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Acta Comportamentalia
versão impressa ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.20 no.2 Guadalajara 2012
ARTIGOS
Aquisição, manutenção e generalização de sequências verbais: Alguns contrapontos entre a Análise do Comportamento e Abordagens Cognitivistas1
Acquisition, maintenance, and generalization of verbal sequences: Some counterpoints between Behavior Analysis and cognitive approaches
Ana Carolina Sella*; Carmen Silvia Motta Bandini**
*University of Kansas (EUA)
**Universidade Estadual de Ciências da Saúde do Alagoas (Brasil)
RESUMO
Estudos de nosso grupo vêm focalizando a compreensão do comportamento verbal em relação à geratividade verbal, o comportamento de contar histórias e a transferência de funções ordinais por meio de classes de equivalência de estímulos. Nesta trajetória, a sequenciação de material verbal apresentou-se como uma característica do comportamento verbal comum a todos estes trabalhos. A busca por explicações dessa característica identificou a presença de muitas publicações cognitivistas, ao passo que as publicações da Análise do Comportamento são mais escassas, segmentadas e posicionadas sob diversos pontos de vista. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi apresentar uma revisão da explicação fornecida pela Análise do Comportamento para a aquisição, a manutenção e a generalização dos repertórios de seqüenciar material verbal, oferecendo alguns contrapontos em relação às explicações sugeridas por estudos cognitivistas, especialmente aquelas relativas ao comportamento de contar histórias. Foram analisados, além de alguns estudos cognitivistas, a proposição de taxonomia funcional dos operantes verbais de Skinner, o pareamento de estímulos de Stemmer, a imitação e o paradigma de equivalência de estímulos. Como resultado, este trabalho sistematizou parte do que tem sido publicado por analistas do comportamento oferecendo, ao leitor interessado no tema, um panorama geral do que tem sido feito na área.
Palavras-chave: comportamento verbal, Skinner, Stemmer, equivalência de estímulos, gramática, comportamentos de sequenciar, imitação, Análise do Comportamento, abordagens cognitivistas.
ABSTRACT
Our research group has been conducting studies that examine the comprehension of various aspects of verbal behavior such as verbal gerativity, storytelling behaviors, and the transfer of ordinal functions through equivalence classes. Throughout these studies, one feature of verbal behavior presented itself as a common and essential issue: verbal behavior sequencing/ordering. The search for explanations and ways to interpret this led to the realization that most studies dedicated to this matter come from the cognitive literature; while in Behavior Analysis, this issue is presented in a fragmented way and under different perspectives. In light of this, the purpose of this paper was to present a review of behavior analytic explanations of the acquisition, maintenance, and generalization of sequencing verbal behavior repertoires while identifying how this analysis can provide alternative explanations to the findings from cognitive studies, especially the ones dedicated to storytelling behaviors. The analysis showed that the body of literature produced by cognitive approaches is, in many aspects, in opposition to the one produced by Behavior Analysis. While the cognitive approach bases its explanations in "grammars" that indicate the cognitive syntactical structures that define both the sequence and what can and cannot be accepted in a language; the behavior analytic approach emphasizes experience, investigating relations between the organism and the environment, and more specifically to verbal behaviors: between the listener and the speaker. This paper systematized what has been published by behavior analysts, offering a general overview of the literature in the area. When presenting Skinner's explanation of sequencing verbal behavior, we indicate that this explanation is based on speakers' repertoires, on the search for variables that control the verbal operants, and on the reinforcing practices of the verbal community. Stemmer's explanation is focused on verbal behaviors that the child emits as a listener; he outlined the developmental history of the child's repertoire from listener to speaker. To describe the studies that used imitation, we discuss early studies that provided evidence of the importance of learning experiences in the development of language. To describe studies referring to stimulus equivalence, we present two approaches for the study of verbal behavior sequencing. In addition to the literature review of behavior analytic studies, we examine some conceptual differences between Behavior Analysis and cognitive approaches and provide explanations about these differences.
Keywords: behavior, Skinner, Stemmer, stimulus equivalence, grammar, sequencing behaviors, imitation, Behavior Analysis, cognitive approaches.
Uma das principais publicações sobre comportamento verbal na Análise do Comportamento foi o livro Verbal Behavior de B. F. Skinner, publicado em 1957. Apesar de ser uma publicação considerada pelo próprio autor como um exercício de interpretação de dados, por ser baseada em resultados de estudos com animais não humanos, o Verbal Behavior mudou o panorama do entendimento dos fenômenos verbais. Diferente das análises linguísticas e cognitivistas, Skinner procurou identificar as variáveis ambientais responsáveis pelo controle das respostas verbais e, com isso, trouxe a linguagem para o mesmo nível ontológico do comportamento não verbal. Contudo, conforme Sautter e Leblanc (2006) discutem, apesar de Verbal Behavior ser um marco conceitual na compreensão da linguagem na Análise do Comportamento, sua publicação não unificou o discurso dos estudiosos na área. Essas autoras investigaram as publicações realizadas acerca do comportamento verbal, relacionadas especificamente ao uso experimental dos operantes verbais, e verificaram que apesar de um crescente corpo de estudos vir ampliando os conceitos iniciais de Skinner, muitos dos trabalhos publicados sequer partem de tais conceitos. Desta forma, estas autoras evidenciaram que em muitos aspectos os analistas do comportamento seguem caminhos interpretativos diversos quando o assunto é comportamento verbal. Essa é uma característica bastante interessante, visto que a ciência se move principalmente pelas dúvidas e problemas gerados pelos mais diferentes pontos de vista. Contudo, por outro lado, essas divergências mostram que a Análise do Comportamento, apesar de carregar uma identidade científica, apresenta um corpo de trabalhos bastante segmentado nesta área e que muito ainda precisa ser feito para que o comportamento verbal possa ser, de fato, esclarecido.
Estudos de nosso grupo de pesquisa vêm se dedicando à compreensão de alguns aspectos do comportamento verbal tais como a geratividade verbal (Bandini, 2009; Bandini & de Rose, 2006; 2010), o comportamento de contar histórias (Bandini, Sella, & de Souza, 2006; Ribeiro, Pascualon, Sella, Bandini, & de Souza, 2010; Sella, Bandini, & de Souza, 2007) e a transferência de funções ordinais por meio de classes de equivalência de estímulos (Sella, 2009). Ao longo desta trajetória, uma característica do comportamento verbal apresentou-se como um tema comum a todos estes trabalhos, a saber, a característica de sequenciação de material verbal. Neste contexto, explicar como sequências verbais são produzidas e compreendidas se mostrou uma tarefa de grande importância para a compreensão dos referidos aspectos do comportamento verbal, pois: 1) grande parte do que é considerado produção de comportamento verbal novo, por exemplo, diz respeito à produção de textos literários e artísticos, os quais congregam a emissão de muitas respostas verbais em uma sequência específica que produz reações diversas (inclusive emocionais) na audiência; 2) a compreensão de instruções, músicas, relatos de eventos e de histórias depende de aspectos coesivos da fala e dos textos, ou seja, depende de que a produção, por parte do falante, aconteça em uma determinada ordem, considerada correta por aquela comunidade verbal e; 3) diferentes línguas possuem diferentes estruturas ordinais gramaticais, e, sendo assim, a aquisição de uma língua ou mesmo de novas línguas depende, em alguma medida, de que novas estruturas ordinais-gramaticais sejam incorporadas no repertório do falante-ouvinte.
Diante deste panorama e da necessidade de novas análises do comportamento verbal relatada por Sautter e LeBlanc (2006), o comportamento de sequenciar respostas verbais tem sido discutido em nossos trabalhos, com maior ou menor ênfase, e novas questões referentes à sua explicação têm surgido. Dentre as questões mais importantes, duas têm sido de especial relevância. A primeira delas diz respeito a se a Análise do Comportamento pode explicar como sequências de respostas verbais são aprendidas pelos falantes de uma língua. A segunda diz respeito à descoberta de quais os requisitos necessários para sua aprendizagem.
