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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof v.6 n.2 São Paulo dez. 2005
ARTIGOS
Pedidos, problemas e processos: alguns dilemas da intervenção em consulta psicológica vocacional
Demands, problems and intervention processes: some dilemmas in vocational psychological counselling
Peticiones, problemas y procesos: algunos dilemas de la intervención en la consulta psicológica vocacional
Inês Nascimento1 *; Joaquim Luís Coimbra**
Universidade do Porto, Portugal
RESUMO
O pedido explicitado pelo cliente é o que primeiro informa o psicólogo do tipo de questões que aquele considera problemáticas e deseja ver resolvidas. Todavia, nem sempre a visão que o cliente possui do seu problema permite uma identificação imediata das variáveis críticas do seu estado actual, podendo mesmo dificultar o acesso a um quadro mais compreensivo das suas reais necessidades de ajuda. Neste artigo pretende chamar-se a atenção para algumas das limitações que podem estar subjacentes aos pedidos primários dos clientes, especialmente quando recorrem à consulta psicológica vocacional. Procura, igualmente, identificar-se alguns aspectos do julgamento dos psicólogos que podem levá-los a definir objectivos de intervenção discrepantes das expectativas dos clientes. Considera-se adequado que as percepções e os pedidos originais dos clientes definam os temas psicológicos iniciais do processo de intervenção mas sublinha-se a importância de motivar o cliente para a abordagem de outras áreas relevantes não enunciadas no pedido inicial.
Palavras-chave: Consulta psicológica, Orientação vocacional, Expectativas, Avaliação de necessidades, Atitudes do psicólogo.
ABSTRACT
The client’s explicit demand is what first informs the psychologist about the kind of questions that are problematic for him/her and that s/he wants to resolve. However, the client’s vision about his/her problem not always allows for an immediate identification of the critical variables of his/her present state and it could make it difficult to access a more comprehensive framework of his/her real help needs. The present article intends to highlight some limitations that may underlie the client’s primary demands, especially in vocational psychological counselling. Additionally, it tries to point out some aspects of the psychologist’s judgement, which could lead professionals to define counselling goals, that diverge from the client’s expectations. It is considered appropriated that the client’s original perceptions and requests define the initial psychological themes of the counselling process but it also emphasizes the importance to motivate the client for the accepting of other relevant intervention areas not expressed in his/her first demand.
Keywords: Psychological counselling, Vocational guidance, Expectations, Needs assessment, Counsellor attitudes.
RESUMEN
El pedido explícito del cliente, es lo que primero informa al psicólogo del tipo de cuestiones que aquel considera problemáticas y desea resolver. Sin embargo, la visión que tiene el cliente sobre su propio problema, no siempre permite una identificación inmediata de las variables críticas de su estado actual, pudiendo incluso, dificultar el acceso a un cuadro más comprensivo de sus necesidades reales de ayuda. Este artículo pretende destacar algunas de las limitaciones que pueden estar subyacentes en las demandas primarias de los clientes, especialmente cuando recurren a la consulta psicológica vocacional. Igualmente, intenta identificar algunos aspectos del juicio de los psicólogos que pueden llevarlos a definir objetivos de intervención discrepantes de las expectativas de los clientes. Se considera adecuado que las percepciones y las demandas originales de los clientes definan los temas psicológicos iniciales del proceso de intervención, pero remarcando la importancia de motivar al cliente para abordar otras áreas relevantes que no han sido expresadas en su petición inicial.
Palabras clave: Consulta psicológica, Orientación vocacional, Expectativas, Evaluación de necesidades, Actitudes de los psicólogos.
A propósito da centralidade da aliança de trabalho na intervenção em consulta psicológica, vários autores têm salientado a importância de um sentido de colaboração mútua, co-construído entre psicólogo e cliente no início do processo de intervenção, e revisto/actualizado à medida que este se desenvolva, que permita unificar as expectativas de cada um e criar um acordo em torno dos principais temas e finalidades da consulta. Desejavelmente, as expectativas iniciais de ambos em relação aos possíveis objectos da Consulta Psicológica, devem ser explicitadas e clarificadas tendo em vista o estabelecimento de um contrato que, ao enunciar as condições e objectivos da intervenção acordados, se constitua como um meio de formalização dos limites da relação psicólogo-cliente e de especificação do raio da acção do profissional consentida pelo cliente.
Embora esse acerto prospectivo de expectativas face à intervenção psicológica se revele essencial em termos da perspectivação das responsabilidades que recaem sobre cada um dos elementos do processo, nem sempre é possível que ele decorra de uma negociação verdadeiramente paritária. Situações há nas quais a ideal bi-lateralidade do contrato de intervenção é fortemente condicionada por discrepâncias ao nível da forma como, subjectivamente, psicólogo e cliente representam o problema, encaram a acessibilidade ou desejabilidade da mudança psicológica e conceptualizam a intervenção.
Obviamente que, exceptuando os casos de grave disfuncionalidade psicológica, com afectação total ou parcial da capacidade volitiva ou de comunicação do cliente (condições indispensáveis ao assegurar do contacto psicológico), parece indiscutível o direito que assiste a todos os clientes de manifestarem, através do pedido que dirigem ao psicólogo, a vontade de trabalhar em consulta uma determinada dimensão da sua vida ou do seu funcionamento psicológico. Do psicólogo será de esperar uma atitude de respeito em relação ao tipo específico de ajuda que o cliente revele pretender de si. Adoptar uma abordagem do problema que, quanto à forma e/ou ao conteúdo, seja dissonante daquela que o cliente antecipa, parece poder criar entraves ao investimento do cliente no processo de intervenção (Al-Darmaki & Kivlighan, 1993; Brown & Brooks, 1991; Gelso & Carter, 1985). Além disso, quanto mais na avaliação do problema o psicólogo se servir de explicações ou interpretações afastadas do referente imediato que é o pedido, maior será a sua susceptibilidade ao efeito enviezador das suas próprias experiências e preferências e, por conseguinte, maior a tendência para a intervenção se estender a áreas menos previsíveis.
