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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.14 no.2 São Paulo dez. 2013
ARTIGO
Indecisividade: definição, investigação e intervenção vocacional
Indecisiveness: definition, research, and career intervention
Indecisividad: definición, investigación e intervención vocacional
Paulo Jorge Santos
Universidade do Porto, Portugal
RESUMO
A indecisão vocacional é um construto complexo uma vez que as dificuldades nas escolhas vocacionais podem ser explicadas por vários fatores. Um dos tipos de indecisão que mais tem atraído o interesse dos investigadores é a indecisividade, uma dificuldade persistente em tomar decisões em vários contextos de vida. Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre a indecisividade, descrevendo como ela foi sendo abordada e a evolução que se registrou ao nível da investigação e avaliação. Apresentam-se as conclusões de estudos recentes que possibilitaram um avanço significativo sobre o conhecimento deste tipo específico de indecisão vocacional. A intervenção com indivíduos indecisivos é igualmente objeto de análise. Finalmente, sugerem-se algumas linhas de investigação sobre a indecisividade.
Palavras-chave: indecisividade; indecisão vocacional, escolha vocacional, orientação vocacional
ABSTRACT
Career indecision is currently considered a complex construct because difficulties in career choices can be explained by several factors. One of the types of indecision that has most aroused the interest of researchers is indecisiveness, a persistent difficulty of making decisions in several life contexts. This article presents a literature review about indecisiveness, describing how it has been conceptualized and its evolution in terms of research and assessment. It also presents the findings of recent studies that have contributed with significant insights to the comprehension of this specific type of career indecision. Intervention with indecisive individuals is also addressed. Finally, some lines of research about indecisiveness are suggested.
Keywords: indecisiveness, career indecision, career choice, vocational guidance
RESUMEN
La indecisión vocacional es un constructo complejo porque las dificultades en las elecciones vocacionales pueden ser explicadas por varios factores. Uno de los tipos de indecisión que más ha atraído el interés de los investigadores es la indecisividad, una dificultad persistente en la toma de decisiones en varios contextos de la vida. Este artículo presenta una revisión de la bibliografía sobre la indecisividad describiendo como fue siendo abordada y la evolución que se registró en el plano de la investigación y la evaluación. Se presentan las conclusiones de estudios recientes que posibilitaron un avance significativo sobre el conocimiento de este tipo específico de indecisión vocacional. La intervención con individuos indecisivos es igualmente objeto de análisis. Finalmente, se sugieren algunas líneas de investigación sobre la indecisividad.
Palabras claves: indecisividad, indecisión vocacional, elección vocacional, orientación vocacional
A indecisão vocacional foi definida por Crites (1969), como "a incapacidade do indivíduo em selecionar ou comprometer-se com um determinado rumo de ação que terá como consequência a sua preparação e ingresso numa profissão específica" (p. 303). Segundo Kelly e Lee (2002), ela constituiu o mais importante construto da psicologia vocacional a seguir aos interesses. Inicialmente a indecisão vocacional foi concebida como um construto unidimensional, mas desde a década de 60 que alguns autores defenderam a existência de diferentes causas relacionadas com a dificuldade em efetuar escolhas vocacionais. Uma delas é a indecisividade, uma dificuldade recorrente em tomar decisões que ultrapassa o domínio vocacional, ocorrendo sistematicamente em outras áreas da vida dos indivíduos.
Neste artigo apresentamos uma revisão da literatura sobre a indecisividade, começando pelos aspetos históricos relacionados com a concepção do construto, nomeadamente no nível da sua avaliação, um aspeto particularmente importante neste domínio. Abordaremos os resultados de diferentes estratégias de investigação que permitiram uma caraterização da indecisividade e os resultados de estudos longitudinais recentes que possibilitaram analisar o seu impacto em várias áreas do funcionamento psicológico dos indivíduos indecisivos. Finalmente, descreveremos as propostas que foram sugeridas para intervir na indecisividade e os resultados dos estudos que se debruçaram sobre esta temática. Concluiremos com um conjunto de propostas de investigação sobre aspetos da indecisividade que consideramos pertinentes para aprofundar o nosso conhecimento sobre este tipo específico de indecisão vocacional.
Indecisividade: a emergência de um constructo
A investigação sobre a indecisão vocacional constitui um tópico clássico da psicologia vocacional. Crites (1969) referencia autores cujos estudos datam da década de 30 do século passado. Os investigadores começaram por tentar encontrar variáveis que diferenciassem os indivíduos vocacionalmente decididos dos indecisos. O objetivo consistia em identificar os fatores responsáveis pela indecisão e desenvolver estratégias adequadas de intervenção vocacional. Contudo, apesar de um número muito significativo de estudos, realizados essencialmente nas décadas de 60 e 70, não se conseguiram obter conclusões consistentes que possibilitassem compreender melhor as causas da indecisão vocacional (Forner, 2007; Slaney, 1988). Alguns investigadores encontraram algumas diferenças entre os dois grupos, enquanto outros não, existindo ainda investigações que conduziram a conclusões contraditórias.