Tendo em vista essas duas questões, tem-se que a literatura cognitivista dedica uma ampla gama de material a explicações acerca do comportamento de sequenciar e seus pré-requisitos, principalmente na literatura dedicada ao comportamento de contar histórias como em Brandão e Spinillo (1998, 2001), Mandler e Goodman (1982), Mandler e Johnson (1977), Meirelles e Spinillo (2004), Spinillo e Pinto (1994), Spinillo, Rego, Lima e Souza (2000). Todavia, os estudos acerca da aquisição desses comportamentos dentro do escopo dessa literatura trazem descrições de procedimentos que dificilmente são replicáveis por pessoas que não estão diretamente ligadas aos estudos: costuma-se descrever os procedimentos parcialmente, faltando informações (ou estas são vagas) relativas à quantidade e ao tipo de treino utilizado (imitação, instruções orais, tipos de dicas visuais e/ou auditivas e/ou físicas), por exemplo. Já nas publicações realizadas por analistas do comportamento, os estudos que relatam os procedimentos de ensino para que esses comportamentos sejam adquiridos costumam prover o leitor com informações suficientes para que se possam realizar replicações dos mesmos. Contudo, as explicações acerca do comportamento de sequenciar e seus pré-requisitos, assim como no campo do comportamento verbal em geral, são feitas de forma segmentada e sob diversos pontos de vista, e dissipadas entre diversos jornais da área e, neste sentido, existe uma dificuldade razoável para que um leitor iniciante nessa área possa examinar os diferentes procedimentos que vêm sendo utilizados para estudar a sequenciação de material verbal, e os conceitos e princípios que são utilizados para explicar a aquisição e manutenção destes repertórios.
Diante deste contexto, o objetivo do presente artigo foi apresentar uma revisão das explicações fornecidas pela Análise do Comportamento para a aquisição, a manutenção e a generalização dos repertórios de sequenciar2 material verbal, analisando paralelamente pontos metodológicos e conceituais, mesmo que de forma breve, das explicações sugeridas pela literatura cognitivista, especialmente aquela acerca do comportamento de contar histórias.
Para a realização desta tarefa, primeiramente foi apresentado o enfoque cognitivista do comportamento de sequenciar material verbal dentro do contexto da narrativa de histórias. Essa tarefa visou mostrar os principais aspectos explicativos do estabelecimento e geratividade sugeridos por alguns estudiosos da área. Em seguida, foram descritas quatro formas de abordar o tema sob a perspectiva da Análise do Comportamento, relacionadas ao estudo do comportamento de sequenciar unidades verbais mínimas (como letras e palavras) e unidades verbais mais longas (como parágrafos e composições complexas), a saber: 1) a proposição de taxonomia funcional dos operantes verbais de Skinner (1957/1992); 2) o pareamento de estímulos de Stemmer (1973, 1987a, 1987b, 1990, 1996); 3) a imitação generalizada representada pelos estudos de Garcia, Guess e Byrnes (1973), Kymissis e Poulson (1990), Lutzker e Sherman (1974), Martin (1975) e Schumaker e Sherman (1970) e 4) o paradigma de equivalência de estímulos, que foi dividido a) no estudo da formação de classes de estímulos equivalentes seguida pela apresentação de tarefas de sequenciar (Lazar, 1977; Lazar & Kotlarchyk, 1986; Wulfert & Hayes, 1988, entre outros) e b) no estudo do ensino e teste de tarefas de sequenciar seguida do teste de emergência de classes de estímulos equivalentes (Green, Stromer, & Mackay, 1993; Stromer & Mackay, 1990, 1992, 1993; Stromer, Mackay, Cohen, & Stoddard, 1993).3 Ao final, foi discutido como cada uma dessas abordagens pode auxiliar o leitor na compreensão dos comportamentos de sequenciar material verbal, retomando-se brevemente as questões apresentadas tanto pela literatura cognitivista, como a literatura analítico-comportamental.
A VISÃO COGNITIVISTA PARA EXPLICAÇÃO DO COMPORTAMENTO DE SEQUENCIAR MATERIAL VERBAL
Antes de iniciarmos uma exposição sobre a visão cognitivista acerca do comportamento de sequenciar, fazse necessário que se compreenda o que se quer dizer, neste trabalho, com os termos "teoria cognitivista", "abordagens cognitivistas" ou "visão cognitivista". Isso porque um grande número de teorias denominadas "cognitivistas" não parte de pressupostos idênticos. Em alguns casos, inclusive, teorias que recebem essa mesma classificação chegam a ser contrárias umas as outras em alguns aspectos. Contudo, modelos cognitivistas de explicação são assim denominados porque têm alguns aspectos em comum. Um dos aspectos mais importantes, do ponto de vista do presente trabalho, é o fato de que as teorias cognitivistas afirmam que não se pode explicar o fenômeno da linguagem apenas dentro do campo da experiência. Argumenta-se que o número de frases emitidas e compreendidas por um dado falante excede, em muito, o número de frases diretamente aprendidas por ele ao longo de sua vida. Neste contexto, gramáticas foram criadas na esperança de que o comportamento linguístico pudesse ser explicado. Chomsky (2006), por exemplo, afirmou que o ser humano normal é dotado de um conjunto de regras inatas universais, que servem para todas as línguas existentes ou que possam vir a existir e que geram um infinito número de possibilidades de material linguístico. O papel principal do ambiente, para esse autor, seria o de selecionar as regras relativas à língua nativa do indivíduo, na medida em que este é exposto a uma língua particular. Assim, se uma criança nasce no Brasil, o fato de o português ser a língua nativa, faz com que seja selecionado um sistema de regras inatas, presentes na criança, de forma que ela possa aprender a falar e compreender o português e não o francês, por exemplo. Neste sentido, a ordem das sequências verbais emitidas seria definida dentro das regras desta gramática inata.
Em geral, gramáticas definidas nesses termos lidam com regras sintáticas que definem as estruturas linguísticas. Desta forma, regras sintáticas definem o que pode ser considerado gramaticalmente aceito ou não em uma língua. No caso do comportamento de contar histórias, ou seja, do comportamento de ordenar grandes quantidades de material verbal em uma construção com sentido, definir o que pode ser considerado como gramaticalmente aceito também é possível. Mandler e Johnson (1977) elaboraram uma Gramática de Histórias baseada em princípios muito semelhantes as demais gramáticas cognitivistas que pode ser definida, de forma breve, como um instrumento que indica a estrutura subjacente de uma história narrativa simples (em qualquer modalidade), ou seja, que fornece sua estrutura linguística e sua estrutura de organização/ordenação. Esta estrutura pode ser descrita, segundo estes autores, porque histórias narrativas de tradição oral, como fábulas, mitos, histórias folclóricas entre outras, possuem regularidade em sua forma, ou seja, possuem unidades constituintes regulares. Por exemplo, uma fábula é constituída por uma história e uma moral, segundo Mandler e Johnson (1977). Já uma história, de forma simples, é constituída por um ambiente, um tema, um começo, desenvolvimento, uma meta, uma ação ou um enredo, um resultado e o final da história. Estas unidades seriam analisadas pela Gramática de Histórias com o objetivo de descrever e definir as regularidades encontradas em histórias narrativas.
