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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof v.6 n.2 São Paulo dez. 2005
ARTIGOS
O projeto profissional familiar como determinante da evasão universitária - um estudo preliminar1
The family professional project as an important reason for university abandon - a preliminary study
El proyecto profesional familiar como razón importante del abandono de la universidad - un estudio preliminar
Universidade de São Paulo, São Paulo
RESUMO
Apresenta um relato da pesquisa que estudou a hipótese de que cada estudante tem um projeto pessoal e profissional destinado a si por sua família, podendo ou não incluir o estudo universitário, e que a explicitação dos aspectos sócio-históricos da construção desse projeto nos ajudaria a entender a evasão universitária. A amostra continha 155 estudantes evadidos do curso de psicologia de uma universidade privada de São Paulo durante o período de 2000 a 2004, utilizando-se questionário fechado e entrevistas semi-abertas com categorias prévias de investigação acerca dos motivos da evasão, geralmente causados por dificuldades: financeiras; vocacionais; educacionais ou de dedicação. Os principais resultados apontam que a dificuldade financeira aparece como explicação objetiva e aceitável pela família (53,54%), mas a explicitação da construção do projeto profissional familiar ajudou-nos a entender como o habitus dos sujeitos e a crise do modelo universitário sobredeterminaram significativamente sua trajetória de vida e a conseqüente evasão.
Palavras-chave: Evasão universitária, Projeto de vida, Trajetória acadêmica, Cursos de graduação.
ABSTRACT
This article presents the report of a research that studied the hypothesis that each student has a personal and professional project designed for them by their family, which can include studies at a university or not; it also tests if the explaining of the social and historical aspects of that project would help to understand the reasons for university abandon. The sample consisted of 155 students that had abandoned the Psychology Course they attended at a private university in São Paulo, during the period from 2000 to 2004. Data were collected by means of a questionnaire and a semi-structered interview including categories defined, a priori, that explained the reasons for abandoning studies. Those categories included financial, vocational, educational and commitment difficulties. The findings pointed out that the financial difficulty appeared as an objective and acceptable explanation by the family (53,54%). On the other hand, explanation of the construction of the family professional project helped understand how the subjects’ habitus and the crisis in university pattern contributed significantly to explain the subjects’ university career and university abandon.
Keywords: University abandon, Life project, University career, Graduate courses.
RESUMEN
El artículo presenta un informe de la encuesta que estudió la hipótesis que cada estudiante tiene un proyecto personal y profesional deseado para ellos por su familia, que puede incluir estudios en la universidad o no, y que la explicitación de los aspectos sociales y históricos de esto proyecto ayudaría a la comprensión del abandono de la universidad, a través de una muestra de los estudiantes que habían abandonado sus cursos de una universidad particular de la ciudad de São Paulo durante el período a partir de 2000 a 2004. Se aplicó um cuestionario cerrado y una entrevista semicerrada con categorias de investigación (dificultades financieras; vocacionales; educacionales o de dedicación). Los resultados principales han precisado que la dificultad financiera apareció como explicación objetiva y aceptable de la familia (el 53.54%), pero la explicitación de la construcción del proyecto profesional familiar era una buena ayuda para entender como el habitus de la muestra y la crisis de la universidad, dirigían perceptiblemente su trayectoria de la vida y resultabán su salida consiguiente de la universidad.
Palabras clave: Abandono de la universidad, Proyecto de la vida, Trayectoria académica, Enseñanza de grado.
O tema da evasão tem aparecido com freqüência nas discussões acerca da universidade, pois se tornou um fenômeno complexo e que está interferindo na gestão universitária por todo Brasil, seja na universidade pública, seja na privada. No Brasil, as pesquisas sobre evasão começaram a se tornar freqüentes a partir da constituição de uma Comissão Especial de Estudos sobre Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras realizada pelo Ministério da Educação e Cultura em 1995, (os resultados de suas pesquisas são de suma importância para a temática aqui abordada), pois o número de vagas no ensino superior teve um crescimento considerável no Brasil somente a partir de 1985 (Almeida & Veloso, 2002; Cunha, 1997; Cunha, Tunes & Silva, 2001; Machado, Melo Filho & Pinto, 2005; Paul & Silva, 1998; Pereira, 1995; Ribeiro, 2002; Ristoff, 1999; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996). Mas como podemos definir evasão?
A Comissão Especial do MEC, Brasil (1995), define o fenômeno como a saída definitiva do aluno do seu curso de origem sem concluí-lo. Essa definição é compartilhada por Ristoff (1999), mas o autor separa evasão de mobilidade que seria o fenômeno de migração para outro curso, apontando que um aluno que abandona definitivamente um curso pode ter migrado para outro, o que não constituiria um desligamento da universidade, mas sim uma transferência interna. Pereira (1995) amplia essa definição dizendo que a evasão ocorre quando o aluno deixa a universidade sem concluir nenhum curso, o que excluiria a opção da mobilidade.
Temos, ainda, a situação do aluno que abandona uma universidade para ingressar em outra, configurando a situação de transferência externa, o que define a evasão de uma dada universidade, mas não o desligamento do sistema de ensino superior.
A Comissão Especial de Estudos sobre Evasão do MEC (1995), especifica três modalidades de evasão, como forma de gerar uma precisão conceitual e possibilitar a comparabilidade dos resultados. São elas:
- evasão do curso: desligamento do curso superior em função de abandono (não-matrícula), transferência ou reescolha, trancamento e/ou exclusão por norma institucional;
- evasão da instituição: desligamento da instituição na qual está matriculado; e
- evasão do sistema: abandono definitivo ou temporário do ensino superior.
Na presente pesquisa optou-se por utilizar evasão como o desligamento do sistema de ensino superior, sem transferência externa ou interna, marcado pelo desligamento de uma universidade e o não ingresso em nenhuma outra, conforme define a própria Comissão Especial como evasão do sistema.
