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Acta Comportamentalia

versão impressa ISSN 0188-8145

Acta comport. vol.18 no.1 Guadalajara  2010

 

ARTÍCULOS

 

Características dos componentes da classe geral denominada comportamento criativo identificadas a partir da literatura da Análise do Comportamento

 

Characteristics of the components of the general class denominated creative behaviour identified upon the Behaviour Analysis literature

 

 

Eduardo José de Souza; Olga Mitsue Kubo1

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Investigar o fenômeno "criatividade" a partir da noção de comportamento traz como exigência identificar as características dos componentes da classe geral comportamento criativo. Foram examinadas 20 fontes de informação sobre comportamento criativo na literatura da Análise do Comportamento. O procedimento consistiu em destacar trechos das obras que definiam ou caracterizavam esse comportamento. Os destaques foram organizados segundo categorias referentes a características da classe de estímulos antecedentes, características da classe de respostas e características da classe de estímulos conseqüentes. Como característica da classe de estímulos antecedentes, é possível afirmar que esta se constitui por estímulos "novos", cuja relação de controle é "sutil". A classe de respostas do comportamento criativo é caracterizada por respostas infreqüentes, não emitidas anteriormente. As respostas são denominadas por verbos como "variar", "manipular", "associar", "combinar" e "criar elos". A classe de estímulos conseqüentes é caracterizada pela utilidade da resposta. Termos como "novo" e "sutil", são vagos, portanto, insuficientes para se referir ao comportamento criativo de modo mais preciso. Estudos sobre variabilidade comportamental se mostram relevantes para compreender o comportamento criativo sendo que os verbos encontrados para se referir à classe de resposta denotam variação da resposta. A utilidade da resposta é provavelmente uma característica definidora do comportamento criativo.

Palavras-chave: análise do comportamento, comportamento criativo, análise comportamental da criatividade, criatividade, noção de comportamento.


ABSTRACT

A lot of knowledge has already been produced concerning to what is called "creativity". On the perspective of the Behavior Analysis, "creativity " has been considered as a behavior, being this understood as a system of relationships that establishes among on what the organism does and its environment. To investigate the phenomenon "creativity" starting from a notion of behavior, it thus requires identifying the characteristics of each component of the general class denominated creative behavior. On such terms, 20 sources of information referring to the creative behavior in general have been selected, the creative behavior related to the behavior of solving problems or verbal behavior. The procedure utilized was consisted upon: (1) reading the information sources, (2) extraction of passages that referred to the definition of creative behavior, creativity, new behavior, or characteristics as originality, ineditism and infrequency, (3) organization of the detached extracts according to the characteristics of each component of the behavior: characteristics of the antecedent stimuli class, characteristics of the responses class and characteristics of the consequent stimuli class, and (4) extract groupings in a same category according to the similarity of the behavioral process in which the extract have been referring to. With such proceedings it was possible to explicit characteristics of the general class denominated creative behavior. As characteristic of the antecedent stimuli class, it is possible to affirm that this category is constituted by "new stimuli", whose relationship of control is subtle. The responses class of the creative behavior is characterized by infrequent responses, not emitted by others until then. The detected responses are denominated through verbs as "to vary", "to manipulate", "to associate", "to combine" and "to create links of connection not so common". The consequent stimuli class is characterized by the need in which the response or its products are to be useful, according to some criteria, to the individual or to the society. Such terms as "new" and "subtle" are used to refer to the creative behavior, however, they are vague terms and they do not specify any peculiar property of the stimulus that establishes a relationship with a responses class directly, and thus, insufficient to refer to the creative behavior with more precision and clarity. From the examined works, categories were elaborated in which verbs as "to vary", "to manipulate", "to associate", "to combine" and "to create links of connection not so common"; these verbs denote variation in the response and, consequently, indicate the relevance of the study of the behavioral variability for the understanding of the creative behavior. The usefulness of the response was the utmost consistent aspect in the exam of the selected works, the usefulness of the response or of its products is most probably a defining characteristic of the general creative behavior class. Starting from the characterization of the general creative behavior class, it is possible to plan with more precision the teachings of such behaviors class and thus to increase the creative dimension of the behaviors.

Key words: analysis of the behaviour, creative behaviour, creative behavior analysis, creativity, notion of behavior.


 

 

Criatividade é uma característica socialmente valorizada. É costumeira a afirmação de que é preciso incentivá-la nos mais diversos âmbitos, das artes à ciência. Comportar-se de forma criativa pode contribuir para a solução de diversos problemas que a sociedade enfrenta, da degradação dos recursos naturais à violência. No entanto, o que se sabe a respeito do que é denominado criatividade? Promover criatividade pode depender dessa resposta.

Diversas descobertas a respeito do fenômeno criatividade foram realizadas por distintas perspectivas de estudo, cada uma delas enfatizando diferentes aspectos deste complexo fenômeno, e utilizando muitas vezes uma linguagem específica para se referir a esses aspectos. Segundo Joly (2001) a partir dos anos de 1950, nos Estados Unidos, a criatividade passou a ser estudada de forma sistemática. Alencar (1993) afirma que as pesquisas sobre criatividade têm investigado principalmente "traços de personalidade" e habilidades cognitivas responsáveis pelo aparecimento de produtos criativos. MacKinnon (1965, 1967, 1975) citado por Alencar (1993), identificou "traços de personalidade" característicos de pessoas consideradas criativas tais como: intuição, flexibilidade cognitiva, persistência, pensamento independente, espontaneidade, maior abertura às experiências etc. Guilford (1967a, 1967b) citado por Alencar (1993), identificou algumas habilidades cognitivas que contribuem para o pensamento criativo como: fluência, flexibilidade, originalidade, elaboração, redefinição e sensibilidade para problemas. Os termos utilizados pelos autores citados (Guilford, 1967a, 1967b; MacKinnon, 1965, 1967, 1975) em Alencar (1993), quando se referem a características de pessoas criativas, foram transcritos como os respectivos autores os apresentaram.