Para compreender estes resultados foram propostas várias explicações. Uma delas consistiu em analisar a indecisão vocacional a partir de uma perspectiva desenvolvimentista. Com a predominância que as teorias do desenvolvimento vocacional começaram a ganhar na década de 50 (Super, 1957), alguns autores defenderam que a indecisão vocacional não deveria ser considerada como uma situação negativa e indesejável, mas sim como um acontecimento normativo (Slaney, 1988). Tomando como referência a teoria de desenvolvimento vocacional de Donald Super (Super, 1957, Super, Savickas, & Super, 1996) é expectável que a dificuldade de realizar uma escolha vocacional coincida com o estádio de exploração, específico de adolescentes e jovens adultos, ou com um período de exploração vocacional, quando os indivíduos adultos enfrentam uma transição de carreira (Smart & Peterson, 1997).
Se as pessoas se encontram envolvidas num processo de exploração vocacional, é razoável esperar que os seus projetos sejam pouco elaborados e o grau de indecisão vocacional elevado. Se uma escolha vocacional amadurecida depende de um processo de desenvolvimento no qual a exploração vocacional desempenha um papel central, a indecisão constitui o resultado inevitável, mas apropriado e potencialmente positivo, se coincidir com a exploração do self e do meio. Como a grande maioria dos sujeitos, em particular os adolescentes e jovens adultos, acaba por efetuar escolhas vocacionais, não se deve estranhar a ausência de diferenças substantivas entre indivíduos vocacionalmente indecisos e decididos.
Uma segunda explicação para os resultados acima referidos sustentou que a dificuldade em efetuar escolhas vocacionais pode ter razões muito distintas. Um dos tipos de indecisão vocacional que tem despertado mais interesse é a indecisividade. Desde há muito tempo que diversos autores têm chamado a atenção para um grupo de indivíduos cuja indecisão dificilmente poderá ser considerada normativa (Dysinger, 1950). Foi Tyler (1969) a primeira autora que descreveu de forma mais sistemática a indecisividade, definindo-a como a dificuldade em efetuar escolhas que ultrapassam o domínio vocacional, ocorrendo sistematicamente em outras áreas da vida dos indivíduos. Mesmo quando as condições parecem ser propícias para que se possa tomar uma decisão vocacional, surgem hesitações e dificuldades que se inscrevem em problemas pessoais e não em questões relacionadas com a escolha vocacional propriamente dita.
Também Crites (1969) considerou relevante, sob o ponto de vista da intervenção, distinguir a indecisão vocacional da indecisividade, tendo advertido, porém, para a dificuldade em estabelecer critérios que permitam diferenciar os dois tipos de indecisão. Sendo a indecisividade definida como a dificuldade em efetuar uma escolha vocacional após os indivíduos terem todas as condições para a fazer, tal como sucede noutras áreas de vida, a questão que fica por responder é quanto tempo é que é aceitável esperar para que um diagnóstico de indecisividade possa ser feito.
Holland e Holland (1977), por seu turno, defenderam a existência de uma disposição para a indecisividade:
Esta disposição é vista como o resultado de uma história de vida no decurso da qual a pessoa não adquiriu o envolvimento cultural necessário [cultural involvement], autoconfiança, tolerância face à ambiguidade, sentido de identidade, conhecimento necessário do self e do meio ambiente para lidar com o processo de decisão vocacional, assim como com outros problemas comuns (p. 413).
No início dos anos 80 Paul Salomone (1982) escreveu um artigo particularmente influente no qual procurou analisar de forma mais aprofundada a distinção entre a indecisão vocacional normativa ou simples e a indecisividade. No primeiro tipo as dificuldades encontram-se circunscritas ao domínio vocacional. Os indivíduos cronicamente indecisos, por seu turno, apresentam um traço de personalidade que dificulta a tomada de decisões em vários domínios das suas vidas, para além da dimensão vocacional, apresentando, igualmente, um conjunto de caraterísticas psicológicas negativas. Entre estas destacam-se um locus de controle externo, níveis elevados de ansiedade, imaturidade e dependência face a figuras parentais e baixos níveis de autoconfiança e autoestima. Para este autor é fundamental distinguir previamente os dois tipos de indecisão com o objetivo de disponibilizar uma intervenção adequada às necessidades dos clientes.