O Relatório sobre a Evasão na Universidade de São Paulo desenvolvido durante os anos de 1995 a 1998 NAEG e CEPPPE-FEUSP (2004) divide, ainda, evasão real de evasão formal:
- evasão real: seria a ruptura dos vínculos do aluno com o curso e/ou universidade, caracterizado como momento de evasão, sendo “... aquele imediatamente posterior ao último semestre em que o aluno concluiu algum crédito com sucesso, ou seja, quando ocorreu seu último contato com a universidade” (18-19); e
- evasão formal: seria o desligamento oficial da universidade, no qual o aluno formaliza o momento de desligamento e que geralmente acontece um tempo depois da evasão real. Os estudos desenvolvidos pelo NAEG e CEPPPE-FEUSP (2004) apontavam a necessidade de entender os motivos que levaram à evasão real, que, mais tarde, irão originar a evasão formal.
Apesar da idéia de “evasão universitária” não ser consensual, como indica a Comissão Especial do MEC, Brasil (1995), e cada estudo abordar diferentes definições para esse fenômeno, todos eles trazem possíveis motivos que levariam o estudante a abandonar um curso, uma universidade ou se desligar do sistema de ensino superior, sendo importante citálos como referência. Quais seriam esses motivos?
Nas principais pesquisas desencadeadas após 1985 muitas são as possíveis causas para a evasão universitária, dentre elas questões de ordem: financeira; de ajustamento ao curso e/ou universidade escolhida; educacional (déficits no ensino fundamental e médio que complicam o aproveitamento e o desenvolvimento do aluno) ou de dedicação (alunotrabalhador). Paredes (1994) nos fornece um quadro sintético das possíveis causas da evasão, separando em dois grandes grupos:
(1) Causas internas à universidade, ou seja, o aluno desistiria do curso em função de discordância ou descontentamento acerca do método didático pedagógico, do corpo docente e/ou da infra-estrutura universitária;
(2) Causas externas à universidade e mais vinculadas ao aluno como dificuldade de adaptação ao ambiente universitário, problemas financeiros, curso escolhido não era o que o aluno esperava e/ou problemas de ordem pessoal das mais variadas espécies (mudança de residência, doenças, problemas familiares, conjugais e/ou psicológicos).
Machado, Melo Filho e Pinto (2005) apontam que os problemas responsáveis pela evasão são: desconhecimento do curso e/ou carreira, falta de apoio para poder estudar e trabalhar simultaneamente e situação financeira familiar ruim. Cunha, Tunes e Silva (2001) indicam o desamparo e a falta de informação na chegada ao curso, o despreparo do aluno para lidar com o sistema universitário e a impossibilidade de estabelecer vínculos pessoais significativos como principais causas para a evasão, enquanto que Lehman (2005) aponta a escolha precoce e carente de informações sobre o curso escolhido, e Silva (1994) que vê nas escolhas desarticuladas (escolha de vários cursos ao mesmo tempo), como dimensões importantes da questão.
O Relatório sobre a Evasão desenvolvido pelo NAEG e CEPPPE-FEUSP (2004) indica que a dificuldade de escolha, seja por pressão familiar, seja por falta de informação, aparece como principal motivo para a evasão (44,5%), seguido da estrutura do curso (30,7%), da insatisfação com o mercado de trabalho da profissão escolhida (13,4%) e de razões pessoais (11,4%).
O Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) aponta que as dificuldades financeiras são a principal causa da evasão no ensino superior privado, corroborando as explicações reducionistas emergentes no cotidiano universitário, que desconsideram a complexidade do fenômeno da evasão e acabam por não criar estratégias para lidar com ele. Almeida e Veloso (2002) colocam a impossibilidade de conciliação entre estudo e trabalho, a indecisão na escolha por desconhecimento dos cursos e a formação no ensino médio de baixa qualidade como fatores primordiais para a evasão universitária.
A maioria das pesquisas coloca a evasão como uma ação gerada por vários fatores e um possível caminho para tentar começar a pensar sobre este fenômeno parece se encontrar na relação entre as causas internas e externas, apontadas por Paredes (1994), espaço no qual se constróem as possibilidades dos projetos de vida de cada pessoa na articulação entre a dimensão individual (subjetividade) e a social, que geram a idealização e realização de um percurso de vida.
Nesse sentido, devemos pensar que a ação humana é gerada na relação sujeito/mundo, entre pessoa/ sociedade, e que ambos os extremos dessa relação podem influenciar essa ação. Seria a evasão do ensino superior uma impossibilidade de consolidação de um projeto de vida? Se essa hipótese for verdadeira, quais seriam os fatores determinantes desse processo?
Bohoslavsky (1980) diz que as exigências do sistema produtivo são interiorizadas e articuladas com o desejo, gerando a escolha profissional, que, através de um jogo intrincado de identificações, possibilita a construção de identidade profissional. Silva (1996), embasada nas idéias de Bourdieu (1974), indica que a escolha profissional é marcada pelo habitus de classe de cada sujeito, ou seja, conjunto estruturado de disposições que, interiorizados simbolicamente sob a forma de preceitos éticos (o “isso não é para nós”) e padrões de comportamento, regem as estratégias de vida, operando a mediação entre sujeito e história, entre a dimensão individual e a dimensão social e os deslocamentos no espaço social que constituem sua trajetória social.
Para Bordieu (1974), cada ator social age, portanto, dentro de um campo social determinado constituído pelo seu habitus, que inclui seu desejo e o que foi construído através do seu processo de socialização (via família e relações sociais), sendo que seu projeto de vida é marcado significativamente pela heteronomia do habitus, que permeia o comportamento decisório do indivíduo e produz as condições para elaboração desse projeto de vida, sendo entendido como possibilitador da compreensão do sentido de vida dos indivíduos na articulação do seu passado, presente e futuro, através da organização de meios concretizadores das aspirações e objetivos, num campo concreto de possibilidades e limitações. Nesse sentido, o projeto de vida aparece como uma estratégia de ação dos mecanismos não-formais de representação dos grupos sociais, sendo, portanto, um projeto de identidade ou estratégia identitária (Dubar, 2000).