Alencar (1998), com base nas habilidades cognitivas propostas por Guilford (1967, 1979), propôs atividades e exercícios para promover a criatividade, principalmente no contexto escolar. A autora possui extensa publicação acerca da criatividade e sua relação com a educação, enfatizando a possibilidade de favorecer o surgimento de produtos criativos, desmistificando a noção da criatividade como um dom, um talento. A partir da década de 1970, pesquisas sobre criatividade passaram a investigar, além das características relacionadas à personalidade e habilidades cognitivas, as características sociais, históricas e culturais que influenciam o surgimento de produtos criativos (Alencar & Fleith, 2003). Nessa perspectiva as variáveis ambientais são consideradas, ainda que de forma genérica, e os autores geralmente se referem a elas por meio de termos como: influência social, motivação extrínseca e contexto sócio-cultural.

Desde a década de 1950, quando pesquisas passaram a ser realizadas de forma sistemática, algumas características do fenômeno "criatividade" foram identificadas por meio de diferentes procedimentos e foram utilizados diferentes conceitos para se referir a esse fenômeno (Alencar, 1993). Há algumas exigências para a utilização de termos ao se referir a fenômenos no âmbito da Ciência, entre as quais: referência a aspectos passíveis de verificação, objetividade e precisão. Nem todos os termos que se referem ao fenômeno "criatividade" são adequados para o propósito da produção de conhecimento científico.

Para investigar o fenômeno criatividade é necessário que seja feita uma análise conceitual de tal fenômeno. Por meio deste exame, é possível constatar que as concepções acerca da criatividade, tanto do senso comum como das diferentes perspectivas psicológicas em geral, evidenciam uma confusão epistemológica que dificulta seu estudo. No senso comum, criatividade é considerada um talento ou dom que determinadas pessoas possuem, ela é transformada em algo interno responsável pelos atos criativos, ou seja, possui um status causal ou de explicação de ações, sendo a compreensão desse fenômeno cercada de mistério (Barbosa, 2003; Hunziker, 2006; Marr, 2003). Na literatura psicológica em geral, criatividade é freqüentemente considerada como um "traço de personalidade" ou decorrente de habilidades cognitivas (Alencar, 1993). De acordo com essas concepções, a compreensão do fenômeno não é menos misteriosa que a do senso comum, a natureza do fenômeno também é relegada ao interior das pessoas por meio de expressões que se referem a conceitos como personalidade, inconsciente e conceitos correlatos que também possuem o status causal e de explicação de ações (Carpio, 1999; Marr, 2003).

Há decorrências que derivam das formas de se conceber o fenômeno da criatividade como uma entidade dotada de propriedades explicativas do comportamento. O caráter de entidade interna atribuída à criatividade na literatura psicológica em geral, faz com que se negligenciem as condições ambientais que favorecem ações criativas. Por exemplo, o papel que pais e educadores podem exercer ao arranjar as condições ambientais de forma que sejam propícias a essas ações ocorrerem (Barbosa, 2003). Além de a criatividade ser transformada em uma entidade, como salientado por Barbosa (2003), ela é dotada de propriedades causais e de explicação das ações criativas, fazendo com que a entidade "criatividade" seja considerada apenas a indicação ou indício de ações criativas, e não como um legítimo objeto de estudo (Carpio, 1999). Desse modo, a concepção da criatividade como uma entidade interna, dificulta a identificação de relações funcionais entre o organismo que age criativamente e o ambiente em que este realiza a ação dita criativa.

Pseudoexplicações a respeito do comportamento são amplamente difundidas por meio de práticas verbais, estas constituem dificultadores para a compreensão do comportamento entendido como relações funcionais que um organismo estabelece com seu meio. A Lógica é um ramo da Filosofia que possibilita avaliar a validade de argumentos e dessa forma, identificar falsos argumentos denominados falácias. Segundo Copi (1974) e Navega (2005), falácias são raciocínios que aparentemente estão corretos, mas que se examinados com cuidado se mostram falsos e que induzem ao erro. Uma falácia muito comum ao se tratar de criatividade é a falácia nominal ou circular. Afirmar que um indivíduo age criativamente porque é criativo e é criativo porque age criativamente, é um raciocínio que "caminha" em círculos, pois utiliza o próprio nome do evento para explicá-lo (Hunziker, 2006, Nelson, 2006). Há diversos tipos de falácias, não é objetivo explorá-las em minúcia, mas sim enfatizar que explicações sobre a criatividade, e sobre diversos fenômenos psicológicos, podem estar sustentadas por premissas que compõem argumentos inválidos, sendo necessário identificá-los para tornar possível a explicitação das condições ambientais relacionadas às ações criativas.

A utilização de termos vagos também consiste em dificultador para a investigação do fenômeno criatividade. De acordo com Marr (2003), uma das maiores dificuldades ao se empreender o estudo da criatividade é definir os termos adequados a tal análise. Skinner (1959/1975) afirma que pelo fato de a linguagem vernacular ser vaga e imprecisa, assim como a linguagem utilizada pela Psicologia, que é repleta de termos de origem antiga e não científica, o adequado é operacionalizar tais termos. Por operacionalizar, entende-se a identificação das relações entre aspectos do ambiente e o que um organismo faz neste ambiente quando se utiliza os termos em questão. No caso da criatividade, quando se diz que uma pessoa age criativamente é necessário questionar: Quais são os aspectos do ambiente que antecederam uma ação dita criativa? Que tipo de ação realiza uma pessoa que age criativamente? Quais são as características dessa ação? Quais são os aspectos do ambiente que sucedem tal ação criativa? Essas questões auxiliam a caracterizar com mais precisão o que constitui o fenômeno a ser investigado, exigência indispensável ao se empreender uma investigação científica. De acordo com Junior (1999) a atitude operacional proposta por Skinner (1959/1975), consiste em um procedimento que permite um vocabulário descritivo consistente com uma ciência empírica do comportamento.

