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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.13 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

Contribuições das abordagens francesas para o estudo da inserção profissional

 

Contributions of French approaches towards the study of professional insertion

 

Contribuciones de los abordajes franceses al estudio de la inserción profesional

 

 

Sidinei Rocha-de-OliveiraI, 1; Valmiria Carolina PiccininiII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil. Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo analisa as contribuições e limitações das diferentes abordagens do conceito de inserção profissional na literatura francesa, a fim de ampliar a discussão teórica sobre o tema no Brasil. Parte-se do surgimento e construção do conceito de inserção profissional na França e das pesquisas na vertente econômica. A seguir é explorada a corrente sociológica que destaca a importância das características individuais e do contexto histórico-cultural nesse processo. Finalmente, a partir dessas abordagens, são apresentados caminhos para estudos futuros no Brasil, indicando a necessidade de uma agenda de pesquisa que integre pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento.

Palavras-chave: inserção profissional, mercado de trabalho, jovens


ABSTRACT

This paper analyzes the contributions and limitations of different approaches to the concept of professional insertion in the French literature, in order to broaden the theoretical discussion about the subject in Brazil. We start with the emergence and construction of the concept of professional insertion in France in the 1970s and the researches in Economics. We continue by exploring the sociological currents that highlight the importance of individual characteristics and the cultural-historical context for the insertion process. Finally, from those approaches, we propose guidelines for future studies in Brazil and indicate the necessity for a research agenda that would join researchers from different areas of knowledge.

Keywords: professional insertion, labor market, young adults


RESUMEN

Este artículo analiza las contribuciones y limitaciones de los diferentes abordajes del concepto de inserción profesional en la literatura francesa para ampliar la discusión teórica sobre el tema en Brasil. Se parte del surgimiento y construcción del concepto de inserción profesional en Francia y de las investigaciones en la vertiente económica. A continuación se explora la corriente sociológica que destaca la importancia de las características individuales y del contexto histórico-cultural en ese proceso. Finalmente, a partir de estos abordajes, se presentan caminos para estudios futuros en Brasil indicando la necesidad de una agenda de investigaciones que integre investigadores de diferentes áreas del conocimiento.

Palabras clave: inserción profesional, mercado de trabajo, jóvenes


 

 

Nas últimas décadas, o Brasil passou por transformações que redefiniram a dinâmica econômica, os modos de gestão empresarial e o mercado de trabalho. Verifica-se a ampliação do tempo médio de estudo da população e significativo crescimento do número de jovens que chegam ao ensino superior. O número de matrículas chega a 5.080.056 em 2009, com 13% da população na faixa dos 18-24 anos (Dias Sobrinho, 2010). Ao mesmo tempo, continua em destaque a falta de mão de obra qualificada e o desemprego juvenil. Uma possível explicação está no aumento da separação entre o sistema educacional e a estrutura ocupacional, destacado por Hasenbalg (2003). Tal configuração incita a aprofundar as pesquisas e reflexões sobre a transição entre a formação e o mercado de trabalho, com destaque para o processo de inserção profissional dos jovens.

No cenário brasileiro, nota-se o aumento dos estudos sobre inserção profissional de jovens (Araújo, Sousa, Muniz, Gomes, & Antonialli, 2008; Arend & Reis, 2009; Maia & Mancebo, 2010; Nardi & Balem, 2005; Peregrino, 2011; Pochmann, 2006; Silva, 2010; Valore & Selig, 2010). No entanto, ao se analisar estes textos, constata-se que nenhum desenvolve o conceito de inserção profissional. Além disso, alguns trabalhos (Arend & Reis, 2009; Nardi & Balem, 2005; Peregrino, 2011; Pochmann, 2006) focam sua análise na dicotomia inserção-exclusão, que destaca o caráter de inserção social de grupos em dificuldade, enquanto outros (Araújo et al., 2008; Maia & Mancebo, 2010; Silva, 2010; Valore & Selig, 2010) centram suas pesquisas nos egressos do ensino superior e consideram a inserção profissional como um processo vivenciado por todos os indivíduos.

Essa diferença de compreensão decorre da ampliação dos estudos empíricos sobre esta temática, sem o suficiente acompanhamento de discussões teóricas. Acredita-se que para amadurecimento da temática e melhor delimitação dos campos de pesquisa é fundamental que se façam reflexões conceituais sobre o tema. Assim, este artigo tem por objetivo analisar as contribuições e limitações das diferentes abordagens do conceito de inserção profissional na literatura francesa a fim de apresentar caminhos para estudos futuros no Brasil.

Optou-se por focar o referencial na literatura francesa por três razões. A primeira refere-se ao surgimento da temática na França como uma preocupação política pelo crescimento do número de jovens com elevada formação que têm encontrado dificuldades de ingresso no mercado de trabalho a partir dos anos 1970 (Nicole-Drancourt & Roulleau-Berger, 2001), o que se assemelha às características do Brasil atual, descritas acima. A segunda foi a constatação da necessidade de aprofundamento conceitual em virtude da proliferação de estudos com compreensões distintas que também ocorreu naquele país. A terceira é a longa tradição em estudos sobre inserção profissional de jovens de diferentes grupos sociais e níveis de formação realizados naquele país (Trotier, 2001). Ao longo das últimas quatro décadas foram realizados estudos sobre o tema orientados por diferentes correntes de pensamento (Bourdieu & Passeron, 1970; Dubar, 2001, 2006; Freysinett, 1996; Galland, 1990; 2001a; Lurol, 1996; Rose, 1984), o que permite explorar modos diversos de compreender a inserção profissional e como essas abordagens contribuíram para aprofundar a reflexão sobre o assunto.

