as relações por ela prescritas a partir da descrição dos termos que a compõe (contexto antecedente, resposta e consequência). Para tanto, foi adotada, a partir da literatura (Souza, 2000; Skinner, 1953/2003; Todorov et al., 2004), a seguinte classificação para cada termo da contingência de três termos: Contexto antecedente: descrição das situações ambientais que compreendem o contexto, condição ou circunstância em que o comportamento ocorre ou deveria ocorrer; Resposta: descrição, direta ou indireta, da ação ou atividades que são esperadas de um indivíduo (ou do governo, enquanto agência representada por um grupo de indivíduos); Consequência: consequências direta ou indiretamente relacionadas a uma resposta identificada.

Para possibilitar o conhecimento geral do teor dos documentos, inicialmente realizou-se uma leitura preliminar do documento legal na íntegra, seguindo a ordem em que o conteúdo estava disposto e apresentado. Nessa etapa, foram identificadas as partes constituintes dos documentos (títulos, capítulos, artigos, parágrafos, incisos e alíneas), tendo como base a Lei complementar n. 95/98, que dispõe sobre a forma como as leis devem ser estruturadas e redigidas.

Em seguida, foi realizada nova leitura e ao ser identificado algum trecho da lei que descrevesse um contexto antecedente, este era sinalizado e uma nova consulta ao documento era realizada com o objetivo de identificar outros trechos que descrevessem ação ou ações (respostas) esperadas diante de tal contexto antecedente. Posterior à identificação das respostas, uma nova leitura foi feita, buscando identificar trechos que delimitassem consequências às respostas anteriormente identificadas.

Os dados provenientes da análise dos documentos foram sistematizados em tabelas, detalhando se descreviam função de contexto antecedente, resposta ou consequência. Quando o texto não descrevia de forma explicita a consequência de uma resposta, optou-se por completar essas contingências com descrições que estariam implícitas no conteúdo da lei.

Com base nos conceitos anteriormente apresentados, as contingências identificadas foram classificadas e agrupadas em temas/assuntos com base na relação que estabelecem com o planejamento e gestão urbana, mais especificamente com a mobilidade urbana e o seu desenvolvimento sustentável. Em seguida, se procurou analisar e comparar as contingências entre si, objetivando avaliar a existência de entrelaçamentos entre elas, ou seja, observando se uma determinada contingência previa relação com outra contingência da mesma lei ou se previa relação com as contingências presentes nos outros documentos de lei.

 

Resultados

No total foram identificadas, nos documentos analisados, 107 contingências comportamentais de três termos, sendo 35 no Estatuto da Cidade, 29 na PNMU e 43 contingências presentes no Plano Diretor. Considerando os objetivos propostos para este estudo, serão apresentadas separadamente as análises das contingências identificadas em cada uma das leis, analisando e discutindo comparativamente os três documentos entre si de modo a avaliar as relações entre as contingências identificadas e suas prescrições.

Descrição e Análise do Estatuto da Cidade

Na análise do Estatuto da Cidade, pôde-se observar um conjunto de contingências que prescrevem ações à União, representada por seus agentes governantes. O documento apresenta uma série de ações que deveriam corresponder à atuação perante a política urbana. Quanto à descrição dessas ações, o documento utiliza termos que possuem sentido amplo, com escassa precisão quanto às ações que devem ser pontualmente executadas. Por exemplo, foram identificadas contingências nas quais as ações são descritas com termos como "legislar" e "fomentar" (artigo 3º), sem especificar quais atos estariam compreendidos por esses termos.

O documento também não é explícito na especificação de contextos antecedentes, não apresentando a descrição formal dos contextos e condições específicas sob as quais caberia aos representantes da União executarem suas ações. Também não há no documento menção direta de consequências contingentes a sua execução. Entretanto, faz-se necessário destacar: ainda que não haja referência direta dos contextos e consequências, a leitura integral do documento possibilita concluir que os representantes da União devem sempre se comportar – compreendido no sentido mais básico de executar algo – sob controle das consequências de longo prazo apresentadas nos incisos II, III e V do artigo 3º e que estão associadas ao equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Outras prescrições, especificamente aos representantes municipais (prefeitos, secretários municipais, servidores), estão relacionadas ao papel de fiscalização das ações da população (munícipes). Em geral, são prescrições aos governantes no sentido de fiscalizar os comportamentos dos munícipes e utilizar de técnicas que objetivem controlar o comportamento da população direcionando-a a, por exemplo, edificar e utilizar seus imóveis, em vista de evitar o subaproveitamento ou aproveitamento do espaço urbano para fins incompatíveis com os previstos pelo Estatuto da Cidade.

