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Acta Comportamentalia
versão impressa ISSN 0188-8145
Acta comport. vol.21 no.4 Guadalajara 2013
ARTIGOS
Aprendizagem social em cães domésticos: Uma revisão dos estudos tendo humanos como liberadores de dicas
Social learning in domestic dogs: A review of studies with humans releasing cues
Liane Jorge de Souza DahásI; Hernando Borges Neves FilhoII; Talita Regina de Lima CunhaII; Briseida Dôgo de ResendeII,1
IUniversidade Federal do Pará – UFPA (Brasil)
IIUniversidade de São Paulo – USP (Brasil)
RESUMO
Os comportamentos comunicativos tendo humanos como interlocutores são essenciais para a adaptação de cães domésticos a seus ambientes. O presente trabalho teve como objetivo reunir estudos que analisaram as habilidades caninas em responder a dicas de apontar, dadas por humanos, estimulando um debate entre a Etologia e a Análise Experimental do Comportamento e apresentando possibilidades de sínteses explicativas. Como conclusão tem-se que as habilidades comunicativas observadas em cães não devem ser atribuídas unicamente a um fator herdado, fruto da domesticação da espécie, visto que a aprendizagem é um forte determinante do comportamento; nem tampouco somente ao que é aprendido ao longo da ontogenia, visto que os processos de condicionamento não são os únicos responsáveis pelas habilidades comunicativas vistas na espécie. Também se discute o papel da epigênese na facilitação da comunicação entre cães e humanos. O delineamento desses experimentos pode ser muito fortalecido caso haja uma ampliação do diálogo entre a Etologia e a Análise Experimental do Comportamento.
Palavras-chave: Habilidades sociais, comportamentos comunicativos, dicas, cães domésticos, filogenia, ontogenia.
ABSTRACT
Communicative behavior with human interlocutor has been designated as essential to the adaptation of domestic dogs in their environments. The ability to follow human pointing in choice tasks is an example of social behavior that involves communication between dogs and humans, and is increasingly reported in the literature as a consistent phenomenon. Human beings are a relevant part of dog's social environment, a fact that is clearly explained by the evolutionary history of domestication. This study had the goal to bring together studies that analyzed dogs' ability to respond to cues given through explicit pointing by humans, stimulating a debate between Ethology and the Experimental Analysis of Behavior and presenting possibilities of explanatory synthesis. There are two tides in literature, one of which focuses on the processes of the dog's life history as determinants of communicative skills with humans (behavior-analytic approach) and an ethological approach emphasizing the process of canine domestication as independent variable. The ethological view is predominant in explaining the phenomenon mentioned above. Three articles were found that use a synthetic explanation of phylo and ontogenetic principles previously discussed in the present article, and they converge in arguing that evolution and epigenesis must have acted in order to prepare the domestic dog to respond to human communicative cues. It is concluded that social skills observed in dogs should not be solely attributed to an inherited factor, due to domestication, since learning is strong determinant of behavior; nor only to ontogeny, since conditioning process does not seem to be the only cause of communicative abilities seen in this species. It is also discussed the possible role of epigenesis in facilitating human-dog communication. The design of these experiments could strengthen with an increase of a debate between Ethology and the Experimental Analysis of Behavior.
Key words: Social skills, communicative behaviors, cues, domestic dogs, phylogenesis, ontogenesis.
Na última década, houve aumento em pesquisas sobre comportamentos complexos em cães, especialmente visando investigar as respostas a comunicações emitidas por humanos (Gácsi, McGreevy, Kara, & Miklósi, 2009; Udell, & Wynne, 2008; Miklósi, Pongrácz, Lakatos, Topál, & Csányi, 2005). Experimentos semelhantes foram inicialmente realizados em primatas, em pesquisas vinculadas à Psicologia Comparada, cujos objetivos eram verificar semelhanças e diferenças entre primatas humanos e não humanos, e discutir evolução e as bases biológicas do comportamento (Povinelli, Reaux, Bierschwale, Allain, & Simon, 1997). A proximidade genética entre os primatas (Edey & Johanson, 1989) justifica o montante de dados com as mais diversas espécies destes (e.g., Barros, Galvão, & McIlvane, 2002; Savage-Rumbaugh, et al., 1993). Os resultados eram recorrentes em mostrar que crianças entendiam, por exemplo, o gesto de apontar e utilizavam o olhar do experimentador como dica e que o nosso parente mais próximo, o chimpanzé, não teve sucesso nessas tarefas. Na mesma época, pesquisadores que relataram que o cão doméstico seguia as dicas dadas pelos humanos (Miklósi, Polgárdi, Topál, & Csányi, 1998). De acordo com Cooper et al., 2003, comportamentos complexos como os comunicativos foram repertórios importantes para a adaptação do cão doméstico (Canis familiaris) em alguns nichos. Devido à coevolução cão/humano, tais repertórios poderiam ser, inclusive, mais característico de Canis familiaris do que de grandes primatas, que são mais próximos filogeneticamente de humanos, mas não compartilham conosco uma história evolutiva de interação cotidiana.
O objetivo do presente trabalho é o de analisar as habilidades do cão doméstico em responder à dica de apontar fornecida por humanos, discutindo-se o papel da ontogenia e da filogenia nessa interação interespecífica. De maneira geral, percebem-se duas correntes na literatura, uma das quais enfoca os processos da história de vida dos cães enquanto determinantes das capacidades comunicativas com humanos (enfoque analítico-comportamental) e outra com um ponto de vista mais etológico enfatizando o processo de domesticação canina como a variável independente, mais preponderante na explicação do fenômeno supracitado.