Para realização do estudo foram pesquisados livros (consulta nas bases de dados da Université Pierre Mendès-France com as palavras jeune(s), jeunesse, travail, marché, insertion professionnelle e entrée dans la vie active) e periódicos que tivessem a inserção profissional como um dos enfoques principais, com destaque para as revistas Formation Emploi e Education et Sociétés. Na fase seguinte buscou-se, então, identificar os trabalhos que aprofundavam a discussão teórica sobre o conceito de inserção profissional, o que permitiu identificar duas correntes principais: na corrente econômica se destacam principalmente Rose (1984, 1998), Vernières (1997) e Vincens (1986, 1997) e na corrente sociológica Dubar (2001, 2006) e Galland (1990, 2001a, 2001b).

Essas duas correntes serão detalhadas nas próximas seções. Ressalta-se que, embora as pesquisas dessas correntes possam ser mais marcantes em alguns períodos, este trabalho não tem como foco central uma abordagem histórica, visto que as duas correntes se mantêm na atualidade. Na terceira parte, analisa-se como as duas abordagens podem contribuir para delinear o campo da inserção profissional no Brasil. A seguir, inicia-se contextualizando o surgimento do tema na França.

 

Situando a inserção profissional no contexto francês

O termo inserção profissional substitui a expressão entrada na vida ativa (entrée dans la vie active), utilizada por pesquisadores na década anterior. A entrada na vida ativa, entendida como o início de uma vida profissional, corresponde à perspectiva privilegiada pelos estudos na França na década de 1960, sendo uma das linhas de investigação que orienta os estudos acerca das condições nas quais ocorre a entrada na vida ativa das classes desfavorecidas, no caso, os jovens operários (Nicole-Drancourt, 1996).

O surgimento desse campo de estudo está ligado a uma demanda do Estado francês para aprofundar o conhecimento sobre a relação entre formação e emprego, principalmente no que se refere ao desemprego juvenil (Charlot & Glasman, 1998; Tanguy, 1986). O termo inserção profissional surge, primeiramente, em textos legislativos da década de 1960 e depois passa a ser utilizado em estudos sobre as dificuldades encontradas por um número cada vez maior de jovens na busca por um emprego após a conclusão do período de formação (Lurol, 1996; Nicole-Drancourt & Roulleau-Berger, 2001).

Para ampliar os estudos sobre o processo de ingresso dos jovens no mercado de trabalho foi criado em 1970 o Centre d'Études et Recherches sur les Qualifications (Céreq), o qual visa monitorar a entrada dos egressos do sistema de ensino no mercado de trabalho francês. O foco das pesquisas realizadas pelo Céreq segue uma orientação predominantemente quantitativa, considerando números absolutos e indicadores (índices de desemprego, tempo para estabilização no mercado, salário, etc.) para avaliar a inserção profissional (Charlot & Glasman, 1998).

No início dos anos 1980, a inserção profissional dos jovens se torna uma das principais preocupações dos poderes públicos, estando na origem do crescimento de um conjunto diversificado de medidas no âmbito das políticas de emprego e de educação/formação. Assim, os estudos sobre inserção surgem como uma demanda social, visando a encontrar soluções contra o desemprego, exclusão dos jovens, adaptação do sistema educativo às necessidades do mercado, entre outros (Nicole-Drancourt & Roulleau-Berger, 2001; Trotier, 2001; Vincens, 1997).

Dado o destaque recebido pela temática, crescem significativamente as publicações sobre a inserção profissional dos jovens e os estudos são desenvolvidos sob diferentes enfoques, métodos, formas de coleta de dados e orientações de análises. No entanto, esses trabalhos estavam mais voltados para o levantamento de dados do que para a elaboração de um conceito que orientasse as pesquisas (Coupiè & Mansuy, 2000). Assim, os primeiros textos que buscam refletir teoricamente sobre o conceito de inserção são realizados por Vincens (1986; 1997) e Vernières (1997) visando a compreender e explicar os métodos utilizados nas pesquisas realizadas pelo Céreq, de abordagem mais econômica.

 

A abordagem econômica da inserção profissional

Em seu primeiro trabalho, Vincens (1986) explica a inserção como o período em que o indivíduo procura um emprego ou começa a trabalhar. A inserção não designa um momento preciso e ocorre de modo diferente para cada indivíduo. Esse processo começa quando o jovem deixa de se ocupar apenas com os estudos, o lazer e o trabalho não remunerado e passa a destinar parte de seu tempo para uma atividade remunerada ou a procura de emprego. Esse processo é complexo, marcado por situações de emprego, retorno à formação, procura de emprego, desemprego e apenas chega ao final quando os estudos são concluídos e o indivíduo encontra um emprego em que pretende permanecer.

Essa compreensão da inserção profissional se aproxima da apresentada por Vernières (1997), que a considera como o processo pelo qual os indivíduos que jamais participaram da população ativa encontram emprego. A inserção ocorreria mesmo para os egressos que não encontram estabilidade num trabalho condizente com seu curso de formação. Tais casos podem ser analisados como disfunções ou fracasso no ingresso dentro do campo de atuação pretendido.