Fuqua e Hartman (1983), por sua vez, criticaram o fato de alguns autores considerarem a indecisão vocacional, em termos globais, como uma situação apropriada em termos do desenvolvimento e chamaram a atenção para os indivíduos cronicamente indecisos que apresentam dificuldades persistentes no processo de escolha vocacional. Estes deveriam ser identificados e acompanhados o mais precocemente possível, uma vez que tendem a apresentar características de personalidade que sugerem um desajustamento que não é compatível com uma situação normativa no plano do desenvolvimento psicológico.
Deve salientar-se, no entanto, que grande parte do que se conhecia sobre a indecisividade até ao início da década de 90 se baseava, essencialmente, em casos clínicos (Salomone, 1982). Este facto devia-se, em grande parte, à ausência de instrumentos de avaliação da indecisividade, assunto que abordaremos posteriormente.
Foi este contraste marcado entre o discurso teórico e a relativa ausência de investigação de natureza empírica que levou Slaney (1988) a afirmar o que se segue.
A distinção entre indecisão vocacional e indecisividade tem uma história considerável. As ideias que subjazem à distinção parecem razoáveis; todavia, muito pouco progresso claro foi conseguido em demonstrar que os dois construtos são válidos e discrimináveis. Apesar desta falta de apoio empírico existe uma tendência percetível na literatura para discutir os construtos como se eles fossem claramente definidos, avaliados, delineados e úteis para prescrever intervenções vocacionais (p. 45).
Todavia, uma alteração substancial ocorreu no panorama da investigação sobre a indecisão vocacional desde o início da década de 90. Esta evolução deveu-se a duas razões principais. Em primeiro lugar, fortaleceu-se a convicção de que a indecisão vocacional era um construto multidimensional e que seria possível distinguir diversos tipos de indivíduos vocacionalmente indecisos (Betz, 1992; Lassance, 2005; Phillips, 1992). Em segundo lugar, começaram a surgir instrumentos que permitiram avaliar de forma mais objetiva a indecisividade, temática analisada na próxima seção.
A avaliação da indecisividade
Foi só com o aparecimento da Career Decision Scale (CDS; Osipow, Carney, & Barak, 1976) que a avaliação da indecisão vocacional passou a realizar-se com um instrumento especificamente construído para o efeito. A construção da CDS baseou-se numa abordagem puramente empírica (Osipow, 1999). Cada um dos seus itens refletia uma razão suscetível de explicar a dificuldade em efetuar uma escolha vocacional. No processo de construção da escala foi realizada uma análise fatorial que identificou quatro fatores (Osipow et al., 1976). Embora a CDS pretendesse ser um instrumento que avaliasse tipos de indecisão vocacional, ela foi essencialmente utilizada para avaliar o grau de indecisão vocacional. Uma das razões que explica esta situação reside no fato de vários estudos não terem conseguido replicar a estrutura fatorial do estudo original de validação da escala. Embora tenham sido realizadas algumas investigações com a CDS que tiveram como objetivo analisar a indecisividade (Vondracek, Hostetler, Schulenberg, & Shimizu, 1990), o referido instrumento não foi considerado adequado aos fins deste estudo. Como afirmaram Kelly e Lee (2002), a CDS, na sua forma atual, "(...) não pode ser usada como um indicador diagnóstico multifatorial" (p. 304).
A partir dos anos 90 começaram a surgir instrumentos que Savickas (1992) designou de segunda geração. Os seus autores partiram do princípio de que a indecisão vocacional é um construto multidimensional. Assim, incluíram subescalas que tinham como objetivo avaliar diferentes dimensões, incluindo a indecisividade, definindo-a como a dificuldade em tomar decisões em termos genéricos. É o caso do Career Decision Profile (CDP; Jones, 1989), o Career Factors Inventory (CFI; Chartrand, Robbins, Morill, & Boggs, 1990) ou o Career Decision Difficulties Questionaire (CDDQ; Gati, Krausz, & Osipow, 1996).
Outros autores construíram escalas para avaliar exclusivamente a indecisividade. A primeira foi a Indecisiveness Scale (IS; Frost & Gross, 1993) que foi desenvolvida no campo da psicologia clínica, tendo sido usada na investigação sobre perturbações obsessivo-compulsivas e acumulação compulsiva (Frost & Shows, 1993; Frost, Tolin, Steketee, & Oh, 2011). A IS é a escala de avaliação da indecisividade mais utilizada na investigação psicológica (Rassin, 2007), tendo sido já utilizada em estudos no âmbito da psicologia vocacional (Saka & Gati, 2007).