Discutiremos os pontos de conflito entre essas duas abordagens ao longo do texto e buscaremos uma síntese. Será abordada a questão da domesticação dos cães pelos humanos e discutidos os dados que apontam para um aparente conflito entre os determinantes da capacidade de cães em utilizar-se do apontar humano como dica para encontrar alimento. As nuances dos enfoques dados por cada grupo de pesquisadores serão apresentadas, assim como algumas propostas de sínteses, que se alinham com a perspectiva dos presentes autores. As análises dos dados apresentados no decorrer da revisão indicarão a relevância de que uma abordagem leve em conta a profunda imbricação de determinantes do comportamento tais como a ontogenia e filogenia, e, para isso, sugerimos que uma visão sistêmica dos organismos seja considerada no discurso científico. Ou seja, a evolução atua sobre organismos em desenvolvimento, que não são passivos, e sim agentes de transformação deste meio que os seleciona.(Laland, Odling-Smee, Feldman, 2001)
Os estudos descritos, apesar de não defenderem que a habilidade dos cães em seguir dicas humanas seja unicamente onto ou filogeneticamente determinada, tendem a eleger uma das determinações como a mais relevante, o que é problemático no sentido em que restringe a análise de um fenômeno altamente complexo como o comportamento comunicativo, que dificilmente será explicitado de maneira ampla em um só nível explicativo. Além disso, se considerarmos a impossibilidade de se separar o inato do aprendido, não há sentido em se dar um peso maior para ontogênese ou filogênese.
Os autores também defendem que uma síntese envolvendo as pesquisas no âmbito da Etologia e da Análise Experimental do Comportamento deve ser perseguida em outras áreas de pesquisa visando a compreensão do comportamento de organismos.
Para fins de homogeneização dos conceitos abordados no presente artigo e nos estudos aqui descritos, utilizar-se-á o termo aprendizagem social para qualquer aprendizagem que tenha sido influenciada por um outro organismo (da mesma ou de outra espécie) ou por subprodutos do comportamento do mesmo.
O termo comunicação, quando aqui utilizado, indica a interação entre dois organismos que trocam estímulos discriminativos em esquemas de reforço que dependem inteira ou parcialmente do comportamento de ambos (Epstein, Lanza, & Skinner, 1980; Skinner, 1953, 1957).
"ESTADO DA ARTE"
Inúmeros estudos no decorrer dos últimos vinte anos têm se utilizado de cães domésticos como sujeitos experimentais. Dentre os temas estudados constam: A sensibilidade canina às dicas humanas (e.g., Bräuer, Kaminski, Riedel, Call, & Tomasello, 2006; Kupán, Miklósi, Gergely, & Topál, 2010), o desempenho adequado em testes de permanência de objetos (e.g., Gagnon & Doré, 1992), a possibilidade de existência de uma teoria da mente em cães (e.g., Bräuer, Call, & Tomasello, 2004), a habilidade no aprendizado de palavras (e.g., Kaminski, Call, & Fisher, 2004), o uso de lexigramas (Rossi & Ades, 2008), a capacidade de desviar uma rota após observar um modelo (Pongrácz et al., 2001), manipulação e busca de objetos (Kundey, Reyes, Taglang, Baruch, & German, 2010) e antecipação social (Bonanni, Cafazzo, Valsecchi, & Natoli, 2010; Kubinyi, Miklósi, Topál, & Csányi, 2003).
Esses achados confirmam a habilidade de indivíduos da espécie Canis familiaris de aprender repertórios diversos através da mediação dos comportamentos de humanos2. A habilidade de seguir o apontar humano em tarefas de escolha de objetos é um exemplo de comportamento social que envolve a comunicação entre cães e humanos cada vez mais frequente e consistente na literatura (Udell & Wynne, 2008). Os seres humanos são parte relevante do ambiente social dos cães, o que sua história evolutiva de domesticação já nos deixava entrever. A polêmica, colocada pela efervescente literatura que vem se expandindo ao longo da última década, gira em torno da seguinte questão: seria a domesticação, ou história filogenética do cão, suficiente para explicar como os seres humanos adquiriram função tão importante para os cães domésticos, ou seria necessário conhecer a ontogênese de cada cão para se explicar como respondem tão prontamente às dicas humanas?
Etólogos têm defendido a importância da filogênese e analistas do comportamento têm defendido a importância da ontogênese. Nenhum dos lados nega a existência do outro, não sendo a Análise do Comportamento uma abordagem unicamente voltada para a determinação ontogenética do comportamento, e nem a Etologia, estritamente filogenética, mas os dois enfatizam seus pressupostos baseados nos fundamentos de sua área de conhecimento. Assim, a literatura apresenta uma discussão acerca do papel que a filogênese e a ontogênese exerceriam nesse repertório, havendo autores que defendem ser uma habilidade inata, enquanto outros apontam o quanto o aprendizado no decorrer dos primeiros meses é crucial para a emissão de tais respostas. A seção a seguir objetiva destacar os expoentes dessa discussão e apresentar diferentes propostas. Dessa maneira, busca-se clarificar os processos que tornariam o humano um estímulo significativo capaz de apresentar dicas estabelecidas como comunicativas aos cães, o que seria um exemplo de comportamento social entre cães e humanos.
HUMANOS ENQUANTO APRESENTADORES DE DICAS (ESTÍMULOS SOCIAIS)
Os diversos estudos que submeteram cães ao paradigma de escolha de objeto a partir do apontar humano utilizaram um procedimento como o explicitado a seguir, baseado no estudo de Anderson, Sallaberry e Barbier (1995) com macacos-prego. Experimentos semelhantes, realizados com o objetivo de verificar a existência de intencionalidade e "teoria da mente" nos grandes símios, foram inicialmente usados por autores como Povinelli, Call e Tomasello (Call & Tomasello, 1994; Povinelli & Eddy, 1996). Nos estudos com cães, os testes consistiram na presença de dois recipientes dispostos à determinada distância um do outro (variável entre os experimentos), permanecendo-se entre os recipientes um experimentador, que por vezes, era o próprio dono do cão, como em Elgier, Jakovcevik, Mustaca, e Bentosela (2009). Por exemplo, em Elgier, Jakovcevik, Mustaca, et al. (2009), o cão era disposto a uma distância de dois metros do experimentador, que se mantinha equidistante dos dois recipientes (dispostos a um metro de distância um do outro), formando-se uma configuração em T. Garantia-se o período de resposta mantendo-se o cão preso a uma coleira por outro experimentador até o início da tentativa. Cada tentativa consistia no experimentador posicionado entre os dois recipientes apontando para aquele que continha um pedaço de alimento, e era considerado um responder correto quando o cão, após ser liberado, dirigia-se até esse recipiente, sendo tal resposta consequenciada com um pedaço de alimento.