Com isso, pode-se concluir que em análises desse tipo, material verbal é ordenado por meio de regras estruturais bem definidas. Alguns autores da perspectiva cognitivista (Lins e Silva & Spinillo, 2000; Maranhe, 2004, entre outros) discutem que algumas variáveis podem resultar na modificação dos esquemas de regras e de representação acima descritos. Idade, nível sócio-econômico, experiência escolar e exposição a narrativas orais estão dentre o conjunto de variáveis que esses autores costumam ressaltar como possíveis influências no desenvolvimento da ordenação de material verbal. Contudo, conforme descrito por Cannizzaro e Coelho (2003), é necessário ressaltar que, apesar de indicarem essas variáveis como passíveis de influenciar a ordenação de material verbal, esses autores consideram que as regras estruturais que compõem qualquer forma de discurso – dentre estas a narrativa de histórias – não são modificáveis e que é justamente por esta razão que narrativas são escolhidas para o estudo de fenômenos linguísticos complexos: narrativas são um tipo de discurso formal e predizível que seguem um conjunto de regras baseadas na cognição, que são mensuráveis e estruturadas (Coelho, 2002; Liles, Duffy, Merritt, & Purcell, 1995; Mandler & Johnson, 1977; Stein & Glenn, 1979). Mais especificamente, segundo Liles (1985) narrativas são um "esqueleto cognitivo" o qual dá identidade a personagens e o qual permite a identificação de elementos relacionais e causais entre os componentes de uma história. Segundo esta perspectiva, tal "esqueleto" é constante em qualquer ordenação de material verbal denominado narrativa.
A VISÃO DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA EXPLICAÇÃO DO COMPORTAMENTO DE SEQUENCIAR
Diferente da visão cognitivista apresentada no tópico anterior - que enfatiza a "cognição" e estrutura como fundamentos da organização de material verbal - os conceitos e experimentos que se encontram dentro do escopo da Análise do Comportamento pretendem descrever, prever e controlar as variáveis responsáveis pela ordenação do comportamento verbal. A busca por tal descrição, previsão e controle não se dá por um olhar direcionado ao indivíduo e as suas estruturas cognitivas e sim, por um olhar direcionado à experiência do indivíduo, ou seja, a sua relação com seu ambiente e os produtos dela derivados. Os autores desta abordagem procuram investigar as variáveis das quais as respostas verbais podem ser função, procurando assim, uma forma de explicar não apenas respostas verbais, mas qualquer tipo de comportamento. Assim, como veremos a seguir, o uso de gramáticas, regras estruturais e representações mentais são dispensadas de qualquer análise e, variáveis como idade, sexo e nível de escolaridade são pouco relevantes se consideradas de forma isolada.
Skinner e os autoclíticos
De acordo com Bandini e de Rose (2006) e Bandini (2009), a explicação skinneriana para o comportamento de sequenciar fundamenta-se na análise operante do comportamento verbal. Definido por Skinner (1957/1992) como o comportamento que tem suas consequências mediadas pela ação de outro sujeito, sendo o comportamento de mediação deste outro condicionado pela comunidade verbal, o comportamento verbal pode ser considerado diferente do comportamento não verbal apenas por ser uma forma de comportamento que age indiretamente sobre o ambiente. Sendo assim, comportamento verbal e não verbal possuem a mesma natureza e, desta forma, explicar qualquer uma de suas características, inclusive a emissão, manutenção e generalização de comportamento sequencial, implica em compreender como as variáveis ambientais podem interferir no repertório verbal do indivíduo.
Em sua proposta de análise do comportamento verbal, Skinner (1957/1992) considerou algumas características essenciais: 1) quem emite a resposta é denominado falante e quem faz a mediação da consequência é denominado ouvinte4; 2) as respostas do ouvinte fazem parte de uma análise funcional do episódio verbal, mas como a ação de mediar o reforço pode ser não verbal, o foco recai sobre a análise do comportamento do falante; 3) para analisar o comportamento verbal, Skinner propôs uma subdivisão dos operantes verbais baseada nas contingências envolvidas na emissão desses comportamentos e 4) existe uma independência funcional entre os operantes verbais, o que significa que a aprendizagem de uma resposta funcionalmente definida de uma forma não implica na possibilidade de seu uso como outra. Em outras palavras, dentro da subdivisão dos operantes verbais proposta pelo autor, a aprendizagem de um destes operantes não garante a emissão de outro. Por exemplo, aprender a nomear a "professora" quando diante dela não significa que a criança possa emitir a resposta de chamar a "professora" quando precisar de alguma coisa.
Neste contexto, os operantes verbais foram definidos pelo autor de acordo com a relação entre a resposta, o ambiente antecedente a ela e as consequências que tal resposta gera no ambiente. Como principais operantes Skinner (1957/1992) definiu o mando, o comportamento ecóico, o comportamento textual, o comportamento intraverbal, o tacto e os autoclíticos. Com eles, o autor analisou a maior parte das características do comportamento verbal, explicando o comportamento de sequenciar material verbal ao discutir o comportamento autoclítico. Por este motivo, a análise do autoclítico se faz imprescindível.
Segundo Skinner (1957/1992), os autoclíticos são comportamentos que acompanham os outros operantes verbais. Eles modificam a ação do ouvinte a outro operante verbal e tornam o comportamento do falante mais efetivo. Tais comportamentos sugerem descrição, agrupamento, qualificação, quantificação ou relação entre respostas verbais. São, portanto, respostas como "se", "portanto", "que", etc. Assim, um autoclítico não existe de maneira isolada: sem acompanhar outro operante, o autoclítico é "sem significado" (Skinner, 1957/1992, p. 332). Por exemplo, diante de um prato de comida, um falante privado de comida poderia emitir o mando "Comida!" e ser atendido. Contudo, o ouvinte deve atendê-lo mais prontamente se a resposta for "Um prato de comida, por favor!" e não apenas o mando "Comida!". Assim, o autoclítico "por favor" permite que o reforço seja mediado pela ação do ouvinte de forma mais eficaz. Ao mesmo tempo, a simples resposta "Por favor!" poderia não resultar no prato de comida5.
Skinner (1957/1992) salientou que a manipulação autoclítica dos operantes verbais ocorre somente porque existem controles ambientais e práticas reforçadoras de comunidades verbais que determinam tal manipulação. Neste sentido, as funções autoclíticas podem existir em determinadas línguas, mas podem não existir em outras. Podem ser reforçadas em determinadas comunidades ou subgrupos sociais e não reforçadas em outros.
Isso indica que a explicação skinneriana da ordenação do comportamento verbal tem seu fundamento principal baseado na busca dos controles envolvidos na emissão da manipulação autoclítica e nas consequências que as respostas têm sobre os comportamentos dos membros da comunidade. Dito de outra forma, como em qualquer forma comportamental, a explicação skinneriana fundamenta-se na busca das variáveis que controlam os operantes verbais em questão e nas práticas reforçadoras que a comunidade verbal exibe.
Um ponto importante desta discussão, que pode ajudar na compreensão de como e porque uma determinada sequência é a sequência padrão de uma língua, está na compreensão do tamanho de uma unidade verbal. Na análise skinneriana do comportamento verbal, grandes expressões podem ser uma unidade de análise (como no caso de uma cadeia de respostas intraverbais) ou um simples "s" pode ser esta unidade. Isso acontece porque diferentes contingências de reforço geram diferentes tamanhos de unidade. Segundo Skinner (1957/1992), o que ocorre é que para a maior parte das comunidades verbais de que se têm notícias, o reforço durante a aquisição do comportamento verbal é contingente a unidades verbais cada vez maiores, ou seja, ao longo do tempo, respostas maiores são adquiridas pelo falante ao serem reforçadas pela comunidade verbal. Por exemplo, crianças que estão aprendendo a falar são reforçadas ao emitir o tacto "Bicicleta" quando diante do objeto. Contudo, ao longo do tempo, são expostas a respostas mais complexas e passam a emitir tais respostas. O reforço é apresentado para respostas mais longas e não mais para a simples resposta "Bicicleta!" (dependendo do contexto, respostas pouco complexas podem ser punidas, em casos comumente conhecidos como fala infantilizada, que é a fala incompatível com a idade da criança).