Todavia, fidelizar a intervenção ao pedido do cliente poderá, por outro lado, torná-la redutora e ineficaz. Equivaleria, de algum modo, a pressupôr que o pedido seria transparente, manifestaria cabalmente as necessidades, intenções ou expectativas do cliente em relação ao trabalho a realizar pelo psicólogo, o que não corresponde à realidade de todos os casos. Convém não ignorar que nem sempre os motivos do cliente para o recurso à consulta se apresentam bem definidos e circunscritos sendo os pedidos, também eles, relativamente difusos e inespecíficos; nem sempre os clientes são capazes de identificar as suas necessidades dominantes e escolher, a partir delas, um determinado domínio de intervenção; nem sempre o conteúdo do pedido reflecte rigorosamente a complexidade da situação problemática; nem sempre, pelo menos inicialmente, o cliente se sente seguro para exprimir directamente no pedido as suas reais preocupações; nem sempre o pedido corresponde à visão personalizada que o cliente tem do seu problema. Mesmo que o recurso à consulta psicológica seja voluntário, é possível que o cliente apresente um pedido outorgado que não reflecte verdadeiramente a sua percepção quanto ao seu estado psicológico ou não exprime genuinamente o seu interesse na mudança psicológica. O cliente poderá ter sido habilidosamente convencido por alguma figura significativa a comparecer à consulta mediante a apresentação de explicações fictícias para a deslocação ao psicólogo. Em casos deste tipo, com o recurso à consulta psicológica, o cliente poderá não pretender mais do que atestar a sua disposição a colaborar com os significativos ou simplesmente agradar-lhes. Objectivamente, pode mesmo não haver nenhum motivo que justifique a intervenção junto desse indivíduo sendo que o pedido pode mais provavelmente sinalizar mais problemas sistémicos ou mesmo inseguranças pessoais das figuras significativas do que propriamente problemas e dificuldades reais do cliente. Pode também acontecer que o recurso ao psicólogo se faça por iniciativa e decisão independente do cliente, mas aí importa avaliar até que ponto o seu pedido não esconde uma intenção secundária como a de validar, legitimar ou prolongar no tempo comportamentos, decisões e escolhas que não são facilmente aceitas pelos seus significativos. A procura de ajuda psicológica e a presença (e não necessariamente envolvimento) no processo de intervenção pode não ser mais do que uma estratégia através da qual o cliente faz prova do seu esforço para resolver as questões problemáticas e procura conquistar uma maior tranquilidade ou solidariedade interpessoal nos seus contextos de vida. O indivíduo não está exactamente interessado em testar as suas escolhas ou modificar as suas atitudes sujeitando-as ao desafio racional do psicólogo ou ao confronto com a realidade através da exploração, mas considera que o facto de se submeter ao processo de consulta poderá, por si só, credibilizar as suas opções perante os seus directos.
Ao nível da consulta psicológica centrada no desenvolvimento vocacional abundam situações deste género. O facto de ser possível justificar as dificuldades vocacionais com factores de ordem predominantemente sociogénica (i.é, que são determinadas por certas exigências ou contingências ambientais como as que se prendem com a organização da estrutura social de oportunidades de formação ou emprego) leva a que os indivíduos percebam o recurso ao psicólogo e a apresentação de um pedido de ajuda no domínio vocacional como menos estigmatizante e potencialmente mais securizante que o recurso à psicoterapia (Imaginário & Campos, 1987; Davidson & Gilbert, 1993).
Embora possa haver noção da preponderância de aspectos não vocacionais na situação problemática, o pedido de Orientação Vocacional parece poder traduzir ou a resistência dos clientes à situação de psicoterapia (por anteciparem as implicações emocionais do processo psicoterapeutico ao nível da exploração dos seus problemas afectivos e emocionais) e/ou expectativas terapêuticas em relação à consulta vocacional (o motivo vocacional sendo apenas um pretexto que os introduz no contexto da consulta psicológica). Nestes casos, o pedido que o cliente formula não corresponde realmente às suas expectativas face à intervenção. Mais importante do que as preocupações que o cliente manifesta abertamente no espaço da consulta é, em situações deste tipo, o nível tácito do pedido porquanto a necessidade que determinou a procura do psicólogo, ainda que reconhecida e valorizada pelo cliente, não é por ele directamente explicitada durante os contactos iniciais com o psicólogo. Existe num certo sentido, um pedido que oculta uma necessidade real, eventualmente até auto-consciente, mas que é meramente implícito. Apesar de não ser verbalizada a necessidade em causa pode ser até bastante sensível e consistente podendo tornar-se ou não emergente, consoante a abordagem privilegiada pelo psicólogo e o grau de consolidação da relação psicólogo-cliente.
Talvez valha a pena diferenciar aqui a noção de pedido da noção de apelo (Zarka, 2000). O apelo estaria um grau acima da ordem das necessidades e um grau abaixo da possibilidade de as verbalizar e formalizar. Um pedido explícito de intervenção no domínio da Orientação Vocacional pode, em certas circunstâncias, ter subjacente um motivo de natureza não vocacional, advindo-lhe o carácter apelativo do facto de sinalizar motivos/necessidades de ajuda latentes para as quais não existe a formulação de um pedido. A probabilidade de um pedido vocacional apelativo serve perfeitamente como fundamento para a adopção de intervenções vocacionais extensíveis ao todo individual. Assim se justifica também que o profissional da Orientação Vocacional seja, por excelência, um profissional da Psicologia dotado de competências que lhe permitam detectar e intervir, não só sobre aspectos de foro vocacional mas sobre realidades psicológicas em desenvolvimento.
