Introdução
A Síndrome de Turner (ST) foi descrita pela primeira vez em 1938 por Henry Turner. Trata-se de uma síndrome característica do sexo feminino que ocorre numa proporção 1:1500 a 1:2500 nascimentos vivos (GUIMARÃES et al., 2001). Segundo Wanderley et al. (2004), a ST se caracteriza pela deleção total ou parcial do segundo cromossomo sexual, resultando em uma anormalidade genética expressa através de uma monossomia, sendo assim, o estudo do cariótipo das portadoras desta síndrome normalmente indica 45 cromossomos, onde há apenas um X no que deveria ser um par de cromossomos sexuais (XX). O autor afirma ainda que, na monossomia 45, X é o cariótipo mais frequente, no entanto cerca de 30 a 40% dos casos podem se manifestar em mosaicos ou em outras alterações estruturais do segundo cromossomo X. Antunes, Júlio-Costa e Haase (2015), pontuam que, a grande variação cariotípica resulta em uma heterogeneidade fenotípica, dessa forma, ressaltam a importância de uma caracterização dos casos de cariótipo atípico para ampliar o conhecimento a respeito do perfil cognitivo destas meninas.
A ST é classificada no CID como Q96, e dentre os sinais e manifestações clínicas estão a baixa estatura, sinais de falência ovárica, linfedema das mãos e pés, as pregas alares do pescoço, implantação baixa do cabelo na nuca, alargamento do tórax, sopro cardíaco devido a cardiopatia estrutural nos primeiros anos de vida e malformações renais (MESQUITA; CRISÓSTOMO, 2004; TURNER, 1938; WANDERLEY et al., 2004).
Estudos mostram que a maioria da população com ST não tem atraso cognitivo e geralmente apresentam habilidades verbais normais ou acima da média (HONG, KENT, KESLER, 2009), mas são frequentes as dificuldades específicas de aprendizagem da matemática (MESQUITA; CRISÓSTOMO, 2004; WANDERLEY et al., 2004, MURPHY; MAZZOCCO, 2008), sendo a probabilidade de tal dificuldade se apresentar maior do que a da população geral (MURPHY, et al., 2006). Apesar da doença ter sido descrita incialmente há 80 anos e dessa predisposição da dificuldade de aprendizagem da matemática, o assunto é pouco estudado, e programas de reabilitação na dificuldade de aprendizagem da matemática específicos para a ST só foram relatados em poucos estudos recentes como no estudo piloto de Kesler et al. (2011) e no estudo de caso de Antunes et al. (2013), sendo somente este segundo em português. Desta forma, a escassez de estudos abordando as dificuldades de aprendizagem da matemática na ST demonstra a necessidade de um aprofundamento neste campo.
Nesse sentido, a avaliação neuropsicológica se mostra um importante procedimento, pois segundo Charchat-Fichman, Fernandes e Landeira-Fernandez (2012), possibilita uma compreensão detalhada do funcionamento neurocognitivo-comportamental do paciente, ou seja, se caracteriza como uma etapa fundamental no desenvolvimento de estratégias eficazes de intervenção psicológica. Consiste, portanto, na investigação das funções cognitivas e do comportamento através da aplicação de técnicas de entrevistas, exames quantitativos e qualitativos das funções que formam a cognição, abrangendo os processos de percepção, atenção, raciocínio, memória e linguagem (MÄDER-JOAQUIM, 2010). Autores como Serafim e Moraes (2016) pontuam que o propósito de uma avaliação neuropsicológica é o de estabelecer e delinear o perfil cognitivo, proporcionando a identificação e a gravidade do déficit, bem como de estabelecer os comprometimentos e as habilidades preservadas no indivíduo.
Grande parte dos estudos em ST são da área médica e, apesar da grande gama de informações sobre aspectos genéticos e hormonais na ST estarem disponíveis, a escassez de estudos sobre a dificuldade de aprendizagem da matemática relacionados a referida síndrome demonstra a necessidade de aprofundamentos nesse campo. Wanderley et al. (2004), pontuam ainda que apesar de existirem inúmeros estudos sobre a importância da reposição hormonal para contornar o problema de baixa estatura, ainda há um déficit em estudos no âmbito psicológico, cognitivo e social das portadoras de ST.
