Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão impressa ISSN 1679-3390versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.17 no.2 Florianópolis dez. 2016
RELATO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
Influência(s) do enriquecimento curricular no desenvolvimento vocacional e envolvimento escolar dos alunos
Influences of curricular enrichment in vocational development and student participation in schools
Influencias del enriquecimiento curricular en el desarrollo vocacional e implicación escolar de los estudiantes
Helena Rodrigues; Inês Nascimento
Universidade do Porto, Porto, Portugal
RESUMO
Apresenta-se, neste artigo, as potencialidades de um projeto de enriquecimento curricular, ConheSer+, orientado para o desenvolvimento vocacional e envolvimento escolar dos alunos. O Plano de investigação, de tipo quantitativo (Pré-e Pós-teste) permitiu comparar as dimensões associadas ao desenvolvimento vocacional e envolvimento escolar de 96 alunos do 8.ºano de escolaridade. A avaliação dos resultados da implementação do projeto permitiu verificar que a participação no projeto contribuiu para o reforço dos interesses profissionais, aparentemente associados ao comportamento exploratório em alguns domínios do conhecimento, bem como a um maior envolvimento escolar dos alunos ao nível da dimensão afetiva e da relação professor- aluno. Estes resultados sugerem uma reflexão sobre práticas educativas e institucionais que otimizem o efeito das dimensões consideradas.
Palavras-chave: desenvolvimento vocacional, enriquecimento escolar, envolvimento escolar
ABSTRACT
This article presents the potential of a curriculum enrichment project, ConheSer+, whose objective is vocational development and student participation. The quantitative type research plan, (pre-and post-test), allowed comparing the dimensions associated with vocational development and the participation in school of 96 eighth grade students. The evaluation of the execution of the project has shown that participation in the project has contributed to the strengthening of professional interests, apparently associated with exploratory behavior in some fields of knowledge, as well as a greater participation of the students at the level of the teacher-student relation and affective dimension. These results suggest a reflection on the educational and institutional practices that optimize the effect of the considered dimensions
Keywords: vocational development, school enrichment, school participation
RESUMEN
En este artículo, se presentan las potencialidades de un proyecto de enriquecimiento curricular, Conheser+, centrado en el desarrollo vocacional e implicación escolar de los estudiantes. El diseño de investigación, de tipo cuantitativo (pre y post test), permitió comparar las dimensiones asociadas con el desarrollo vocacional y la implicación escolar en 96 estudiantes del octavo grado. La evaluación de la ejecución del proyecto ha demostrado que la participación en el proyecto ha contribuido al fortalecimiento de los intereses profesionales, aparentemente asociados con el comportamiento exploratorio en algunos campos del conocimiento, así como a una mayor participación de los estudiantes en la dimensión afectiva y la relación profesor-estudiante. Estos resultados sugieren reflexionar sobre las prácticas educativas e institucionales que optimizan el efecto de las dimensiones consideradas.
Palabras clave: desarrollo vocacional, enriquecimiento escolar, implicación escolar
Nesta investigação privilegia-se uma perspetiva desenvolvimentista-construtivista que, através do modelo da exploração reconstrutiva, reconcetualiza a noção de desenvolvimento vocacional, considerando que este se processa ao longo da história de vida do indivíduo, através das relações que o sujeito estabelece com o mundo (vocacional) e com base em dois processos psicológicos básicos do desenvolvimento humano: a exploração e o investimento (Campos & Coimbra, 1991). Estes dois processos vão constituir o objetivo primordial da intervenção no desenvolvimento vocacional já que a experimentação, e o questionamento que a exploração envolve, transforma progressivamente os investimentos vocacionais do sujeito. Na verdade, para além do que ocorre no seio da família, parece ser no confronto com tarefas de aprendizagem, em meio escolar, que o aluno vai formando um conceito de si próprio como aluno e é também no confronto com experiências de aprendizagem diversificadas, como sejam as atividades de enriquecimento curricular, que vai construindo os seus interesses, transformando e reconstruindo os seus investimentos vocacionais.
O resultado deste processo de transformação é o próprio desenvolvimento e, é nesta linha, que se devem orientar as intervenções no domínio do desenvolvimento vocacional dos alunos, "A intervenção no domínio da orientação vocacional é sempre de cariz transformativo e reconstrutivo" (Dias & Nascimento, 2010, p. 135). A esta ideia correspondem as estratégias de intervenção no desenvolvimento vocacional que emergem do modelo da exploração reconstrutiva sugerindo atividades de exploração que facilitem experiências de contacto/relação com o mundo, proporcionadas nos contextos de vida como a escola, já que é aqui que os alunos passam um tempo significativo da sua vida. Neste enquadramento, todas as aprendizagens significativas que ocorrem dentro e fora da sala de aula; todas as atividades que permitem novos confrontos, novos questionamentos e, acrescidamente, se estendem no tempo de forma continuada, estão em condições de constituírem as estratégias de eleição do modelo exposto tomadas de empréstimo pelo presente trabalho.