Outro ponto que merece ser salientado é que Skinner (1957/1992) analisou o comportamento de ordenar ou sequenciar procurando suas diferentes funções para falante e ouvinte em um episódio verbal. Nesta análise, o autor indicou algumas dessas funções. Uma delas diz respeito à característica temporal do comportamento verbal: unidades de comportamento constituídas de respostas de mesma topografia, quando emitidas ao longo do tempo, podem ter diferentes efeitos sobre o ouvinte. Por exemplo, a resposta "Fulano é um grande homem" tem um efeito sobre o ouvinte bastante diferente da resposta "Fulano é um homem grande". Em segundo lugar, Skinner considerou que a ordem pode indicar para o ouvinte a relevância dos estímulos controladores da resposta. A resposta "Ela é bonita, simpática, mas um pouco tímida" caracteriza a relevância das características da mulher descrita, em detrimento a uma característica menos interessante. Em terceiro lugar, Skinner considerou que ordem de uma resposta verbal pode ser fruto da própria ordem de apresentação dos estímulos controladores da resposta. No caso de uma associação livre, por exemplo, a ordem em que as respostas aparecem segue certamente a ordem em que cada resposta verbal se torna ocasião (estímulo discriminativo) para a emissão da próxima. Além disso, Skinner considerou que a ordem das respostas verbais pode ser fruto da força destas respostas no repertório de um indivíduo: respostas mais fortes tendem a ser emitidas primeiro e respostas mais fracas, tendem a ser emitidas depois.
Diante dessas diferentes funções citadas por Skinner (1957/1992), a explicação da ordenação autoclítica do comportamento verbal tem várias características importantes. Por exemplo, os tactos "Chocolate" e "bom" podem ser evocados diante do mesmo objeto em questão. Tais respostas podem ser emitidas separadamente, como em "Chocolate!", "Bom!", ou em conjunto "Chocolate bom!". Neste último caso, contudo, a resposta será útil apenas em situações específicas, como quando o chocolate for realmente bom. Assim, ocorre que uma dada sequência passa a ser reforçada em uma ocasião, e não reforçada em outra (quando o chocolate não for bom, por exemplo). Em alguns casos, a troca da posição de algumas das palavras de uma frase não seria reforçada porque mudaria completamente a reação do ouvinte diante da resposta, como, por exemplo, em "O garoto dirige a loja" e "A loja dirige o garoto" (Skinner, 1957/1992, p. 334-335).
Com base, portanto, nas práticas de uma comunidade verbal podemos identificar os padrões de ordem e verificar que o reforço contingente à resposta emitida em certa ordem mantém tal ordem como padrão. A busca das variáveis envolvidas nessas relações mostra uma maneira de estudo da construção da sequência de material verbal que para muitos autores significa um avanço em uma área geralmente ocupada por explicações inatistas, cognitivistas e estruturalistas. Isso porque Skinner manteve a explicação em variáveis observáveis e que levavam em conta o contexto cultural e as consequências do comportamento em cada um dos episódios verbais.
Contudo, apesar do considerável avanço, a posição skinneriana parece ter sido mais aceita no nível conceitual que no nível da intervenção. Conforme descrito por Sautter e LeBlanc (2006), Skinner (1957/1992) forneceu as bases conceituais acerca de variáveis controladoras da linguagem, todavia, seu trabalho tem sido pouco explorado nos estudos que envolvem aplicações práticas do comportamento verbal. Nos poucos estudos que realmente estão embasados nos conceitos skinnerianos para uma aplicação prática, vê-se controvérsias em relação a algumas características apontadas por Skinner como definidoras dos operantes. Um exemplo é o fato de alguns estudos apontarem para uma dependência funcional entre operantes verbais (Arntzen & Almås, 2002; Carroll, & Hesse, 1987; Petursdottir, Carr, & Michael, 2005; Sigafoos et al., 1990).
Petursdottir et al. (2005), por exemplo, investigaram a independência funcional entre mandos e tactos em cinco crianças pré-escolares com desenvolvimento típico, empregando tarefas de montar com cubos e quebra-cabeças. Os efeitos do treino sobre o operante não-treinado foram avaliados em teste múltiplo (teste de um operante verbal após ensino de outro operante verbal). As crianças foram treinadas em duas tarefas: uma de tacto e uma de mando, iniciadas em ordem diferente. Na tarefa de tacto, as crianças diziam o nome de cada uma das quatro peças apresentadas pelo experimentador, após a instrução "O que é isso?". Na tarefa de mando, o experimentador disponibilizava três das quatro peças do jogo e instruía a criança a montá-las; após colocar as partes juntas, o experimentador dizia a criança "O que você precisa?" e a criança dizia o nome da peça. Os resultados mostraram que após o treino de mando, quatro crianças emitiram respostas de tacto nas condições de teste, enquanto os efeitos do treino de tacto diferiram entre os participantes. Estes resultados são de certa forma, contrários à interpretação de Skinner acerca da independência funcional entre os operantes verbais. Devido a questões como essa, parece indispensável para o desenvolvimento da área que mais estudos tragam exemplos das possíveis aplicações dos conceitos skinnerianos em contextos de aplicação, clínica e pesquisa.
Além disso, especificamente no caso do comportamento de sequenciar, a análise skinneriana dos autoclíticos parece falhar em alguns aspectos. Segundo Brino e Souza (2005), Souza, Miccione e Assis (2009) e Stemmer (1990), por exemplo, a análise de Skinner (1957/1992) pouco permitiu que o repertório autoclítico responsável pela relação (e ordem) dos demais operantes verbais fosse identificado independente de suas funções gramaticais. Aparentemente, por causa de uma imensa dificuldade de se averiguar quais as variáveis de controle dos autoclíticos relacionais, não existe tratamento claro para o processo de aquisição desses autoclíticos, na medida em que os estímulos controladores dessas respostas e das consequências que elas têm não foram devidamente identificados. Sendo assim, a falta de especificação de quais as contingências de reforço necessárias para a aquisição desses repertórios dificulta a compreensão dos requisitos fundamentais para seu surgimento.
Talvez pela deficiência citada por Brino e Souza (2005), Souza et al. (2009) e Stemmer (1990), Skinner parece ter falhado em mais um aspecto. A clara argumentação de que os determinantes culturais são decisivos na aquisição de repertórios autoclíticos cada vez mais complexos não explora em nenhum momento quais os determinantes da sequência verbal padrão de uma determinada cultura. Dito de outra forma, a falta de localização dos elementos controladores das respostas autoclíticas no nível do comportamento levam, de uma forma mais geral, à ineficiência em se explicar como a prática cultural se desenvolve na estrutura padrão que passa a ser reforçada. Nesse sentido, é possível que se encontre a explicação de que repertórios autoclíticos são reforçados por uma comunidade, e assim são mantidos, mas não se compreende porque aquele repertório específico é o repertório padrão daquela comunidade. Em termos claros, quer-se dizer que sem a especificação das consequências específicas dos repertórios autoclíticos não fica claro porque a resposta "O chocolate é bom!" (Skinner, 1957/1992, p. 334-335) é mais eficaz do que as respostas "Chocolate" e "Bom!", emitidas separadamente, nem porque a ordem padrão do português substantivo-adjetivo pode ser mais eficaz do que a ordem adjetivo-substantivo dentro do contexto desta língua, por exemplo. Em ambos os casos não parece existir qualquer possível confusão de significados, ocasionada pela mudança da ordem como no caso de "O garoto dirige a loja" e "A loja dirige o garoto" (Skinner, 1957/1992, p. 334-335).
As dificuldades encontradas no texto skinneriano, então, foram foco de trabalhos de outros autores, como Stemmer, que será abordado no próximo tópico.
Stemmer e o pareamento de estímulos
Stemmer (1973, 1987a, 1987b, 1990, 1996, 2000) é um crítico das teorias cognitivistas de aquisição de linguagem, principalmente dos argumentos defendidos por autores que concentram suas explicações em características inatas dos indivíduos. Considera que a explicação skinneriana da aprendizagem da gramática e da sintaxe tem bases adequadas para elucidar esses fenômenos e que não há qualquer necessidade de que elementos mentalistas ou inatistas sejam adicionados a tal explicação (Stemmer, 1990).