A plausibilidade destas situações, que não são apenas ilustrações retóricas mas que são realmente paradigmáticas do tipo de ambiguidades e dilemas com que os psicólogos se confrontam no quotidiano da sua prática, justifica algumas reflexões acerca da dificuldade de certas opções do psicólogo ao nível da selecção dos focos da consulta psicológica, uma responsabilidade que, embora devendo ser partilhada com o cliente, poderá nalguns casos dar lugar a uma decisão técnica só minimamente conciliada com as expectativas do cliente.
Neste artigo, a intervenção no desenvolvimento e comportamento vocacional, concebida como Consulta Psicológica Vocacional, aparecerá particularmente destacada. Considera-se que é, precisamente, no quadro das transformações recentes e crescentes da relação dos indivíduos com o mundo do trabalho que, cada vez mais, se impõe a valorização de objectivos de intervenção no desenvolvimento global e, até, psicoterapêuticos que, outrora como, por vezes ainda hoje, são excluídos das práticas mais clássicas de Orientação Vocacional (Nascimento & Coimbra, 2001). Face ao alargamento do campo da Orientação Vocacional, pressupõe-se, que a maior extensão do espaço psicológico do cliente no qual o psicólogo poderá passar a intervir, represente uma novidade inesperada para a maioria dos clientes e um projecto de trabalho mais exigente (e nem sempre mais aliciante) para o psicólogo. Tentar-se-á, igualmente, identificar alguns dos factores que são susceptíveis de influenciar o psicólogo no processo de avaliação dos pedidos levando-o a direccionar a intervenção preferencialmente para certos níveis e tipos de problemas que poderão estar mais ou menos distanciados da constelação de preocupações ou necessidades particulares dos clientes.
1. O significado dos pedidos
Attentes et motivations qui dénotent l’état d’esprit du sujet, définissent la maniére d’investir la demarche (…) La demande s’institue autour du ou des motifs dont elle représente l’enveloppe. Elle governe l’implication du sujet dans son problème et sa participation, sa coopération pour le résoudre (Zarka, 2000, p.142).
A noção de pedido remete imediatamente para o conhecimento das expectativas, das motivações e das necessidades que levaram o cliente a recorrer à ajuda psicológica, tal como estas são comunicadas ao psicólogo. As características específicas do pedido podem funcionar como pistas ou analisadores a partir dos quais se pode inferir a natureza particular da situação problemática e a disponibilidade do cliente para se envolver no processo de intervenção. A tarefa do psicólogo será tentar perceber, a partir do pedido que introduz o cliente no processo de intervenção, que aspectos do seu problema o cliente considera elegíveis para a consulta psicológica e que dimensões da situação problemática ou da sua vida o cliente não considera importante, não está disposto, não está preparado ou motivado para explorar.
A exploração do pedido, ainda que não se esgote na tarefa de avaliação das expectativas dos clientes em relação ao processo e aos resultados da intervenção, requer efectivamente que, desde logo, o psicólogo se comprometa no trabalho com esse factor (a expectativa em relação à consulta) que se admite ser uma importante dimensão processual e motivacional da intervenção psicológica (Hardin, Subich & Holvey, 1988).
As expectativas que possui em relação às condições e características do processo de intervenção e relativamente aos resultados prováveis desta, é o que permitirá ao cliente configurar o pedido de um modo mais ou menos ajustado ao que a intervenção lhe poderá oferecer e influenciará o grau da sua motivação e adaptação ao contexto de intervenção. Para aceder à compreensão do significado do pedido e poder intervir de uma forma eficaz o psicólogo tem, assim, forçosamente de inventariar as expectativas que o contextualizam.
1.1. As expectativas dos clientes em relação à Consulta Psicológica
A literatura disponível acerca das expectativas dos clientes face à intervenção psicológica é bem expressiva das dificuldades que se verificam ao nível da conceptualização e da operacionalização do constructo (ex. Galassi, Crace, Martin, James & Wallace, 1992; Tinsley, 1992; Tracey, 1992). A compreensão do impacto das expectativas dos clientes no processo e nos resultados da intervenção fica, certamente, mais dificultada na ausência de um corpo extenso e consensual de conhecimentos sobre esta temática, sobretudo ao nível da consulta vocacional onde os dados empíricos são ainda mais escassos.
Com efeito, os resultados da investigação sobre as expectativas dos clientes não são unívocos e, nalguns casos, são mesmo controversos, no que se refere, por exemplo, aos efeitos da confirmação ou informação das expectativas iniciais dos clientes (Hardin, Subich & Holvey, 1988; Tinsley, Workman & Kass, 1980). Alguns autores assinalam a necessidade de ter em conta as expectativas não como um conceito singular mas enquanto constructo bidimensional no uso do qual é possível distinguir dois sentidos-expectativa como antecipação de um dado acontecimento e expectativa como preferência por um dado acontecimento (Grantham & Gordon, 1986). Outros chamam ainda a atenção para a importância destas duas acepções não serem confundidas com as percepções acerca da consulta (Hayes & Tinsley, 1989). Estudos que incorporaram estas distinções na avaliação das expectativas dos clientes demonstraram a relevância e a validade empírica desta diferenciação. Galassi e colaboradores (1992) e Tinsley & Benton (1978, citado por Tinsley, 1992) verificaram que quer os clientes da consulta vocacional quer os clientes da psicoterapia eram mais positivos nas preferências do que nas antecipações, isto é, antecipavam ter menos possibilidades para desenvolver, durante a intervenção, os tipos de atividade e os objetivos que mais gostariam de ter oportunidade para realizar. Os clientes tinham ideias bastante claras em relação às suas preferências mas mostravam-se pouco optimistas em relação à possibilidade da intervenção corresponder aos seus desejos. Hayes e Tinsley (1989) concluíram que as percepções dos clientes divergiam claramente das suas expectativas em relação á consulta psicológica.