Dependendo do estudo, havia diversas variações nesse apontar, por exemplo, podendo ser o cão liberado somente após o experimentador ter retornado com seu braço junto ao corpo (apontar momentâneo), ou haver um apontar dinâmico, no qual o braço do experimentador movimentava-se durante todo o período de resposta, ou durante alguns segundos prévios a tal período, assim como a mão do experimentador poderia ficar a diferentes distâncias do recipiente. O apontar podia se dar tendo-se uma distância mínima (cerca de 30 cm) ou maior distância (maior que 50 cm), denominando-se o primeiro de apontar proximal e o segundo, apontar distal. Também podia ser dada uma dica somente com o olhar, ou uma dica mista com o apontar e o olhar do experimentador. Note-se que, em todas essas variações, o ser humano responsável pela dica não era, por si só, uma dica social (como ocorreria em uma situação de facilitação social, e.g., Zajonc, 1969), e sim um emissor de uma dica explícita, visto que havia interação entre ele e o sujeito. Não era a mera presença de um humano que influenciava o cão a se comportar de tal forma, era o comportamento de um ser humano que alterava o comportamento do cão3, ou seja, havia uma comunicação intencional por parte do humano, compreendida pelo cão.
Os estudos iniciais sobre a compreensão do apontar por cães foram realizados por pesquisadores que enfatizavam a importância dos aspectos inatos para as interações comunicativas entre humanos e cães, que teriam sido selecionados ao longo da domesticação.
O primeiro desses estudos foi o dos pesquisadores Miklósi, Polgárdi, Topál e Csányi4 (1998), no qual se demonstrou serem os sujeitos capazes de seguir diversas variações do apontar humano (com o braço e mão, virando o rosto, curvando-se, etc.). Este estudo e os que o seguiram deram início a uma profícua discussão acerca do que estaria por trás dessa habilidade de seguir dicas comunicativas humanas (aparentemente inexistente mesmo em primatas não humanos), se primordialmente processos evolutivos ou ontogenéticos.
No estudo de Miklósi, Pongrácz, Lakatos, Topál e Csányi (2005)5, cães e gatos se mostraram capazes de realizar a tarefa de seguir o apontar humano. No entanto, somente os cães alternavam seu olhar entre o humano e uma tarefa que podiam resolver livremente. Os autores defendem que tanto a habilidade de cães e gatos em seguir dicas comunicativas humanas quanto à tendência do cão em direcionar o olhar para os humanos quando tinha dificuldade em obter um estímulo reforçador foram selecionadas durante a domesticação dessas espécies com objetivo de facilitar a comunicação interespecífica.
Em outro artigo com autores do mesmo grupo de pesquisa, Gácsi, McGreevy, Kara e Miklósi6 (2009) também defendem a teoria da domesticação, baseados em seus dados de que cães de raças, selecionados para trabalhos em contato visual constante com humanos, apresentam desempenho melhor em tarefas de seguir o apontar humano do que cães mestiços ou cujas raças foram selecionadas para trabalhar independentemente de humanos.
Para Hare e Tomasello (2005)7, é provável que a domesticação tenha dotado os cães com habilidades comunicativas. No entanto, tais traços não teriam sido diretamente selecionados, e sim indiretamente, através da seleção de características como a diminuição do medo dos humanos e menor agressividade. A essa teoria, tem-se denominado teoria do subproduto da domesticação. Ou seja, com o aumento da docilidade, haveria maiores oportunidades de compartilhamento de atenção e, portanto, de interações comunicativas entre humanos e cães.
De maneira geral, esses dois grupos de pesquisadores estão preocupados em mostrar o aspecto filogenético da interação humano-cão, buscando entender o que é compartilhado entre essas duas espécies e entre seus parentes mais próximos, ou seja, chimpanzés e lobos. Pela hipótese da domesticação, cães seriam mais hábeis que lobos em interações comunicativas com humanos: mesmo lobos que tivessem experiência com humanos seriam mais inábeis na interação social com humanos do que cães filhotes e com pouca experiência.
Hare, Brown, Williamson e Tomasello (2002)8, Riedel, Schumann, Kaminski, Call e Tomasello9, (2008) e Gácsi, Kara, Belenyi, Topal e Miklósi10 (2009) afirmam que cães infantes (nove a 24 semanas, seis a 24 semanas e seis a 14 semanas de vida, respectivamente) apresentaram responder condizente com as dicas humanas em tarefas de escolha de objeto. Quando Gácsi, Kara, et al. compararam o desempenho entre os sujeitos mais novos e os mais velhos, encontraram que houve pouca melhoria com o aumento da idade, havendo portanto, uma forte predisposição para o condicionamento bem cedo na vida dos animais, o que confirmaria a hipótese de domesticação defendida por Miklósi et al. (1998).
Hare et al. (2002), comparando cães muito jovens com lobos criados por humanos, verificaram que os cães se saem muito melhor desde cedo, e que não foi verificado um efeito de aprendizagem com a idade.