Contudo, apesar de sua concordância com muitos dos pressupostos skinnerianos, Stemmer apresenta uma teoria que difere em alguns aspectos do pensamento de Skinner. O autor não concorda com o fato de que a ênfase dos estudos na área se dê na aquisição de repertórios do falante, defendendo que a aquisição do repertório de ouvinte é condição para a aquisição do repertório de falante. Segundo Stemmer (2000), para adquirir comportamentos verbais de falante, a pessoa deveria, primeiramente, adquirir de forma satisfatória comportamentos de ouvinte. Sendo assim, o autor centralizou sua análise nas experiências que os indivíduos têm como ouvintes, antes de adquirirem a postura de falantes. Por exemplo, Stemmer procurou investigar a que tipo de relações crianças que estão adquirindo uma língua formal estão expostas, ou seja, procurou investigar o que acontece quando essas crianças, como ouvintes, são expostas ao comportamento dos adultos falantes de um idioma.
Ao descrever a aquisição do repertório de ouvinte, Stemmer (1973, 1987a, 1987b, 1996, 2000) propôs uma distinção didática entre o desenvolvimento de comportamentos relacionados a repertórios semânticos (significado) e comportamentos relacionados a repertórios sintáticos (ordenação de palavras). A distinção didática entre esses dois repertórios termina, porém, quando o autor argumenta que todo repertório sintático tem em sua base comportamentos do repertório semântico, pois o significado de diversas palavras depende de sua ordenação na sentença.
Os comportamentos envolvidos nos repertórios semânticos foram os primeiros a serem abordados pelo autor porque, segundo Stemmer (1996, 2000), esses comportamentos são mais fundamentais e, por isso, adquiridos anteriormente àqueles chamados de sintáticos. Stemmer apresentou, ao longo de sua argumentação, três estágios envolvidos no desenvolvimento do repertório semântico. O primeiro estágio se refere à aprendizagem do que por ele é chamado de action names. Action names seriam expressões (classes de respostas) aprendidas que se constituem de dois ou mais elementos semânticos que não são, todavia, aprendidos/ percebidos pela criança como elementos distintos. Por exemplo, se um pai diz a uma criança "Jogue a bola", a criança vai aprendendo a responder como ouvinte a essa expressão como um todo, e não como a uma expressão formada por três palavras distintas. Nesse primeiro estágio, a criança não sabe que "Jogue" é um elemento da expressão e que "bola" é outro.
É apenas no segundo estágio do desenvolvimento do repertório semântico que a criança começa a responder como ouvinte a cada expressão separadamente. Aos poucos, a criança passa a responder a expressões individuais, ao mesmo tempo em que responde a novas combinações dos elementos aprendidos anteriormente. Por exemplo, a criança que aprendeu a responder a "Jogue a bola"; "Suba na cadeira"; "Traga seu sapato" como expressões compostas, aos poucos vai aprendendo a responder diferencialmente a cada parte da expressão. Novas combinações como "Traga a bola" ou "Jogue seu sapato" passam a ser discriminativas para respostas corretas de seguimento de instrução sem nunca terem sido reforçadas. Segundo Stemmer (1996, 2000), é nesse estágio que se inicia uma diferenciação de cada palavra dentro de uma expressão composta. Nesse momento, os action names passam a se diferenciar e a se dividir entre action frames, que são relativos aos verbos, e action names propriamente ditos, relativos aos outros termos das expressões. Nesse estágio começa a formação efetiva do léxico da criança.
Apesar de analisar a aquisição do léxico nesse segundo estágio, Stemmer (1973, 1987a, 1987b, 1996, 2000) ressaltou que é apenas em um terceiro estágio que há o boom ou a explosão do léxico infantil. Nesse terceiro estágio acontece o que o autor denominou aprendizagem ostensiva, a qual possibilita a aquisição de palavras sem necessidade de reforço programado para cada palavra. O autor afirmou que nesse tipo de aprendizagem, existe o pareamento de um estímulo vocal com um não vocal (por exemplo, a palavra falada bicicleta diante do objeto bicicleta). Esse pareamento, definido pela simples presença de um objeto, simultaneamente à emissão da palavra correspondente a esse objeto, permite a aprendizagem de um extenso léxico.
Após a explicação do desenvolvimento do repertório semântico, Stemmer (1987a, 1987b) passou a traçar paralelos entre os repertórios semântico e sintático, explicando por que as bases do segundo dependem do primeiro. O autor afirmou que, ao longo do desenvolvimento do repertório semântico, a criança aprende que algumas expressões têm o seu significado determinado pela ordem que ocupam em uma sentença. Um exemplo é o aprendizado do termo "segurar". Segundo Stemmer, para aprender o significado de "segurar" em uma expressão como "Maria segura a bola", a criança já deveria conhecer o significado de "Maria" e de "bola". Ao observar Maria segurando a bola, a criança aprende o significado de "segurar"; ela aprende que alguém precisa segurar um objeto e que esse deve ser segurado. Aprende-se que na frase "Maria segura a bola", a bola está sendo segurada e Maria é quem a segura. Aprende-se que se o sujeito e o objeto da frase fossem invertidos, o significado da expressão seria modificado ("A bola segura Maria"). Ao descrever como a ordem das palavras influencia o repertório semântico, Stemmer traça a continuidade entre este repertório e o sintático.
Stemmer (1987a, 1987b) descreveu dois tipos de regras de ordenação de palavras que estão envolvidas com a intersecção entre os repertórios semânticos e sintáticos: regras básicas e regras formais de ordenação de palavras. As regras básicas são aquelas que a criança adquire ao mesmo tempo em que adquire o significado de termos bi ou tri-relacionais, ou seja, termos que dependem da existência de um sujeito e de um objeto, antes e após o termo principal. Um exemplo é o termo supracitado "segurar". Segundo Stemmer, as regras básicas são aprendidas uma a uma e não dependem da aprendizagem de outras regras de ordenação de palavras, ou seja, estas regras não são adquiridas por meio de generalizações. Para o autor, a aprendizagem de regras básicas de ordenação de palavras demanda que a criança passe por experiências suficientes, que permitam a aprendizagem de cada uma delas. As regras formais de ordenação, por outro lado, requerem que outras regras de ordenação, no caso, regras de ordenação básicas, tenham sido aprendidas anteriormente, pois correspondem a generalizações. Um exemplo seria o uso da voz passiva pela criança: uma vez que aprenda individualmente a utilizar alguns verbos na voz passiva, a criança passa a aplicar essa regra para novos verbos. Conforme anteriormente discutido, ambas as regras de ordenação derivam de experiências semânticas prévias e por isso, são essas experiências que sustentam a formação de um repertório sintático.
Com base na apresentação realizada até este momento, verifica-se que Stemmer focalizou em sua análise os comportamentos verbais que a criança tem como ouvinte, traçando uma história do desenvolvimento desse repertório até a apresentação do repertório de falante. Contudo, um problema de grande importância surge com essa ênfase. Ao considerar que ambos os comportamentos de ouvinte e de falante são verbais, cria-se uma dificuldade relacionada ao acesso das respostas emitidas pelo indivíduo. Como afirma Schilinger (2008), por não existirem diferenças funcionais entre o comportamento do falante e do ouvinte, o repertório do ouvinte é mais dificil de ser identificado por ser prioritariamente formado por comportamento subvocal. Desta forma, se assim o comportamento do ouvinte for considerado (verbal e prioritariamente fala subvocal), a ênfase de Stemmer nas experiências do ouvinte deverá lidar com todos os problemas que uma análise científica do comportamento encoberto pode trazer.
IMITAÇÃO E REFORÇO DIFERENCIAL NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Segundo Sella (2009) os estudos publicados dentro do escopo da Análise do Comportamento Aplicada, no final da década de 1960 e ao longo da década de 1970, marcaram um período de evolução nas pesquisas acerca da influência da interação entre imitação e reforço diferencial sobre o desenvolvimento da linguagem. Segundo essa autora, esses estudos trouxeram evidências sobre a importância da aprendizagem quando se analisa o desenvolvimento do comportamento verbal, pois até então, apesar de haver discussões teóricas acerca do desenvolvimento operante do comportamento verbal, não havia muitas pesquisas empíricas que dessem suporte a essa hipótese.