Apesar dos dados empíricos nem sempre serem conclusivos, as reconhecidas limitações destas investigações, levam os autores a inclinar-se para a aceitação da hipótese segundo a qual a não confirmação das expectativas dos clientes poderá afectar, e muito provavelmente de forma adversa, o processo e os resultados da intervenção. Continuam, porém, em larga medida, por esclarecer as particularidades da relação entre as expectativas dos clientes e as circunstâncias em que decorre a intervenção, nomeadamente no que diz respeito à influência de algumas variáveis presumivelmente moderadoras como a tonalidade afectiva (positiva ou negativa) da expectativa (Helson, 1964, citado por Galassi e colaboradores, 1992) e o tipo de problema apresentado pelo cliente (Hardin, Subich & Holvey, 1988).
Embora seja legítimo esperar que as expectativas dos clientes quanto, por exemplo, à duração do processo possam variar consoante se trate de um pedido de orientação vocacional ou de um pedido para psicoterapia, Hardin, Subich e Holvey (1988), não encontraram apoio para essa hipótese. Já os resultados de Galassi, Crace, Martin, James e Wallace (1992) apontam para uma menor diversidade de expectativas em relação ao papel do psicólogo nas intervenções em Orientação Vocacional comparativamente a estudos que investigaram essas mesmas expectativas no contexto da intervenção psicoterapêutica. O papel do psicólogo que é preferido pelos clientes da consulta vocacional é o papel de conselheiro que pode ajudar no conhecimento do self e na tomada de decisão. Ao nível da psicoterapia, as dimensões do papel do psicólogo mais enfatizadas pelos clientes são a aprovação, a orientação, a escuta e a relação (Tracey & Dundon, 1988, citado por Galassi e colaboradores, 1992).
Tinsley, Workman e Kass (1980) identificaram quatro factores que parecem agrupar as expectativas mais frequentes dos clientes em relação à consulta psicológica. São factores que, além de consistentes com os principais quadros teóricos existentes acerca deste tópico, se mostram potencialmente úteis para a prática da intervenção ao poderem constituir-se como referência para a avaliação do estatuto do cliente face às exigências do processo. O primeiro factor, designado Investimento Pessoal (Personal Commitment), refere-se às expectativas que o cliente possui acerca da sua própria atitude em relação ao processo de intervenção incluindo aspectos como a motivação, a abertura e a responsabilidade pessoal. O segundo factor, denominado Condições Facilitadoras (Facilitative Conditions), descreve as respostas dos clientes relativamente ao comportamento esperado do psicólogo, nomeadamente em termos de variáveis como a aceitação, a genuinidade, a confiabilidade e a confrontatividade daquele. O terceiro factor, Especialização do Psicólogo (Counselor Expertise), é representativo das expectativas dos clientes acerca da competência técnica do psicólogo enquanto especialista, assentando em critérios como os conhecimentos, a capacidade empática e o grau de directividade que os clientes contam ver patenteados na abordagem de que se tornarão alvo. O último factor, Nurturance, exprime o ponto de vista dos clientes relativamente ao apoio e ao interesse/preocupação com que esperam ser contemplados da parte do seu psicólogo. É curioso verificar que, apesar de teoricamente se poder admitir que as expectativas dos clientes em relação à sua responsabilidade no processo e as suas expectativas em relação ao desempenho do psicólogo sejam factores que, em associação, influenciam a qualidade e eficácia do processo de intervenção, os clientes tendem a perceber a competência do psicólogo e o seu próprio envolvimento como dimensões independentes (Hayes & Tinsley, 1989).
Interessantes, embora também diminutos, são os estudos que se propõem analisar as percepções dos próprios psicólogos em relação ao efeito das expectativas dos clientes no processo de intervenção. Uma investigação conduzida por Tinsley, Bowan e Barich (1993) permitiu constatar que, na perspectiva dos psicólogos, os clientes de psicoterapia e aconselhamento psicológico têm expectativas irrealisticamente elevadas em relação à probabilidade de nurturance, directividade e empatia do psicólogo e expectativas irrealisticamente baixas em relação à necessidade de motivação, abertura e responsabilidade face aos acontecimentos da intervenção bem como em relação à probabilidade de confrontação. A grande maioria destas expectativas são consideradas, pelos psicólogos, como prejudiciais ao processo de intervenção. A excepção, isto é, as únicas expectativas irrealistas que supostamente podem ter um efeito facilitador do processo de intervenção são as expectativas elevadas em relação à necessidade de estar motivado, aberto e assumir responsabilidade pessoal pela mudança e expectativas baixas em relação à directividade do psicólogo. Parece, assim, reforçar-se a conclusão de Horenstein e Houston (1975, citado por Hardin, Subich & Holvey, 1988) segundo a qual uma confirmação máxima das expectativas dos clientes pode não ser tão vantajosa para o processo de intervenção quanto, à partida, se poderia supôr. Aliás, já Tinsley, Workman e Kass (1980) haviam também alertado para o facto das variações na intensidade das expectativas dos clientes em relação a certos factores do processo de intervenção poderem ser usadas pelo psicólogo como critérios de prognóstico, com as expectativas mais moderadas a parecerem mostrar-se mais adaptativas. Por vezes, as expectativas de que os clientes são portadores relativamente à consulta psicológica, encontram-se fortemente desajustadas dos princípios orientadores da intervenção. A consulta psicológica vocacional é talvez o contexto no qual mais se evidencia este desfasamento entre as representações dos clientes e as características do processo de intervenção. Pelo menos assim tende a acontecer quando se considera não as abordagens tradicionais de traço-factor, mas as práticas que se inspiram nas evoluções mais recentes dos modelos teóricos da intervenção vocacional (Campos & Imaginário, 1977; Campos, 1980, 1989a, 1989b, 1991; Campos & Coimbra, 1991; Imaginário & Campos, 1987; Savickas, 1996; Super, 1980, 1990; Krumboltz, 1993). Além da sobrevalorização do papel do psicólogo no processo de intervenção, a sobreconfiança no valor preditivo e na eficácia da psicometria é uma das tendências mais comuns que se observa nos clientes que apresentam pedidos de natureza vocacional. É também das mais perigosas porquanto se trata de um mito que pode provocar enviezamentos nas expectativas dos clientes em relação ao processo de intervenção e, consequentemente, afectar os seus investimentos nesse processo (Nevo, 1987; Stead & Watson, 1991).