Essa noção de inserção profissional requer que sejam retirados da análise os desempregados que, em um período anterior, já tenham passado pelo processo de inserção, bem como as mulheres que buscam ingresso no mercado mais tardiamente e jovens que realizam trabalhos sazonais não ligados à sua formação profissional durante o período de férias (Vernières, 1997).

Ao focar nos aspectos econômicos que interferem no ingresso dos jovens no mercado de trabalho, Vernières (1997) avança na proposta em três pontos: a distinção entre inserção profissional e inserção social, a relação entre situação econômica e estratégias organizacionais e o papel dos sistemas de gestão do emprego adotado pelas empresas em diferentes setores. No primeiro, o autor afirma que a inserção profissional não deve ser considerada sinônimo de inserção social, ainda que a primeira seja um importante componente da segunda. Pode-se avaliar esta relação considerando os ciclos de emprego: quando há um mercado de trabalho aquecido, mesmo os indivíduos com maior dificuldade (menor formação ou pouca experiência) têm menos obstáculos para a inserção profissional; uma vez inserido e reconhecido como trabalhador, pode ampliar sua inserção social e de familiares. Por outro lado, em períodos de oportunidades escassas, há maiores dificuldades para a inserção profissional, mesmo para aqueles em situação social mais favorável.

No segundo ponto, Vernières (1997) salienta a relação entre situação macroeconômica e as escolhas das empresas, que podem determinar o contexto global do processo de inserção - o que se pode notar claramente em períodos de pleno emprego e subemprego. Em épocas de grande oferta de emprego, os jovens que saem do sistema de ensino são imediatamente absorvidos com contratos estáveis. A fase de inserção é incorporada por empresas que assumem os custos decorrentes da falta de experiência e maior investimento em treinamento. Em períodos de escassa oferta de emprego, a redução dos postos força a redução do custo dos trabalhadores experientes, consequentemente, há maior crescimento do desemprego entre os jovens. As empresas, ao contratarem menos, tendem a recusar assumir os custos deste período de inserção, transferindo esse ônus para o poder público, que passa a intervir por meio de programas de estímulo à inserção.

O terceiro ponto refere-se às características locais do mercado de trabalho e pesam sobre a inserção, como as estratégias de gestão de mão de obra das empresas de cada setor ou região. Nas regiões ou nos ramos em que predominam as empresas que recorrem a estratégias de flexibilidade, baseadas em forte rotação de mão de obra, o processo de inserção se caracteriza pela alternância entre empregos precários e desemprego. Quando predominam empresas que necessitam reduzir a rotatividade de pessoal pelo nível de especialização do setor a inserção se caracteriza por menor tempo de passagem por outras formas de inserção, como os estágios de Vernières (1997).

Esses três enfoques de análise podem ser também verificados nos estudos de Fondeur & Lefresne (2000), Marchand (2004), Tanguy (1986), bem como nas publicações periódicas dos Boletins de Informação do Cereq (BREF), que fazem análises conjunturais analisando a situação do mercado de trabalho e a inserção profissional.

Essas análises permitem uma visão dinâmica da inserção - tratando-a como processo - e consideram a ação de diferentes atores (trabalhadores, organizações e o Estado), bem como de normas institucionais características de cada sociedade. No entanto, está bastante centrada na maximização da capacidade produtiva do indivíduo: "a inserção profissional é um processo que além de sua eventual duração e da complexidade concreta, corresponde a uma finalidade econômica: aquisição de uma qualificação demandada pelo sistema produtivo" (Vernières, 1997, p. 11).

Para Rose (1998), a análise de Vernières (1997) apresenta uma concepção limitada do sujeito, pois mesmo que cada indivíduo apresente interesses próprios, considera que todos decidem da mesma forma. Esses indivíduos puramente racionais são desvinculados socialmente e sem história própria ou coletiva. Além disso, essa definição de inserção limita a abordagem desse processo aos momentos imediatamente posteriores à passagem dos sujeitos pelo sistema de ensino/formação, ficando restrita a uma inserção inicial e levando em conta um único modelo de contrato de trabalho.

Consciente das limitações das propostas apresentadas e da diferença de pensamento entre os pesquisadores que estudam o tema, Vincens (1997), se propõe a encontrar indicadores precisos para designar o início e o fim do processo de inserção. Para tanto, o autor realizou um levantamento junto a pesquisadores que trabalhassem com o tema pedindo que definissem e delimitassem seu objeto de estudo, estabelecendo o que seria o começo e o término do processo. Foram apresentadas duas compreensões, as quais o autor denominou de objetiva e subjetiva. Na objetiva, a definição é estabelecida pelos pesquisadores, tendo como base principal os objetivos de seus estudos e partir de acontecimentos perceptíveis (término dos estudos, estabilização no emprego, etc.) que são os mesmos para todos e que determinam o início e o fim do processo. Na vertente subjetiva, são os indivíduos que estabelecem quando começam e concluem seu processo de inserção.