Além das contingências que tratam do controle do comportamento dos munícipes, também são descritas contingências que evidenciam que as ações dos representantes do poder público municipal estão sujeitas a controle por parte de outras instâncias e agências do próprio Governo. Em geral essas contingências estão relacionadas à atuação dos agentes públicos em desconformidade com as prescrições do Estatuto, estando sujeitos às consequências previstas no documento (artigo 52) e que se relacionam à Lei n. 8.429/92 que estabelece sanções por improbidade administrativa aos agentes públicos no exercício de suas funções.

O Estatuto da Cidade dispõe ainda de um aparato de instrumentos – dispositivos que deverão ser regulamentados no âmbito do território municipal – descritos em contingências específicas, e que quando adequadamente utilizados viabilizariam o apropriado funcionamento da política urbana por parte dos diversos atores envolvidos, sejam eles agentes públicos municipais ou estaduais, bem como os munícipes moradores e proprietários de imóveis. Exemplos desses instrumentos seriam: a utilização compulsória do solo, a usucapião, o direito de propriedade, as operações urbanas consorciadas, os estudos de impacto de vizinhança e a gestão democrática da cidade. O plano diretor é delimitado como o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana e do processo de planejamento municipal. As contingências que tocam o plano diretor contemplam ações dos representantes dos Poderes Legislativo e Executivo municipais, no sentido de conduzir sua elaboração e implementação.

De modo geral, as consequências diretas das ações associadas ao uso dos instrumentos da política urbana não são descritas de forma explícita na lei, porém, considerando todo o conteúdo de que o Estatuto trata, implicitamente é esperado que as ações governamentais resultem em melhor uso do espaço urbano no longo prazo, objetivando o melhor aproveitamento do território municipal, sobretudo, a partir da adequação dos diferentes instrumentos da política urbana.

Ainda com relação aos instrumentos da política urbana, especificamente nas contingências que tratam da usucapião de imóvel urbano, observou-se a descrição de contingências relacionadas ao Governo enquanto agência de controle, evidenciando a necessidade de interação dos agentes públicos nas diferentes instâncias que compõem o governo, uma vez que as prescrições comportamentais relacionadas tratam de diversos atores como, por exemplo, o Ministério Público e o Poder Judiciário (juízes). É importante destacar que nessas contingências, relacionadas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, as consequências não recaem direta e isoladamente sobre os promotores e juízes que iniciam e/ou julgam a ações públicas, mas sobre o governo e a sociedade como um todo, uma vez que as consequências estão relacionadas à obtenção no longo prazo do desenvolvimento igualitário do contexto urbano, garantindo as funções sociais da cidade.

Descrição e Análise da PNMU

Como destacado anteriormente, a elaboração da PNMU objetiva, dentre outras ações, definir uma série de diretrizes para auxiliar as políticas de desenvolvimento e mobilidade urbana em todo o país. Para isso, há na lei uma série de contingências que tratam da integração e cooperação entre as gestões federal, estadual e municipal, atuando conjunta e colaborativamente para a obtenção de resultados que contemplem as finalidades da lei.

Nesse sentido, foram identificadas prescrições à União compreendendo a atuação nos contextos em que houver solicitações de auxílios referentes a projetos e propostas de mobilidade urbana de estados e municípios. As ações nesses contextos se referem à prestação de assistência técnica e financeira às solicitações dos entes federados, bem como o estabelecimento de critérios e indicadores para o acesso aos recursos, objetivando aprimorar os sistemas de mobilidade urbana em todo o território nacional. Além destas, também foram identificadas prescrições relacionadas ao Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, cabendo à União colaborar ("organizar" e "disponibilizar informações") para o seu desenvolvimento.

Ainda sobre o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, foram identificadas prescrições a Estados e Municípios quanto à prestação de serviços e implantação de sistemas de transporte, de modo a produzir consequências associadas à obtenção de sistema que favoreça o deslocamento tanto dentro do território municipal quanto entre diferentes municípios. Para a descrição das ações dos representantes dos entes federados, o texto da lei faz uso de termos como "prestar", "incentivar", "organizar" e "capacitar", sem mencionar especificações quanto às atividades que pontualmente corresponderiam a essas ações ou métodos para mensurar e avaliar se as práticas dos agentes públicos estão em conformidade com a prescrição.