Seria um ponto de ultrapassagem da oposição sujeito/sociedade aparecendo como uma variável intermediadora das relações de limitações recíprocas entre indivíduo e mundo social, permitindo, então, a articulação dos tempos de vida dos indivíduos, bem como a construção de representações sobre si e sobre o mundo (autonomia e práxis), pois todo projeto é construído intersubjetivamente e baseado em representações sociais, que orientam o agir e operam suas transformações. (Ribeiro, 2004, p.90)
Bohoslavsky (1980) aponta a identidade ocupacional como possibilitadora de exploração e experimentação no contato dialético com a realidade, que irá auxiliar no processo de construção do projeto de vida que pode, então, ser visto como
(...) um sistema sócio-cognitivo-afetivo, posicionado numa relação espaço-temporal entre o passado e o futuro, entre a reclusão e a liberdade, em nível de transformação do presente no processo de construção do eu e da história de vida (Catão, 2001, p.153).
Catão (2001) aponta três dimensões subdivididas em oito classes de operadores para a elaboração de um projeto: (1) Dimensão espaço-temporal: possibilidade de realização de projetos em função dos antecedentes sócio-ocupacionais; da mudança de vida; e das práticas institucionais (inserções presentes possibilitadoras de inserções no tempo futuro); (2) Dimensão sócio-afetiva: possibilidade de construção das bases psicossociais para operacionalização do projeto de vida em função da exclusão/ inclusão social; da tríade trabalho-educação-família; da relação com o outro e consigo; e da relação de agressão/destruição com este projeto; (3) Dimensão sócio-cognitiva: possibilidade de elaboração e crítica constante do projeto de vida em função do pensamento/reflexão (diálogo consigo mesmo sobre si e sobre o mundo em relação). Cada dimensão descrita age como fator possibilitante ou impossibilitante de um determinado comportamento do indivíduo, no nosso caso, a escolha, o ingresso e a conclusão de um curso superior.
Em recente artigo (Ribeiro, 2003) constatou-se que jovens da Zona Leste da cidade de São Paulo têm
(...) um histórico familiar de ascensão na escolaridade, mas que parece não estar se refletindo no campo profissional, pois a trajetória profissional familiar mostra um progresso em funções técnicas e no setor de serviços, que parecem ser a possibilidade destinada à amostra pesquisada, que pode ser vista de duas maneiras: como uma dificuldade de ascensão profissional, se pensarmos no curso superior como um passo obrigatório em toda carreira; e como uma possibilidade de construção de carreira alternativa à idéia de que o único caminho possível para um desenvolvimento na carreira seria o curso superior (p.147).
A pesquisa citada verificou que há uma representação de ascensão sócio-profissional através da conclusão de um curso superior pela cultura familiar, mas que as condições objetivas destas famílias em relação com a atual realidade sócio-econômica e do mundo do trabalho não são suficientes para que, mesmo com um diploma universitário, as pessoas consigam exercer profissões de nível superior e ascender social e profissionalmente.
Levando em conta essa última questão, partimos do pressuposto que cada aluno tem um projeto pessoal e profissional destinado a si por sua família e pelo grupo social no qual foi gerado, que pode ou não incluir o estudo universitário, e que a explicitação da construção desse projeto nos ajudaria a identificar e entender como os aspectos sócio-históricos estariam sobredeterminando significativamente a trajetória de vida de cada um.
Esses aspectos seriam expressos através de seus comportamentos, escolhas e projetos pessoais, dentre os quais se encontram a opção de ingressar em um curso superior e, também, os motivos que levariam à evasão desse mesmo curso.
Na ótica do sujeito, temos que o projeto de vida profissional destinado a cada um pelo contexto sócio-familiar, no qual esse sujeito é gerado através da construção do habitus, pode ser fator significativo na explicação da evasão universitária, posto que, na realidade brasileira, muitos que chegam à universidade não tem essa possibilidade inscrita em seu habitus, sendo, portanto, um fator limitante para a realização desse projeto ou para que o mesmo seja colocado como prioridade, garantindo um maior envolvimento e sustentação de sua continuidade. Na ótica da universidade, temos uma crise, gerada pela democratização do ensino. De que crise estamos falando?
A democratização do ensino tem trazido a tona questões novas, as quais a universidade não encontrou respostas ainda, pois pressupõe a formação de grupos heterogêneos de alunos nas universidades em termos de diferenças no desempenho no ensino médio, nas condições sócio-econômicas, no background cultural, entre outros fatores, os quais a universidade não tem ainda meios de atender em suas demandas específicas, repetindo um modelo destinado às classes média alta e alta, que tende a excluir grupos diversos deste padrão.
Entender o processo de evasão dos cursos de graduação é enfrentar uma das crises da universidade, na medida que essa atitude pode ser a forma que os alunos encontram para se manifestar, uma vez que não encontram na universidade um ambiente que não só considere a diversidade de sua comunidade, mas também que se proponha a discutir essa diversidade (Almeida & Veloso, 2002, p.7).
Franco (1997) aponta que a universidade não está preparada para receber e lidar com a diversidade dos alunos que chegam as suas portas e nem está discutindo seu papel frente às novas expectativas dos alunos em relação ao curso universitário, deixando de compreender seu novo papel e função social e de atender as novas demandas com uma nova estrutura.