Analisando as respostas, Vincens (1997) propõe que se considere como começo o momento em que o jovem inicia a busca pelo emprego e como ponto final a autonomia financeira e a probabilidade de mantê-la, ou seja, mesmo que o jovem perca seu emprego, conseguiria recolocação sem voltar a depender dos pais. Segundo essa concepção, a posição "estável" não está ligada à ocupação de um posto de duração indeterminada, mas à capacidade de um indivíduo de escapar do desemprego, mantendo-se no mercado de trabalho.

Embora Vincens (1997) tenha levantado a importância do ponto de vista do indivíduo na análise do processo de inserção profissional, estudos realizados pelos pesquisadores do Céreq seguem majoritariamente a definição objetiva, que considera o processo externo ao sujeito, como se pode ler nos últimos boletins sobe o tema (Epihane & Jugnot, 2011; Mazari, Meyer, Rouaud, Ryk, & Winnicki, 2011; Recotillet, Rouaud, & Ryk, 2011) e nos textos da revista Formation Emploi (http://formationemploi.revues.org/). Tais estudos consideram o processo de inserção como um caminho marcado por períodos de inatividade, desemprego e emprego, focando suas análises nos montantes salariais e em movimentações nas quais os indivíduos aparecem como números.

Desta forma, seguem pertinentes as críticas de Rose (1998) a essa vertente de estudos, com destaque para a busca da neutralidade da informação pela análise estatística, que deixa de considerar questões relacionadas com as condições de origem (principalmente classe e etnia), a interferência de outros atores (família, amigos, colegas de cursos de formação) no processo de inserção e a avaliação dos indivíduos sobre sua própria trajetória. Além disso, limita-se à compreensão do momento de entrada dos indivíduos no mercado de trabalho após a sua passagem pelo sistema de educação/formação, sem considerar possibilidades de redirecionamento de carreira e reinserção.

Apesar das críticas a esta abordagem, nota-se importantes avanços. O primeiro é a distinção entre inserção profissional e inserção social. O segundo é compreender como as transformações no sistema de emprego afetam os jovens, que normalmente servem como vetores de regulação do mercado de trabalho (Fondeur & Lefresne, 2000). Desta forma, a orientação econômica permite que se acompanhem as mudanças de mercado em um momento em que a contínua crise do emprego e as transformações no trabalho tornam a análise do problema ainda mais complexa. Tais alterações levam à institucionalização de novos modelos de inserção, seja pela emergência de novas regras formais relacionadas com os estágios ou pelo crescimento da importância de instituições de orientação e intermediação entre estudantes e organizações.

 

Inserção Profissional: abordagens sociológicas

Entre os primeiros estudos com uma abordagem sociológica está a obra de Bourdieu e Passeron (1970) sobre a manifestação da violência simbólica nas ações pedagógicas, que impõem uma cultura dominante e servem para reprodução da estrutura de classes. Desta forma, para o ingresso dos jovens oriundos de classes menos favorecidas em carreiras com maior reconhecimento, seria necessário que estes rompessem com os valores e saberes de seu grupo e aprendessem os padrões ou modelos culturais estabelecidos. Dentro dessa lógica, seria mais fácil para os oriundos das classes dominantes alcançar o sucesso escolar (e, consequentemente, inserir-se no mercado de trabalho), pois já teriam aprendido os modos de ser e de agir previamente.

Embora relevantes para a compreensão da inserção profissional, tais ideias não fazem parte dos estudos iniciais sobre o tema, como foi apresentado na seção anterior. As abordagens sociológicas sobre a inserção profissional ganham destaque apenas nos anos 1990, com os trabalhos de Dubar (1994), Galland (1990; 20001a) e Nicole-Drancourt (1996), que trazem novos elementos para a discussão.

1. Maior ênfase no sujeito, destacando sua história particular e como esta se relaciona com os eventos sociais do período de experiência vivida pelo jovem estudante-trabalhador, alguém que participa da sociedade onde sofre a ação dos eventos maiores que a caracterizam, mas também a modificam (Nicole-Drancourt, 1996).

2. Destaque para as transformações na esfera do trabalho e como estas se refletem sobre os jovens. Crescimento das atividades precárias entre os jovens em fase de inserção e ampliação de "pequenos trabalhos" antes de estabilizar sua situação, sendo esse período vivenciado com maior risco de exclusão (Galland, 1990, 2001a).

3. Abordagem como processo, evidenciando a impossibilidade de julgar uma situação a partir de um determinado estado e apresentando uma diversidade de caminhos que uma situação inicial comum pode desenvolver. Ao contrário da vertente econômica, o processo de inserção não tem apenas uma trajetória na qual se pode ter ou não sucesso (Nicole-Drancourt, 1996).

4. Desenvolvimento relacional, buscando evitar um enfoque estruturalista, determinista ou individualista, buscando uma análise relacional entre as estruturas sociais e as estratégias dos atores (Estado, empresas, instituições de ensino, famílias e jovens) envolvidos no processo de inserção (Freyssinet, 1996). As estratégias são um conjunto articulado de objetivos que orientam as ações dos diferentes atores que participam do processo de inserção. Por exemplo: as ações do Estado buscam manter os jovens ocupados, para reduzir o desemprego e afastá-los de riscos sociais como a violência, as drogas etc.