Embora não haja resultados disponíveis em relação à realidade portuguesa, a experiência de intervenção neste domínio parece de facto confirmar que a maioria dos clientes que recorrem à orientação vocacional (estudantes do 9º e 12º ano de escolaridade) perspectivam a intervenção como um dispositivo de avaliação psicotécnica e encaram os resultados dos testes psicológicos como determinantes na tomada de decisão vocacional. A preocupação com o problema imediato que é o de escolha de um domínio ou de uma via de formação, a representação social dominante da Orientação Vocacional como uma intervenção de curto prazo e a grande popularidade dos testes psicológicos, não permite que jovens e pais antevejam que o sucesso da tarefa de escolha depende de um aspecto crucial que é a própria contextualização do comportamento vocacional no conjunto das experiências que lhes permitiram/ permitem desenvolverem-se globalmente enquanto pessoas (Campos & Coimbra, 1991).
Certamente que os indivíduos não têm obrigação de conhecer os racionais que sustentam a prática dos psicólogos de quem se vão tornar clientes para poderem esperar outros moldes de intervenção e terem uma visão menos simplista e empobrecida da Orientação Vocacional. A forte e persistente adesão dos psicólogos que trabalham no domínio da Orientação Vocacional a modelos tradicionais da Orientação é o que talvez mais explica que as práticas deles decorrentes sejam hoje as que possuem maior visibilidade social. Mas, o que mais interessa destacar e reflectir, é quais as implicações da oferta de um modelo de intervenção em Orientação Vocacional inovador, apoiado numa visão mais compreensiva e holística do cliente enquanto sujeito psicológico (Campos, 1980; Campos & Coimbra, 1991; Campos & Imaginário, 1977), a clientes que possuem expectativas nalguns casos opostas às do profissional, no que se refere ao que lhes deve ser oferecido na intervenção de que se tornam alvo.
Com efeito, o psicólogo que adopte uma concepção mais alargada da Orientação Vocacional como Consulta Psicológica Vocacional (Campos & Coimbra, 1991; Imaginário & Campos, 1987), arrisca-se a conceptualizar o problema vocacional e a planear a intervenção de uma forma que não corresponde ao que o cliente espera. Quando a intervenção em Orientação Vocacional adquire a forma de projecto psicoeducativo e adopta estratégias que se propõem influenciar o próprio processo de construção da identidade (Campos & Imaginário, 1977; Campos, 1980, 1989a, 1989b; Campos & Coimbra, 1991), e os clientes apenas procuram ter acesso a um tipo especial de tecnologia psicológica (os testes) consequência a esperar é, seguramente, a desconfirmação das expectativas dos clientes.
Tal constatação é tão mais inquietante quanto se conhece a importância do acordo entre as visões do mundo (também, das visões do problema e das formas de o resolver) e as expectativas do psicólogo e do cliente a nível da aliança de trabalho (Al-Darmaki & Kivlighan, 1993; Gelso & Carter, 1985) e quanto se sabe que incongruências marcadas entre as expectativas do cliente e as do psicólogo poderão conduzir ao aborto do processo de intervenção (Brown & Brooks, 1991). Até pode acontecer que, por conformismo, por esperança numa prescrição que, embora negada, julguem apenas adiada, ou, simplesmente, por se sentirem atraídos pela dinâmica de actividades não convencionais, os clientes permaneçam assíduos aos vários momentos do processo de intervenção. Mas é provável que a motivação para continuar se torne periclitante à medida que o cliente se aperceba que a recusa do psicólogo em divulgar qual a escolha certa a fazer é definitiva e não uma surpresa guardada para o fim.
Mesmo que se considere que a intervenção foi benéfica em termos da securização do cliente e do alívio da ansiedade por si experienciada, mesmo que no final da intervenção o discurso do cliente acerca da escolha seja mais complexo e diferenciado, talvez valesse a pena saber se esta foi para o cliente uma experiência significativa e se estes ganhos são reconhecidos por si e atribuídos às metodologias da intervenção ou a outras variáveis do processo. Talvez fosse interessante avaliar em que medida a abordagem de tópicos não exclusivamente vocacionais, isto é, afectivo-motivacionais e sócio-emocionais e o recurso a estratégias de exploração vocacional e não à psicometria é percepcionada como relevante para a eficácia da intervenção por clientes que esperam que a consulta vocacional se resuma à administração de provas psicológicas e ao fornecimento de informação sobre o mundo das formações/profissões. Os resultados talvez nos permitissem constatar que o regime das “três entrevistas e uma nuvem de pó” (Crites 1981, citado por Spokane, 1991) pode, apesar do seu flagrante reducionismo, continuar a ser o formato de intervenção eleito pela maioria dos consumidores actuais de Orientação Vocacional.