Especificamente aos municípios, a PNMU apresenta prescrições relacionadas à elaboração e implantação do Plano de Mobilidade Urbana, tratado como o instrumento básico de efetivação das diretrizes nacionais de mobilidade urbana no território municipal. As prescrições estabelecem condições e prazos para a incorporação do Plano de Mobilidade nos planos diretores municipais, cabendo aos agentes públicos estabelecerem adaptações em seus respectivos planos diretores, garantindo que a diretrizes sejam agregadas às leis municipais. No que se refere aos prazos definidos pela lei, o não cumprimento acarretará consequências para a gestão municipal, ficando ela impedida de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana até que atenda às exigências da lei.

Outras prescrições identificadas no documento estão relacionadas à transparência dos atos públicos, ou seja, associadas à necessidade de que os entes federais informem sobre suas ações e as tornem públicas para toda a sociedade. Essa ação deve ocorrer por meio da elaboração dos projetos de planos plurianuais e da lei de diretrizes orçamentárias, nas quais seriam destacadas ações e instrumentos de apoio voltados à mobilidade urbana.

Descrição e Análise do Plano Diretor de Bauru

Com relação ao plano diretor de Bauru, após a primeira leitura optou-se por excluir da análise alguns dos Títulos e Capítulos do documento por: 1) conterem descrições genéricas quanto à abrangência da lei; 2) tratarem de especificidades organizacionais do município que poderiam resultar em limitações para a generalização ou no estabelecimento de relações com os outros documentos analisados (Estatuto da Cidade e PNMU). Desse modo, o Capítulo II do Título III, o Título IV e o Título V, foram excluídos por tratarem de descrições amplas sobre o ordenamento territorial e políticas setoriais do município. Também foram excluídos os artigos que se referiam apenas ao contexto de zoneamento rural.

Como abordado anteriormente, a Constituição Federal trata do plano diretor como o instrumento básico das políticas de planejamento e desenvolvimento municipal constantes do Estatuto da Cidade. Na análise do plano diretor, foi observada uma série de prescrições relacionadas ao uso de instrumentos específicos da política urbana e que, se e quando efetivamente implementados, garantiriam o desenvolvimento ideal do território municipal. No que diz respeito especificamente à mobilidade urbana, foram identificadas contingências relacionadas ao Plano Diretor de Transporte e Mobilidade (PDTM), que consiste em planejamento que tem, dentre outros, o objetivo de promover a integração de diversos instrumentos da política urbana associados à mobilidade no território municipal. De tal modo, o plano diretor trata da regularização dos instrumentos descritos no Estatuto da Cidade.

Com relação a esses instrumentos, foram observadas prescrições tanto aos agentes públicos quanto aos munícipes, sendo descritos os contextos e consequências de sua execução. Em geral, nos documentos essas prescrições aparecem dispostas em contingências que tratam da utilização adequada do espaço e da propriedade urbana, de modo a garantir que no longo prazo se tenha acesso a consequências como o estabelecimento das funções sociais da cidade. Também se observou que muitas das prescrições, sobretudo aos agentes públicos, são dispostas no sentido de evitar consequências potencialmente prejudiciais ao espaço urbano, como a subutilização de imóveis. Nessas contingências foram observados entrelaçamentos envolvendo munícipes e agentes do governo, como pode ser observado na Figura 1, em que são ilustrados os entrelaçamentos entre os comportamentos dos agentes públicos e de proprietários de imóveis considerados subutilizados, de maneira que as respostas tanto de agentes públicos, como de munícipes, se intercalam tendo função de contexto antecedente e consequente em diferentes contingências.

Especificamente no município de Bauru, o plano diretor apresenta descrições relacionadas ao Instituto de Planejamento e Desenvolvimento de Bauru (IPDB), que consiste em órgão responsável por prestar consultoria à administração municipal acerca da gestão e desenvolvimento urbano, bem como acompanhar sua evolução por meio de estudos e pesquisas. Acerca do IPDB, as prescrições aos agentes públicas apresentadas no plano diretor são no sentido de definir em lei específica a composição, forma de constituição e regras de funcionamento do Instituto, criando estrutura que permitirá acesso ao monitoramento e avaliação do desenvolvimento municipal a médio e longo prazo, auxiliando no processo de revisão e atualização do plano diretor.

 


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Discussão

Com relação a aspectos típicos do processo de arranjo das contingências, resultante da coleta e análise dos dados, nos três documentos foi possível constatar que o texto da lei não explicita de forma clara e precisa os termos que compõem as contingências. Essa constatação pode ser notada em diversas contingências analisadas, situação na qual, para a composição de uma única contingência, foram utilizados diversos artigos, dispostos em diferentes trechos do texto da lei. Por exemplo, uma determinada resposta pode estar descrita em uma seção específica da lei, enquanto que os contextos em que deveria ocorrer são apresentados em um artigo específico, e as consequências que mantêm a resposta são necessariamente apesentados em outros artigos e seções.