Para Charlot e Glasman (1998), o percurso de ingresso dos jovens no mercado de trabalho torna-se cada vez mais longo. Além disso, é fundamental considerar que as mudanças observadas no processo de ingresso do jovem na esfera laboral foram bem mais profundas e estão articuladas com outros fatores de transformação social: a inserção não se apoia apenas numa lógica de articulação de espaços, na qual as fronteiras inicial e final são definidas com maior ou menor clareza, mas numa lógica temporal de percurso. Segundo os autores, o ingresso dos jovens no mercado apresenta três características:

1. O posicionamento na divisão social do trabalho cada vez menos protegido pela garantia dada anteriormente pela posse do diploma. As certificações dos estudos continuam sendo requeridas e, de alguma forma, apresentam importância cada vez mais marcante, embora deixem de representar direitos de diferenciação para ocupação de um posto;

2. O custo de adaptação ao mundo do trabalho, em geral aquele do emprego, não é mais assumido pela empresa e este passa a ser responsabilidade de dispositivos públicos (contratos de aprendizagem, primeiro emprego) e do próprio jovem e sua família (sustento completo ou parcial do jovem durante o período que antecede o emprego);

3. O jovem não encontra trabalho que apresente estabilidade se não possuir alguma experiência profissional e precisa desenvolver alguma atividade produtiva que seja reconhecida como experiência.

O desenvolvimento do conceito de inserção profissional, portanto, não pode ser analisado sem levar em consideração os aspectos históricos, econômicos e culturais que marcam cada sociedade. No caso da França, merece destaque o valor atribuído ao trabalho assalariado, que se tornou predominante nos países desenvolvidos no pós-guerra, em que o emprego assegura estabilidade financeira e econômica, bem como de relações sociais, de organização do tempo e do espaço e de identidade. Além disso, possibilita a participação na esfera do consumo, a integração cívica pelas relações sociais que se intensificam, pelo estatuto que confere e pelo acesso que assegura aos direitos e às garantias sociais (Philippon, 2007). Numa sociedade onde o emprego estável e em tempo integral tornou-se o meio de alcançar direitos econômicos, sociais e políticos, a sua redução (ou desaparecimento) e a proliferação de formas precárias provocam um choque social (Castel, 1999).

Por isso, pode-se compreender como o papel do emprego - e as transformações pelas quais tem passado - conduz a discussão sobre inserção profissional para novos caminhos, conferindo a esta status de problema social da contemporaneidade (Castel, 1999). As dificuldades encontradas pelos jovens para o ingresso no mercado de trabalho não produzem apenas repercussões sobre o adiamento da entrada na idade adulta e o consequente prolongamento da juventude (Dubar, 2001; Galland, 1990), mas também acabam por atrasar o acesso ao estatuto de cidadão de pleno direito, conferido pela inscrição na sociedade salarial.

Nesta visão, a inserção dos jovens está relacionada com as mudanças que ocorrem em um contexto social maior, com destaque para as que afetam a esfera do trabalho e do ensino. Na França, para evitar o crescimento do desemprego, foi criado um espaço pós-escolar considerado intermediário entre a escola/universidade e o mundo do trabalho. Os sistemas de ensino e de emprego deixam de ser orientados pela busca da adequação formação-emprego, característica dos estudos e políticas públicas nas décadas de 1980 e 1990. A proposta de manter o jovem o maior tempo possível no sistema de ensino, retardando sua entrada no mercado de trabalho, levou ao aumento das expectativas sobre o momento desse ingresso (Nicole-Drancourt, 1996). No entanto, essas expectativas não foram atendidas, ao contrário, resultaram numa desvalorização dos diplomas e no rebaixamento de alguns grupos profissionais (Cohen, 2007).

Essa proposta vai além daquela apresentada pelos autores da vertente econômica, destacando que a compreensão do termo inserção profissional remete a um campo semântico onde se inter-relacionam as várias dimensões da noção de integração, relacionando-se com a sua integração econômica, social, cívica e simbólica. Amplia-se o escopo da análise sobre inserção, considerando também as transformações qualitativas na força de trabalho e a maior interferência das organizações e suas políticas de recursos humanos, que se tornam elementos centrais do processo. O crescimento da flexibilização dos contratos de trabalho devem ser considerados tanto como uma estratégia autônoma adotada em cada empresa, quanto como uma mudança mais ampla, relacionada com a estrutura ocupacional do mercado de trabalho. Para os mais jovens, o período de inserção é ampliado com uma passagem mais longa pelas atividades temporárias, desemprego e retorno à formação (Cohen, 2007; Galland, 2001a).

Desta forma, os percursos de inserção não podem mais ser compreendidos por meio de uma lógica única, seguindo uma racionalidade meramente econômica. No entanto, isso não significa que a inserção conduza cada indivíduo a um percurso aleatório baseado em experiências individuais. É possível identificar lógicas socialmente construídas por meio da vivência familiar, escolar, relacional ou específicas de alguns setores de formação. Essas lógicas típicas não só dependem dos contextos econômicos da inserção, mas também de crenças compartilhadas por categorias de atores do sistema educacional e profissional (Dubar, 2001).