Segundo Antunes et al. (2015), na ST não há um perfil cognitivo homogêneo, o que dificulta a caracterização do perfil sindrômico ou fenótipo comportamental. No entanto, sabendo-se que as meninas com ST apresentam maior risco de desenvolver um transtorno de aprendizagem da matemática (MURPHY et al., 2006) e que existem poucos estudos de reabilitação neuropsicológica específicos do transtorno de aprendizagem da matemática na ST, o presente trabalho tem como objetivo caracterizar o perfil cognitivo de uma menina de 13 anos com ST a partir de uma avaliação neuropsicológica e discutir como a investigação de domínios e fraquezas podem direcionar a elaboração de programas de intervenção que visem trabalhar déficits cognitivos específicos da ST.
Método
A pesquisa se caracteriza como um estudo de caso exploratório intrínseco, que permite realizar uma análise detalhada procurando compreender melhor um caso particular em si (VENTURA, 2007).
Participante
Participou da pesquisa E.S.G.C.,13 anos, sexo feminino, matriculada no 7º ano do Ensino Fundamental, diagnosticada com Síndrome de Turner por um geneticista. A investigação do cariótipo se deu através de um exame FISH (Fluorescence In Situ Hybridization) Sonda centromérica XY, utilizando uma amostra de sangue periférico. O exame revelou um mosaicismo cromossômico (X0 – 5%/XX – 8%/XXX – 87%), que ocorre, segundo Vasconcelos (2007), quando há uma mistura de linhagens celulares, havendo a presença de uma linhagem normal e outra alterada. A adolescente possui 1,36 de altura e faz uso de hormônio de crescimento humano biossintético Somatropina. As queixas iniciais trazidas na ficha de inscrição da clínica de psicologia são: dificuldades em matemática, não reconhecimento de valores, como cédulas de dinheiro, e comportamentos agressivos. A pesquisa foi realizada na Clínica de Psicologia da Universidade Vila Velha e todos os procedimentos foram realizados após consentimento oral e por escrito da adolescente e do responsável legal por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido – TALE. Além disso, este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Vila Velha sob parecer nº 2.719.177.
Instrumentos e Procedimentos
A avaliação para caracterizar o perfil cognitivo da paciente incluiu os seguintes aspectos: inteligência, memória de trabalho, funções executivas, habilidades visuoespaciais, velocidade de processamento, atenção e dinâmica afetiva. As aplicações dos testes ocorreram em 6 encontros semanais, com 50 minutos de duração entre maio e junho de 2018. Foram utilizados um roteiro de entrevista de anamnese e os testes psicológicos descritos na Tabela 1. Todas as avaliações foram realizadas pela primeira autora (J. K. A. G.).
Teste | Referência |
---|---|
Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – WISC IV | Rueda, Noronha, Sisto, Santos e Castro, 2012 |
Teste de Trilhas Coloridas | Rabelo, Pacanaro, Rosseti, e Leme, 2010 |
As Pirâmides Coloridas de Pfister | Villemor-Amaral, 2005 |
Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção – BPA | Rueda, 2013 |
Figuras Complexas de Rey | Oliveira e Rigoni, 2010 |
Teste de Desempenho Escolar – TDE | Stein, 1994 |
Teste dos Cinco Dígitos – FDT | Paula, Malloy-Diniz, e Sedó, 2007 |
Fonte: Galvão e Missawa, 2022.
Para a avaliação cognitiva seguiu-se o modelo utilizado por Antunes et al. (2013) sendo os resultados obtidos comparados às tabelas correspondentes de cada teste. Também foram calculados os escores Z do desempenho da paciente em todos os testes da avaliação. Segundo Bertola, Júlio-Costa e Malloy-Diniz (2016), o escore Z é usado para diversos casos clínicos, em especial os relacionados a questões desenvolvimentais. Recomenda-se o uso de um intervalo de desempenho médio de até +1,5 ou -1,5 desvios-padrão da média e os resultados que estão fora desse padrão estabelecido a partir da curva normal, são chamados de “escores clínicos”, pois podem apresentar um impacto sobre a capacidade cognitiva do indivíduo.