No entanto, três outros grupos de pesquisadores voltaram-se para um enfoque mais analítico-comportamental do assunto, interessando-se em aprofundar a compreensão sobre os aspectos de aprendizagem envolvidos. Eles defenderam que o papel da aprendizagem deveria ser investigado com mais rigor e realizaram discussões metodológicas sobre os estudos de Hare et al. (2002), Gácsi, Kara, et al. (2009) e colegas. Autores como Dorey, Wynne e Udell11, Lord12, Petter13, Musolino e Roberts14, Cole15, Elgier, Jakovcevik, Barrera, Mustaca e Bentosela16, reanalisaram os dados e aprimoraram experimentos detalhando os processos ontogenéticos ligados à aprendizagem envolvidos na aquisição do repertório de responder de acordo com dicas humanas (Dorey, Udell & Wynne, 2010; Elgier, Jakovcevik, Barrera, Mustaca & Bentosela, 2009; Elgier, Jakovcevik, Mustaca, et al., 2009; Udell, Dorey & Wynne, 2008; Wynne, Udell & Lord, 2008).
Udell, et al. (2008) realizaram um estudo (Estudo 1) no qual oito lobos e 32 cães (distribuídos em quatro grupos de cinco sujeitos cada) foram testados em tarefas de seguir o apontar humano. O grupo de lobos e um dos grupos de cães habitavam recintos ao ar livre e eram criados por humanos, recebendo comida diretamente deles e tendo contato diário. Esses dois grupos (de cães e o de lobos) realizaram o experimento em situação semelhante ao contexto em que viviam: ao ar livre e com pesquisadores familiares a eles. Outro grupo de cães foi criado de maneira semelhante, mas o experimento se deu com pesquisadores desconhecidos pelos sujeitos. O terceiro grupo de cães foi treinado na casa onde habitavam, e o quarto, em um ambiente fechado, sendo que moravam em um abrigo para animais (em ambiente parcialmente fechado). O teste foi realizado expondo os animais ao procedimento de apontar distal momentâneo. Os resultados de cada grupo diferiam significativamente entre eles (F4.35=4,40, P=0.006). Somente os grupos de lobos e o de cães testados em um ambiente fechado responderam corretamente acima do nível do acaso (t=2.69, P=0.03 e t=4.12, P=0.004, respectivamente). As médias desses dois grupos foram semelhantes, porém enquanto seis sujeitos do grupo de lobos responderam corretamente em oito ou mais das 10 tentativas, somente três sujeitos do grupo de cães testados em ambiente fechado o fizeram. Os autores discordam das análises da literatura que apontam a habilidade comunicativa de cães como proveniente de pressões seletivas ocorridas na evolução dessa espécie. Apesar de tais pressões não serem encontradas em lobos, os dados desse estudo apontam para a possibilidade de esses animais aprenderem a responder ao apontar distal momentâneo tão bem, ou em alguns casos com um número de erros ainda menor, do que de cães.
Dorey et al. (2010) analisaram os três estudos publicados com cães nos quais infantes são expostos ao paradigma de escolha de objeto, e fizeram novos testes com cães com idades entre nove a 24 semanas. Concluíram que há poucas evidências de que cães com idade inferior a 21 semanas sigam o apontar dos humanos, e que, ao contrário do que Gácsi, Kara, et al. (2009) afirmam, há uma história de aprendizagem dessas habilidades. Para eles, seus resultados foram diferentes dos de Hare et al. (2002) e dos de Gácsi, Kara, et al. por terem utilizado maior controle experimental, como explicitado a seguir.
No estudo de Hare et al. (2002), as dicas eram dadas pelo experimentador enquanto esse estava deitado no chão, e o braço permanecia estendido até que o sujeito emitisse a resposta de escolha. Dorey et al. (2010) discutem que a postura do experimentador assim como a permanência do braço esticado poderiam permitir que o sujeito se aproximasse do braço e, caminhando junto a ele, se aproximasse do recipiente correto. Além disso, a ausência de tentativas de controle, na qual não haveria dicas, impossibilitava a garantia de que dicas olfativas não estavam sendo liberadas (já que somente o recipiente que recebia a dica continha pedaço de alimento).
Dorey et al. (2010) também criticam a metodologia de Gácsi, Kara, et al. (2009), visto que, assim como em Hare et al. (2002), não houve um controle adequado do odor liberado pelo alimento colocado no recipiente e nem foram realizadas tentativas de controle. Além disso, se o sujeito não respondia durante os três segundos após a liberação da dica, essa era repetida, o que poderia funcionar como um estímulo dinâmico (em movimento) e facilitar o seguimento da dica. As análises entre responder de sujeitos mais novos e mais velhos também foram efetuadas utilizando-se intervalos muito amplos de faixas etárias.
Com o objetivo de tentar controlar a dica emitida pelo odor liberado pelo alimento, Dorey et al. (2010) realizaram um estudo com 33 cães infantes com idades entre nove e 24 semanas, distribuídos em grupos de nove a 12 semanas, de 13 a 16, de 17 a 20 e de 21 a 24 semanas de vida. Cada recipiente era formado por duas vasilhas, permanecendo uma dentro da outra, de maneira que entre ambas era mantido um pedaço de alimento, controlando-se assim a dica emitida pelo odor. Foram realizadas tentativas de controle, nas quais nenhuma dica era liberada pelo experimentador, verificando-se assim a capacidade de os sujeitos responderem sob controle de odores ou de outras dicas eventuais (como o olhar do experimentador). A dica dada nas tentativas experimentais era o apontar para o recipiente correto e depois recolher o braço, para só então o sujeito ser liberado. Os dados obtidos apresentaram diferenças significativas entre os grupos de sujeitos mais novos (de nove a 12 semanas) e mais velhos (de 21 a 24 semanas), sendo os segundos mais eficientes na tarefa, e os mais novos, praticamente incapazes de resolvê-la (tendo-se os escores se mantido na linha do acaso). Esses dados se assemelham aos do estudo de Riedel et al. (2008) quando analisados por Wynne et al. (2008), como será exposto a seguir.