Deve-se levar em conta que o espaço de transição entre escola/universidade e trabalho/emprego é estruturado por complexos jogos de atores sociais que se estendem em contextos históricos e institucionais determinados, mas que apresentam funcionamento próprio (Trotier, 2001). As estratégias desenvolvidas por empresas, instituições de ensino superior, governos, criam "mundos da inserção" que influenciam as ações de gestores e de trabalhadores, dos intermediários do emprego, das instituições de ensino e nos diferentes grupos juvenis. Essas redes transversais reúnem pessoas que compartilham, em menor ou maior grau, as mesmas referências, concepções do trabalho, níveis de formação, experiências e estratégias mais ou menos bem coordenadas. O mundo da aprendizagem apresenta-se diferente nos mais diversos tamanhos e formas de empresa. Nas pequenas e médias empresas há forte influência das relações locais de vizinhança; na administração pública, o concurso público cria um ingresso que favorece a igualdade como meio de acesso; nas formações universitárias técnico-profissionais os cursos de formação constituem o primeiro momento de aprendizagem das regras do mercado de trabalho no qual o jovem ingressa (Dubar, 2001).

A partir desta análise, Dubar (2001) propõe a inserção como um processo socialmente construído por atores sociais e instituições (historicamente estruturados), lógicas (empresariais) de ação e estratégias de atores, experiências (biográficas) no mercado de trabalho e heranças sócio-escolares. Ao assumir que a inserção profissional é construída socialmente deve-se levar em conta que: (a) ela está inscrita historicamente numa conjuntura político-econômica; (b) é dependente de uma estrutura institucional que traduz relações específicas entre educação e trabalho; (c) é dependente das estratégias de atores estando incluídos também aqueles que estão em processo de inserção; e, (d) os atores são ligados a trajetórias biográficas que estão pautadas por desigualdades sociais de acesso ao capital cultural.

A proposta de Dubar (2001) amplia a discussão sobre inserção profissional, principalmente ao considerar que o conceito também está inserido em um contexto sócio-histórico, assumindo contornos diferenciados em cada país. Além disso, o autor contribui para a discussão metodológica do tema, a qual foca numa abordagem relacional, baseando-se tanto na biografia dos atores quanto nos aspectos institucionais que influenciam e organizam o período de inserção de modo mais amplo.

Os trabalhos dessa vertente encontram-se mais dispersos que os da econômica, mas pode-se citar Bourdieu (1989), Domingo (2002), Dubar (2006), Galland (1990, 2001a, 2007), bem como alguns números especiais da revista Education et Sociétés. Bourdieu (1989) mostra como o sistema das Grandes Écoles contribui para a formação e reprodução das elites francesas, indicando que há caminhos de inserção profissional distintos, dependendo da instituição de formação. Galland (1990, 2001b, 2007) analisa o processo de mudança da juventude francesa do século XX a partir de três eixos principais: a saída da casa dos pais, o início da vida conjugal e o emprego estável. A dificuldade para encontrar um trabalho mudou o perfil do jovem, que permanece mais tempo na casa dos pais e aceita trabalhos temporários como forma de renda. Dubar (2006), considerando o processo de socialização, mostra que a inserção profissional é o período de aprendizado dos modos de pensar e de agir que orientam a prática de uma profissão. Domingo (2002), entrevistando profissionais de recursos humanos, identifica diferentes lógicas de utilização dos estágios pelas empresas, que pode ser tanto uma forma de aprendizagem prática, meio de inserção profissional, forma de flexibilização quantitativa (mão de obra de baixo custo) ou qualitativa (busca de especialistas para trabalhos temporários sem remuneração).

Os trabalhos que se inserem na vertente sociológica permitem aprofundar o conhecimento sobre a ação dos diferentes atores no processo de inserção profissional e as diferenças de percurso em cada profissão. Dessa forma, permitem compreender que existem elementos que estão ligados a aspectos culturais e simbólicos que normalmente não são considerados nos levantamentos estatísticos. O principal ponto de partida é a compreensão da juventude como um grupo diverso, ou múltiplas juventudes que sofrem influência do contexto histórico em cresceram, uma vez que as aspirações de sucessivas gerações são construídas em relação a estados diferentes da estrutura da distribuição de bens e das respectivas oportunidades de acesso (Bourdieu, 1983).

Na seção final, buscamos relacionar a base conceitual desenvolvida na França com o atual contexto brasileiro. Desta forma, pretende-se apresentar algumas possibilidades de apropriação das teorias econômica e sociológica para discutir a questão da inserção profissional dos jovens do Brasil. Considerando a ideia de múltiplas juventudes, optou-se por focar os jovens com formação universitária, que têm sido um dos principais focos nos estudos atuais. Assim, são apresentados alguns estudos já publicados e discutidas possibilidades para estudos futuros.

 

Caminhos para a compreensão da inserção profissional no Brasil

A reflexão sobre inserção profissional se situa na fronteira de temas complexos: juventude e mercado de trabalho. As próprias definições desses termos levam a variadas correntes teóricas e formas de compreensão. Neste texto, o objetivo foi trazer para a pauta de discussão a questão da inserção profissional de jovens, apresentando duas abordagens que podem contribuir para pesquisas futuras sobre o tema no Brasil. No entanto, apesar desse referencial destacar conceitos e modos de compreensão do processo de inserção num país europeu com longa experiência e iniciativas ativas de inserção profissional de jovens, é preciso considerar as particularidades do contexto brasileiro para sua aplicação. Assim, abaixo apresentamos como os conceitos considerados podem ser apropriados nas pesquisas nacionais.