Um segundo instrumento para avaliação da indecisividade foi concebido por Germeijs e De Boeck (2002) com o objetivo específico de ser usado na investigação sobre as dificuldades de escolha vocacional. As autoras tiveram em consideração algumas das limitações de instrumentos já disponíveis, tendo identificado com precisão um conjunto de descritores a partir dos quais foram criados os itens do instrumento: (a) decidir leva muito tempo; (b) tendência para evitar tomar decisões; (c) deixar que outros assumam a responsabilidade das decisões; (d) instabilidade da decisão; (e) preocupações sobre as decisões efetuadas; e (f) arrependimento relativamente a decisões já realizadas.
No processo de validação da escala constatou-se que esta avaliava uma única dimensão e que se diferenciava de um instrumento que avaliava especificamente o progresso realizado numa escolha de natureza vocacional. Simultaneamente, resultados elevados na escala encontravam-se associados a dificuldades mais pronunciadas em tomar decisões em vários domínios de vida (por exemplo, escolher um presente para oferecer a um amigo). As suas caraterísticas psicométricas (consistência interna e estabilidade temporal) são excelentes.
Mais recentemente surgiu um outro instrumento, o Emotional and Personality Career Difficulties Scale (EPCD; Saka, Gati, & Kelly, 2008), que partiu do pressuposto de que a indecisividade deveria ser concebida como um construto multidimensional. Gati e os seus colaboradores testaram um modelo taxonômico, baseado em aspetos de natureza teórica e empírica, identificando três grandes grupos de dificuldades crônicas do processo de decisão: Percepções Pessimistas, Ansiedade e Autoconceito e Identidade. Cada um destes grupos tem associado um conjunto de categorias, num total de onze. No que diz respeito à fiabilidade e validade deste instrumento os resultados encontrados foram muito positivos (Saka & Gati, 2007; Saka et al., 2008).
Em resumo, a avaliação da indecisividade demonstrou grandes progressos nos últimos anos, permitindo que a investigação deixasse de se circunscrever a casos clínicos e possibilitasse a realização de investigações empíricas que deram um impulso decisivo para uma caraterização mais aprofundada sobre este tipo específico de indecisão vocacional.
Caraterísticas da indecisividade
À medida que foi crescendo a convicção de que os indivíduos vocacionalmente indecisos podiam apresentar caraterísticas muito distintas, o foco de interesse dos investigadores consistiu em tentar identificar e caraterizar os diferentes tipos de indecisão vocacional. Para atingir este objetivo foram utilizadas várias estratégias, tendo duas delas sido particularmente importantes. A primeira consistiu em recorrer à análise fatorial com diferentes instrumentos de avaliação da indecisão vocacional, em alguns casos com outras medidas que avaliavam variáveis supostamente relacionadas com as dificuldades de escolha vocacional (Hammond, Lockman, & Boling, 2010; Kelly & Lee, 2002). Embora o número e as caraterísticas dos fatores identificados tenham sido muito diversos, em todos os estudos a indecisividade emergiu como um desses fatores (ver Brown & Rector, 2008).
Uma segunda estratégia recorreu à análise de clusters (Santos & Ferreira, 2012), uma abordagem particularmente apropriada quando se pretende identificar grupos homogêneos com base num conjunto de variáveis previamente definidas. Apesar de ser difícil resumir os resultados destas investigações, uma vez que foram utilizadas muitas variáveis com populações com caraterísticas distintas, foi possível detectar três grandes grupos de indivíduos (Kelly & Pulver, 2003). O primeiro é constituído por sujeitos vocacionalmente decididos. O segundo é formado por indivíduos vocacionalmente indecisos que parecem estar envolvidos num processo de exploração vocacional. Por fim, o terceiro integra sujeitos que se enquadram na categoria da indecisividade. Este último grupo apresenta um conjunto de caraterísticas que indiciam níveis mais baixos de ajustamento psicológico. A percentagem dos indivíduos cronicamente indecisos que esta linha de investigação apurou, independentemente das várias designações que foram utilizadas, oscilou, em termos médios, entre os 20% e os 25%.
Em síntese, estes dois tipos de estudos, análise fatorial e análise de clusters, identificaram de forma clara a indecisividade como um dos subtipos de indecisão vocacional, corroborando descrições que vários autores tinham anteriormente apresentado a partir da sua experiência na área da intervenção. Simultaneamente, a investigação empírica sobre a indecisividade conheceria um aumento substancial, em grande parte relacionado com os instrumentos de avaliação referidos no ponto anterior, circunstância que se revelaria da maior importância.