Também foi observado que um mesmo contexto antecedente pode ser comum a mais do que uma resposta, assim como uma mesma consequência pode ser produzida por respostas diferentes. Esses dados são similares aos achados de outros autores (Cabral, 2007; Prudêncio, 2006; Todorov et al., 2004) que também tiveram como foco a análise de documentos legais a partir de uma interpretação analítico-comportamental. Cabe destacar: uma das possíveis explicações para essas características pode estar associada ao fato de a lei possuir uma estrutura específica, sendo delineada conforme as diretrizes da Lei Complementar n. 95/98. Além disso, os documentos são redigidos a partir de uma linguagem jurídica própria; assim, não há a preocupação em redigir os artigos expondo claramente as contingências neles implícitas, dentro de uma linguagem relacional facilmente compreensível pelo cidadão leigo. No entanto, entende-se pelo exposto neste estudo que explicitar as contingências, bem como a disposição de seus termos, poderia auxiliar na compreensão, pelo leitor, quanto às prescrições da lei, resultando em fator facilitador quanto à sua aplicação.

Sobre os contextos antecedentes específicos das contingências de cada documento, observou-se no Estatuto da Cidade que em algumas contingências não há a apresentação da condição específica em que uma dada resposta deveria ocorrer. Porém, no caso da PNMU e do plano diretor percebeu-se uma maior especificidade quanto à descrição dos contextos. Isso sugere que, para tratar de uma temática específica como é o caso da política urbana, tomar como base apenas um documento sem considerar outras leis que tratem de assuntos relacionados a esse mesmo tema, pode gerar prejuízos quanto à compreensão e execução das prescrições da lei, pois poderia haver questionamento quanto aos contextos em que as disposições legais deveriam ser executadas.

Entende-se, dessa observação e do conteúdo da lei em sua totalidade, que o Estatuto da Cidade constitui-se como documento amplo, versando sobre diversos temas relacionados ao planejamento urbano dos entes federados; sendo assim, apresenta apenas disposições e diretrizes gerais quanto ao contexto de execução da lei. Nesse sentido, o Estatuto difere da PNMU, cujo objeto diz respeito, basicamente, às questões referentes à mobilidade urbana, de modo a desenvolvê-la de forma igual em todo o território nacional. O mesmo argumento pode ser associado ao plano diretor, no qual é disposta uma série de instrumentos referentes à política urbana e às condições em que estes devem ser aplicados no município.

Quanto a isso, o posicionamento de Todorov et al. (2004) é de que ao não especificar o contexto antecedente da contingência, a lei permite interpretar que a execução da resposta por ela descrita deve ocorrer em qualquer contexto de que a lei trate. Então, por esse posicionamento, no caso das contingências que versam sobre as atribuições dos entes federados no Estatuto da Cidade, ao dar uma delimitação ampla do contexto antecedente, como a "política urbana", parece plausível esperar que a ocorrência das respostas deva se dar em quaisquer contextos que envolvam política urbana, o que pode gerar uma dificuldade adicional para o cidadão no sentido de identificar em que condições determinado comportamento resultará em determinada consequência.

Também foi possível identificar nas três leis a descrição de consequências gerais da implementação de suas diretrizes, bem como consequências específicas relacionadas a determinadas respostas dos atores envolvidos na política urbana. Em sua totalidade, essas consequências gerais estão relacionadas, conforme descrito nas leis, a efeitos em longo prazo, associados às melhorias no desenvolvimento urbano e, consequentemente, na qualidade de vida da população. Destaca-se que apesar de mencionar a melhoria na qualidade de vida da população, as leis não expressam em detalhes o que se compreende como tal.