A reificação é um fenômeno lingüístico que consiste na transformação de processos em coisas, como a própria etimologia da palavra sugere, reificar significa "fazer coisa" (Robinson, 2003). Esse fenômeno lingüístico também dificulta a identificação das relações que um organismo estabelece com o meio, pois, quando alguém opera sobre o ambiente e cria algo com características que se denomina criativa, a tendência é dizer que isto é criatividade, um substantivo, uma "coisa". Assim, não há mais preocupação em explicar algo que um organismo faz e se nomeia com verbos, mas sim algo que é criado e é nomeado com um substantivo, a "criatividade" (Robinson, 2003; Woodworth & Marquis, 1975).

Sendo assim, explicações sobre criatividade e diversos fenômenos psicológicos se sustentam em práticas verbais inconsistentes como argumentos falsos, reificação, utilização de termos vagos e imprecisos que dificultam a descoberta das relações funcionais entre o que o organismo faz e o ambiente no qual ele faz. Identificadas algumas das práticas verbais que sustentam pseudoexplicações do comportamento, a proposta operacional indicada por Skinner (1959/1975) é uma alternativa plausível para uma definição mais apropriada dos termos utilizados em uma ciência do comportamento.

 

1. DA CRIATIVIDADE AO COMPORTAMENTO CRIATIVO: PERSPECTIVA DA ANÁLISE EXPERIMENTAL DO COMPORTAMENTO SOBRE O COMPORTAMENTO CRIATIVO

Práticas verbais inapropriadas configuram empecilho para o estudo da criatividade, portanto é necessário referir-se ao fenômeno com termos apropriados. De acordo com Botomé & Kubo (2005), para se referir àquilo que as pessoas fazem é possível utilizar expressões variadas, como substantivos, verbos e até mesmo adjetivos. Contudo, a utilização de verbos para se referir ao que as pessoas fazem evita transformar aquilo que estas fazem, em entidades explicativas do próprio comportamento (Woodworth & Marquis, 1975). Sendo assim, o termo mais adequado para se referir ao fenômeno comumente denominado "criatividade" é: "comporta-se criativamente". Coerentemente com essa proposição, diversos autores têm enfatizado a "criatividade" como comportamento (Barbosa, 2003; Cautilli, 2004; Hunziker, 2006; Lacasella, 2004; Skinner, 1968/1972, 1953/1974, 1974/1982; Vollet, 1974).

Ao examinar o comportamento criativo, Skinner (1974/1982) enfatizou a importância dos processos de variação e seleção ao fazer uma analogia entre evolução das espécies por meio da mutação genética e o processo criativo em que também ocorreriam "mutações", referindo-se à variação, submetida posteriormente à ação seletiva das contingências de reforço. Skinner ainda salientou a possibilidade de ensino do comportamento criativo por meio da programação de condições que aumentem a probabilidade de emissão de respostas originais (Bandini & de Rose, 2006; Skinner, 1968/1972).

Os resultados das pesquisas sobre variabilidade comportamental têm permitido destacar sua relevância para a compreensão do comportamento criativo e tem possibilitado refutar a proposição de que o reforçamento favorece a estereotipia de resposta, comprovando a natureza operante da variabilidade comportamental (Grunow & Neuringer, 2002; Neuringer, 2002, 2004). Hunziker (2006) destaca que a diversidade de características comportamentais que definem a criatividade exige um exame que envolve análises separadas dessas características. A variabilidade comportamental, segundo a autora, é uma dessas características. Os resultados de pesquisas que investigam variabilidade comportamental trazem implicações importantes, por exemplo, para a possibilidade de ensino do comportamento criativo via reforçamento da variabilidade.

Há outras áreas de estudo promissoras para a compreensão do comportamento criativo, além de pesquisas sobre variabilidade comportamental, com destaque para estudos das relações de equivalência de estímulos e a interconexão espontânea de repertórios. O conjunto de pesquisas, do qual Epstein é o principal pesquisador, tem produzido resultados relevantes para a compreensão do comportamento criativo ao investigar o que foi chamado de interconexão espontânea de repertórios. De acordo com Delage e Neto (2006), Epstein elaborou uma teoria comportamental para o fenômeno "criatividade". As pesquisas sobre relações de equivalência, como indicado por Sidman (1994), também contribuem para a compreensão do comportamento criativo. De acordo com o autor, o estabelecimento de relações de equivalência de estímulos propicia a apresentação de comportamentos não ensinados explicitamente, ou seja, comportamentos "novos", análogo ao que se denomina "criatividade". Há a possibilidade inclusive de, a partir de um conjunto especificado de circunstâncias, prever o surgimento de atos criativos (Sidman, 1994).

Referir-se à criatividade como comportamento possibilitou um avanço na compreensão de relações específicas que se estabelecem entre um organismo e seu meio, e que caracterizam o comportamento criativo. Dentre os pesquisadores que estudam diferentes aspectos das relações que constituem o comportamento criativo, são destacadas investigações de processos de variação comportamental, interconexão espontânea de repertórios e relações de equivalência de estímulos. Desse modo, fica mais difícil considerar criatividade como uma entidade e é destacado o comportamento como fenômeno nuclear na caracterização do fenômeno "criatividade".

Noção de comportamento como conceito nuclear para o estudo do comportamento criativo

Considerar "criatividade" como comportamento implica por sua vez a necessidade de explicitar a noção de comportamento. É comum a noção de que comportamento é aquilo que um organismo faz e pode ser observado. No entanto, o conceito de comportamento evoluiu rapidamente desde as primeiras proposições apresentadas por Skinner (1938, 1969/1984, 1953/1974). Botomé (2001) examinou a evolução da noção de comportamento e as contribuições de diversos autores, apresentando essa noção como a relação que se estabelece entre o que o organismo faz e o ambiente em que o faz. Ou seja, o comportamento não é constituído apenas pela ação do organismo, mas também pela situação do ambiente anterior e posterior a esta ação (Botomé, 2001; Skinner, 1969/1984).