No estudo de Riedel et al. (2008), a análise estatística dos dados contabilizava o resultado do grupo controle (sujeitos expostos ao teste sem a apresentação de dica, para verificar a ocorrência de dicas olfativas), de maneira que não houve diferença significativa entre o responder dos sujeitos mais novos e mais velhos. Além disso, Riedel et al. realizaram a ANOVA separando os dados de três fases de treino, o que impossibilitou que os dados das primeiras e das últimas tentativas do mesmo sujeito fossem comparados e que se verificasse um efeito de aprendizagem. Wynne et al. (2008) reanalisaram tais dados excluindo-se o grupo controle e agrupando os dados das três fases, obtendo diferenças significativas entre o responder dos sujeitos mais novos (menos hábeis) e mais velhos (mais hábeis) e entre o responder das primeiras e das últimas tentativas dos sujeitos no decorrer das fases, apontando para um desempenho mais acurado no decorrer das tentativas (para outra reanálise dos dados de Riedel et al., 2008 e crítica à análise de Wynne et al., 2008, ver Hare, Rosati, Kaminski, Bräuer, Call, & Tomasello, 2010).
Outros pesquisadores defendem o papel da aprendizagem valendo-se da função adquirida do apontar no decorrer de um treino de condicionamento operante. Elgier, Jakovcevik, Mustaca, et al. (2009) expuseram dois grupos de cães a tentativas de seguir a dica e posteriormente, um dos grupos foi exposto à extinção deste repertório (ou seja, nenhum dos recipientes, seja o apontado, seja o outro continham alimento). Com outro grupo de cães, foi realizada uma reversão de função dos estímulos (ou seja, somente o recipiente não apontado continha alimento). Em ambos os grupos, os sujeitos eram distribuídos de maneira à metade ser exposta à dica dada por um experimentador desconhecido e a outra metade, por seu dono. O grupo exposto à extinção tendeu a permanecer no ponto de partida, ou caminhar pela sala, sem se aproximar dos recipientes. O grupo exposto à reversão aprendeu a responder ao recipiente não apontado.
Um achado importante desse estudo foi o fato de a extinção ser realizada mais lentamente, e a reversão mais rapidamente entre os cães cuja dica era liberada pelos donos. Quando comparados, os resultados dos grupos indicam que a história com o humano liberador de dica é um fator a ser levado em conta em estudos acerca da comunicação homem-cão.
No Experimento 1 de Elgier, Jakovcevik, Barrera, et al. (2009), 13 cães foram distribuídos em dois grupos e expostos a um teste conflitante: Deveriam escolher entre dois recipientes (um branco e outro, preto), sendo que o recipiente que não continha alimento era apontado por um experimentador. Um dos grupos foi exposto, previamente, a um treino de responder a uma coloração específica de recipiente. Os sujeitos de tal grupo tiveram um desempenho com maior número de acertos (seis acertos, em média) do que os que não tiveram esse treinamento prévio (1,5 acertos, em média), ou seja, a dica emitida por um humano pode ser ignorada quando houver uma dica adicional (a cor dos recipientes) sinalizando um estímulo apetitivo.
Petter, Musolino, Roberts e Cole (2009), com um procedimento ligeiramente diferente (o experimentador apontava, mas também permanecia atrás do recipiente), verificaram o responder dos sujeitos a dois tipos de experimentadores: os que apontavam para o recipiente contendo alimento (cooperativo) e os que apontavam para o que não continha alimento (fraudulento). Os cães aprenderam a seguir as dicas dos cooperativos e a ignorar os fraudulentos.
Os resultados de Elgier, Jakovcevik, Barrera, et al. (2009), Elgier, Jakovcevik, Mustaca, et al. (2009) e Petter et al. (2009) demonstram o quanto o seguir dicas humanas está sob controle dos estímulos discriminativos e das consequências liberadas para essa ação, o que fortalece o ponto de vista de que as histórias de aprendizagem são primordiais para a emissão desse tipo de resposta comunicativa.
É importante deixar claro que, apesar do foco explícito em processos filogenéticos dos pesquisadores das Universidades de Leipizig e de Eötvös Loránd e em processos de aprendizagem dos pesquisadores das Universidades de Buenos Aires, Florida, Massachussetts, e das três universidades supracitadas do Canadá, o montante de artigos discutindo o papel da filogênese e da ontogênese explicitados acima não defendem posições polarizadas, ingênuas ou radicais.
As discussões de Elgier, Jakovcevik, Barrera, et al. (2009), Elgier, Jakovcevik, Mustaca, et al. (2009), Dorey et al. (2010) e Wynne et al (2008), por exemplo, deixam claro em sua argumentação, que objetivam demonstrar a relevância dos processos de aprendizado nas tarefas comunicativas entre cães e humanos, não negando que a história filogenética apresente também um papel importante. No entanto, os autores não propõem uma interpretação mais aprofundada e sintética de como filogênese e ontogênese agiriam na seleção de tais respostas. Wynne et al. (2008), Dorey et al. (2010) e Petter et al. (2009) discutem apenas brevemente acerca da importância filogenética de determinadas respostas, como a capacidade de interpretar a ação dos outros (Dorey et al., 2010), a aceitação da companhia humana, que deve ocorrer com a presença de um humano na rotina de vida desde a tenra idade do cão (Wynne et al., 2008) e uma possível predisposição inata para obedecer dicas humanas (Petter et al., 2009).
Gácsi, Kara, et al. (2009), Gácsi, McGreevy, et al. (2009), Miklósi, et al. (2005) e Riedel et al. (2008) sugerem que é possível haver influência de aprendizado no decorrer da vida dos cães, mas tal influência seria mínima quando comparada com a influência da tendência genética para responder aos estímulos sociais e ocorreria somente de maneira rápida e precoce no desenvolvimento dos cães.