O modo como essas consequências gerais e de longo prazo são descritas permite ao leitor compreender que serão alcançadas apenas quando da execução de todas as diretrizes previstas pela lei. Ou seja, por exemplo, o "bem-estar da população", mencionado no plano diretor de Bauru, só será alcançado quando do seguimento de todas as prescrições comportamentais da lei, tanto por agentes públicos como por munícipes, configurando-se, nesse contexto, como uma eventual consequência bastante distante de comportamentos com ela compatíveis. E, além disso, para o acesso a essas consequências é necessário que ocorra o seguimento das prescrições dos três documentos, uma vez que são evidentes as relações de determinação e dependência entre eles, dado que o plano diretor de qualquer munícipio é elaborado com base em direcionamentos do Estatuto da Cidade, e dado que a PNMU, por sua vez, estabelece normas que alteram a composição de planos diretores a partir de novas diretrizes. Assim, é possível observar que as três leis consistem em um sistema integrado (mas, nem por isso, sempre claro e compreensível para o munícipe), que possibilitaria o acesso em longo prazo às consequências por elas delimitadas e que compreendem o desenvolvimento urbano e melhoria na qualidade de vida da população.

Quanto a essa integração entre as leis, Todorov et al. (2004), corroborados por Carvalho (2013), destacam a importância de se utilizar outras legislações que tratam de um mesmo assunto para complementar as contingências de uma lei, ampliando suas descrições. Assim, pela visão dos autores, diferentes documentos de lei que tratem de temas em comum podem fornecer contingências sobre um determinado assunto ou servir de contexto para as contingências estabelecidas por outra lei.

Analisando conjuntamente as contingências identificadas nos três documentos, foi observado que uma determinada contingência pode se configurar como contexto antecedente para respostas previstas em outras contingências, assim como o contexto antecedente e as consequências das contingências de uma lei podem estar associados às descrições de outras leis. Essa relação fica evidente, por exemplo, quando se comparam as contingências do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor de Bauru, especialmente quando tratam dos instrumentos da política urbana. Essa relação entre os dois documentos de lei pode ser exemplificada na ilustração apresentada na Figura 2, na qual são expostas três contingências (duas do Estatuto da Cidade e uma do plano diretor) que tratam das operações urbanas consorciadas, enquanto instrumento da política urbana para promoção de transformações urbanísticas.

Outro aspecto comum à redação dos três documentos analisados é o uso de termos gerais para descrever as respostas esperadas dos agentes públicos. No texto das leis são utilizadas expressões como "avaliar", "capacitar", "fomentar", "prestar assistência", "incentivar", dentre outros, que objetivam descrever as respostas esperadas dos atores da política urbana em uma determinada situação. Destaca-se que o uso desses termos poderia acarretar duas potenciais dificuldades quanto à execução da lei: a primeira associada à compreensão da prescrição comportamental e a segunda relacionada à avaliação e controle das práticas decorrentes da lei.

Quanto à compreensão da prescrição comportamental, o uso desses termos pode gerar empecilhos quanto à total execução da lei, não ficando clara a exata descrição do que compreende, por exemplo, uma ação de "prestar assistência financeira". Assessorar financeiramente pode compreender uma série de ações, como doações, empréstimos, financiamentos, dentre outras ações, que não estão especificadas no texto da lei. Dessa problematização decorre a segunda potencial dificuldade quanto ao uso de termos gerais, qual seja, a mensuração e avaliação das respostas prescritas. Nos três documentos é possível observar prescrições relacionadas à avaliação da execução da lei, por meio de contingências que determinam, por exemplo, que os governantes tornem públicos seus atos, porém ao não se apresentar a definição clara das ações esperadas, as leis possibilitam margem para ampla interpretação do que deve ser executado, gerando dificuldades no processo de avaliação e de controle quanto ao cumprimento das ações prescritas.

 


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Um ponto que parece fundamental ao se analisar uma lei é compreender como e em que medida suas prescrições exercem controle sobre o comportamento dos envolvidos. Como exposto, a descrição clara e objetiva das respostas e contextos consiste em condição indispensável para a efetiva execução da lei, porém os resultados deste estudo sugerem que essa condição, por si só, não garante que as leis venham a ser adequadamente aplicadas. Para essa afirmação, podem-se tomar como referências as contingências do plano diretor de Bauru que tratam da elaboração e implantação do IPDB. Nessas contingências há a presença de descrições relativamente claras quanto às diretrizes e princípios que nortearão a elaboração desse aparato por parte do poder público municipal, bem como as condições e prazos para sua criação. Também são descritas consequências reforçadoras de longo prazo associadas ao desenvolvimento do IPDB, tais como a melhoria na qualidade de vida da população municipal, na medida em que contemplaria garantias de acessibilidade urbana, equidade no uso do espaço público e monitoramento e avaliação contínua quanto à organização do ambiente urbano.