A Figura 1 apresenta os três componentes do comportamento, as setas representam as possíveis relações entre esses componentes quando um organismo realiza uma ação. É necessário salientar que as setas presentes na Figura 1 representam apenas as possíveis relações que podem se estabelecer entre os três componentes do comportamento, não representando a relação temporal entre os três componentes, pois as alterações produzidas por uma resposta particular alteram a probabilidade de ocorrência de respostas dessa classe no futuro, e não da própria resposta que produziu as alterações no ambiente, como já foi explicitado por Skinner (1953/1974, 1957/1978). Haja vista a noção de comportamento, como a relação entre o que o organismo faz e o meio em que o faz, criatividade é um comportamento, ou ao menos se refere a características do comportamento; um organismo se relaciona de determinada forma com seu meio e suas ações ou produtos de suas ações são denominados criativos. Investigar o fenômeno "criatividade" a partir da noção de comportamento traz como exigência identificar as características de cada componente que compõe a classe denominada comportamento criativo.

 

 

Identificar as características de cada componente que constitui o comportamento criativo permitirá aumentar a visibilidade do que constitui tal comportamento, e dessa forma lidar mais eficazmente com as relações que os organismos estabelecem com o ambiente por meio desse comportamento. É possível, por exemplo, planejar condições de ensino para o comportamento criativo de forma aumentar a dimensão criativa de comportamentos como o de resolver problemas, comportamento verbal e os comportamentos constituintes de competências profissionais e dessa forma aumentar a probabilidade de que esses comportamentos sejam mais eficazes, e de menor custo para quem se comporta revertendo em produtos úteis para a sociedade. Sendo assim, fica demonstrada a relevância de investigar as características da classe geral do comportamento criativo.

 

MÉTODO

Foram examinadas 20 fontes bibliográficas, entre artigos e livros sobre o comportamento criativo em geral, e em específico o comportamento criativo "verbal" e comportamento criativo "solucionador de problemas". Dessas fontes, foram extraídos trechos que se referiam à definição de comportamento criativo ou a características desse comportamento, como originalidade, ineditismo e infreqüência. Na Tabela 1 está presente a relação de artigos que tiveram trechos selecionados e a Tabela 2 permite observar a relação de livros examinados.

Fontes de informação

 

 

 

 

Procedimento

De escolha das fontes de informação:

Foram utilizados os seguintes critérios de escolha das fontes de informação:

a Presença dos termos "comportamento criativo" ou "criatividade" no título da fonte de forma a aumentar a probabilidade de que o assunto principal da obra se referisse a aspectos do comportamento criativo.

b) Fontes de informação que foram obtidas integralmente.

c) Fontes em que foi possível identificar aspectos relacionados a quaisquer dos três componentes do comportamento.

d) Obras que foram citadas como referência das fontes de informação selecionadas de acordo com os critérios anteriores, como por exemplo, Neuringer (2002) e Skinner (1953/1974).

De coleta de dados:

Primeira etapa: Consistiu na leitura das fontes de informação e na identificação dos trechos do material que se referiam a:

(1) definições de comportamento criativo, ou definições de expressões sinônimas (originalidade, criatividade, comportamento novo, etc). Por exemplo: "Originalidade é o comportamento pouco freqüente dentro de condições existentes. Para ser original o comportamento deve ser controlado por um estímulo particular";

(2) características do comportamento criativo. Por exemplo: "Quando porém, um padrão de manipulação é pela primeira vez aplicado a um caso particular, resultando em algo de novo e útil, pode-se considerá-lo como resposta original".

Segunda etapa: Os destaques feitos na primeira etapa foram organizados de acordo com os componentes da definição de comportamento: Características da classe de estímulos antecedentes, Características da classe de respostas e Características da classe de estímulos conseqüentes, dependendo do tipo de informação que constituíam os trechos selecionados. Por exemplo: Do destaque "Originalidade é o comportamento pouco freqüente dentro de condições existentes. Para ser original o comportamento deve ser controlado por um estímulo particular", o trecho "Originalidade é o comportamento pouco freqüente dentro de condições existentes" foi classificado como pertencente à característica da classe de respostas e o trecho "Para ser original o comportamento deve ser controlado por um estímulo particular", foi classificado como pertencente a características da classe de estímulos antecedentes.

Terceira etapa: Os destaques da segunda etapa, organizados segundo a noção de comportamento, foram agrupados em categorias, de acordo com a similaridade dos processos aos quais as expressões se referiam e de acordo com cada componente do comportamento. Por exemplo, o trecho "A originalidade consiste essencialmente na emissão do comportamento sob uma nova configuração, (...)." e o trecho "(...) quanto mais amplo e variado for o repertório de respostas aprendidas pelo indivíduo, tanto maior a possibilidade de, diante de uma nova situação ou de um problema, emitir uma resposta ou cadeia de respostas novas ou originais, (...)." ambos pertencentes à classe de estímulos antecedentes foram agrupados em uma única categoria denominada "Situação nova para o organismo", pois ambos os trechos se referem a uma condição similar que aumenta a probabilidade de respostas originais ou novas.

 

RESULTADOS

Nas Tabelas de 3 a 7 estão apresentados os trechos selecionados da literatura da Análise do Comportamento que se referem ou definem comportamento criativo, organizados por categorias de aspectos relacionados a cada um dos três componentes do comportamento criativo: classe de estímulos antecedentes (Tabelas 3 e 4), classe de respostas (Tabelas 5 e 6) e classe de estímulos conseqüentes (Tabela 7). Na Tabela 8 estão apresentadas as características dos três componentes que compõem a classe geral denominada comportamento criativo identificadas a partir do exame das obras selecionadas.