No início da aplicação dos conceitos skinnerianos a pesquisas empíricas, a imitação foi escolhida pelos pesquisadores daquela época devido a três fatores: 1) parecia resultar em uma rápida aquisição de comportamentos verbais novos, tanto em crianças consideradas com repertório imitativo já estabelecido, como em crianças consideradas deficientes nesse repertório; 2) observou-se que, durante os primeiros quatro anos de vida, a maior parte das crianças inseridas em uma comunidade verbal não apenas exibia cada vez mais formas de expressão típicas daquela comunidade, mas também passava a exibir uma habilidade cada vez maior de imitar a fala das pessoas de seu ambiente (Sherman, 1971); 3) observou-se que algumas respostas imitativas eram mantidas mesmo sem serem reforçadas, desde que outras respostas imitativas, com topografia diferente, continuassem produzindo consequências reforçadoras. Esta última característica foi base para a suposição que respostas imitativas reforçadas e outras, não diretamente reforçadas, formavam uma classe de respostas, pois estas segundas se mantinham ao longo do tempo. Para desenvolver repertórios linguísticos nos quais nem todas as respostas fossem diretamente ensinadas, os pesquisadores da área passaram a programar, dentro de seus procedimentos, passos que garantissem o aparecimento de tais respostas generalizadas (Baer & Deguchi, 1985; Bennett & Ling, 1972; Garcia, 1974; Guess, Sailor, Rutherford, & Baer, 1968; Lutzker & Sherman, 1974; Martin, 1975; Schumaker & Sherman, 1970; Stokes & Baer, 1977; Whitehurst, 1972, entre outros). De forma geral, os estudos utilizaram o ensino de diversos exemplares como estratégia para a ocorrência de generalização de respostas e de estímulos e utilizaram o conceito de classe para explicar seus resultados.
Ao mesmo tempo em que novos resultados estavam sendo obtidos, os pesquisadores passaram a levantar questões acerca da suficiência do conceito de classes de respostas para explicar a generalização das respostas não diretamente ensinadas. Ansiava-se por uma explicação acerca do que levava à formação das classes de resposta, uma explicação que fosse além daquela que vinha sendo utilizada. Baer, Peterson e Sherman (1967), Baer e Deguchi (1985) e Kymissis e Poulson (1990), por exemplo, discutiram que a formação de classes de respostas poderia ocorrer devido à similaridade entre a resposta do modelo e a resposta do observador e ao fato desta similaridade poder se tornar um reforçador condicionado. Seria o ensino das primeiras respostas imitativas, seguido sempre de consequências reforçadoras, que poderia tornar a similaridade entre as respostas de dois organismos um reforço condicionado. Segundo esses autores, as propriedades reforçadoras da similaridade se manteriam ao longo do tempo devido ao fato de que algumas respostas imitativas, que foram ensinadas, continuariam produzindo consequências programadas, o que manteria o responder imitativo em situações diferentes daquelas em que fora ensinado.
Um exemplo ilustrativo dos procedimentos utilizados naquela época é o estudo de Baer et al. (1967). Antes do início do estudo, os participantes foram avaliados e nenhum deles emitia comportamentos imitativos espontâneos, fossem esses vocais ou motores. Em seguida, cada participante foi ensinado a imitar o experimentador: respostas idênticas as do experimentador resultavam em acesso à comida (todas as sessões foram conduzidas em horários das refeições e o acesso à comida dependia da emissão das respostas requeridas). No início, quando requeridos a imitar o experimentador após a instrução "Faça igual", os participantes não o faziam. Eram então introduzidos procedimentos de modelagem, dica física e esvanecimento, até que a resposta fosse emitida sem intervenção física direta do experimentador. Ao longo do procedimento, as respostas imitativas requeriram cada vez menos dicas, até que novas respostas imitativas fossem emitidas sem serem diretamente reforçadas. Apesar de não reforçarem novas respostas, os experimentadores sempre matinham respostas anteriormente aprendidas sendo reforçadas e, dessa forma, novas respostas eram aprendidas e mantidas. Após utilizarem esse procedimento para o ensino de respostas motoras, os experimentadores utilizaram o mesmo procedimento para estabelecer repertórios verbais nesses participantes.
Mais especificamente em relação ao uso da imitação para o ensino da gramática de línguas formais, alguns estudos podem ser citados: Garcia (1974) utilizou reforço diferencial e imitação para ensinar duas crianças com deficiência intelectual a emitirem respostas verbais sequenciais compostas por três palavras. Bennett e Ling (1972) ensinaram uma menina de três anos de idade a utilizar artigos definidos e verbos de ligação ao descrever figuras. Schumaker e Sherman (1970) estudaram a produção de verbos no passado e no presente contínuo por pessoas com deficiência mental. Hursh e Sherman (1973) estudaram os efeitos da produção de sons arbitrários pelos pais sobre o comportamento de imitação de seus filhos nenês. Guess et al. (1968), ao trabalharem com uma menina de 10 anos de idade, estabeleceram a produção gerativa do plural de objetos. Lutzker e Sherman (1974) ensinaram três adultos e duas crianças a produzirem frases completas, inserindo verbos de ligação com a concordância verbal adequada (pessoa/número). Martin (1975) utilizou procedimentos de modelação e instrução para ensinar duas crianças com deficiência intelectual a utilizarem adjetivos que descreviam o tamanho e a cor de diferentes animais. Whitehurst (1972) ensinou a ordenação de palavras arbitrárias a crianças para demonstrar que a imitação resulta no aprendizado de sequências de palavras, podendo ser utilizada na produção de sintaxe. Todos esses estudos, em geral, resultaram em procedimentos de ensino efetivos em relação aos comportamentos-alvo, incluindo a generalização das respostas ensinadas.
A imitação foi e continua sendo um importante instrumento para ensino de diversos repertórios verbais. Ela propicia ao aprendiz a chance de observar (ouvir, ver, ler, tocar) um comportamento emitido por um modelo antes que o aprendiz emita tal comportamento, ou seja, o uso de um modelo fornece dicas acerca de como uma resposta deve ser emitida. A maior parte dos procedimentos que utiliza a imitação como forma de ensinar repertórios desejados, busca programar contingências de forma que a imitação seja aos poucos esvanecida. Ao final desses procedimentos, os comportamentos-alvo deveriam estar sob controle de suas consequências, independente de dicas dadas por um modelo (Kleeberger & Mirenda, 2010; Leach & LaRocque, 2011).
A EQUIVALÊNCIA DE ESTÍMULOS E O COMPORTAMENTO DE SEQUENCIAR
Estudos como os de Kato, de Rose e Faleiros (2008) e Lionello-DeNolf, McIlvane, Canovas, de Souza e Barros (2008), são exemplos recentes de como a equivalência de estímulos tem sido utilizada na Análise do Comportamento como uma forma de compreensão da função simbólica humana e, dessa forma, tem sido um instrumento importante para a compreensão do desenvolvimento da linguagem. Nos últimos anos, esse modelo vem sendo utilizado para explicar como ocorre a formação de rede de relações arbitrárias entre signos e seus referentes, tentando mostrar como todo o intrincado sistema de relações que caracterizam a capacidade simbólica humana pode ser formado.