Com base em outras investigações foi possível caraterizar melhor a indecisividade a partir do padrão de correlações com determinadas variáveis psicológicas. Assim, esta tende a associar-se a uma baixa autoestima (Chartrand et al., 1990; Germeijs & De Boeck, 2002; Lucas & Wanberg, 1995), a uma menor satisfação com a vida (Rassin & Muris, 2005), a uma menor predisposição para o otimismo (Lucas & Wanberg, 1995), a uma maior instabilidade de objetivos (Chartrand et al., 1990), a um maior nível de neuroticismo (Kelly & Pulver, 2003) e a níveis mais elevados de ansiedade (Chartrand et al., 1990; Lucas & Wanberg, 1995).
Os estudos anteriormente referidos não tiveram como objetivo analisar especificamente as caraterísticas da indecisividade. Todavia, outras investigações seguiram a sugestão de Kelly e Lee (2002) que recomendaram "(...) que os investigadores ultrapassem a designação da indecisão vocacional como objeto genérico de estudo, identificando problemas específicos de decisão como alvos de inquérito" (p. 324). Uma investigação realizada por Santos (2001) selecionou um conjunto de variáveis que a literatura apontava como relacionadas com a indecisividade e avaliou a sua capacidade preditiva. As variáveis escolhidas foram a ansiedade-traço, o locus de controle externo, a autoestima, a identidade vocacional e a separação psicológica face às figuras parentais. Este estudo permitiu constatar que todas as variáveis independentes contribuíram para a predição da indecisividade nas direções esperadas, explicando, no seu conjunto, 50% da variância. A ansiedade-traço foi a variável preditora mais importante, resultado que corroborou empiricamente a opinião de outros autores sobre a forte relação entre as duas variáveis (Fuqua & Hartman, 1983).
No que respeita a diferenças de gênero a maioria dos estudos tem evidenciado níveis mais elevados de indecisividade por parte das mulheres (Chartrand et al., 1990; Chartrand & Robbins, 1997; Rassin & Muris, 2005). Rassin e Muris (2005) referem que estas apresentam uma maior incidência de perturbações de ansiedade, fenômeno provavelmente explicado por um conjunto complexo, ainda insuficientemente estudado, de variáveis biológicas e ambientais. Sabe-se da existência de uma associação estreita entre a ansiedade e as dificuldades de decisão (Harren, 1979). Assim, a existência de um nível mais elevado de indecisividade por parte das mulheres poder-se-ia explicar pelo fato de o gênero feminino apresentar uma maior percentagem de perturbações de ansiedade. A mesma linha de raciocínio é suscetível de ser aplicada à depressão, tendo em conta a maior percentagem de mulheres que são diagnosticadas como deprimidas (ver Sund, Larson, & Wichstrøm, 2001). A associação entre sintomatologia depressiva e dificuldades de decisão encontra-se bem estabelecida na literatura (Leykin, Roberts, & DeRubeis, 2011).
Torna-se necessário realizar um esforço de investigação com o objetivo de identificar as variáveis e os processos responsáveis por estas diferenças de gênero. Infelizmente, nenhum estudo anterior desenvolveu esta linha de investigação, que, indiscutivelmente, merece um maior investimento por parte dos investigadores, explorando outras linhas de interpretação que não passem por uma abordagem de natureza psicopatológica.
Investigações longitudinais
Uma das críticas que mais vezes foi apontada no que diz respeito à investigação sobre a indecisividade foi a ausência de estudos longitudinais. Germeijs, Verschueren e Soenens (2006) realizaram, pela primeira vez, um estudo longitudinal, com uma amostra de alunos finalistas do ensino médio, com um espaço temporal de 8 meses entre as avaliações. Esta investigação tinha como objetivo analisar o impacto da indecisividade num conjunto específico de tarefas vocacionais associadas com a escolha de um curso do ensino superior. Os resultados demonstraram que a indecisividade constitui um fator de risco para algumas tarefas de decisão vocacional, mas não para todas. Por exemplo, níveis elevados de indecisividade no início do 12º ano predisseram níveis mais baixos de informação relativa ao self e ao meio no final do ano, mas não no que se refere a comportamentos de autoexploração. A indecisividade demonstrou uma elevada estabilidade, resultado que a carateriza como um traço, conclusão que confirmou empiricamente, pela primeira vez, as opiniões que outros autores tinham anteriormente defendido (Salomone, 1982).