 

 

Na Tabela 3 estão apresentados trechos selecionados de obras da literatura da Análise do Comportamento que caracterizam aspectos da classe de estímulos antecedentes da classe geral denominada comportamento criativo. Nesses trechos estão sublinhados os termos que indicam os aspectos considerados para a classificação nas respectivas categorias. O exame da Tabela 3 possibilita identificar seis trechos classificados na categoria "Situação nova para o organismo", destacados de diferentes obras. Dentre esses seis trechos, quatro são de obras distintas de B. F. Skinner, das quais duas são citações indiretas. Os anos de publicação dos trechos incluídos nessa categoria variam entre 1957 e 1974, considerando o ano da primeira publicação e das citações indiretas.

 

 

 

Na Tabela 4 estão apresentadas três categorias relacionadas à classe de estímulos antecedentes da classe geral comportamento criativo. As categorias "controle por estímulo particular" e "controle por combinação de estímulos" foram formuladas a partir de um mesmo trecho de Staats (1964) citado por Vollet (1964), onde há a afirmação, por meio das palavras "estímulo particular" e "combinação de estímulos", de duas possibilidades quanto ao controle de estímulos presente em comportamentos criativos. A categoria "controle sutil de múltiplas variáveis" foi elaborada considerando três trechos de diferentes obras. Esses trechos se referem ao controle de estímulo pelas expressões "controle sutil", "less stimulus control" e "tight stimulus control".

 

 

 

 

Na Tabela 5 estão apresentados trechos selecionados das obras examinadas que caracterizam aspectos da classe de respostas da classe geral comportamento criativo. Quando expressões caracterizavam respostas sob a forma de substantivos ("verbos substantivados"), a expressão foi adaptada para a forma de verbo, explicitando o processo ao qual se refere, pois de acordo com Skinner (1953/1974), é mais adequado descrevermos os comportamentos com verbos que especificam a ação. A categoria "Emitir respostas únicas, novas ou incomuns" diz respeito a cinco trechos em que as palavras "únicas", "incomuns", "novel" e "unusual" se referem às características que uma resposta deve apresentar para que possa ser considerada criativa. Os cinco trechos são extratos de três obras distintas, contudo ao considerar as citações indiretas, quatro são os autores que afirmam estas características. A afirmação presente no trecho de Staats (1964) citado por Vollet (1974) de que as respostas envolvidas no comportamento criativo são aquelas não emitidas por outros até então, foi sintetizada na categoria "Emitir respostas não empreendidas por outros até então". Os trechos da categoria "Combinar elementos de maneira nova" apresentam as palavras "combinação de elementos". Essas expressões foram adaptadas para a forma de verbo para indicar a categoria ("combinar"). Há nesta categoria, no trecho selecionado da obra de Joly (2001), a expressão "cadeia de respostas verbais", referindo-se aos elementos a serem combinados. A categoria "Manipular variáveis que não seguem uma forma rígida" foi composta por dois trechos em que se afirma que a manipulação do ambiente pode resultar em produtos criativos. Os dois trechos dessa categoria foram extraídos da mesma obra, Skinner (1953/1974).

 

 

 

Na Tabela 6 estão apresentadas quatro categorias relacionadas às características da classe de respostas. A categoria "Criar elos de ligação pouco comuns entre aspectos do ambiente" possui apenas um trecho em que uma pessoa criativa é caracterizada como aquela que é "capaz de criar elos de ligação" incomuns entre aspectos do ambiente. A categoria "Associar elementos não freqüentemente associados" sintetiza a definição de comportamento criativo dada por Mednick (1962) citado por Joly (2001) em que a "associação de elementos" incomuns pode resultar em respostas criativas. Em dois trechos examinados há a afirmação de que a combinação de respostas aprendidas anteriormente pode fazer surgir comportamentos criativos. Esses trechos deram origem a categoria "Combinar respostas conhecidas". A categoria "Variar a resposta" foi formulada a partir de seis trechos em que as seguintes expressões estão relacionadas à criatividade: "variabilidade comportamental", "variation", "operant variation" e "random variations".

 

 

Na Tabela 7 estão apresentados trechos selecionados que caracterizam aspectos da classe de estímulos conseqüentes da classe geral comportamento criativo. A categoria "Utilidade do produto da resposta" foi elaborada a partir de três trechos. Nesses trechos está presente a palavra "útil" relacionada ao comportamento criativo. Todos os trechos desta categoria foram retirados da obra de Vollet (1974), em que ele cita Skinner (1953/1967), Ray (1967) e Mednick (1962). A categoria "Utilidade do produto da resposta para o indivíduo e a sociedade" foi formada por trechos que afirmam a necessidade da utilidade da resposta criativa, assim como a categoria anterior. Contudo, essa categoria apresenta expressões que especificam a utilidade, sendo que o comportamento criativo deve ser útil "tanto para o indivíduo quanto para sua comunidade". O exame das obras permitiu identificar trechos que especificam critérios para caracterizar um comportamento como criativo, além de sua utilidade. As seguintes expressões estão presentes nestes trechos: "critérios sócio-culturais", artísticos ("artistic") e científicos ("scientific"). Esses trechos deram origem à categoria "Utilidade do produto da resposta ou que atenda critérios específicos".

 

 

Na Tabela 8 estão presentes todas as categorias, criadas a partir dos trechos extraídos das obras examinadas, organizadas de acordo com os componentes do comportamento. A partir dessa organização é possível explicitar as características da classe geral denominada comportamento criativo. Como característica da classe de estímulos antecedentes, é possível afirmar que esta se constitui por estímulos "novos", cuja relação de controle é sutil, sendo estabelecida por um estímulo particular ou por uma combinação de estímulos. A classe de respostas do comportamento criativo é caracterizada por respostas infreqüentes, não emitidas por outros até então. As respostas encontradas são denominadas por meio de verbos como variar, manipular, associar e combinar. A classe de estímulos conseqüentes é caracterizada pela necessidade de que a resposta seja útil, segundo algum critério, para o indivíduo ou a sociedade.