Pode até ser que um processo de intervenção altamente padronizado não seja do inteiro agrado do cliente. É provável que uma intervenção programada de forma inflexível crie mais necessidades do que aquelas a que dá resposta e, por isso, não satisfaça totalmente os clientes (Imaginário, 1985). Talvez o cliente possa preferir as experiências de exploração directa da realidade das profissões e das formações e sinta prazer na atenção que o psicólogo dedica ao discurso narrativo que a partir delas o vai chamar a produzir. Mas, posicionando-se pragmaticamente, o cliente talvez, não possa deixar de se sentir seduzido e considerar mais eficazes as práticas de intervenção que em menor intervalo de tempo, lhe fornecem resultados mais concretos e que menos responsabilidade pessoal e esforço exigem de si.
Pode argumentar-se que o que conta é que a intervenção tenha alcançado os seus objectivos mesmo que o cliente não tenha consciência dos efeitos por ela, efectivamente, produzidos ou que, até, a desqualifique. Este não deixa, porém, de ser um argumento discutível se se admitir que a avaliação que o cliente faz dos seus recursos pessoais (supostamente, aumentados pela intervenção) influencia a forma como lida com os acontecimentos e se não se ignorar o facto de que as percepções dos clientes quanto ao processo de intervenção vocacional se revestem do maior interesse para a progressiva modificação dos estereótipos a ele associados.
Um apontamento cabe desde já aqui fazer relativamente à insuficiência dos conhecimentos hoje disponíveis sobre os factores do sucesso das intervenções em consulta psicológica vocacional. Estudos comparativos de intervenções congruentes com as expectativas e pedidos dos clientes e de intervenções que, embora desfasadas dessas expectativas ou pedidos iniciais, se revelem mais integradoras e próximas da dinâmica de funcionamento psicológico, certamente que permitiriam, ao psicólogo, compreender o impacte das próprias expectativas do cliente vocacional a nível do processo e dos resultados da intervenção. Investigar o diferencial de desenvolvimento associado a metodologias clássicas de intervenção vocacional (centradas na transmissão de informação e em procedimentos de avaliação psicológica) ou a abordagens alternativas (privilegiando a exploração reconstrutiva), contribuiria, por seu turno, para que o profissional pudesse fazer opções mais eficazes e eficientes ao nível da prática da intervenção.
2. A Avaliação do(s) Problema(s)
A client is simply what he is. If he had a perfect outlook on life, the (clinical) psychologist would be out of a job. (Kelly, 1991, p. 14)
The client should be invited to say what he believes his problems are. The clinician who privately disagrees with him and lets it go at that makes a serious mistake. (Kelly, 1991, p.169)
Tratando-se a consulta psicológica de um processo de influência interpessoal, que se estrutura a partir de interacções, não se pode descurar a relevância que também as expectativas do profissional têm na determinação da forma e do resultado do processo de intervenção. As expectativas de um e de outro interagem e são susceptíveis de influenciar o comportamento de cada um na situação de consulta ao longo de todo o processo (Brown & Brooks, 1991; Fuller & Hill, 1985; Tinsley, Workman & Kass, 1980).
Dada a presumível confiança do psicólogo nos pressupostos teóricos dos modelos que escolhe para orientar a sua prática, é de esperar que as expectativas mais optimistas do profissional em relação às condições do sucesso da intervenção repousem, em larga medida, nos esquemas téorico-conceptuais que adoptam para validar as suas opções estratégicas e instrumentais. Todavia, há outros factores ou crenças, que não as expectativas teoricamente fundadas, que são susceptíveis de influir na conceptualização do problema e no tipo de apoio prestado ao cliente. A relevância da análise desses factores, justifica-se, precisamente, pela importância que eles assumem na fase de avaliação das necessidades dos indivíduos ao induzirem o profissional à escolha de determinados focos de intervenção mais ou menos esperados pelos clientes.
Particularmente interessante parece ser abordar este conjunto de factores a partir da diversidade de posições assumidas no debate acerca da pertinência e do interesse prático da demarcação consulta pessoal (psicoterapia) versus consulta vocacional. A crença de alguns psicólogos na existência de uma divisão clara entre a intervenção no domínio pessoal e a intervenção no domínio vocacional parece ter implicações nas suas atitudes face à consulta psicológica.
2.1. O Viés Introduzido pelo Pedido Inicial: Diferenças de Práticas em Função do Pedido
Ao nível de alguns serviços de consulta psicológica, os clientes são frequentemente solicitados a indicar nas fichas de inscrição se o seu problema é de ordem vocacional ou pessoal e se pretendem um acompanhamento psicoterapêutico ou uma intervenção vocacional. Ao contactar com essa ficha antes do primeiro encontro com o cliente, o psicólogo tem acesso imediato a informação sócio-demográfica acerca daquele e a uma primeira indicação relativamente à natureza do pedido, o que lhe permite formular a priori algumas hipóteses em relação ao problema do cliente e até em relação ao tipo de intervenção que provavelmente terá lugar.
A partir desse momento, é natural que o profissional desenvolva determinados pré-conceitos e crie determinadas expectativas que o deixem vulnerável à ocorrência de viés inferencial. Perante um adolescente do 9º ano de escolaridade cujo pedido seja de Orientação Vocacional, o psicólogo poderá desenvolver a expectativa de que estará perante um caso típico de escolha de um agrupamento de estudo e que a sua intervenção deverá ser planeada tendo em vista os objectivos específicos prototipicamente definidos para situações desse género.