Primeiramente, os conceitos discutidos anteriormente situam a inserção profissional como a passagem da escola/universidade ao mercado de trabalho e que é parte integrante de um processo maior, a passagem à vida adulta. Tal esclarecimento conceitual que permite que se separem os trabalhos que tenham como discussão principal a inserção social dos jovens por meio do trabalho, ou seja, as pesquisas que focam na dicotomia inserção-exclusão citados na introdução.

As elaborações teóricas das vertentes econômica e sociológica são distintas, mas complementares. Enquanto a primeira se orienta pelo levantamento numérico do processo de inserção dos jovens, dando uma dimensão tanto da totalidade do mercado de trabalho quanto de particularidades de algumas carreiras, a segunda possibilita a compreensão dos aspectos sociais, culturais e simbólicos que marcam a socialização e o ingresso em determinadas profissões.

No Brasil encontram-se estudos que podem ser inscritos nas duas vertentes. No entanto, estão dispersos em publicações de órgãos de pesquisa e periódicos de diferentes áreas de conhecimentos (administração, economia, psicologia e sociologia). Dessa forma, além de ser trabalhosa sua localização, a maior parte dos trabalhos são isolados, sem periodicidade definida ou continuidade, o que dificulta estabelecer comparações entre pesquisas de diferentes períodos e criar linhas de tempo. Um exemplo são os estudos empreendidos por órgãos de pesquisa como Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) que não têm periodicidade, formato e perfil dos jovens definidos ao longo dos estudos, deixando de considerar elementos importantes, como gênero e nível de formação, como se observa em DIEESE (2006, 2008) e IPEA (Andrade, 2008). Nesses trabalhos, que seguem a vertente econômica, os jovens são analisados como um grupo integrado e homogêneo, fornecendo dados que permitem apenas compreender a dimensão do emprego numa determinada faixa etária, informação que certamente limita e não permite compreender como ocorre o processo de inserção profissional.

Tomando por base as orientações da vertente econômica dos estudos franceses, é importante considerar a totalidade dos jovens nas diferentes áreas de formação. Nessa perspectiva, os órgãos de pesquisa acima citados ou núcleos de pesquisas nas universidades poderiam realizar levantamentos periódicos no momento da conclusão de cursos universitários e nos anos seguintes, o que permitiria a geração de dados para avaliar índices de desemprego, média salarial, tempo de estabilização na carreira, nível de atividades atípicas (contratos temporários, tempo parcial, freelancer etc.) nos primeiros anos após a conclusão do ensino superior. Assim, os jovens reconheceriam antecipadamente características do percurso e desafios para o ingresso no mercado de trabalho, podendo preparar-se melhor. Também é o caminho para comparar a demanda de profissionais de cada área de atuação e o número de formados, permitindo o monitoramento da capacidade do mercado de receber os egressos. Tal análise seria importante para avaliar, principalmente, cursos que cresceram sem controle de qualidade, pelo baixo custo inicial para ser implantado e atratividade da profissão, como é o caso do curso de Administração, (Bertero, 2007) que hoje corresponde a 20 % do total de matrículas do país (INEP, 2010).

Esse mapeamento permitiria o acompanhamento das formações que são mais sensíveis a alterações econômicas conjunturais, tais como crises financeiras, mudanças setoriais etc., possibilitando ao governo direcionar políticas públicas de emprego com maior consistência. Também tornaria possível avaliar a efetividade de políticas direcionadas para determinados mercados, como tem acontecido atualmente na área de turismo.

Esse projeto tem por objetivo conhecer o estoque de mão-de-obra ocupada em atividades características do turismo, sua evolução mensal e anual; a formalidade das relações de trabalho; o perfil dessa mão-de-obra (escolaridade, tipo de ocupação, idade, gênero) e sua contribuição para a formação da renda nacional. Visa também a identificar o perfil dos estabelecimentos empregadores do setor turismo (tamanho, atividade, localização geográfica). O conhecimento desse mercado de trabalho específico é de interesse do governo, das empresas e dos profissionais do setor, de instituições de fomento ao desenvolvimento, de instituições de ensino e pesquisa e de organismos internacionais e constituem um indicador complementar para avaliar o desempenho do setor turismo (IPEA, 2010).

Na vertente sociológica, a inserção profissional é ao mesmo tempo profissional e socioculural, devendo ser relacionada aos demais elementos da sociedade. Essa perspectiva congrega a ideia de que existem múltiplas juventudes vinculadas às dimensões temporais e culturais. Juventudes que são distintas em modos de pensar, de agir e de viver o processo de passagem à vida adulta e que, por consequência, vivem modos distintos de inserção profissional.

Nessa perspectiva, o mercado de trabalho é compreendido como um espaço de múltiplos submercados de caráter dinâmico, formados por regras específicas que organizam e orientam a ação dos atores (trabalhadores, empresas, instituições, etc.), os quais são guiados por essas regras, mas também contribuem para transformá-las. Assim, ao mesmo tempo em que trabalhadores e empresas participam e seguem as orientações que organizam a relação capital-trabalho, sua ação ao longo do tempo contribui para o desenvolvimento e rompimento dessas regras de orientação (Paradeise, 1988; Rocha-de-Oliveira & Piccinini, 2011).