 

DISCUSÃO

Selecionar trechos de obras da Análise do Comportamento sobre comportamento criativo e organizá-los segundo a definição de comportamento (Botomé, 2001; Skinner, 1969/1984), possibilitou não só identificar aspectos relevantes que caracterizam esse comportamento, como também explicitar propriedades que aparecem com menos freqüência na literatura como definidoras do comportamento criativo e avaliar a adequação de termos usualmente utilizados para se referir ao comportamento criativo.

A categoria "Situação nova para o organismo" indicada na Tabela 3 possui seis trechos destacados, desses seis trechos, quatro foram retirados de diferentes obras de B. F. Skinner. O autor em diferentes períodos, nas obras de 1957, 1968 e 1974, afirma um mesmo aspecto ilustrado pelos destaques: "diante de uma nova situação ou de um problema"; "mutações ambientais"; "situações às quais uma pessoa não foi anteriormente exposta" e "novo ambiente", respectivamente. Essa recorrência muito provavelmente indica a relevância do aspecto destacado nos trechos e classificados na citada categoria.

De acordo com Keller e Schoenfeld (1950/1971) um estímulo é basicamente "uma parte, ou a modificação de uma parte, do meio" (p.17). O ambiente é, portanto, fundamentalmente composto por estímulos, podendo ser descrito em termos deste último. Assim, no que se refere a abrangência das categorias apresentadas na Tabela 3, é possível notar que a categoria "Situação nova para o organismo" é mais abrangente que a categoria "Estímulo novo ou incerto para o organismo". Na primeira categoria, os trechos indicam de forma genérica que uma situação nova se configura, sem especificar que alterações ocorrem no ambiente para que este seja considerado uma situação nova. A segunda categoria especifica que um estímulo novo configura uma situação nova para o organismo. Sendo assim, apesar de abrangências diferentes, as duas categorias se referem à mesma característica da classe de estímulos antecedentes do comportamento criativo, que é a de ser composta por estímulos novos.

Segundo Keller e Schoenfeld (1950/1971), a definição de "estímulo" implica necessariamente na existência de uma resposta. Sendo assim, ao se referir a estímulos, está se referindo a uma relação estabelecida pelo organismo entre um estímulo e uma resposta. Ao qualificar um estímulo como "novo" se está qualificando uma relação que o organismo estabelece entre estímulo de uma classe e resposta de uma classe. Sendo assim, é preciso avaliar a adequação do adjetivo "novo" para qualificar um estímulo. O termo "novo" não faz referência direta a nenhuma propriedade particular do estímulo que estabelece relação com uma classe de respostas. Um estímulo "novo" poderia ser considerado um estímulo composto por uma propriedade que não possui relação bem estabelecida com nenhuma resposta de uma classe em particular. Dessa forma, há necessidade de especificar a que propriedade do estímulo se refere o termo "novo" ao designar um estímulo que aumenta a probabilidade de respostas criativas.

Na Tabela 4, as três categorias presentes se referem ao controle de estímulos do comportamento criativo. Nessa tabela, nos três trechos selecionados de obras de diferentes autores que compõem a categoria "controle sutil de múltiplas variáveis", há ênfase na característica do controle de estímulos de respostas criativas que é de ser "sutil" ou "fraco" por meio das expressões "tight stimulus control" e "less stimulus control". Está sendo considerado que um controle de estímulos "sutil" significa que os estímulos controladores não possuem uma relação bem estabelecida com uma classe de respostas, tal qual o exame feito em relação à utilização do termo estímulo "novo", embora os adjetivos "sutil" e "fraco" sejam mais especificadores do tipo de relação que existe, ou pode existir, entre um estímulo, ou propriedade do estímulo e respostas de um organismo.

Ainda na Tabela 4, a categoria "Controle por estímulo particular" foi elaborada a partir de trechos que indicam que o comportamento para ser considerado original deve ser controlado por um único estímulo, particular; e as categorias "Controle por combinação de estímulos" e "Controle sutil de múltiplas variáveis" foram elaboradas a partir de trechos que indicam que é possível que respostas potencialmente criativas possam ser controladas por múltiplos estímulos. Por meio dessas categorias é explicitada uma controvérsia presente na literatura sobre o controle de estímulos do comportamento criativo. Epstein (1980) citado por Barbosa (2003) afirma que a quantidade de variáveis que controlam a resposta não pode ser utilizada como critério para considerar uma resposta criativa. Dessa forma, dificilmente os aspectos que se referem à quantidade de estímulos que controlam a resposta presentes nas categorias "Controle por estímulo particular", "Controle por combinação de estímulos" e "Controle sutil de múltiplas variáveis" podem ser utilizadas como características definidoras da classe de estímulos antecedentes do comportamento criativo. O critério da quantidade de estímulos que controlam uma resposta, como característica que identifica respostas potencialmente criativas, é inviabilizado ainda pelo fato de que dificilmente uma resposta é controlada por um único estímulo e que estímulos e respostas não são considerados como unidades, mas como um conjunto de eventos que possuem uma propriedade em comum, denominados classe de estímulos e classe de respostas.

A categoria "Emitir respostas únicas, novas ou incomuns" do componente "classe de respostas" apresentada na Tabela 5 caracteriza uma resposta criativa por meio das palavras: "únicas", "incomuns", "novel" e "unusual". Esses termos são vagos, facilmente confundidos com seu uso no senso comum, portanto, inapropriados para caracterizar com precisão as propriedades que a identificam como uma resposta criativa. Se for considerado que os termos: "únicas", "incomuns", "novel" e "unusual", se referem à freqüência da resposta, então as respostas criativas poderiam ser aquelas que ocorrem com baixa freqüência. No entanto, não há indicações suficientes nos trechos das obras para sustentar tal afirmação.