Diante disso, os objetivos do presente estudo foram (a) levantar as principais causas da evasão, expressas pelos sujeitos, em uma universidade particular; (b) fazer um levantamento preliminar para compreender os determinantes significativos da construção do projeto de vida pessoal e profissional dos alunos evadidos; e (c) buscar entender a evasão do sistema universitário como parte de um processo sócio-histórico objetivado pelo projeto de vida pessoal e profissional dos alunos evadidos em relação com a estrutura da universidade.
MÉTODO
Sujeitos
Participaram deste estudo 155 estudantes universitários evadidos do curso de Psicologia de uma universidade privada da cidade de São Paulo sem ingressar em outro curso ou outra universidade durante o período de 2000 a 2004 (entendendo o aluno evadido como o que se desligou do sistema de ensino superior, configurando a evasão do sistema), sendo 23 homens (14,83%) e 132 mulheres (85,16%), e aproximadamente 60% da amostra com faixa etária abaixo dos 25 anos, conforme mostram as Tabelas 1 e 2, respectivamente. A amostra total de 155 sujeitos respondeu ao questionário fechado, enquanto que 15 alunos participaram das entrevistas semi-abertas, sendo escolhidos por amostragem aleatória.
Tabela 1 - Distribuição da Amostra por Gênero
Gênero | n | % |
Masculino | 23 | 14,83 |
Feminino | 132 | 85,16 |
Total | 155 | 100 |
Tabela 2 - Distribuição da Amostra por Faixa Etária
Faixa etária | N | % |
< 20 | 11 | 7,1 |
21 - 25 | 78 | 50,32 |
26 - 30 | 33 | 21,29 |
31 - 35 | 16 | 10,32 |
36 - 40 | 7 | 4,52 |
41 - 45 | 4 | 2,58 |
> 45 | 6 | 3,87 |
Total | 155 | 100 |
Instrumentos
(a) Questionário fechado para levantamento do perfil dos sujeitos e das principais causas que atribuem para a evasão universitária, que foram extraídas das pesquisas já realizadas acerca do tema e incorporadas ao questionário como categorias prévias de investigação (anexo A).
(b) Entrevista semi-aberta (anexo B) para levantamento das expectativas e projetos dos sujeitos (aspirações subjetivas do seu projeto de vida pessoal e profissional) e para investigação dos possíveis motivos da evasão, que atravessem os três eixos temáticos relativos às dimensões para a elaboração de um projeto de vida: espaço-temporal, sócio-afetiva e sócio-cognitiva (Rodrigues, 1987).
Procedimento
(1) Envio dos questionários por e-mail para uma amostra de 275 alunos evadidos de seus cursos através de pesquisa na fonte de dados da universidade que foi locus da pesquisa, enfatizando que se o aluno tivesse ingressado novamente em algum curso superior não poderia fazer parte da amostra e deveria desconsiderar o e-mail recebido.
(2) Tabulação dos resultados obtidos.
Convocação de 10% (15 sujeitos) da amostra que respondeu ao questionário (155 sujeitos) para as entrevistas semi-abertas, realizadas in loco.
Tratamento dos dados
Os dados coletados foram tratados pelo referencial teórico de Bourdieu (1974) através de análise de conteúdo operacionalizada por uma dupla perspectiva metodológica: a análise das condições objetivas e das aspirações subjetivas que sobredeterminam a vida e a construção do projeto de vida pessoal e profissional de cada sujeito.
As condições objetivas representam a configuração do projeto familiar em termos de escolaridade, vida profissional e vida social, analisados pelas realizações nesses campos já efetuadas pela família dos sujeitos, como forma de projeção do que é esperado que os sujeitos concretizem em seus projetos de vida pessoal e profissional.
As aspirações subjetivas representam a configuração do projeto familiar em termos de explicitação dos determinantes psicológicos e socioeconômicos experimentados pelos sujeitos, como forma de projeção de quais são as expectativas e desejos com relação aos seus projetos de vida pessoal e profissional.
Esse recorte metodológico objetivou apresentar como determinismos psicológicos e sociológicos se articulam na subjetividade dos sujeitos, através de suas aspirações subjetivas (articulação do jogo de forças sociais que operam no sujeito sem que ele saiba conscientemente e que denota uma recriação particular do seu grupo social de origem) e de suas condições objetivas (características do grupo social ao qual os sujeitos são membros constituintes). Dessa região intermediária entre o subjetivo (perspectiva psicológica) e o objetivo (perspectiva sociológica) surge a possibilidade de uma análise psicossocial (Ribeiro, 2003, p.145).
O objeto da análise, que foi o recorte da presente pesquisa, se configurou no desligamento do sistema de ensino superior, caracterizando a evasão do sistema, segundo conceituação da Comissão Especial do MEC, Brasil (1995).
RESULTADOS
Resultados quantitativos
a) Perfil dos alunos
O perfil dos alunos evadidos é predominantemente do gênero feminino; faixa etária entre 20 a 25 anos e solteiras (os), residentes próximos à universidade; vivendo em imóvel próprio com os pais; oriundos de escola pública; renda familiar até R$ 2.000,00; pagando o curso com recursos próprios e tendo pais com pouca instrução, sendo o Ensino Fundamental Completo o nível de escolaridade que aparece como maior faixa com 41,93% dos pais e 45,16% das mães dos sujeitos; em contraposição ao Ensino Superior Completo que aparece com 1,29% dos pais, 3,26% das mães e 10,96% dos irmãos, conforme podemos perceber na Tabela 3. Com relação à situação no mercado de trabalho: 30,32% dos pais estavam aposentados, 35,48% estavam empregados ou “fazendo bicos” e 19,35% estavam desempregados (14,83% não responderam a esse item); e 38,06% das mães eram donas de casa, 33,54% estavam empregadas ou “fazendo bicos” e 25,8% se diziam desempregadas (apenas 2,6% não responderam a esse item).