No processo de inserção, o jovem aprende as regras que organizam o mercado de trabalho do qual começa a fazer parte. Em cada profissão o reconhecimento das qualificações pelos pares - seja por meio dos diplomas, pela experiência ou pela aprovação em concursos - é parte do processo de inserção e favorece a mobilidade do ator entre organizações. O processo de transmissão das "normas de orientação" ocorre, muitas vezes, ainda durante o período de formação, sendo as instituições de ensino atores importantes. Dessa forma, em algumas profissões verifica-se um processo de "integração regulamentada" para os mais jovens, uma forma de garantir um ingresso e desenvolvimento semelhante para todos, protegendo aqueles que dele já fazem parte (Fondeur & Lefresne, 2000).

Além das instituições de ensino, as organizações profissionais e as agências intermediadoras podem contribuir para a formação do mercado de trabalho. No primeiro caso temos o exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, que estabelece uma prova de certificação própria para regular o ingresso dos profissionais no mercado de trabalho. Segundo Bonelli (1999), esse órgão foi criado ainda no Império por um segmento de elite, composto de bacharéis em direito visando ao monopólio do credenciamento profissional e da fiscalização do mercado de trabalho, sem perder de vista a importância do mérito profissional e sua autonomia profissional. Essa característica de proteção e regulação da profissão foi a base para a construção da moderna profissão de advogado no Brasil e ainda é determinante nesse mercado.

No caso das organizações de intermediação, Guimarães (2008) evidencia que estas ganham destaque e tornam-se atores importantes na esfera do trabalho nas últimas décadas. Desta forma, alguns meios utilizados nos processos de recrutamento como consultorias, agências de intermediação ou mesmo veículos de comunicação, assumem papel importante na atual configuração do mercado de trabalho de diferentes profissões, interferindo no processo de inserção profissional. Rocha-de-Oliveira, Piccinini e Retour (2010) mostram como os agentes intermediários interagem na organização dos estágios da área de Administração. Ao comparar o papel desses agentes na legislação sobre estágio, identificam que essas organizações surgiram para facilitar a relação instituição de ensino-aluno-organização, oferecendo oportunidades e encaminhando jovens. No entanto, fizeram dessa atividade um negócio e hoje atuam como empresas de agenciamento de vagas, contribuindo para a definição das relações que se estabelecem no "mercado de estágios" que tem se formado em alguns campos profissionais.

Dessa forma, os estudos de orientação sociológica permitem aprofundar o conhecimento sobre os mercados de trabalho de cada profissão, analisando normas, regras, crenças e valores que orientam cada carreira. Além disso, permitem esclarecer como os atores (instituições de ensino superior, organizações de classe, intermediários, empresas públicas e privadas) interferem no processo de ingresso na esfera do trabalho.

 

Considerações finais

No Brasil, com a ampliação do tempo de estudo e o ingresso de um número cada vez maior de estudantes no ensino superior, é imprescindível ampliarmos os estudos sobre o momento de ingresso no mercado de trabalho. Este trabalho representa um esforço inicial de integrar a discussão sobre o tema e indicar a necessidade de uma apropriação conceitual adequada nos trabalhos que tenham como foco a inserção profissional dos jovens, visto que se observa nas pesquisas sobre o tema a carência de uma definição precisa.

Sabe-se que, por ser um trabalho inicial, alguns recortes foram feitos para poder apresentar, ainda que brevemente, o potencial desses estudos para melhor compreender a relação entre formação e trabalho. Entre estas limitações, destaca-se o foco nos egressos do ensino superior, que representam apenas uma das múltiplas juventudes brasileiras.

Outra limitação foi a pesquisa nas bases de dados, que teve por base os indexadores "inserção profissional", "juventude/jovens+trabalho", "juventude/jovens+emprego". Tais indexadores se mostraram ora muito específicos - como é o caso de inserção profissional, que traz um número reduzido de estudos - ora muito abrangentes - juventude/jovens+trabalho acaba trazendo muitos trabalhos que não têm relação com o tema. Acredita-se que outros termos podem estar sendo utilizados como indexadores, no entanto, para isto, é necessário ampliar a pesquisa, o que será um objetivo futuro.

A dispersão dos trabalhos em diferentes áreas dificulta a construção de um debate para consolidar e aprofundar o tema no país, como ocorreu na França, quando passou a ser objeto de estudos de um grupo interdisciplinar de pesquisadores. Desta forma, é preciso que se estabeleça, em revistas e congressos, um espaço interdisciplinar para debate, que permita a aproximação de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e a construção de uma agenda de pesquisa multidisciplinar sobre o tema.

 

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Recebido : 05/07/2011
1ª Revisão : 01/02/2012
2ª Revisão :17/02/2012
Aceite final : 29/02/2012

 

 

Sobre os autores
Sidinei Rocha-de-Oliveira é Doutor em Administração pela Université Pierre Mendès, Grenoble II, França, em cotutela com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto da Escola de Administração da UFRGS e Professor Colaborador do Mestrado em Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Valmiria Carolina Piccinini é Doutora em Economia do Trabalho e da Produção pela Université Pierre Mendes, Grenoble II, França. Professora Associada da Escola de Administração da UFRGS. Fundadora e coordenadora do GINEIT.
1 Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, R. Washington Luiz, 855, sala 422, 90010-460, Porto Alegre-RS, Brasil. Fone: 51 33083479. E-mail: sidroliveira@hotmail.com