Diante disso, observa-se que a lei descreve consequências potencialmente benéficas para a população do município como um todo, tanto aos munícipes, no que faz referência às questões diárias de mobilidade urbana, quanto aos governantes que, em tese, ocupam essa função em representação aos interesses coletivos da população. Porém, mesmo que as contingências identificadas na lei descrevam respostas e suas consequências, observou-se que o prazo para a implantação do IPDB expirou sem que o poder público se "comportasse" conforme prescrito na lei (Batra, 2013). Isso evidencia que pode não haver exata correspondência entre as respostas descritas nas contingências e aquelas efetivamente executadas, ou seja, nota-se que a lei, em si, não estabeleceu controle sobre o comportamento dos agentes públicos.

Relacionado a isso, objetivando investigar o controle que uma lei estabelece sobre as práticas de seus executores, Prudêncio (2006) promoveu uma avaliação do controle exercido pelo ECA sobre as práticas jurídicas dos agentes públicos em processos de infração de adolescentes no Distrito Federal. Os resultados indicam que o ECA não é efetivo no estabelecimento de controle sobre os comportamentos dos agentes públicos, principalmente no que se refere ao cumprimento dos prazos estabelecidos e na apuração dos atos infracionais. Além disso, a autora concluiu que esses agentes se comportam sob controle de outras variáveis ambientais, tendo suas práticas jurídicas baseadas em outros códigos de lei. Diante disso, a recomendação da autora é no sentido que se analisem os comportamentos de cada agente, e que se criem leis complementares que descrevam de forma específica as prescrições a esses agentes, estabelecendo maior controle sobre seus comportamentos e conduzindo-os ao cumprimento das diretrizes legais.

Nesse sentido, a PNMU pode ser entendida como uma lei complementar que visa estabelecer novas práticas dos agentes públicos envolvidos com a política urbana, estabelecendo prazos e consequências contingentes às prescrições da lei. Com relação aos planos diretores de transportes e mobilidade, a PNMU passa a descrever novas contingências relacionadas à sua elaboração, indicando prazos para sua inserção nos planos diretores municipais e consequências quando da não inserção.

Um elemento comum observado tanto no Estatuto da Cidade como na PNMU, é a descrição de consequências punitivas aos agentes públicos quando da emissão de determinadas respostas; em geral, trata-se de consequências que vão desde a restrição de acesso a recursos federais até as previstas na Lei n. 8.429 (1992), que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos de improbidade administrativa e de enriquecimento ilícito. As sanções descritas na lei compreendem disposições penais que envolvem a aplicação de multas, detenção, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

Devido à posição que ocupam na administração pública, esses agentes poderiam atuar buscando o benefício próprio, em detrimento dos interesses coletivos daqueles que oportunamente os elegeram (Dittrich, 2008; Lamal & Greenspoon, 1992; Skinner, 1971/1973). Entende-se que ao estabelecer a lei que trata da improbidade administrativa, objetiva-se conduzir a atuação dos agentes públicos em "observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos" (Lei n. 8.429, 1992, art. 4º). Esses princípios compreendem a atuação da administração pública, personificada por seus agentes representantes, em prol do bem coletivo e não de eventuais ganhos e vantagens individuais a partir do uso de sua posição enquanto governante.

Um determinado agente público, como um prefeito, deputado ou senador pode pautar a gestão de seu governo em ações voltadas a redução de certos problemas sociais, como o déficit habitacional, promovendo a criação e execução de leis que estabeleçam a ocupação de imóveis subutilizados ou a usucapião de áreas já ocupadas. Porém, esses mesmos agentes podem atuar impedindo que determinadas áreas sejam alvo de ocupação, em razão de essas pertencerem a um determinado grupo econômico que mantém relações com o mesmo grupo partidário ou político que financiou a campanha que o elegeu. Nessa situação, legislar em prol da ocupação das áreas subutilizadas ou usucapidas poderia promover benefício a um grande número de pessoas em longo prazo, porém em curto prazo poderia resultar em consequências imediatas sobre este governante, como a perda do financiamento de campanha fornecido por esse grupo econômico que poderia desistir de apoiar esse governante.

O uso de dispositivos legais que tratem do poder de governar em benefício próprio se mostra como condição indispensável no contexto dessas leis. Como afirma Abib (2001), a seleção filogenética resultou em uma suscetibilidade às consequências imediatas em relação às de longo prazo, devido ao seu valor de sobrevivência. Nas palavras de Skinner (1953/2003) "é fácil para um legislador, ou para o planejador da cultura, usar qualquer poder disponível para obter certos efeitos imediatos. É muito mais difícil usar poder para conseguir certas consequências finais." (p. 482). Além disso, nesses casos estão relacionadas implicações ético-morais (Abib, 2001; Dittrich, 2004) e que são mantidas por outras variáveis, merecendo uma análise pormenorizada em estudos futuros.