Algumas tentativas de sínteses das duas vertentes foram realizadas, e serão discutidas na sessão a seguir.
TENTATIVAS DE SÍNTESE
Foram encontrados três artigos que utilizam uma explicação sintetizadora dos princípios filo e ontogenéticos discutidos pelos autores anteriormente. São eles os artigos de Reid (2009), Gácsi, Gyori, et al. (2009) e Lakatos (2011) (três autores dos últimos dois artigos, Gácsi, Miklósi e Lakatos, eram co-autores de artigos já supracitados).
Segundo Reid (2009), há quatro possibilidades de se interpretar os resultados obtidos em tantos estudos, demonstrando as habilidades sociais em cães. A primeira delas seria a total atribuição de tais habilidades ao aprendizado no decorrer da vida, portanto, processos ocorridos ao longo da ontogenia, tendo em vista a proximidade dos cães junto a humanos enquanto animais de estimação. A segunda, a total atribuição ao processo de domesticação único ocorrido com tal espécie. A terceira atribuição é ainda menos parcimoniosa, por implicar na inferência de um processamento altamente complexo: os cães teriam sido equipados com uma teoria da mente, que permitiria, por exemplo, que eles inferissem intenções nos humanos. A quarta, mais parcimoniosa e defendida por Reid, implicaria a compreensão de que a domesticação teria dotado os cães de uma sensibilidade às ações humanas tal que permitiria os processos de condicionamento serem facilitados quando no contexto dessa comunicação inter-específica.
Acredita-se ser suficientemente plausível a hipótese de que o atentar para uma estimulação proveniente de outro indivíduo, mesmo que de outra espécie, tenha sido selecionado na história evolutiva se tivesse como resultado indivíduos mais aptos a responder àquele ambiente, em especial, se as consequências para respostas posteriores a esse atentar modelarem um responder apropriado para as possíveis variações ambientais. Essa interpretação também está em sintonia com a tendência contemporânea de considerar aspectos epigenéticos no estudo do comportamento.
O termo epigenética diz respeito aos processos que regulam a expressão gênica sem que haja alteração na sequência de nucleotídeos (Burbano, 2006; Jaenisch & Bird, 2003), ou seja, implica em considerar que os genes por si só não determinam todo o desenvolvimento do organismo: a ativação dos genes seguirá diferentes caminhos no decorrer do desenvolvimento de cada organismo. O estudo de aspectos epigenéticos está implicado em uma linha de pensamento em que os indivíduos são considerados com sistemas em desenvolvimento (Michel & Moore, 1995). Para compreender os fenômenos comportamentais, leva-se em conta a interação indivíduo e ambiente considerando os diferentes níveis de complexidade existentes (gene, célula, organismos, população). Assim, a partir de uma dada herança genética, há uma diversidade de caminhos a serem seguidos, que serão construídos conforme a interação com o ambiente. Dessa maneira, uma predisposição genética para o "atentar" a um estímulo social pode ser alterada ao longo da ontogênese por processos como (1) reforçamento, (2) a expressão gênica de um determinado momento maturacional ocorrida em virtude da dieta, por exemplo, ou ainda (3) em função de outras variáveis do ambiente. Pela abordagem dos sistemas em desenvolvimento fica evidenciado que o inato e o aprendido não são opostos, mas complementares: o comportamento é construído a partir de um substrato genético, herdado, proveniente de uma história evolutiva, e se desenvolve de acordo com o meio, com a experiência, com o contexto de cada organismo. Sendo assim, não há sentido em se dizer que um comportamento é mais inato ou mais aprendido, como também não há sentido em achar que a ontogênese pode ser compreendida independentemente da filogênese e vice-versa, ou ser mais importante em uma situação do que em outra.
Gácsi, Gyori, et al. (2009) aponta para um possível papel da epigênese na construção da comunicação entre cães e humanos ao propor sua teoria sinergística. O artigo apresenta um estudo realizado com 23 cães e 29 lobos testados nas habilidades de seguir o apontar proximal aos dois meses de idade (Estudo 1), o apontar distal aos quatro meses (Estudo 2) e durante a vida adulta (Estudo 3). Cada sujeito era criado por humanos desde seu décimo dia de vida. No entanto, no Estudo 1, quatro dos 13 lobos e um dos 9 cães foram excluídos do estudo por apresentarem dificuldades em iniciar a tentativa. Também foram registradas respostas tidas como indicativas de reatividade ao controle humano: latência do olhar direcionado ao experimentador humano, mordidas na mão do experimentador e tentativa de se livrar da coleira (puxadas à guia, ficar erguido sobre as patas traseiras, virar a cabeça para trás e para frente).
Tanto os cães quanto os lobos nos Estudos 1 e 3 responderam às dicas humanas acima do acaso, não apresentando diferenças significativas entre as espécies, portanto, em seguir o apontar momentâneo aos dois meses e o apontar distal na vida adulta. No Estudo 2, no entanto, somente os cães responderam acima do nível do acaso, resultando em diferenças significativas entre as espécies (t(14) = 20.081, p = 0.936).
Foram encontradas diferenças significativas na emissão das respostas de estabelecer contato visual com humanos e resistir ao controle humano: nos três estudos, os lobos apresentavam maior latência para iniciar o contato visual e resistiam mais à coleira. Somente no Estudo 1 houve emissão de mordidas ao experimentador, significativamente mais frequentemente emitidas por lobos do que por cães, enquanto nos Estudos 2 e 3, nenhum sujeito apresentou essa resposta.
Os lobos do Estudo 1 apresentaram forte resistência à coleira e a ficar parado no início das tentativas, além de tentativas de morder o experimentador e altas latências para olhar para esse. Mesmo assim, foram tão bem sucedidos em responder às dicas proximais humanas quanto os cães, indicando que a diminuição de agressão e medo não é necessária para a realização dessa tarefa.