Resultados e Discussão
Os resultados obtidos através da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV) revelaram um Coeficiente Intelectual total (QIT) 87, classificado como médio inferior (Tabela 2). Obteve-se um desempenho classificado como médio no Índice de Compreensão Verbal (ICV), médio inferior no Índice de Organização Perceptual (IOP), limítrofe no Índice de Memória Operacional (IMO), e médio no Índice de Velocidade de Processamento (IVP).
Teste | Subteste/Habilidade | Classificação |
---|---|---|
WISC-IV | QIT | Médio inferior |
ICV | Médio | |
IOP | Médio inferior | |
IMO | Limítrofe | |
IVP | Médio | |
BPA | Atenção Geral | Médio Inferior |
Atenção Concentrada | Médio Inferior | |
Atenção Dividida | Médio | |
Atenção Alternada | Inferior | |
TTC | Atenção Sustentada | Inferior |
Atenção Alternada | Médio Inferior | |
FC REY | Cópia | Inferior |
Memória | Médio Superior | |
FDT | Inibição | Inferior |
Flexibilidade | Inferior | |
TDE | Aritmética | Inferior |
Fonte: Galvão e Missawa, 2022.
Na Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA), utilizou-se para a classificação dos escores as tabelas de percentil por faixa etária e obteve-se um desempenho médio inferior na Atenção Geral e na Atenção Concentrada (AC), médio na Atenção Dividida (AD), e inferior à média na Atenção Alternada (AA). Já no Teste de Trilhas Coloridas, obteve-se um desempenho inferior à média na Atenção Sustentada e um desempenho médio inferior da Atenção Dividida.
No Teste de Cópia e de Reprodução de Memória de Figuras Geométricas Complexas – (Figuras Complexas de Rey), obteve-se um desempenho classificado como inferior à média na Cópia, e médio superior na Reprodução de Memória. No Teste dos Cinco Dígitos (FDT), obteve-se escores classificados como inferior tanto em inibição quanto em flexibilidade. No Subteste de Aritmética do Teste de Desempenho Escolar (TDE), obteve-se um desempenho inferior à média em relação a sua escolaridade. Os resultados de todos os testes estão apresentados na tabela 2.
Segundo Bertola, Júlio-Costa e Malloy-Diniz (2016), em estudos normativos monológicos, o desempenho dos participantes é distribuído em uma curva com formato de sino denominada curva normal. Essa curva possibilita observar visível e estatisticamente, uma faixa de desempenho a ser considerado dentro da média de acordo com a amostra de normatização de um teste e com os limites aceitáveis de variação no resultado encontrados na população normativa. A partir destes limites, são fornecidos parâmetros para julgar se um resultado obtido por um determinado sujeito está ou não dentro do esperado. Desse modo, a partir do cálculo do escore Z, é possível identificar estatisticamente o desempenho do paciente dentro da curva normal.
Observa-se na Figura 1, que o índice de memória operacional, cópia, flexibilidade e aritmética podem ser considerados clínicos, sendo esse último o resultado mais crítico. Em contrapartida, o índice de compreensão verbal e memória se caracterizam como suas potencialidades mais significativas. Apesar dos resultados serem esperados para o fenótipo cognitivo da ST a caracterização do perfil cognitivo é relevante uma vez que se mostra como uma forma de investigar a variabilidade cognitiva do perfil das mulheres com ST (ANTUNES et al., 2015). Este controle pode possibilitar a criação de subgrupos a partir do padrão cariotípico e proporcionar um maior conhecimento do perfil de cada subgrupo. Pode ainda permitir o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e específicas. Neste sentido, os autores sugerem as Escalas de Inteligência Wechsler como importantes ferramentas, pois fornecem dados clínicos acerca do perfil cognitivo do indivíduo.