Supondo que a característica da resposta criativa seja aquela cuja freqüência de ocorrência é baixa, tal característica pode estar relacionada ao controle de estímulos do comportamento criativo, que foi caracterizado por uma relação não bem estabelecida entre uma classe de estímulos e uma classe de respostas, a partir do exame dos dados apresentados na Tabela 4. O quão bem estabelecido é o controle de um estímulo sobre uma resposta de uma classe pode ser avaliado a partir da freqüência da resposta dessa classe. Um controle de estímulos bem estabelecido resulta em uma freqüência de resposta elevada, quando se trata de uma contingência de reforçamento positivo, e um controle de estímulos não bem estabelecido resulta muito provavelmente em baixa freqüência da resposta (Catania, 1998/1999; Keller & Schoenfeld, 1950/1971; Millenson, 1967/1975; Skinner, 1953/1974). A característica de controle de estímulos "sutil" facilita a ocorrência de respostas possivelmente criativas, no sentido de as respostas emitidas serem as de baixa probabilidade de ocorrência. Isso indica a possibilidade de que as categorias "controle sutil de múltiplas variáveis", presente na Tabela 4, e a categoria "Emitir respostas únicas, novas ou incomuns", presente na Tabela 5, possuam uma relação funcional. É importante salientar que nem todo comportamento que possua unicamente as características da classe de estímulos antecedentes identificadas até o momento será considerado criativo, dado que o critério para considerar um comportamento como criativo se refere também as relações operantes, entre a resposta e sua conseqüência.

A categoria "Emitir respostas não empreendidas por outros até então", também apresentada na Tabela 5, estabelece um referencial para avaliar a alta ou baixa freqüência de uma resposta para além do desempenho do próprio organismo, ou seja, mesmo uma resposta já bem estabelecida no repertório de um organismo e que se apresenta com freqüência relativamente alta, pode ser considerada criativa quando emitida na presença de outros organismos que não emitiram respostas semelhantes. Esse fato indica uma decorrência crucial no caso do comportamento criativo, de acordo com Hunziker (2006) e Skinner (1968/1972), ser criativo talvez seja melhor caracterizado em função de referenciais dados pela comunidade na qual a pessoa se comporta, mais do que por uma propriedade do comportamento. Apesar de criativo não ser propriedade do comportamento, é possível identificar as características dos comportamentos que são mais prontamente denominados "criativo" por uma comunidade verbal.

Admitir um referencial para avaliar a freqüência de uma resposta que não seja o desempenho do próprio organismo e que possui como decorrência o fato de que mesmo uma resposta já bem estabelecida no repertório de um organismo possa ser considerada criativa, aparentemente invalida, por exemplo, as características do controle de estímulos do comportamento criativo, caracterizado por uma relação não bem estabelecida entre uma classe de estímulos e uma classe respostas. No entanto, a característica do controle de estímulos do comportamento criativo fica preservada, já que tal característica aumenta a probabilidade de que uma resposta seja considerada criativa por uma comunidade verbal.

As categorias "Combinar elementos de maneira nova" e "Manipular variáveis que não seguem uma forma rígida", presentes na Tabela 5 e as categorias "Criar elos de ligação pouco comuns entre aspectos do ambiente", "Associar elementos não freqüentemente associados" e "Combinar respostas conhecidas", presentes na Tabela 6, apresentam verbos que especificam variação na resposta (combinar, manipular, criar elos e associar). Na Tabela 6 está presente a categoria "Variar resposta", elaborada a partir de seis trechos de cinco obras examinadas. Considerando o conjunto dessas categorias é possível afirmar que variabilidade comportamental tem um papel importante para a ocorrência do comportamento criativo. Isso indica a relevância do estudo da variabilidade comportamental para a compreensão e promoção do comportamento criativo.

A probabilidade de ocorrência de comportamentos criativos poderia ser aumentada, por exemplo, fortalecendo as respostas de variar, já que "variar" é uma característica da classe de respostas do comportamento criativo. Neuringer (2004), afirma que há autores que sustentam que o reforçamento prejudica a "criatividade" (Amabile, 1996 apud Neuringer, 2004). É necessário fazer algumas considerações acerca dessa afirmação. Diversos estudos comprovam que a variabilidade fica sob controle operante e que, portanto, o reforçamento aumenta os níveis de variabilidade (Grunow & Neuringer, 2002; Neuringer, 2002, 2004). No entanto, os níveis de variabilidade sofrem interferência da aproximação do recebimento do reforçador, como demonstrado por Neuringer (2004). Esse estudo demonstra que com a proximidade do reforçador, em esquemas de razão, os níveis de variabilidade diminuem. A partir desses resultados, Neuringer (2002, 2004) argumenta que a aparente contradição dos resultados quanto ao efeito prejudicial do reforçamento sobre a "criatividade", se deve a ênfase em aspectos distintos de um mesmo processo comportamental, ao aumento dos níveis de variabilidade em contingências que a requerem ou a diminuição nos níveis de variabilidade com a proximidade do reforçador em esquemas de razão. No entanto, mesmo havendo esta diminuição da variabilidade com a aproximação do reforçador, ela permanece acima dos níveis de variabilidade quando esta não é exigida.