A impressão inicial formada pelo psicólogo a partir do conhecimento prévio de alguns dados do cliente pode, assim, funcionar como uma âncora cognitiva que o poderá influenciar na abordagem posterior do problema do cliente (Morrow & Deidan, 1992). Nestas situações o psicólogo, pode, inclusivamente, ser levado a descurar a avaliação e a intervenção junto de outras dimensões do desenvolvimento dos clientes que embora não espontaneamente expostas por aqueles, possam ser críticas no sucesso da própria consulta.
Há, com efeito, evidência considerável para o facto da prática da intervenção ser diferenciada consoante o tipo de pedido que seja identificado pelo psicólogo. Foram encontradas pela investigação diferenças significativas nas respostas de psicólogos em formação a problemas vocacionais-educativos e a problemas sociais-pessoais (Melnick, 1975). Semelhanças no nível de ansiedade de clientes com e sem preocupações vocacionais parecem também reflectir-se em conceptualizações e estratégias terapêuticas diferenciadas com os clientes não vocacionais a serem alvo de intervenções significativamente mais breves (Gold & Scanlon, 1993).
Os resultados de um estudo de Gelso, Prince, Cornfeld, Payne, Royalty e Wiley (1985) sugerem igualmente que os casos de clientes com problemas não vocacionais são tratados pelos profissionais de forma mais cuidadosa que os casos de clientes que apresentam problemas primariamente vocacionais, o que, segundo os autores, parece acontecer em função da visão que os profissionais têm dos problemas vocacionais como menos graves ou menos geradores de disfuncionalidade. Os registos dos profissionais em relação aos clientes vocacionais mostram-se mais breves e mais pobres caracterizando-se pela ausência de informação pertinente relativa à personalidade, às dinâmicas familiares, ao grau de desenvolvimento, à motivação do cliente para o processo ou às atitudes e reacções do cliente à própria situação de consulta (Gelso e colaboradores, 1985). O estudo de Spengler, Blustein e Strohmer (1990) não confirmou, contudo, a hipótese segundo a qual a gravidade dos problemas pessoais estaria positivamente relacionada com a propensão dos psicólogos a negligenciar os aspectos vocacionais. De acordo com os autores, a desatenção a problemas vocacionais verificava-se mesmo quando a gravidade do problema pessoal era igual ou superior à gravidade do problema vocacional, o que é explicado pela possível interferência da preferência do profissional.
2.2. As Preferências e Interesses dos Profissionais
Quando, informalmente, se questiona os psicólogos ou os estudantes de psicologia relativamente à sua representação em relação à consulta pessoal e à consulta vocacional as respostas são eloquentes. As suas expectativas aparecem bem demarcadas em função do domínio de intervenção parecendo quase apontar para uma dicotomia entre os dois tipos de consulta psicológica com os profissionais e futuros profissionais a revelar uma menor sensibilidade às questões vocacionais comparativamente ao entusiasmo que manifestam em relação à intervenção psicoterapeutica. Não pode esquecer-se que, tal como os clientes, também os psicólogos estão expostos a certas concepções veiculadas socialmente sobre as características do exercício profissional num e noutro domínio de intervenção e que as suas escolhas e preferências são influenciadas por elas.
Mesmo que se considere a classificação da consulta psicológica em duas categorias discretas de intervenção como uma operação de natureza meramente perceptiva, pode certamente especularse acerca da forma como a percepção e a construção de significados para os acontecimentos da consulta, incluindo a avaliação do problema, se reflecte no julgamento e nas próprias linhas de acção dos profissionais (Haverkamp & Moore, 1993).
A exploração de aspectos relativos a domínios de foro pessoal, por exemplo, parece não aumentar a percepção dos profissionais quanto à eficácia da intervenção vocacional. Na perspectiva dos profissionais da Consulta Vocacional os resultados da intervenção são superiores quando o conteúdo das consultas reflecte o domínio tradicional e estrito da intervenção definido como vocacional do que quando é focado o domínio pessoal mais alargado (Philips, Friedlander, Kost & Specterman, 1988).
Para melhor compreender esta crença dos profissionais, convém não perder de vista a conclusão de estudos que revelam que os profissionais estão menos interessados em desenvolver intervenções de incidência vocacional do que em intervir em áreas requerendo intervenções virtualmente mais terapêuticas (Manuele-Adkins, 1992; Pinkney & Jacobs, 1985). Em conjugação com os dados das percepções de eficácia pode colocar-se a hipótese dos profissionais sobreinterpretarem os resultados da sua intervenção relativamente aos domínios nos quais se sentem mais preparados para intervir e nos quais preferem exercer a sua actividade e subestimarem a importância da intervenção em domínios nos quais se percebem menos competentes ou consideram menos gratificantes. Warnke e colaboradores (1993), referindo-se às representações dos estudantes de Consulta Psicológica sublinham mesmo o predomínio de duas atitudes que se relacionam, por um lado, com as assunções dos psicólogos em formação acerca do valor da consulta vocacional (um ramo da psicoterapia pouco estimulante e desafiante) e, por outro lado, com a ansiedade daqueles em relação às suas competências de intervenção no campo vocacional (um campo especializado tão marcadamente diferente da consulta pessoal que exige competências específicas não possuídas por si e no qual se sentem desconfortáveis para intervir).