No Estudo 2, embora os lobos tenham tido contato intensivo com humanos, o aumento da cooperação foi correlacionado somente com menores latências de atentar para o experimentador, mas não com a capacidade de seguir a dica distal, o que confirma os dados de Miklósi et al. (2005) e Gácsi, Kara, et al (2009) de que somente cães dessa idade respondem a tais dicas.
Já os dados do Estudo 3 com lobos sugerem que o sucesso em responder às dicas humanas pode ser em parte um subproduto da seleção de menores níveis de medo e agressão, visto que os lobos nesse estudo não emitiram respostas de morder, diminuíram a resistência à coleira (mesmo ainda sendo maior que a resistência em cães) e o sucesso na tarefa de seguir a dica se correlaciona com menores latências de olhar para o experimentador. Os dados dos cães não apresentam essa correlação, provavelmente em função de um efeito de teto.
Os autores concordam com a análise de Udell et al. (2008) de que lobos adultos podem alcançar um responder semelhante ao de cães em tarefas de seguir o apontar humano através de uma rota alternativa daquela seguida pelos cães, a de um treinamento intensivo. Segundo Gácsi, Gyori, et al. (2009), os lobos aprendem, no decorrer de sua vida, a lidar com o comportamento de outros da sua espécie em contextos de busca e consumo de alimentos, e necessitam de um treinamento ainda mais intenso e demorado para aprender a atentar para os humanos enquanto liberadores de dicas nos mesmos contextos, enquanto os cães já apresentam desde tenra idade respostas de atentar para o humano e de apego a ele em um nível nunca alcançado por lobos, nem mesmo na vida adulta. Portanto, o papel dos humanos enquanto parceiros sociais para os cães é diferente nas duas espécies, como demonstra os dados do Estudo 3, no qual os lobos permaneciam resistindo mais à coleira e apresentando latências mais longas de contato visual do que os cães. Os lobos que menos apresentavam tais respostas, maior sucesso obtinham em seguir o apontar distal, tendo sua performance idêntica às dos cães.
Gácsi, Gyori, et al. (2009) defendem uma hipótese sinergística, segundo a qual tanto os níveis evolutivos quanto ontogenéticos estariam envolvidos na aquisição do responder refinado aos gestos humanos por cães. Os cães teriam evoluído no ambiente humano de maneira a modificar sua reatividade, o que os tornou mais dóceis, e também resultou em animais mais predispostos a inibir determinados comportamentos, o que permite que sejam mais cooperativos. De maneira independente, tal evolução também teria dotado os cães da capacidade de lidar com os humanos como parceiros sociais, o que exige uma socialização no início da vida bastante diminuta, quando comparada com a exigida para se socializar lobos. Concluem os autores: "Assim, espera-se que cães exibam uma sensibilidade epigeneticamente melhorada às salientes dicas comunicativas humanas" (p. 2, tradução nossa), o que seria apoiado pelas diferenças nas respostas de apego emitidas por cães e lobos e pela sensibilidade dos lobos às dicas humanas ocorrendo somente após socialização.
Lakatos (2011) defende ser improvável que uma teoria unifatorial explique completamente o fenômeno, seja ela a da seleção de comportamentos comunicativos (Miklósi et al.,1998), a do sub-produto de seleção de traços menos agressivos (Hare et al., 2002), ou a de aprendizagem durante a ontogenia (Wynne et al., 2008). Lakatos discute dados de artigos demonstrando que diversas espécies, apesar de tentativas de treinamento, não apresentam um responder tão acurado quanto os dos cães ao seguir dicas humanas (cabras – Kaminski, Riedel, Call & Tomasello, 2005; chimpanzés – Povinelli, Reaux, Bierschwale, Allain & Simon, 1997; e focas – Scheumann & Call, 2004). Esses dados, em conjunto com os diversos estudos demonstrando o treino intensivo necessário para que lobos respondam às dicas, demonstram que apesar de não se poder ignorar o aprendizado ocorrido no decorrer da vida dos cães, também não se deve lançar mão somente desse mecanismo para explicar o fenômeno da comunicação social entre cães e humanos.
As teorias defendidas pelos diferentes grupos discutidos no presente trabalho, não sendo incompatíveis, poderiam explicar em conjunto a seleção e manutenção no decorrer da vida do indivíduo de habilidades comunicativas com humanos. Nesse sentido, Lakatos (2011) apresenta uma argumentação que se aproxima da de Gácsi, Gyori, et al. (2009), segundo a qual processos evolucionários e epigenéticos devem ter agido juntos de maneira a preparar o cão doméstico para responder às dicas comunicativas humanas.
CONCLUSÃO
Tendo em vista as análises de Elgier, Jakovcevik, Barrera, et al. (2009), Reid (2009) e Dorey et al. (2010), considerar as habilidades sociais de cães como um comportamento pronto ao nascer, que não comporta forma alguma de aprendizagem pode ser perigoso, por deixar em segundo plano a discussão sobre a aquisição dessas habilidades ao longo da ontogênese. Por outro lado, tomar os processos de condicionamento ocorridos durante a ontogenia como os únicos necessários para a ocorrência de tais fenômenos implica em ignorar idiossincrasias presentes unicamente em cães e humanos (para uma revisão desses repertórios encontrados unicamente em humanos e cães, ver Hare & Tomasello, 2005). O fato de primatas não humanos não apresentarem tais repertórios, apesar da proximidade genética e de, em alguns casos específicos, terem sido criados junto a humanos, indica a necessidade da coevolução das duas espécies para ocorrência de tamanha habilidade comunicativa inter-específica.