Tabela 3 - Escolaridade Familiar
| Pai* | Mãe |
Não sabe ler nem escrever | 0 (0%) | 0 (0%) |
Alfabetizado | 15 (9,68%) | 22 (14,19%) |
Ensino Fundamental Incompleto | 28 (18,06%) | 14 (9,03%) |
Ensino Fundamental Completo | 65 (41,93%) | 70 (45,16%) |
Ensino Médio Incompleto | 25 (16,13%) | 11 (7,01%) |
Ensino Médio Completo | 15 (9,68%) | 19 (12,26%) |
Ensino Superior Incompleto | 5 (3,26%) | 10 (6,45%) |
Ensino Superior Completo | 2 (1,29%) | 5 (3,26%) |
Especialização | 0 (0%) | 3 (1,93%) |
Mestrado | 0 (0%) | 1 (0,06%) |
Doutorado | 0 (0%) | 0 (0%) |
Total | 155 (100%) | 155 (100%) |
* Foram considerados pais aqueles que criaram os sujeitos, sendo incluídos nessa amostra tios, avôs e padrastos, que, de alguma maneira, contribuíram para a construção do habitus dos sujeitos.
b) Principais causas da evasão em uma universidade particular.
Percebemos três grandes grupos de causas para a evasão universitária constituindo as três categorias de análise da amostra, que tem as principais causas representadas de forma separada na Tabela 4.
Tabela 4 - Principais Motivos para a Evasão
Motivos para a Evasão | N | % |
Dificuldade financeira | 54 | 34,83 |
Não conseguiu conciliar estudo e trabalho | 17 | 10,96 |
Sem motivo declarado | 17 | 10,96 |
Não gostou e/ou se adaptou ao curso | 14 | 9,1 |
Ficou desempregado(a) | 12 | 7,75 |
Particulares | 11 | 7,1 |
Não conseguia acompanhar as aulas | 8 | 5,17 |
Problemas de saúde / doença | 7 | 4,52 |
Mudança de domicílio | 6 | 3,87 |
Viagem | 3 | 1,93 |
Difícil acesso à universidade | 2 | 1,29 |
Não tem quem cuide dos filhos | 2 | 1,29 |
Problemas com os professores | 2 | 1,29 |
Total | 155 | 100 |
c) Relação entre alunos evadidos e total de alunos durante o período de 2000 a 2004.
Podemos perceber na Tabela 5 que o índice de evasão do curso de Psicologia da universidade estudada foi em média 16,55%, que estava abaixo da média nacional, que gira em torno dos 40%, segundo dados do MEC e se manteve constante ao longo desse período, com pequenas variações para mais ou para menos.
Tabela 5 - Relação entre Alunos Evadidos e Total de Alunos durante o Período de 2000 a 2004
| Alunos Evadidos | Total de Alunos | % Evasão |
2000 | 67 | 383 | 17,49% |
2001 | 51 | 381 | 13,38% |
2002 | 76 | 393 | 19,34% |
2003 | 84 | 419 | 20,04% |
2004 | 43 | 344 | 12,5% |
Total | 321 | 1920 | 16,55% |
d) Relação entre evasão e série do curso do aluno evadido
Os resultados apontaram que 71,61% dos sujeitos desistiram do curso nos três semestres iniciais, o que pode indicar que o impacto da cultura e da rotina universitária, bem como a dificuldade financeira, podem ter contribuído para essa evasão, corroborando os achados de NAEG e CEPPPE-FEUSP (2004), que apontam que 63,9% das evasões ocorrem durante o primeiro ano do curso e de Almeida e Veloso (2002), que dizem que a evasão acontece, em sua maioria, nos três primeiros semestres do curso, conforme indicado na Tabela 6.
Tabela 6 - Relação entre Evasão e Série do Curso do Aluno Evadido
| 1ª série | 2ª série | 3ª série | 4ª série | 5ª série |
Números de alunos | 91 | 20 | 21 | 8 | 15 |
evadidos | (58,71%) | (12,9%) | (13,55%) | (5,16%) | (9,68%) |
Resultados qualitativos
A questão principal que aparece nas entrevistas é que a dificuldade financeira, a falta de emprego e/ ou desemprego e a remuneração baixa seriam as causas centrais para a evasão universitária, se configurando como discurso manifesto e socialmente construído pelo habitus dos sujeitos (corroborando os resultados do questionário respondido).
Mas, conforme a entrevista avançava, os sujeitos traziam outros elementos que os impossibilitavam de freqüentar uma universidade e cursar o ensino superior. Apresentaremos os resultados obtidos acerca desses elementos, relacionados ao projeto de vida familiar, que seriam a base para as causas da evasão através de três eixos: espaço-temporal, sócio-afetiva e sócio-cognitiva (Catão, 2001).
(a) Dimensão espaço-temporal:
- falta de modelos de trabalho com formação superior em sua família;
- falta de modelos de como alavancar seus projetos de vida profissional; falta de perspectiva de mudança de vida, pois “(...) nosso futuro é repetir o que nossos pais fizeram e tentar proporcionar um futuro melhor para os nossos filhos”;
- ascensão socioeconômica insuficiente da família para viabilizar o pagamento de um curso superior;
- destino pré-determinado (reprodução dos modelos de projeto de vida dos pais) em função de sua origem e da condição socioeconômica e cultural de sua família.
Os sujeitos apontaram que suas famílias tiveram uma mudança de vida, em termos econômicos, passando de uma situação de miséria para uma situação em que puderam economizar um pouco visando oferecer aos filhos, principalmente, uma maior escolaridade, sendo a universidade o projeto maior.
Apesar desse ideal, o cotidiano das famílias estava marcado por ocupações técnicas ou no setor de serviços, muitas vezes com mudanças significativas na área de atuação, não perfazendo uma trajetória profissional planejada e escolhida, mas antes um caminho possível de sobrevivência.