Sendo assim, as habilidades verbais podem ser investigadas pelo QI verbal e as habilidades não-verbais pelo QI executivo das Escalas de Inteligência Wechsler (ANTUNES et al., 2015). Neste estudo, a versão utilizada foi a Escala Wechsler para Crianças e Adolescentes – 4ª edição (WISC – IV), e trata-se de uma bateria com 15 subtestes que avaliam diferentes habilidades cognitivas. A partir dos resultados observou-se que a participante apresenta um nível intelectual classificado como médio inferior ao esperado para a sua faixa etária. Como o WISC – IV fornece uma dimensão estimada da capacidade intelectual sob a forma de Quociente Intelectual (QI), sendo o Quociente Intelectual Total (QIT) composto por habilidades verbais e não-verbais, este rebaixamento pode ser explicado pelos déficits encontrados nos Índices de Organização Perceptual e de Memória Operacional. Este dado corrobora com os achados relatados por Temple e Carney (1995), Ross et al. (1996) e Skuse et al. (1997) citados por Hong et al. (2009) em uma revisão bibliográfica, onde verificou-se que o rebaixamento no desempenho do QI em meninas com ST geralmente é atribuído a déficits nas habilidades visuoespaciais e nas funções executivas.
O Índice de Memória Operacional (IMO) é composto pelos subtestes Dígitos e Sequência de Números e Letras e o subteste Aritmética que é suplementar, porém é utilizado para análise qualitativa dos dados. O IMO avalia as capacidades de atenção-concentração, memória imediata e memória operacional (KAEFER, 2016; RUEDA, et al., 2012). Os resultados obtidos a partir do WISC-IV revelaram um prejuízo significativo, sendo o IMO classificado como limítrofe, sugerindo dificuldades significativas na aprendizagem por memorização, codificação e raciocínio numérico, pois a memória operacional é responsável pelo processamento da informação que será armazenada, arquivamento temporário da informação e a recordação das informações. Além disso, possibilita a realização de operações matemáticas longas, uma vez que exigem a manipulação mental de várias informações ao mesmo tempo e em sequência, ou seja, a memória operacional possibilita a organização, o gerenciamento e o uso das informações (ABREU; MATTOS, 2010).
O resultado obtido a partir do subteste de Aritmética do Teste de Desempenho Escolar (TDE), evidenciou um prejuízo significativo, sendo este o dado mais expressivo conforme pode ser observado na figura 1. O subteste de aritmética do TDE é composto por duas partes, sendo a primeira com três problemas matemáticos simples verbalmente formulados e a segunda com 45 cálculos aritméticos escritos de complexidade crescente (Stein, 1994). Durante a aplicação observou-se que a participante utilizava a estratégia de contar nos dedos, indicando a necessidade do concreto para resolver as questões. Estes dados corroboram com relatos anteriores de baixo desempenho de matemática em mulheres com ST como nos trabalhos conduzidos por Murphy et al. (2006), Antunes et al. (2013) e Kesler et al. (2011).
Molko et al. (2004), pontuam que processos visuoespaciais e numéricos tem sido relacionada com uma anomalia focal encontrada no sulco intraparietal direito. Além disso, a observação de que uma doença genética ligada ao cromossomo X pode prejudicar a cognição espacial, corrobora com a hipótese de que no decorrer da evolução filogenética e do desenvolvimento infantil essas funções são estabelecidas por sistemas genéticos e neurobiológicos. Alterações neurológicas que afetam diretamente a cognição podem afetar de modo secundário o humor e a vida afetiva do paciente, especialmente em casos em que o quadro neurológico promove impacto significativo nas atividades da vida diária (CHARCHAT-FICHMAN et al., 2012). A matemática, segundo Hong et al. (2009), é extremamente dependente de funções executivas, incluindo memória de trabalho, atenção e flexibilidade mental e, indivíduos com prejuízos na memória de trabalho muitas vezes esquecem ou perdem a noção do que estavam fazendo e/ou pensando.
O teste dos cinco Dígitos (FDT), tem como objetivo medir subcomponentes das funções executivas como controle inibitório e flexibilidade mental. A flexibilidade mental é medida a partir das situações controladas, sendo elas as partes do teste de escolha e alternância. A tarefa de escolha requer que o indivíduo mantenha a atenção na contagem apesar da interferência de leitura e na tarefa de alternância o indivíduo deve intercalar entre duas operações, realizando um esforço adicional de ler conscientemente os números do grupo, e no elemento seguinte, retorna a regra habitual de contar o grupo de dígitos. Como resultado, mobiliza o indivíduo a um esforço voluntário que reduz a velocidade das repostas. Essa diminuição ocorre tanto em indivíduos normais quanto em casos clínicos, no entanto, a diminuição em casos clínicos é muito maior, permitindo assim diagnosticar a presença de dificuldade neurocognitiva (PAULA; MALLOY-DINIZ, SEDÓ; 2007). O resultado da participante obtido no FDT revelou um escore considerado clínico na capacidade de flexibilidade mental, conforme pode ser observado na figura 1.