Os estudos descritos no presente artigo, apesar de não defenderem a unicidade de determinação do comportamento pela história de vida ou história filogenética, tendem a dar tamanha ênfase em um dos determinantes que acabam por não levar em conta o outro. No entanto, as análises realizadas por Reid (2009), Gácsi, Gyori, et al. (2009) e Lakatos (2011) caminham justamente no sentido de apresentar possibilidades de sínteses entre as diferentes ciências do comportamento.
Um dos objetivos do presente trabalho é justamente exortar aos pesquisadores da área a tomar, nos próximos estudos, a proficiência do cão doméstico em seguir dicas humanas como uma especialização adaptativa para o aprendizado (Reid, 2009), e que novos arranjos experimentais sejam traçados de maneira que o responder canino às dicas humanas seja explorado mais pormenorizadamente. Neste cenário, temos a oportunidade de buscar uma nova síntese entre a Análise Experimental do Comportamento e a Etologia. Desde a publicação do célebre livro de Robert A. Hinde (1966), que trouxe uma síntese dos dados da Psicologia Animal e da Etologia sob uma ótica convergente, tanto a Etologia quanto a Análise Experimental do Comportamento tendem a deixar de lado absolutismos quanto ao debate entre inato e aprendido (Staddon, 1985), o que torna mais rica as tentativas de explicação do comportamento dos organismos. Cabe ressaltar que, apesar de encontrarmos no discurso de pesquisadores das correntes comportamentalista e etológica o reconhecimento da importância onto e filogenética, muitas vezes os pesquisadores acabam por favorecer em suas discussões o processo historicamente mais identificado com sua área.
Cada área desenvolveu seu próprio aparato conceitual para lidar com a interação entre inato e aprendido na determinação do comportamento (causas próximas e distais e múltiplos níveis de seleção), entretanto as divergências históricas vez ou outra retornam, distanciando mais uma vez as duas áreas (Lea, 1985). Diferentes formas de interpretar comportamento complexo, em termos de estruturas cognitivas ou de repertórios adquiridos serão, em última instância, dadas como adequadas ou não a partir de demonstrações empíricas. É natural que a variedade e a divergência sejam a condição atual, na medida em que se trata de investigações recentes, e é neste terreno que a síntese pode tornar-se um atalho valioso na compreensão do fenômeno em questão. Por outro lado, a divergência notada nesta revisão, qual seja a ênfase no caráter herdado do comportamento pelos trabalhos de Hare e colegas, e a crítica com ênfase na aprendizagem por Dorey e colegas, pode ser apenas uma impressão consequente da questão primordial de estudo de cada área. Nós acreditamos ser possível analisar os dados discutidos sob uma ótica conciliadora, chegando a um consenso sobre a dicotomia inato e aprendido: é impossível dissociar os aspectos filogenéticos e ontogenéticos, em especial quando do aparecimento de achados acerca da importância de processos epigenéticos na expressão dos genes no decorrer da maturação individual.
Temas como a aprendizagem social em cães domésticos, tão em voga nos periódicos científicos recentes, merecem uma análise científica do comportamento, englobando quaisquer áreas que se proponham a tal, seja a Biologia, a Etologia, a Psicologia Comparada ou a Análise Experimental do Comportamento. Não há resposta de um organismo que ocorra fora do ambiente, sem uma base genética. Entendemos que o desenvolvimento cognitivo é fruto das experiências do indivíduo com o ambiente, sendo que o que ele é capaz de fazer é restringido pelo que herdou ao nascer, sejam genes, seja ambiente. No entanto, partindo disso, há uma gama gigantesca de variações e combinações que vão ocorrendo por meio de desenvolvimento e aprendizagem. A interdisciplinaridade na pesquisa deste tema fortalece todas as partes, na medida em que cada área entra com as suas competências e passa a não ignorar as descobertas das áreas afins, ampliando o poder de compreensão e de explicação dos fenômenos estudados.
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Received: November 28, 2012
Accepted: May 02, 2013
1 Correspondência para: Liane Dahás - lianedahas@gmail.com
2 Os dados de aprendizagem social intra-específica não serão discutidos aqui, mas podem ser encontrados em Kubinyi, Pongrácz e Miklósi (2009).
3 Poder-se-ia aqui discutir em termos de intencionalidade de comunicação entre o experimentador e o sujeito. No entanto, acredita-se que tal termo, intencionalidade, deve ser evitado por não trazer benefício algum à análise. Houve sim, comunicação, visto que o responder do experimentador trazia uma dica importante ao sujeito quanto à probabilidade de obter um estímulo apetitivo, e tendo-se essa função, é provável que aumente a suscetibilidade do sujeito em atentar e responder a essas dicas. O termo intencionalidade é utilizado, por nós humanos verbais, quando dizemos ter objetivos a alcançar com nossas ações futuras. No entanto, não se está aqui analisando o comportamento verbal do experimentador.
4 Pesquisadores da Eötvös Loránd University, Hungria.
5 Pesquisadores da Eötvös Loránd University e da Hungarian Academy of Sciences, Hungria.
6 Pesquisadores da Eötvös Loránd University, Hungria.
7 Pesquisadores do Max Planck Institute For Evolutionary Anthropology, Alemanha.
8 Pesquisadores da Harvard University e do Wolf Hollow Wolf Sanctuary, Estados Unidos, e do Max Planck Institute For Evolutionary Anthropology, Alemanha.
9 Pesquisadores do Max Planck Institute For Evolutionary Anthropology, Alemanha.
10 Pesquisadores da Eötvös Loránd University e da Hungarian Academy of Sciences, Hungria.
11 Pesquisadores da University of Florida, Estados Unidos.
12 Pesquisador da University of Massachussetts, Estados Unidos.
13 Pesquisador da Dalhouise University, Canada.
14 Pesquisadores da University of Western Ontario, Canada.
15 Huron University College, Canada.
16 Univesidad de Buenos Aires, Argentina.