Essa sistemática, que envolve as variáveis que controlam o comportamento dos governantes, pode ser observada no estudo conduzido por Lamal e Greenspoon (1992), em que esses pesquisadores analisaram determinadas práticas culturais dos membros do congresso dos Estados Unidos da América. Segundo os autores, a reeleição consiste em consequência relevante para a maior parte dos comportamentos dos congressistas, ou seja, se comportam sob controle de obter uma futura reeleição. O comportamento desses congressistas, de votar ou propor determinadas leis, é controlado por interesses de grupos específicos, como os comitês de ação política e lobistas, responsáveis pela captação e distribuição de financiamento de campanha. Assim, os congressistas acabam por votar de acordo com os interesses desses grupos, mesmo que possam eventualmente resultar em consequências prejudiciais para a população em longo prazo. O voto ou proposição de leis em favor desses grupos se dá em razão de promover apoio e retorno financeiro imediato para a campanha eleitoral, garantindo que seus custos sejam cobertos. Ademais, ao obter verbas de campanhas, esses congressistas podem investir no custeio de propaganda eleitoral, através da mídia, destacando eventuais pontos positivos de sua gestão junto à população, objetivando atrair votos destes.

Sobre a descrição de consequências aversivas e uso da punição em contextos sociais, Critchfield (2014) analisou estudos que utilizavam jogos para simular situações de cooperação entre diferentes sujeitos e discutiu que a inserção de punição nesses casos funcionou como elemento essencial para manter os indivíduos atuando cooperativamente. Essa concepção foi demonstrada por Fehr e Gächter (2002), em estudo de situações experimentais de cooperação em grupos e identificaram um tipo de "punição altruística". Na situação experimental, os autores observaram que quando um indivíduo estava livre da punição, ele promovia escolhas que retornavam um maior ganho para si, mesmo que representasse prejuízo aos demais participantes. Já nas situações que envolviam o uso da punição, os indivíduos tendiam a punir seus pares, evitando atitudes egoístas e a busca por benefícios próprios que geravam prejuízos aos demais membros do grupo; a escolha pela punição ocorria mesmo que seu uso resultasse em prejuízos para o próprio indivíduo – o que os autores denominaram de "punição altruística". Desse modo, parece pertinente considerar que o uso da punição pode ser uma ferramenta interessante para manter os indivíduos se comportando de forma a obter maiores ganhos para o grupo como um todo. Assim, caberia em estudos futuros avaliar na legislação se as contingências que envolvem punição se relacionam às situações que possibilitam um maior benefício para o grupo.

Em linhas gerais, as leis objeto deste estudo têm como objetivo dispor contingências que controlem tanto o comportamento de governantes (agentes públicos) como o de governados (munícipes). Apesar de algumas dessas contingências descreverem consequências punitivas a determinados comportamentos, essas leis não devem ser entendidas como instrumentos coercitivos, visto que em suma são instrumentos que descrevem e objetivam consequências reforçadoras contingentes à execução de suas diretrizes.

Como mencionado, antes mesmo da Constituição Federal de 1988, o plano diretor já era utilizado com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento dos munícipios, porém não resguardava articulação com as demais leis e políticas públicas de desenvolvimento urbano (Ministério das Cidades, 2004; Rolnik, 2009). Com a publicação da Constituição passou a ser considerado como "o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana" (art. 182), porém ainda consistiu em medida incipiente quanto a seu conteúdo e contextos de aplicação, uma vez que estes só foram delineados e descritos a partir da entrada em vigor do Estatuto da Cidade que passa a descrever novas contingências relacionadas à política de desenvolvimento urbano.

Os resultados deste estudo demonstram que o Estatuto da Cidade descreve uma série de contingências, sobretudo aos governantes, direcionando-os à elaboração e implementação do plano diretor nos municípios. Essas contingências constituem-se de regras de conduta que em geral descrevem consequências em longo prazo relacionadas à execução da lei como um todo e, em menor escala, são descritas consequências em curto prazo sendo estas, sobretudo, contingentes ao uso dos instrumentos da política urbana. Nota-se também a descrição de que dentre as consequências relacionadas ao uso dos instrumentos da política urbana, também são dispostas consequências contingentes ao não cumprimento das prescrições estabelecidas pela lei, comumente, quando dos atos dos agentes públicos produzirem dano ou perda à população.