Em 1982, Sidman e Tailby definiram a equivalência de estímulos tal como ela é hoje concebida em estudos na Análise Experimental e Aplicada do Comportamento. Esses autores afirmaram que toda classe de estímulos equivalentes advém de relações condicionais bem estabelecidas, porém, suplantam estas últimas. Para determinar se um desempenho envolve algo mais do que relações condicionais entre estímulos, três testes de recombinação dos elementos das relações diretamente ensinadas, derivados da matemática elementar moderna, foram propostos pelos autores: teste de reflexividade, teste de simetria e teste de transitividade. Apesar de Sidman (2000) ter proposto que a equivalência é um produto direto de contingências de reforçamento, ou seja, ela independe do procedimento de treino de discriminações condicionais, essa definição tem gerado discussões e estudos (Hayes, Barners-Holmes, & Roche, 2001; Minster, Jones, Elliffe, & Muthukumaraswamy, 2006; entre outros) que vão além do escopo do presente artigo e que, portanto, não será aqui utilizada. Utilizando, direta ou indiretamente, o modelo descritivo de equivalência de estímulos proposto inicialmente por Sidman e Tailby (1982) como base para suas investigações, diversos autores (Assis, Baptista, & Menezes, 2006; Assis, Corrêa, Souza, Prado, 2010; Assis, Élleres, & Sampaio, 2006; Souza, Assis, Magalhães, & Prado, 2008; Green et al., 1993; Lazar, 1977; Lazar & Kotlarchik, 1986; Maydak, Stromer, Mackay, & Stoddard, 1995; Miccione, Assis, & Costa, 2010; Nunes, & Assis, 2006; Sampaio, Assis, & Baptista, 2010; Verdu, de Souza, & Lopes Junior, 2006) estudaram comportamentos de sequenciar a partir de duas perspectivas.
A primeira delas, e segundo Maydak et al. (1995) a mais efetiva, refere-se a estabelecer classes de estímulos equivalentes por meio do treino de discriminações condicionais e, em seguida, ensinar uma sequência contendo um estímulo de cada classe. A partir daí, deve-se testar a transferência das funções ordinais para todos os outros estímulos das classes anteriormente estabelecidas. Um exemplo seria, primeiramente, estabelecer categorias de estímulos, como formas (quadrado, triângulo e círculo), cores (azul, vermelho e amarelo) e tamanhos (pequeno, médio e grande). Em segundo lugar, ensinar uma sequência utilizando forma (quadrado) ® cor (azul) ® tamanho (pequeno). Para finalizar, utilizar as palavras que não estivessem diretamente envolvidas no ensino da sequência para verificar se a resposta de sequenciar seria emitida frente aos outros estímulos das classes anteriormente estabelecidas.
A segunda perspectiva diz respeito a ensinar diversas sequências, como, por exemplo, A1®A2®A3, B1®B2®B3 e C1®C2®C3 e depois testar a substitutabilidade (entendida como equivalência) entre os estímulos das diferentes sequências que ocupam a mesma posição ordinal. Por exemplo, se o estímulo A1 for selecionado para ocupar a primeira posição quando os estímulos A1, B2 e B3 são apresentados, infere-se que A1 é equivalente a B1, pois foi alocado na mesma posição que este ocupava no ensino da sequência B1®B2®B3. Um exemplo seria ensinar as sequências quadrado ® azul ® pequeno (A1®A2®A3), triângulo ® vermelho ® médio (B1®B2®B3) e círculo ® amarelo ® grande (C1®C2®C3). Após o ensino destas sequências, poderiam ser apresentados, na mesma tela, os estímulos quadrado, vermelho e médio. Se o participante alocasse o quadrado na primeira posição e os outros em suas respectivas posições, seria inferido que o quadrado (A1) é equivalente ao triângulo (B1), pois foi alocado na posição que este ocupava na sequência B1®B2®B3.
Em muitos estudos, ambas as formas de se estabelecer relações entre comportamentos de sequenciar e equivalência de estímulos são utilizadas, porém pode-se dizer que a ênfase de estudos como os de Lazar (1977) e de Lazar e Kotlarchyk (1986) foi na primeira forma. Já os estudos como os de Green et al. (1993) e de Mackay, Stoddard e Spencer (1989) deram ênfase à segunda. A seguir, segue uma breve descrição desses quatro estudos, bastante citados por outros autores, como forma de ilustrar estudos realizados na área.
Em 1977, Lazar investigou se, a partir de tarefas de escolha de acordo com o modelo (matchingto- sample [MTS]), funções adquiridas por alguns membros de classes de estímulos equivalentes, fora do contexto das tarefas de MTS (no caso, em tarefas de sequenciação), se transfeririam para os outros membros das classes. Cada um dos 10 estímulos utilizados consistia em pares de triângulos isósceles, apresentados em diferentes ângulos (Lazar, 1977). O procedimento consistiu em cinco fases. Na primeira fase, houve o ensino das sequências A1→A2 e B1→B2. A seguir, foram testadas as outras relações sequenciais que indicariam uma possível formação de classe ordinal equivalente: A1→B2 e B1→A2. Na Fase 3, houve um pré-teste da relação E1 →E2 para verificar se o participante apresentava algum padrão de responder semelhante ao que seria posteriormente exigido em relação a estes estímulos. Na Fase 4, foram empregados procedimentos de escolha de acordo com o modelo: ensinou-se a relação entre os estímulos E1 e A1 e entre E2 e A2 e testou-se a relação entre os estímulos do conjunto E e aqueles do conjunto B, para verificar a emergência das relações de equivalência entre os membros dos três conjuntos de estímulos. Como isso não ocorreu, foram ensinadas as relações condicionais entre B1 e E1 e entre B2 e E2. Na Fase 5, realizou-se o teste de sequência, utilizando-se os estímulos do conjunto E. Todos os participantes sequenciaram os estímulos de acordo com o esperado. O ensino de duas sequências (A1→A2 e B1→B2) e o posterior ensino das relações condicionais envolvendo os estímulos E foram suficientes para resultar na transferência das funções ordinais a esses estímulos (E1→E2).
Lazar e Kotlarchyk (1986) buscaram isolar variáveis que controlariam contextualmente comportamentos de sequenciar. Primeiramente, estabeleceram classes de estímulos equivalentes. A seguir, ensinaram sequências de estímulos constituídas por elementos de cada classe anteriormente estabelecida. Em seguida, colocaram as sequências ensinadas sob controle contextual de um tom. Para finalizar, testou-se o controle contextual (do tom) sobre as classes equivalentes que haviam sido estabelecidas. Os resultados mostraram que houve transferência das propriedades ordinais para os estímulos que haviam sido a elas relacionados em tarefas de escolha de acordo com o modelo.
O artigo de Green et al. (1993) estabeleceu as bases para que se pudesse assegurar que determinadas relações entre estímulos em uma sequência fossem consideradas ordinais. Essas bases consitiram na adoção de quatro propriedades matemáticas como definidoras do conceito de relações ordinais. Tais propriedades já haviam sido descritas por Stevens, em 1951, conforme apresentado por Green et al. (1993), porém foram estes autores que disseminaram o uso de tais propriedades entre os pesquisadores envolvidos com o paradigma da equivalência de estímulos. As quatro propriedades matemáticas que permitem a afirmação de que relações entre os estímulos de uma sequência são ordinais são: irreflexividade, assimetria, transitividade e conectividade. A irreflexividade refere-se ao fato de que uma relação de ordem não pode ser reflexiva: se um estímulo vem antes de outro, ele não pode ser igual ao outro (ocupar a mesma posição ordinal). A assimetria refere-se à unidirecionalidade de uma relação de ordem: não há como um estímulo A1, que vem antes de outro (A2) vir depois de A2. Transitividade refere-se ao fato que estímulos não adjacentes em uma sequência são ordenados na ordem correta quando apenas estímulos adjacentes foram ensinados a serem sequenciados. Por exemplo, ensina-se diretamente as sequências A1®A2 e A2®A3 e o participante ordena A1®A3 corretamente, sem o ensino direto desta sequência. A conectividade inclui a propriedade de transitividade adicionada à ordenação correta dos pares de estímulos adjacentes, que foram diretamente ensinados. Por exemplo, ensina-se diretamente A1®A2, A2®A3 e A3®A4. No teste de conectividade o participante deverá ordenar corretamente A1®A2, A2®A3, A3®A4, A1®A3, A1®A4, e A2®A4, ou seja, tantos pares adjacentes, que foram diretamente ensinados, como os pares não adjacentes. Segundo Green et al. (1993), se estas três últimas propriedades descritas estiverem presentes nas relações entre os estímulos de uma sequência, pode-se dizer que essas relações são ordinais. De acordo os autores, a propriedade de irreflexividade está embutida nas outras três propriedades, portanto não seria necessário testá-la diretamente.