De algum modo, pode identificar-se como determinantes desta atitude de desinteresse em relação a dimensões não vocacionais, dois enviezamentos inferenciais: um que resulta da tendência do psicólogo para percepcionar as situações em função da representatividade que aquelas possuem ao nível da sua experiência profissional ou em função da disponibilidade dos seus conhecimentos para intervir sobre elas (Morrow & Deidan, 1992). No primeiro caso, poderia colocar-se a hipótese do profissional da Orientação Vocacional não considerar relevante a abordagem de tópicos pessoais por, na sua prática, só raramente a situação vocacional se encontrar associada a outras variáveis psicológicas. No segundo caso, poderá considerar-se que o profissional baseia a sua avaliação em informação mais saliente que é a que o pedido de Orientação Vocacional exprime facialmente (e sobre a qual a sua memória de trabalho prontamente se encontra disponível para trabalhar) não se preocupando em explorar informação menos saliente ou menos consistente com o pedido ou com os seus próprios interesses.
O reduzido interesse que os profissionais da Psicologia revelam pelo comportamento vocacional dos indivíduos pode, inclusivamente, levá-los a negligenciar a avaliação e a intervenção em problemas vocacionais nos casos em que estes surgem concomitantemente com problemas pessoais: “We labelled the possibility that the diagnostic and treatment importance of vocational problems is minimized when there are coexisting personal problems, vocational overshadowing” (Spengler, Blustein & Strohmer, 1990, p. 372). A preferência do psicólogo por um tipo de problema que pessoalmente se revele para si mais interessante pode, assim, condicionar a avaliação do problema e ter um efeito nefasto em fases subsequentes do processo de intervenção. Na primeira investigação realizada sobre este fenómeno de marginalização dos aspectos vocacionais, Spengler, Blustein e Strohmer (1990) verificaram que os psicólogos que revelavam uma preferência mais marcada pela intervenção em problemas pessoais identificavam com menor probabilidade problemas vocacionais e desenvolviam menos actividades de exploração vocacional quando o problema pessoal era tão grave ou duas vezes mais grave que o problema vocacional.
O interesse expresso pelos profissionais não fornece evidência directa da relação que poderá existir entre o grau de interesse pessoal pelo domínio vocacional e a proficiência ou eficácia da intervenção neste campo. No entanto, é razoável esperar-se que o interesse pessoal do psicólogo pela tarefa, juntamente com o estatuto mais ou menos elevado reconhecido à intervenção vocacional, influencie fortemente, o seu desempenho e se torne um factor significativo ao nível da qualidade dos serviços prestados aos clientes (Betz & Corning, 1993; Manuele-Adkins, 1992; Pinkney & Jacobs, 1985).
3. Alguns Alertas Finais
Este conjunto de dados é bem expressivo de como a leitura que, a partir do seu quadro interno de referência, o psicólogo fizer de um dado pedido pode resultar numa intervenção omissa, parcelar e desajustada das necessidades do cliente. Embora patenteiem um maior interesse dos profissionais pelas questões não vocacionais, e, por isso, possam ter mais significado em termos da exclusão das questões vocacionais da intervenção psicoterapêutica, ao nível da consulta psicológica vocacional, são dados que alertam para a hipótese dos temas não vocacionais, quando valorizados pelos profissionais na avaliação do pedido, se poderem sobrepor aos objectivos de exploração e intervenção sobre dimensões especificamente vocacionais. Na medida em que descrevem a crença dos profissionais da Orientação Vocacional na inutilidade da abordagem de aspectos que transcendam a ordem do vocacional expressa no pedido, são dados também preocupantes ao nível da intervenção vocacional. Sugerem, afinal, alguma incúria em relação aos cuidados dispensados ao cliente vocacional bem como a possibilidade das intervenções vocacionais lidarem só tangencialmente com outras dimensões vocacionalmente relevantes do sistema pessoal dos clientes, o que, também constituiu uma limitação à sua eficácia.
Em situações nas quais o pedido vocacional dos clientes não manifeste a presença co-lateral de outras dificuldades e estas sejam detectadas parece não restar ao profissional outra saída que não seja identificar, escolher cuidadosamente e sequenciar no curso da intervenção de uma forma criteriosa, todos os potenciais focos de intervenção. Será, no entanto, essencial assegurar que o cliente percebe a relevância e a utilidade para si da abordagem de questões não contidas no seu pedido inicial, avaliar se o cliente está interessado em ampliar e/ou reformular esse pedido, se está disponível para as mudanças implicadas e averiguar se o cliente reconhece legitimidade e competência ao psicólogo para continuar a intervir apesar da viragem do processo para outros objectivos. Se alguns clientes prontamente compreendem as vantagens de uma intervenção mais alargada, outros poderão mostrar-se mais resistentes à possibilidade/necessidade da intervenção contemplar aspectos não estritamente vocacionais. Nestes casos, é também responsabilidade do psicólogo sensibilizar os clientes para a existência de áreas de necessidade de intervenção menos evidentes, adoptando estratégias que sejam sensíveis e responsivas às expectativas e pedidos iniciais mas que possam, simultaneamente, favorecer uma progressiva tomada de consciência da complexidade dos factores envolvidos no problema concreto apresentado. Persuadir e motivar o cliente para a integração no processo de consulta de todas as dimensões do seu funcionamento psicológico que se mostrem relevantes para a resolução da situação problemática actual, torna-se indispensável quando se deseja prestar ao cliente uma ajuda completa e de qualidade.
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Recebido: 12/12/05
Aceite Final: 30/01/06
1 Endereço para correspondência: Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200 Porto, PT. Fone: 351 22 6079700. E-mail: ines@fpce.up.pt
Sobre os autores
* Inês Nascimento é assistente-convidada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto; coordenadora Executiva do Serviço de Consulta Psicológica de Orientação Vocacional da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto; membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.
** Joaquim Luís Coimbra é professor-associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto; membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.