 

Considerações Finais

Os resultados deste estudo contribuem para sublinhar a importância de que para a apropriada compreensão de determinadas políticas, faz-se necessário considerar diferentes leis que tratam de um mesmo tema sob diferentes ângulos. Como demonstrado, o plano diretor de Bauru, por exemplo, embora apresente disposições quanto ao ordenamento e instrumentos de aplicação da política urbana no município, carece de contingências que prescrevam consequências aos governantes no sentido de estabelecer meios de controle sobre suas ações. Já o Estatuto da Cidade dispõe de uma série de contingências que tratam das situações em que, eventualmente, os governantes não se comportem conforme as disposições da lei. Inclusive as consequências previstas nesses casos se relacionam a outras leis, tais como a Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos em casos de improbidade administrativa e de enriquecimento ilícito.

Quanto à importância do Estatuto da Cidade em controlar o comportamento dos agentes públicos, conclui-se que consistiu de importante instrumento no sentido de descrever contingências relacionadas ao uso dos instrumentos da política urbana que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, eram utilizados de modo não coordenado entre os diferentes entes federados (Ministério das Cidades, 2004; Rolnik, 2009).

Sobre o plano diretor de Bauru, cabe a estudos futuros analisar leis municipais específicas e outras políticas públicas do munícipio, de modo a identificar se este foi efetivo em estabelecer controle sobre o comportamento dos agentes públicos. Os resultados aqui discutidos sugerem que o plano diretor não constituiu variável determinante em estabelecer controle sobre o comportamento dos agentes públicos, principalmente com relação ao cumprimento dos prazos estabelecidos pela lei, visto que não houve a constituição do IPDB nos prazos descritos pela lei. Acredita-se que uma das variáveis associadas a isso é a ausência de contingências relacionadas ao não cumprimento das prescrições da lei.

A PNMU se mostra como importante instrumento no sentido de alterar algumas das práticas culturais vigentes, relacionadas à mobilidade urbana e também no estabelecimento de controle sobre os comportamentos dos agentes públicos. Ao programar novas contingências, principalmente as relacionadas ao plano diretor de transportes e mobilidade, a PNMU objetiva direcionar o comportamento dos agentes públicos no sentido de promover a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da mobilidade urbana no município, além de também promover a inserção desse e outros instrumentos no plano diretor municipal, promovendo maior integração entre as leis. Sugere-se que estudos futuros avaliem se as contingências estabelecidas pela PNMU foram responsáveis pela mudança das práticas em vigor, observando os comportamentos dos vários agentes envolvidos e descrevendo as relações comportamentais entre às prescrições da lei e aquelas ações efetivamente realizadas, bem como as variáveis associadas.

Acerca das variáveis que controlam o comportamento dos governantes quando da elaboração das leis, é importante considerar que do momento em que um projeto de lei é elaborado e colocado em pauta para votação, até aquele em que é publicado como lei, ele sofreu uma cadeia de modificações em que itens foram vetados e/ou outros adicionados. Considerando variáveis como, por exemplo, um sistema político multipartidário como o brasileiro, constituído por diversos partidos que se pautam em diferentes ideologias e pressupostos, é de se esperar que o congressista, ao propor uma lei, o faça baseado nos posicionamentos de seu grupo político. Justifica-se então que em estudos futuros se avalie uma determinada lei desde o ponto em que era apenas um projeto até a sua execução como tal, objetivando descrever quais variáveis controlaram o comportamento dos legisladores durante sua ela boração e quais variáveis controlam a sua execução, quando se constitui como lei.

Por fim, considera-se que este estudo evidencia as contribuições plausíveis da Análise do Comportamento para o planejamento e formulação de leis e políticas públicas, auxiliando para que o planejamento e desenvolvimento urbano dos municípios ocorra de maneira equânime. Cabe destacar que este não encerra – tampouco essa foi a pretensão dos autores – todas as possibilidades de análise referentes à relação entre a legislação e o comportamento humano, entendidos em seu sentido mais amplo. Porém, parecem auspiciosas a possibilidade de novas incursões na análise de dimensões comportamentais e planejamento urbano em busca de alternativas de gestão para uma sociedade mais justa e solidária.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Luiz Antonio Lourencetti

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" Laboratório de Aprendizagem, Desenvolvimento e Saúde – Departamento de Psicologia – Faculdade de Ciências.
Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01
CEP 17.033-360
Bauru, SP
Email: luizlourencetti@gmail.com

Submetido em: 01/08/2016
Primeira decisão editorial: 20/12/2016
Aceito em: 29/05/2017
Editor Associado: Candido V. B. B. Pessôa

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