Segundo Hong et al. (2009), a flexibilidade mental é fundamental para gerar soluções alternativas, além de reconhecer que há mais de uma solução ou abordagem para uma tarefa. Dessa forma, um prejuízo nesta habilidade pode resultar, segundo o autor, na incapacidade de compreender informações que se tornam cada vez mais complexas e que envolvem conceitos que se baseiam uns nos outros, como por exemplo a matemática.
Conforme Paula et al. (2007), uma função importante na execução do FDT é a velocidade de processamento, neste sentido, temos o Índice de Velocidade de Processamento (IVP) fornecido pelo WISC-IV, que é composto pelos subtestes Código, Procurar Símbolos e o subteste Cancelamento que é suplementar. Este índice fornece dados a respeito da capacidade de processamento visual, de decodificação de símbolos, além de dados sobre o ritmo de execução visuomotora em relação a atenção concentrada (KAEFER, 2016; RUEDA et al., 2012). Os resultados obtidos por E.S.G.C. não revelam déficits, sendo este índice classificado como médio tanto no escore Z, quanto na classificação indicativa do teste.
Os resultados da Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA) e do Teste de Trilhas Coloridas, que avaliam a atenção, não indicam dificuldades nesta habilidade. Chama-se atenção apenas para uma classificação médio inferior a partir do escore Z na Atenção Alternada do teste BPA, em contraste com a classificação média no Teste de Trilhas Coloridas. Pode-se interpretar essa diferença pela dificuldade de flexibilidade mental verificada a partir do FDT, além de diferenças nos testes, pois o Teste de Trilhas Coloridas realiza a alternância entre cores, o que possivelmente contribuiu para um melhor resultado, já que o BPA possui todos os estímulos pretos. No entanto nenhum dos escores relacionados a atenção foram considerados clínicos.
Segundo Kaefer (2016), estudos sugerem que no transtorno da matemática, os prejuízos mais observados no WISC-IV incluem, nesta ordem, os subtestes de Aritmética, todos os subtestes do IMO, o IVP e os subtestes Cubos e Raciocínio Matricial, que fazem parte do IOP. Sendo assim, temos o desempenho da participante no índice de organização perceptual (IOP), que agrupa os subtestes Cubos, Raciocínio Matricial, Conceitos Figurativos e o subteste Completar Figuras que é complementar. A partir destes subtestes, é fornecido uma medida de inteligência não verbal, da capacidade de planejamento frontal e do raciocínio visuoespacial (RUEDA et al., 2012; KAEFER, 2016). Apesar do resultado da participante não ser considerado clínico através do escore Z, o índice foi classificado como médio inferior, ou seja, seu desempenho fica um pouco abaixo do esperado para sua faixa etária, de acordo com a tabela de padronização. Autores como Hong et al. (2009), pontuam que o déficit na habilidade visuoespacial é um dos comprometimentos mais comuns observados entre os indivíduos com ST. Já autores como Kesler et al. (2011), vão além e sugerem, a partir de um estudo de neuroimagem, que as dificuldades visuoespaciais e executivas estão relacionados a anormalidades funcionais da região frontal parietal.
Meninas com ST parecem demonstrar deficiências em testes de desempenho que avaliam as habilidades visuoespaciais, pois estes testes frequentemente envolvem um fator executivo, organizacional, principalmente naqueles que envolvem estímulos completos como o Figuras Complexas de Rey (HONG et al., 2009). O Figuras Complexas de Rey, conforme Oliveira e Rigoni (2010), trata-se de um teste que avalia a memória imediata e a percepção visual, sendo considerado pelos autores, um instrumento de extrema importância para o auxílio na identificação de danos nestas habilidades. Os resultados obtidos a partir do subteste de Cópia revelaram um prejuízo significativo, sendo este considerado clínico a partir do escore Z, corroborando com os achados de Hong et al. (2009), e Antunes et al. (2013). Para Oliveira e Rigoni (2010), no teste Figuras Complexas de Rey, indivíduos não podem utilizar de estratégias verbais para compensar problemas visuais de imagem, pois o teste parece ter uma estrutura organizacional mais complexa.