Entendemos, aqui, trajetória profissional como um projeto de carreira planejado, que pressupõe escolhas e uma certa autonomia do sujeito sobre sua vida profissional, gerando a construção de uma trajetória com continuidade, com coerência (para o sujeito) e com possibilidade de diálogo e negociação com o mundo do trabalho, visando o futuro. Ao contrário de muitos sujeitos que estão imersos no mundo da sobrevivência e constróem sua vida no trabalho calcados no imediatismo do presente sem a possibilidade de fazer projetos que, em sua essência, são uma forma de antecipar e se apropriar do futuro, guiando as escolhas que terão que acontecer nesse futuro.
O primeiro grupo consegue visualizar as possibilidades futuras, enquanto que o segundo grupo vive tentando resolver a urgência das necessidades presentes. Essa segunda situação faz o sujeito construir, na maior parte das vezes, uma trajetória descontínua de mudanças ocupacionais não planejadas no mundo do trabalho, quebrando com o próprio sentido, aqui apresentado, de trajetória profissional, como um percurso projetado e planejado da vida profissional com continuidade e sentido, podendo sofrer mudanças em função de imprevistos e vicissitudes da relação sujeito com mundo do trabalho, mas que não está calcada, somente, na solução desses imprevistos e emergências, o que não configuraria uma trajetória profissional.
Parece que a ascensão econômica familiar insuficiente, a necessidade de trabalho dos filhos e a falta de modelos universitários que abarquem a realidade do aluno-trabalhador têm contribuído para que a universidade não se estabeleça como possibilidade de ser parte integrante do projeto de vida desses sujeitos que, por sua vez, não conseguiam visualizar como alavancar seus projetos de vida profissional e, dessa maneira, apostavam todos os esforços na realização de um curso superior como forma de aprimorar suas competências.
(b) Dimensão sócio-afetiva (exclusão/inclusão social; trabalho-educação-família; relação com o outro e consigo; e agressão/destruição):
- condição financeira familiar ruim;
- desemprego;
- formação básica deficitária;
- falta de acesso à cultura, pouco incentivada pela família;
- curso superior não seria o trampolim para a ascensão social;
- dificuldade de gestão da vida;
- falta de perspectiva de vida;
- trabalhar é mais importante do que estudar.
Os sujeitos relataram que suas famílias não conseguiram sair da vida de sobrevivência, embora tenham proporcionado um futuro para seus filhos um pouco melhor do que tiveram, porém este ainda foi insuficiente para garantir uma boa estrutura financeira, educacional e cultural, que pudesse incluir a formação universitária como projeto de vida para eles.
A maioria dos sujeitos trabalhava e dizia que acabaram desistindo do curso, porque trabalhar é mais importante que estudar, pois gastavam todo seu salário com o curso que estavam fazendo e que não teriam garantias de que conseguiriam algum sucesso depois de formados, apontando a falácia da democratização do ensino: “(...) o mundo é de quem se forma na USP e na PUC, nós não temos chance”.
Diziam que suas vidas estavam marcadas pela luta pela sobrevivência, pois a família sempre passava por dificuldades financeiras freqüentes e que não tinham tempo para investir em educação e cultura, que “...todos os professores falavam o tempo todo que era importante, ir ao teatro, ir ao cinema, ir à museus, de que maneira, se trabalho de segunda a sábado o dia todo, estudo à noite e acabo tendo só o domingo para descansar ... universidade não é coisa para mim e nem para maioria dos meus colegas”. Essa fala também demonstra uma falta de sintonia entre a estrutura universitária representada pelos professores, pertencentes, em sua maioria, a um habitus diferente dos alunos, e os alunos-trabalhadores, que não conseguiam cumprir as exigências de um sistema de ensino que parece não estar adaptado a sua realidade (Franco, 1997; Bordieu, 1974).
Se a estrutura do curso não é adequada ao aluno-trabalhador, pode gerar sua evasão por uma incompatibilidade de tempo e esforço despendido, e a culpabilização do aluno como principal responsável nesse processo, desconsiderando a parcela de responsabilidade da estrutura universitária. Além disso, apontaram a educação básica deficitária como fator que dificultou enormemente o acompanhamento das aulas:
(...) o professor de biologia chegava na sala de aula e explicava coisas dizendo que a gente já tinha estudado célula, já tinha estudado neurônios, e eu não tinha visto nada daquilo, que mundo que esse professor vive? Ele não sabe que na escola pública não se ensina nada, e além disso, ele dizia prá gente pegar o livro na biblioteca e estudar sozinhos, mas eu não tinha a mínima idéia de como funcionava uma biblioteca, e nunca tinha lido um livro científico, foi um choque para mim, e minha mãe, coitada, tentava me ajudar, mas entendia menos do que eu. Foi muito difícil, por isso desisti (...)”
A baixa qualidade no ensino médio, o desconhecimento da estrutura universitária e a falta de modelos a quem seguir por um choque de habitus diferenciados e de difícil relação, propiciada por um modelo universitário não condizente com a diversidade da realidade dos alunos, ocasionavam a evasão. Um exemplo disso seria a possibilidade de autonomia que a universidade proporcionava que também dificultou a realização do curso: “(...) eu não sabia o que fazer, pois os professores nos deixavam muito à vontade, não conseguia me organizar, e eu pedia ajuda em casa e ninguém sabia o que me dizer”.
O choque de dois modelos de habitus (classe trabalhadora-alunos e classe média-professores) dentro de uma estrutura universitária que privilegia o habitus dos professores, parecia não encontrar uma resultante possível para todos, pois não acontecia uma relação dialética de produção constante entre os habitus, mas uma imposição do habitus dos professores sobre uma parte dos alunos, pois uma parcela dos alunos era oriunda do mesmo habitus dos professores.
c) Dimensão sócio-cognitiva (pensamento/reflexão: diálogo consigo mesmo sobre si e sobre o mundo em relação):
- a universidade seria uma realidade muito diferente da que eles foram criados e eles não tinham instrumentos para mudar essa situação, sendo que, nem a universidade nem os professores conseguiram ajudar nesse projeto, muitas vezes até dificultando;
- o imediatismo é prioritário sobre o investimento no futuro, fazendo com que os sujeitos não conseguissem visualizar a possibilidade de fazer projetos, que seria escapar desse imediatismo presente e se apropriar do futuro.