Numa outra investigação Germeijs e Verschueren (2011a) analisaram mais aprofundadamente o impacto da indecisividade no percurso vocacional de uma amostra de estudantes. No início e no fim do último ano do ensino médio os alunos foram avaliados quanto à escolha de um curso do ensino superior, à indecisividade e à ansiedade-traço. Posteriormente, no início do curso universitário, os alunos foram questionados relativamente ao curso escolhido e respectivo grau de investimento. Um ano depois avaliou-se o seu grau de sucesso escolar, assim como a continuação ou interrupção do seu percurso na universidade. Os resultados demonstraram que níveis elevados de indecisividade no início do 12º ano predisseram um menor investimento na escolha de um curso no ensino superior, o que, por sua vez, predisse menor estabilidade na escolha. Esta relação foi detectada em dois momentos: no fim do ensino médio e decorrido um ano após o ingresso no ensino superior. Este resultado, que se manteve mesmo após o controle da ansiedade, indica que a indecisividade constitui um fator de risco a curto e a longo prazo.
Numa outra investigação Germeijs e Verschueren (2011b), analisaram a relação entre a indecisividade e o modelo de personalidade dos 5 fatores (Costa & McCrae, 1992), conhecido por Big Five. Usando uma amostra de estudantes finalistas do ensino médio, avaliados no início e no fim do 12º ano, constataram que a indecisividade evidenciava uma forte correlação positiva com o neuroticismo e uma correlação negativa com a extroversão e a escrupulosidade. Foi ainda detectada uma correlação positiva pequena, mas estatisticamente significativa, com a abertura à experiência. Não se registrou nenhuma associação com a sociabilidade.
As autoras realizaram uma análise de clusters com os fatores do referido modelo e encontraram três tipos que outras investigações já tinham identificado. O primeiro, designado resiliente, é caraterizado por resultados baixos de neuroticismo e elevados nos outros fatores. O segundo, denominado subcontrolado, apresenta os resultados mais baixos na sociabilidade e escrupulosidade, moderadamente baixos no neuroticismo e abertura à experiência e intermédios na extraversão. O terceiro, designado sobrecontrolado, evidencia os resultados mais elevados de neuroticismo, os mais baixos de extraversão e intermédios no que respeita à abertura à experiência. O primeiro grupo apresentava o valor mais baixo de indecisividade e o último o mais elevado. Tendo em conta estas diferenças as autoras sugerem que no processo de consulta é importante avaliar estas configurações para compreender melhor os problemas dos indivíduos cronicamente indecisos.
A indecisividade conseguiu predizer várias tarefas de decisão vocacional relativas à escolha de um curso do ensino superior para além do efeito dos fatores de personalidade. Simultaneamente, alguns fatores conseguiram predizer algumas dessas tarefas, controlando o efeito da indecisividade, embora em menor número. Estes resultados possibilitam distinguir o construto da indecisividade dos fatores do Big Five e sublinhar o seu valor preditivo único para as tarefas de decisão, neste caso de caráter vocacional.
Gati, Asulin-Peretz e Fisher (2012), por seu turno, analisaram a estabilidade temporal, num período de 3 anos entre avaliações, dos três grandes grupos de dificuldades crônicas do processo de decisão propostas no seu modelo: Percepções Pessimistas, Ansiedade e Autoconceito e Identidade. A amostra utilizada era constituída por estudantes universitários. A correlação entre o resultado global foi de 0.44. No que respeita aos três clusters os resultados foram de 0.23 para as Percepções Pessimistas, de 0.43 para a Ansiedade e de 0.40 para o Autoconceito e Identidade. Estes resultados demonstram que a estabilidade da indecisividade apresenta diferenças entre as três componentes.
Esta investigação procurou ainda analisar a capacidade preditiva do EPCD para distinguir estudantes vocacionalmente decididos e indecisos no final do estudo com base nos resultados obtidos no início do mesmo. Recorrendo a uma análise discriminante verificaram que essa capacidade preditiva só se verificava na subamostra masculina, sendo a Ansiedade a dimensão preditora mais importante (0.48), seguida do Autoconceito e Identidade (0.39) e das Percepções Pessimistas (0.35).
Por fim, os autores selecionaram uma subamostra de estudantes que já tinham escolhido uma área de especialização acadêmica com o objetivo de analisar a relação entre o seu grau de satisfação com a opção escolhida e a indecisividade. Encontraram correlações negativas elevadas entre os resultados globais do EPCD no primeiro e segundo momentos de avaliação. Este resultado indica, à semelhança do que defendem outros autores (Brown & Rector, 2008; Germeijs & Verschueren, 2011b; Germeijs et al., 2006), que os indecisos crônicos podem apresentar menor satisfação com as suas escolhas, vocacionais ou outras, porque se sentem menos identificados com elas.
Em síntese, estes estudos longitudinais confirmaram que indecisividade é uma dimensão estável, podendo ser considerada um traço como outros autores tinham previamente sugerido, constituindo um fator de risco para o processo de desenvolvimento vocacional. Simultaneamente, tal como sucedeu em investigações de natureza transversal já mencionadas, a indecisividade correlacionou-se com um conjunto de variáveis indicadoras de um menor nível de ajustamento psicológico.