Oliveira e Rigoni (2010), pontuam ainda que, um aspecto interessante do instrumento é que indivíduos que criam uma ordem significativa durante a cópia da figura, geralmente tem um melhor desempenho na evocação da memória do que indivíduos que não criam esquema ou ordem. No entanto, o resultado da parte de Reprodução de Memória indica que a participante obteve uma classificação médio superior de acordo com a classificação etária, e uma classificação média de acordo com escore Z, indo de encontro com estes autores, pois o tipo de cópia utilizado pela participante foi o Tipo IV, denominado justaposição de detalhes, onde não há um traçado de base, no entanto termina em um conjunto mais ou menos coerente, ou seja, a participante se prendeu a detalhes, e não foi capaz de identificar o retângulo central que serve de armação para a reprodução, e ainda assim obteve um resultado médio superior.
Por outro lado, o Índice de Compreensão Verbal (ICV) é composto pelos subtestes Compreensão, Semelhanças, Vocabulário, Informação e Raciocínio com Palavras. Estes dois últimos são complementares. O ICV fornece dados a respeito das habilidades verbais e avalia a capacidade de formar conceitos verbais abstratos e a organização da linguagem (KAEFER, 2016; RUEDA et al., 2012). Os resultados da participante, indicam preservação desta habilidade, no entanto o ICV, segundo Kaefer (2016), é um índice sensível à interferência de fatores emocionais e de estimulação socioafetiva e socioambiental.
O Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC), segundo Villemor-Amaral (2005), é um instrumento de técnica projetiva que propicia dados para avaliação de aspectos da dinâmica emocional e de natureza cognitiva. Os resultados obtidos a partir da aplicação do Pfister, revelam irritabilidade e certa dificuldade em canalizar e expressar emoções de maneira adaptada indicando desse modo, déficits de elementos estabilizadores. Esses dados coincidem com fatores de risco apontados por Hong et al. (2009), onde sugerem que podem ocorrer dificuldades cognitivas e de processamento de emoções em meninas com ST. Os dados do Pfister revelam ainda, certa instabilidade e insegurança frente a situações que causam ansiedade, contudo, indicam adequada capacidade de controle inibitório, dado que corrobora com o escore de Inibição obtido através do teste FDT, discutido anteriormente.
A partir dos dados discutidos, evidencia-se que o perfil cognitivo da participante demonstra forças relativas nas habilidades verbais e fraquezas nas áreas visuoespaciais e executivas, que parecem impactar diretamente sobre seu desempenho em matemática, uma vez que seu desempenho nas tarefas de aritmética é o mais relevante dentre os considerados clínicos a partir do escore Z.
Considerações Finais
Considerando os dados analisados, verificou-se que através do perfil cognitivo foi possível identificar e analisar detalhadamente os domínios cognitivos na capacidade de compreensão verbal e memória e as fraquezas cognitivas na capacidade de flexibilidade mental e em aritmética, que se mostraram importantes informações para o planejamento de um futuro programa de reabilitação cognitiva para a participante. Entretanto, vale ressaltar a necessidade de complementar a avaliação neuropsicológica com exames de imagens que permitam verificar alterações funcionais, além de avaliações de profissionais de outras áreas como neurologia e psicopedagogia, realizando assim uma abordagem interdisciplinar.
Dessa forma, sugere-se em trabalhos futuros que se realize uma reabilitação planejada a partir da caracterização do perfil cognitivo. Sugere-se ainda, que além da reabilitação cognitiva, seja feito simultaneamente o acompanhamento psicoterapêutico, como no modelo de intervenção neurocogtivo-comportamental proposto por Charchat-Fichman et al. (2012) que combina técnicas de reabilitação neuropsicológica e psicoterapia cognitivo-comportamental, tendo em vista o impacto que os fatores afetivos podem causar na cognição.