A constatação de que a universidade não era uma realidade feita para os sujeitos apareceu em muitos relatos, que apontavam que eles teriam que se esforçar muito para conseguir alguma coisa na vida e nada parecia ser suficiente no momento:
“Falta base, minha família me deu amor, carinho e uma boa educação, mas não posso cobrar deles que me incentivassem a ler ou a consumir cultura, pois essa não é a praia deles, eles sobrevivem no mundinho deles, que eu imaginava poder ampliar, mas agora vejo que isso não é possível, o mundo é muito injusto, parece que ainda vivemos na Idade Média, onde nobre nascia nobre e morria nobre e servo nascia servo e morria servo, acho que esse é o destino da maioria de nós aqui na universidade, mesmo aqueles que vão se formar...”
O aluno chega a universidade com a promessa de mudança, mas encontra lá um ambiente, muitas vezes, hostil e diferente da realidade até então vivida por esse aluno, demonstrando mais uma vez a distância que separa o universo acadêmico do universo da classe trabalhadora, que constróem habitus muito distintos e que, agora, com a abertura do ensino no movimento de democratização, esses dois universos foram colocados para se relacionar muito proximamente, trazendo a tona as possibilidades e impossibilidades dessa relação, sendo que o fenômeno da evasão parece ser uma das muitas expressões desse choque, colocando seus limites e a necessidade de repensar a própria universidade.
DISCUSSÃO
A hipótese inicial da presente pesquisa dizia que o projeto profissional sócio-familiar poderia ser um dos determinantes da evasão universitária e os resultados indicaram que ela parece ser verdadeira, apesar de que os sujeitos não conseguiram entrar em contato com essa idéia tão conscientemente, acabando por atribuir a questões como dificuldade financeira e desemprego as causas reais para a evasão universitária.
Nas entrevistas, os principais aspectos que apareceram como causa da evasão estão relacionados à condição financeira familiar ruim, o desemprego e a formação básica deficitária, sendo a evasão apontada pelos entrevistados como destino já conhecido por eles em função de sua origem e da condição socioeconômica e cultural de sua família, que não conseguiu sair da vida de sobrevivência e pôde proporcionar um futuro um pouco melhor do que eles tiveram para seus filhos, porém ainda insuficiente para garantir uma boa estrutura financeira, educacional e cultural, que pudesse incluir a formação universitária como projeto de vida para esses sujeitos.
Existe um discurso social de que o curso universitário é condição sine qua non para a possibilidade de ascensão social, via carreira, e as famílias têm como meta que seus filhos atinjam esse patamar em sua escolaridade, mas que aparece, muito mais, como um desejo do que como uma possibilidade concreta. Essa contradição se mostrou o tempo todo no discurso dos sujeitos que, por um lado, diziam achar fundamental cursar uma universidade, mas, pelo outro, apontavam seguidamente as impossibilidades de que isso acontecesse, inclusive naqueles que tinham condição de pagar e acabavam desistindo do curso superior escolhido por algum outro motivo, geralmente associado a idéia de que “a universidade não é feita para nós”.
Nesse sentido, como visto na teoria de Bordieu (1974), o indivíduo tende a reproduzir simbolicamente a estrutura de relações sociais próprias à classe social a que a família pertence e, ainda, os deslocamentos no espaço social que constituem sua trajetória social, o que parece indicar uma falta de lugar no projeto de vida dos sujeitos para a formação universitária (nos moldes que a universidade ainda se apresenta hoje em dia). O sujeito é impulsionado pelo desejo de ingressar na universidade, principalmente pelo discurso repetido do mundo do trabalho, mas tem que enfrentar alguns determinantes de seu habitus como a falta de modelos de trabalho com formação superior em sua família e de como alavancar seus projetos de vida profissional e administrar sua carreira; uma ideologia do destino pré-determinado de reprodução dos modelos de projeto de vida dos pais; uma formação básica deficitária; uma falta de acesso à cultura, pouco incentivada pela família; a necessidade da sobrevivência imediata, o que gera projetos de vida imediatistas e a curto prazo; e, principalmente, o confronto com a realidade universitária, que parece ainda não estar preparada para receber e lidar com a diversidade cada vez maior de seus alunos.
Partindo dessa linha de raciocínio, pode-se concluir que a universidade não foi feita para todos, o que nos leva a pensar que a democratização da universidade é uma falácia, pois oferece algo que os alunos não podem ter, visto que carecem de pré-requisitos para desenvolver os conhecimentos, atitudes e competências necessárias para sua conclusão. Essa seria uma conclusão simplista, pois parte do princípio de que a universidade deve permanecer com sua estruturação e o aluno deve se adaptar a essa nova realidade, sobrevivendo ou não a esse confronto. Esse último ponto coloca em jogo o confronto de habitus, pois a universidade foi concebida para atender uma parcela da população de um determinado habitus e é gerida e mantida por pessoas desse habitus (professores, gestores e mantenedores), mas os alunos advêm de espaços sócio-culturais distintos.
Para Bohoslavsky (1980), o homem é produzido em relações nas diversas situações concretas de sua existência e, através da identidade ocupacional, que é uma identidade de transição, tem a possibilidade de criação e recriação de sua identidade e de seu lugar no mundo, devendo ser determinado e determinante ao mesmo tempo desse processo, o que parece estar encontrando obstáculos na universidade e, para uma parte das pessoas, impedindo o jogo de identificações que origina o constante processo de construção da identidade pessoal e profissional. Seria a evasão universitária gerada, entre outros motivos, por um confronto entre habitus distintos e os próprios educadores, agentes de mudança, estariam corroborando, em parte, com a reprodução do sistema social vigente? Ou ainda, seria a evasão uma impossibilidade de dialetização do sujeito com a realidade e de ativação do processo de desconstrução constante da identidade, via identidade ocupacional?