Indecisividade e consulta vocacional
As propostas de intervenção psicológica com pessoas cronicamente indecisas têm sido objeto de um contraste algo paradoxal entre especulações inspiradas na prática clínica, que foram sendo avançadas ao longo das últimas décadas, e a quase total ausência de investigações sobre esta matéria. Sabe-se ainda muito pouco sobre os processos e as variáveis que condicionam a evolução de diferentes tipos de clientes no quadro da consulta vocacional (Heppner & Heppner, 2003).
Numa investigação de Gati, Amir e Landman (2010) uma amostra de profissionais de orientação consideraram que a indecisividade é uma das dificuldades mais severas com que podem lidar e a que requer uma intervenção mais prolongada. Esta percepção coincide com a opinião tradicional de vários autores que têm defendido que a consulta psicológica com indivíduos cronicamente indecisos é potencialmente mais difícil e próxima de um processo de intervenção no qual provavelmente não fará sentido estabelecer distinções entre consulta vocacional e psicoterapia (Holland & Holland, 1977; Salomone, 1982). Por exemplo, Fuqua e Hartman (1983) defenderam que no caso da indecisividade se justifica uma "(...) relação terapêutica mais intensa e prolongada" (p. 29). Este tipo de sugestões parte do princípio de que sem uma abordagem das variáveis e dos processos que se encontram na gênese da dificuldade em efetuar escolhas, de que a indecisão vocacional constituiria um mero epifenômeno, será particularmente difícil ajudar os indivíduos cronicamente indecisos.
Devemos a Heppner e Hendricks (1995) a realização de um estudo de caso com dois indivíduos: um apresentava caraterísticas da indecisão vocacional simples e o outro da indecisividade. O processo e os resultados das intervenções foram muito distintos, tendo a investigação providenciado, pela primeira vez, apoio de natureza empírica para sustentar uma intervenção mais prolongada e abrangente no caso dos indivíduos cronicamente indecisos. Esta investigação também permitiu apoiar a necessidade, há muito reclamada, de se realizar previamente um diagnóstico diferencial entre os dois tipos de indecisão de forma a adequar a intervenção às necessidades específicas dos clientes em consulta vocacional (Fuqua & Hartman, 1983).
Uma investigação mais recente de Omer e Dar (2007) testou a eficácia de duas abordagens psicoterapêuticas breves no processo de intervenção com indivíduos que se encontravam a enfrentar dilemas pessoais. Em quase 75% da amostra os dilemas relacionavam-se com questões vocacionais. As abordagens avaliadas foram a consulta decisional (decisional counseling), baseado no modelo de Janis e Mann (1977), que se centra em otimizar a capacidade dos clientes na avaliação sistemática de alternativas de escolha, e a intervenção sistêmico-estratégica (Watzlawick, Weakland, & Fisch, 1974), que procura ultrapassar a indecisão através de estratégias terapêuticas oriundas da terapia familiar.
Este estudo demonstrou que ambas as abordagens foram eficazes na promoção da capacidade dos clientes em lidar com os dilemas que enfrentavam. Verificou-se igualmente um aumento dos resultados de um instrumento de avaliação global da saúde mental quando comparados com uma amostra de controlo, situação que se manteve um mês após terminada a intervenção. Foi interessante constatar, contudo, que os indivíduos indecisos obtiveram melhores resultados com a intervenção de natureza sistêmico-estratégica. Segundo os autores este resultado poderá ser explicado pelo fato desta última abordagem terapêutica não se centrar numa constante comparação de alternativas, uma atividade caraterística dos indivíduos indecisivos que provavelmente contribui para o seu mal-estar. Este estudo configura uma contribuição valiosa para a intervenção com indivíduos cronicamente indecisos e corrobora as conclusões de um anterior estudo de caso sobre a eficácia de intervenções baseadas na terapia familiar sistêmico-estratégica (Lopez, 1983).
Importa ainda dizer que tem vindo a crescer a convicção de que a intervenção vocacional com indecisos crônicos não se limita à ajuda no processo de tomada de decisão. Como referimos anteriormente vários estudos têm constatado que existem indivíduos cronicamente indecisos que efetuaram escolhas vocacionais. A estrutura do sistema de educação e de formação impõe que obrigatoriamente certas escolhas sejam realizadas em determinados momentos. Todavia, o seu nível de investimento e satisfação com as opções escolhidas é relativamente baixo. Em alguns casos estas pessoas podem ter efetuado uma escolha por pressão de outros significativos sem previamente terem efetuado um processo de exploração, como sugerem Brown et al. (2012). Ou seja, apresentam o que no modelo de estatutos de James Marcia (1966) é designado por identidade outorgada (foreclosure). A intervenção do profissional de orientação poderá passar por reavaliar as alternativas escolhidas ou ajudar os clientes a aumentar o seu grau de conforto com escolhas que já foram realizadas, o que, seguramente, não será uma tarefa fácil.