Outro aspecto a ser considerado para avaliar a interferência da utilização de reforçamento sobre os níveis de variabilidade é a própria natureza do reforçador utilizado. Reforçadores naturais ou intrínsecos favorecem a variabilidade da topografia da resposta em nível mais elevado do que a utilização de reforçadores artificiais ou extrínsecos, que favorecem a estereotipia da resposta (Andery & Sério, 2004; Ferster, Culberston, & Perrot-Boren, 1968/1982). Desse modo, a utilização de reforçadores naturais, ao se ensinar comportamento criativo, por exemplo, é preferível à utilização de reforçadores artificiais. A utilização gradativa de reforçadores naturais é fundamental para que qualquer comportamento a ser ensinado se mantenha em seu ambiente natural, no caso do ensino do comportamento criativo a utilização de reforçadores é ainda mais crucial, pois facilita a variabilidade da resposta.

Os estudos sobre variabilidade são importantes ainda para auxiliar na elaboração de procedimentos para o ensino do comportamento criativo derivados dos procedimentos utilizados nos estudos sobre variabilidade comportamental. Um exemplo de procedimento, é denominado de Lag n, em que seqüências de n respostas em duas barras favorecem o fortalecimento não de respostas individuais, mas sim de relações (diferença) entre respostas caracterizadas por distinção segundo alguma propriedade da resposta (Hunziker & Moreno, 2000). O que reitera a afirmação de que variar é uma resposta passível de reforçamento e que, portanto pode ser aprendida.

As descobertas sobre a natureza operante da variabilidade podem possibilitar a proposição de programas de ensino de comportamentos criativos, sejam eles verbais, de resolução de problemas etc. Em tais programas a utilização de reforçadores naturais ou intrínsecos se mostra relevante. Procedimentos para estabelecer e manter reforçadores naturais estão descritos (Comunidad Los Horcones, 1992), e necessitam fazer parte de um programa de ensino do comportamento criativo, assim como o planejamento de procedimentos que facilitem o fortalecimento de relações entre respostas que se diferenciam segundo alguma propriedade da resposta.

Na Tabela 7 estão presentes três categorias que basicamente se referem a um mesmo aspecto, a utilidade do produto da resposta envolvida no comportamento criativo. Na categoria "Utilidade do produto da resposta para o indivíduo e a sociedade" está salientado que a utilidade não se restringe ao indivíduo, mas também para sua comunidade. E a categoria "Utilidade do produto da resposta ou que atenda critérios específicos" afirma que outros critérios podem ser considerados, como os critérios artísticos e científicos. Essa característica, do produto de respostas criativas, de ser útil para o indivíduo que se comporta, e para a sociedade na qual se insere, denota mais marcadamente a dimensão social do comportar-se criativamente. A utilidade foi o aspecto mais consistente no exame das obras selecionadas.

A respeito da consideração sobre a dimensão social do comportamento criativo é possível supor que o estudo desse objeto fuja da alçada da Análise do Comportamento, por se tratar de uma dimensão social e, portanto, objeto de sociólogos ou de antropólogos. No entanto, é possível argumentar que a "dimensão social" do comportamento criativo pode ser investigada a partir do exame do comportamento de quem denomina algo como criativo, sendo este um comportamento como qualquer outro, passível de análise (Skinner, 1953/1974, 1969/1975).

Na Tabela 8 estão apresentadas as categorias, elaboradas a partir dos trechos examinados, organizadas em cada componente que constitui a classe geral denominada comportamento criativo. O procedimento utilizado permitiu identificar, a partir da literatura da Análise do Comportamento, algumas características de cada componente do comportamento criativo. No entanto, a pertinência e relevância das características e dos elementos que constituem cada componente do comportamento, explicitados por meio da análise, necessitam ser verificadas. Botomé (2001) salienta a importância desta verificação, sendo uma exigência que evita que elementos e características constituam o comportamento sem que estabeleçam de fato uma relação funcional com qualquer outro elemento que constitui o comportamento de interesse. Desse modo, é necessário avaliar a existência de relação funcional entre as características identificadas a partir da literatura da Análise do Comportamento, e se essas características são relevantes para a caracterização do comportamento criativo.

Uma das formas de fazer a verificação da pertinência e relevância das características do comportamento criativo identificadas é por meio de um programa para ensinar comportamento criativo. Ao propor condições de ensino a partir das características identificadas da classe geral comportamento criativo é possível avaliar se estas alteram a probabilidade de ocorrência de comportamentos denominados criativos, demonstrando a existência, ou não, de relações funcionais entre as características identificadas, assim como a pertinência e relevância dessas características.

O exame da literatura por meio do procedimento utilizado permitiu caracterizar a classe de estímulos antecedentes do comportamento criativo como sendo composta por estímulos "novos", cujo controle de estímulo é "sutil". A classe de respostas é caracterizada por respostas "únicas", "novas", "incomuns" ou "respostas não emitidas por outros", aspecto que poderia se referir a freqüência da resposta, e por verbos que se referem à variação na respostas como "combinar", "manipular", "associar" e "criar elos de ligação". A classe de estímulos conseqüentes é caracterizada pela utilidade do produto da respostas para o indivíduo e para a sociedade, ou que atenda a algum critério específico, por exemplo, critérios artísticos. A identificação de tais características auxilia na proposição de programas de ensino de tal comportamento. A relevância do ensino do comportamento criativo se sustenta na exigência deste ser útil ao atender necessidades sociais. Além de ser necessário desenvolver condutas criativas para solucionar os problemas sociais já existentes, é preciso desenvolver condutas criativas para planejar formas mais eficazes de as pessoas se relacionarem com o mundo e que garantam um futuro de mais qualidade. O ensino do comportamento criativo provavelmente acarretará muitas exigências metodológicas, no entanto, uma clareza conceitual a respeito de tal comportamento auxiliará na superação desses problemas. Identificar as características do comportamento criativo é um pequeno, mas indispensável passo.

 

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Receveid: July 13, 2009
Accepted: October 23, 2009

 

 

1 Correspondência para: Olga Mitsue Kubo – Núcleo de Estudos em Análise e Síntese do Comportamento -Departamento de Psicologia – Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) – Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Trindade – Florianópolis / SC. CEP 88.040-970 - Brasil

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