A crescente transformação social está gerando interpenetrações interessantes no espaço social e a universidade parece ser um dos lugares nos quais isso está concretamente ocorrendo. Há um choque de habitus e a universidade, como espaço de aprendizagem e mudança, deve tentar se adaptar a essa questão e começar a criar métodos de análise da evasão para criar estratégias que possam minimizar os efeitos desse choque como fonte causadora da evasão, através, por exemplo, de centros de desenvolvimento pessoal, nos quais o aluno teria orientação psicopedagógica, profissional e pessoal.
Concluindo, pode-se perceber na amostra estudada que a dificuldade financeira aparece como explicação objetiva e aceitável pela família (50%), mas a explicitação da construção do projeto profissional familiar ajudou a entender:
- como os aspectos sócio-históricos-culturais do grupo de origem dos sujeitos, dentre os quais não aparece a opção de ingressar numa universidade, sobredeterminaram sua trajetória de vida e a conseqüente evasão, sendo a questão financeira o motivo aparente;
- como a universidade, ao reproduzir um determinado habitus diferente daquele da maioria dos alunos, promove uma precária democratização do ensino e contribui com a evasão universitária;
- como existe a necessidade premente da criação de políticas e estratégias de auxílio para a integração e o desenvolvimento do aluno durante seu vínculo com a universidade, objetivadas, por exemplo, através de centros de carreira e desenvolvimento pessoal.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 22/07/05
1ª Revisão: 14/12/05
2ª Revisão: 15/03/06
Aceite final: 22/03/06
1 Este estudo foi originalmente apresentado na Conferência Internacional da AIOSP. Carreira e Contextos: novos desafios e tarefas para a orientação. Lisboa, de 14-16 de setembro de 2005.
2 Endereço para correspondência: Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho (CPAT), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Bloco D, 05508-900, São Paulo, SP. E-mail: marcelopsi@uol.com.br
Sobre o autor
* Marcelo Afonso Ribeiro é Doutor em Psicologia Social e do Trabalho pela USP; Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP; Especialista em Orientação Profissional pela USP e em Saúde Mental pela FUNDAP; Psicólogo graduado e licenciado pela USP; Orientador Profissional; Docente, Pesquisador e Coordenador do CPAT (Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho) do IPUSP (Instituto de Psicologia da USP); Participante do Grupo de Pesquisa “Aprendizagem, Construção do Conhecimento e Contexto Sócio-Cultural” cadastrado no CNPq.
Questionário Fechado
Esse questionário é parte de uma pesquisa sobre evasão universitária que está sendo realizada pelo grupo de pesquisa do Curso de Psicologia da Universidade X com o intuito de identificar as principais causas da evasão universitária para propor estratégias que possam auxiliar na prevenção dessa evasão.
Você cancelou sua matrícula na Universidade X no período de 2000 a 2004, por isso contamos com a sua graciosa
colaboração para nossa pesquisa e pedimos que responda o questionário enviando para o e-mail abaixo.
Seu nome não será identificado em nenhum momento.
1. IDADE:
2. GÊNERO:
3. ESTADO CIVIL:
( ) Convive com companheiro(a) e filho(a)
( ) Convive com companheiro(a) com laços conjugais e sem filhos
( ) Convive com companheiro(a), com filho(s) e/ou outro(s) familiares
( ) Convive com familiar sem companheiro
( ) Vive só
4. TEM FILHOS: SIM ( ) NÃO ( ) QUANTOS? ____
5. TEM IRMÃOS: SIM ( ) NÃO ( ) QUANTOS? ____
6. ALGUM DELES FAZ OU JÁ FEZ ALGUM CURSO SUPERIOR? SIM ( ) NÃO ( ) QUANTOS? ____
7. RENDA FAMILIAR:
( ) Menor que um salário mínimo
( ) De 1 a 3 salários mínimos
( ) De 4 a 5 salários mínimos
( ) Maior que 6 salários mínimos
8. ESCOLARIDADE DOS PAIS
Pai | Mãe |
( ) Não sabe ler/escrever | ( ) Não sabe ler/escrever |
9. SITUAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO
Pai | Mãe |
( ) Empregado | ( ) Empregado |
10. INÍCIO DO CURSO QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO: _________
11. MOTIVO DA DESISTÊNCIA DO CURSO SUPERIOR QUE ESTAVA FAZENDO (Você pode assinalar mais de uma alternativa)
( ) Resultado das avaliações obtidas durante o curso
( ) Má adaptação à Universidade
( ) Não gostou do curso
( ) Pouco apoio familiar aos estudos
( ) Dificuldade de relacionamento com os colegas
( ) Dificuldade de relacionamento com os professores
( ) Pouco tempo para se dedicar aos estudos
( ) Dificuldade financeira
( ) Não conseguiu conciliar estudo e trabalho
( ) Ficou desempregado(a)
( ) Teve uma formação insatisfatória nos ensinos fundamental e médio
( ) Nunca quis fazer um curso superior
( ) Não gostou da Universidade
( ) Falta de tempo
( ) Outros _______
12. SE VOCÊ TIVER ALGUM COMENTÁRIO ADICIONAL, FAÇA-O AQUI:
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ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
- Trajetória educacional e profissional dos pais;
- Trajetória educacional e profissional dos próprios sujeitos;
- Trajetória no ensino médio;
- Projetos e aspirações para o futuro;
- Trajetória no mundo do trabalho;
- Trajetória na universidade;
- Motivos para a evasão;
- Momento de vida presente.