Conclusão
Há quase 30 anos que Rounds e Tinsley (1984) defenderam o desenvolvimento de esquemas de diagnóstico vocacional com o objetivo de conceber e testar a eficácia de diferentes tipos de intervenção com clientes que apresentam distintos perfis de necessidades. Embora algumas taxonomias de problemas vocacionais tenham sido propostas (Crites, 1969), elas são raramente usadas na investigação e intervenção (Whiston, 2002).
De forma a conceber intervenções com estudantes vocacionalmente indecisos torna-se crucial distinguir a indecisão vocacional simples da indecisividade. Durante muitos anos a distinção entre os dois tipos de indecisão era realizada fundamentalmente de forma clínica, mas presentemente existem vários instrumentos que podem ajudar o profissional de orientação neste diagnóstico. No primeiro caso as diferentes estratégias de intervenção vocacional que normalmente são utilizadas em consulta vocacional podem ser adequadas (exploração do self e do meio, recurso a metodologias autoadministradas baseadas na internet, entre outras), mas o mesmo não sucederá com indivíduos cronicamente indecisos. Embora estejamos ainda longe de possuirmos um conjunto de estratégias terapêuticas comprovadamente eficazes para lidarmos com a indecisividade, sabemos que nestes casos dificilmente os problemas de decisão poderão ser ultrapassados sem que as causas subjacentes aos mesmos sejam objeto de intervenção. Esta conclusão parece ser válida para os sujeitos cronicamente indecisos que não conseguem efetuar uma escolha, como aqueles que tendo-a feito se sentem menos identificados e confortáveis com ela. É crucial desenvolver mais estudos sobre o processo e a eficácia da intervenção com indivíduos cronicamente indecisos.
Embora permaneçam muitos aspectos por responder no que se refere à indecisividade, os últimos anos ficaram marcados por avanços consideráveis sobre o conhecimento sobres este tipo específico de indecisão que representa um grande desafio para os profissionais de orientação. O conjunto de investigações já realizado possibilitou confirmar as opiniões que diversos autores foram apresentando com base em casos clínicos, mas permitiu, igualmente, aprofundar esse conhecimento.
Para além da eficácia da intervenção com indecisos crônicos, existem várias áreas de investigação que merecem ser exploradas no futuro. Alguns quadros psicopatológicos encontram-se associados às dificuldades em efetuar decisões, entre eles as perturbações depressivas e a perturbação obsessiva-compulsiva (Haraburda, 1998). De forma a assegurar a especificidade da indecisividade enquanto construto psicológico relevante, é importante analisar a sua relação com perturbações psicopatológicas com o objetivo de verificar se a dificuldade em tomar decisões não é, como pensamos, unicamente explicada por tais perturbações.
Uma outra área que nos parece promissora relaciona-se com dimensões do desenvolvimento psicológico que eventualmente possam ajudar a explicar a indecisividade. Por exemplo, alguns estudos (Germeijs, Luyckx, Notelaers, Goossens, & Verschueren, 2012), baseados na teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson (1968), procuraram analisar a relação entre desenvolvimento psicológico e indecisividade, tendo obtido resultados promissores. Parece-nos particularmente importante realizar futuramente mais investigações desta natureza, nas quais se definam previamente abordagens teóricas relacionadas com o desenvolvimento psicológico que orientem a pesquisa que os investigadores se propõem realizar.
Por fim, pensamos que as diferenças de gênero ao nível da indecisividade merecem igualmente um maior esforço de investigação, tendo em conta que urge avaliar este resultado no quadro de outras dimensões, nomeadamente as relacionadas com aspetos desenvolvimentais, normativos e psicopatológicos. Acreditamos que avanços nestas áreas podem abrir novas possibilidades para compreender melhor a indecisividade e conceber intervenções mais eficazes no que respeita a um dos maiores desafios que se colocam aos profissionais de orientação.
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Endereço para correspondência:
Paulo Jorge Santos
Via Panorâmica, s/n, 4150-564
Porto, Portugal
E-mail: pjsosantos@sapo.pt
Recebido 15/02/2013
1ª Revisão 14/06/2013
2ª Revisão 26/08/2013
Aceite Final 02/09/2013
Sobre o autor
Paulo Jorge Santos é Doutor em Psicologia, na especialidade de Orientação Vocacional. Atualmente é Professor Auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.