Mackay et al. (1989) tiveram por objetivo examinar se o ensino de sequências múltiplas geraria classes de estímulos baseadas nas propriedades ordinais adquiridas pelos estímulos durante o ensino das sequências propostas. Os estudos utilizaram dois procedimentos de ensino, encadeamento e exclusão, para examinar: a) as relações ordinais formadas entre os estímulos das sequências ensinadas (relações intrasequenciais) e b) as relações entre estímulos que ocupavam posições ordinais correspondentes em diferentes sequências (relações intersequenciais). O estudo de Mackay et al. (1989) foi importante por mostrar como a exclusão pode ser utilizada no ensino de sequências comportamentais e por reafirmar que classes de estímulos podem ser formadas tendo por base a posição ordinal ocupada pelos estímulos.
Os estudos acima apresentados permitem a constatação de que a equivalência de estímulos pode contribuir com a programação de procedimentos que busquem a análise da aquisição, manutenção e generalização de comportamentos "gramaticais". Apesar dessa efetividade, alguns problemas merecem ser sinalizados.
Em primeiro lugar, os estudiosos da equivalência de estímulos nem sempre concordam com o que define uma classe de estímulos, quais são as bases para sua formação e como é que elas resultam na emergência de comportamentos novos. Apenas para efeito ilustrativo, há três explicações acerca da formação das classes de estímulos equivalentes: 1) aquelas derivadas dos estudos de Sidman; 2) aquelas derivadas dos estudos de Hayes e seus colaboradores e 3) aquelas derivadas dos estudos de Horne e Lowe. Apesar de cada uma dessas explicações ser baseada em estudos empíricos, essa discordância mostra que um longo caminho ainda deverá ser percorrido antes que se possa afirmar que a equivalência de estímulos é uma explicação para a emissão de comportamentos novos, inclusive no caso de comportamentos sequenciais.
Além disso, assim como a imitação, pode-se considerar (sob um ponto de vista particular das autoras do presente artigo) que os estudos na área de equivalência produziram avanços na investigação empírica de variáveis envolvidas na aquisição, manutenção e generalização de comportamentos "gramaticais". Apesar dos inúmeros avanços em termos de arranjos experimentais e de controle de variáveis trazidos pelos estudos acerca da equivalência de estímulos, ainda não é possível afirmar que seus resultados fornecem explicações satisfatórias acerca dos processos envolvidos na geração de comportamentos "gramaticais".
DISCUSSÃO
O objetivo do presente artigo foi apresentar uma revisão da explicação fornecida pela Análise do Comportamento para a aquisição, a manutenção e a generalização dos repertórios de seqüenciar material verbal, confrontando-a, inicialmente, com alguns pontos das explicações sugeridas na literatura cognitivista acerca do desenvolvimento de comportamentos de contar histórias, os quais estão intimamente relacionados com o sequenciar materiais verbais. Além disso, como dito anteriormente, o presente trabalho tentou sistematizar o que vem sendo publicado a esse respeito pelos analistas do comportamento. A perspectiva aqui adotada foi de uma discussão teórico-conceitual, tendo como suporte exemplos de estudos empíricos.
Como pôde ser verificado, posições cognitivistas e da Análise do Comportamento possuem diferenças cruciais: enquanto as primeiras se preocupam com variáveis intrínsecas ao sujeito, tais como regras, estruturas e representações mentais, os segundos se preocupam com variáveis localizadas na relação do indivíduo com o seu meio. Apesar da Análise do Comportamento vir oferecendo avanços em relação a análises do comportamento verbal, conforme discutido por Sautter e LeBlanc (2006), os estudos apresentados até o momento não são suficientes para avaliar e intervir em diversos repertórios verbais que vêm sendo amplamente discutidos por teorias cognitivistas. No caso dos comportamentos de sequenciar material verbal composto de unidades mais longas, como é o caso dos comportamentos de sequenciar histórias, por exemplo, teorias cognitivistas têm apresentado diversos procedimentos bastante efetivos para o estudo e intervenção em tarefas de contar histórias. Mesmo não analisando em detalhes as variáveis ambientais que podem influenciar esses comportamentos, tais estudos vêm contribuindo para o progresso nessa área. Já a Análise do Comportamento, apesar dos estudos aqui descritos, praticamente não possui estudos que enfoquem esse tipo de repertório verbal do ponto de vista aplicado, dificultando conclusões acerca da efetividade das intervenções na área.
Embora haja dificuldades em relação à compreensão de comportamentos verbais mais complexos dentro do escopo da Análise do Comportamento, a revisão das formas de aquisição, manutenção e generalização das sequências verbais realizada até aqui permite que se considere que a Análise do Comportamento possui um grande potencial para contribuir ao estudo dos chamados repertórios "gramaticais". Isso porque as explicações do comportamento de sequenciar fornecidas por cada uma das perspectivas discutidas neste artigo partem da análise de interações ambientais do organismo, levando, desta forma, não apenas a uma maior compreensão das relações verbais entre falantes e ouvintes necessárias para o surgimento desses repertórios, mas também à possibilidade de uma tecnologia comportamental voltada para uma programação de ensino eficaz. Desde que a pesquisa voltada aos comportamentos "gramaticais" vinha sendo realizada prioritariamente partindo-se de pressupostos mentalistas e inatistas, os requisitos necessários para a aquisição dos comportamentos em questão permaneceram muitas vezes inacessíveis ao experimentador, e desta forma, dificuldades para o avanço das pesquisas na área surgiram a todo o momento. Neste sentido, as mudanças propostas pela Análise do Comportamento, principalmente após a publicação do Verbal Behavior (Skinner, 1957/1992), permitiram que se vislumbrassem possibilidades tecnológicas não imaginadas dentro de um escopo científico: procurar pelas relações estabelecidas entre falante e ouvinte, analizando-se variáveis ambientais e históricas acessíveis, vem permitindo o desenvolvimento, ainda que gradual, de técnicas e procedimentos de ensino mais eficazes.
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Received: November 12, 2010
Accepted: July 03, 2011
1) Autor responsável pela publicação: Ana Carolina Sellam, RTC/IL. The University of Kansas: Dole Center, Suite 4089, 1000 Sunnyside Avenue, Lawrence, KS, USA 66045-7555. E-mail: sella@ku.edu
2) As palavras sequência e ordem e suas derivadas serão utilizadas como sinônimos ao longo do presente artigo.
3) Segundo Sella (2009) há pelo menos sete formas de estudo do desenvolvimento do comportamento de sequenciar dentro da perspectiva da Análise do Comportamento. Contudo, as teorias do encadeamento sucessivo ou traditional/sucessive chaining theory (Ebbinghaus, 1913; Skinner, 1938), do encadeamento simultâneo ou serial learning theory (Terrace, 1986a, 1986b) e dos sistemas lingüísticos em miniatura (Goldstein, 1983, 1984; Wetherby, Karlan, & Spradlin, 1983), as quais esta autora comenta não serão introduzidas neste texto visto que, apesar destas teorias tratarem do assunto, seu impacto atual sobre os estudos acerca da linguagem é menor do que aquele das quatro formas de estudar o comportamento de seqüenciar escolhidas para figurar neste trabalho.
4) Definir dois sujeitos distintos não pressupõe, segundo Skinner (1957/1992), definir dois indivíduos distintos. Significa apenas que a função de quem emite a resposta verbal é diferente da de quem faz a mediação da consequência, mesmo que ambos sejam a mesma pessoa. Em um episódio verbal no qual um indivíduo conversa consigo mesmo, uma análise identificaria o mesmo sujeito emitindo a resposta e mediando a consequência.
5) A resposta "Por favor" acrescida de outras respostas poderia resultar em um prato de comida quando, por exemplo, o falante estende um prato para alguém que está se servindo de comida e diz "Por favor". Contudo, neste caso, a resposta "Por favor" não está sozinha, isolada de outros operantes.