Finalmente, e fazendo referência aos "main ingredients" que devem estar presentes nas estratégias de exploração reconstrutiva é de salientar que é também na escola que as experiências podem e devem ser desafiantes, complexas e significativas, envolvendo sentido de responsabilidade, esforço e correspondência com os interesses dos alunos. Preferencialmente, essas experiências devem envolver novidade, significado pessoal, mudança, envolvimento emocional, esforço e compromisso e, se possível, incluírem ações reais em contextos reais - "role-taking" (Campos, Coimbra, & Imaginário, 1994).
Assim, parece inevitável enquadrar experiências tão enriquecedoras como as que o enriquecimento curricular proporciona no grupo das estratégias de exploração reconstrutiva, já que se constituem em si mesmas desafiantes, significativas e ativamente envolventes, desde que intencionalmente desenvolvidas para o efeito (Renzulli, 2012, 2014). Nesta linha de interpretação, também o desenvolvimento vocacional é aqui contemplado pois esta oferta de experiências parece corresponder aos requisitos do objetivo de exploração do investimento vocacional (Campos & Coimbra, 1991).
Nesta investigação atender-se-á, especificamente, ao contexto escolar e será especialmente focado o papel do enriquecimento curricular, enquanto experiências de aprendizagem significativas e desafiantes facilitadoras do desenvolvimento vocacional dos alunos.
O desenvolvimento vocacional e o comportamento exploratório
A dimensão vocacional, constituindo-se como um dos domínios da construção da identidade, vai-se configurando o longo do ciclo vital, mediante processos de exploração e investimento, pela progressiva autonomia/diferenciação do adolescente em relação aos outros significativos, através da construção de um seu percurso vocacional em termos de interesses, valores e objetivos de formação/profissão (Gonçalves, 2006). Da qualidade das relações com as figuras significativas dependerá a magnitude das expectativas do adolescente face ao seu projeto vocacional, ou seja, as oportunidades para a consolidação de uma identidade vocacional realizada (Blustein, Devenis, & Kidney, 1989).
Neste processo de formação e de desenvolvimento da identidade, as figuras dos contextos em que o adolescente se desenvolve assumem um papel central no que se refere ao encorajamento (ou não) do jovem àexploração (Gonçalves, 2006) tendo em vista não só a aquisição e a avaliação de informação sobre o meio exterior como e, principalmente, a reflexão sobre si próprio em situação (Taveira, 2000). No plano vocacional, a predisposição maior ou menor dos jovens para a exploração bem como a qualidade dos comportamentos exploratórios que empreendam (ou não), seja em termos de intensidade ou de amplitude, poderão ajudar a determinar as características do seu estatuto de identidade vocacional, isto é, a compreender as condições pessoais de que dispõe para enfrentar uma tarefa ou exigência específica da sua relação com o mundo das formações e das profissões (e.g., a escolha de um domínio formativo).
Apoiado na perspetiva de Erikson, Marcia (1966, 1980) postulou a existência de quatro estatutos de identidade que representam estilos diferentes de lidar com a tarefa psicossocial de aquisição da identidade. Os quatro estatutos são definidos pela presença/ausência de exploração e de investimento em várias áreas específicas, interessando aqui de forma especial a área profissional. A exploração refere-se ao questionar ativo para tomar decisões e atingir objetivos. "Um indivíduo em exploração evidencia uma atividade dirigida no sentido de recolher informação, necessária à tomada de decisão: procura um conhecimento suficiente do conteúdo das alternativas existentes e das suas ramificações"(Costa, 1997, pp. 146). A dimensão investimento implica, por um lado, escolhas relativamente firmes, e, por outro, ações dirigidas para as implementar.
É a partir da interseção destas dimensões que Marcia (1966) identificou quatro estatutos da identidade, que se distinguem em função do nível de exploração e da presença/ausência do compromisso empreendido (Taveira, 2000). Estes estatutos assumem a designação de Identidade Realizada, Identidade em Moratória, Identidade Outorgada e Identidade Difusa.
O primeiro estatuto pressupõe uma construção da identidade dentro dos parâmetros normais, ou seja, a exploração já foi realizada com sucesso e os objetivos estabelecidos estão já autodeterminados. Em termos dimensionais, o adolescente resolveu a crise e comprometeu-se firmemente com uma escolha /ideologia, ainda que a sua escolha final pudesse ser uma variação dos desejos dos seus pais. Em termos característicos, Marcia (1979,1994) citado por Kroger (2004) descreve estes jovens como sendo abertos à mudança e a experiências novas, funcionalmente reflexivos, não se rendendo a situações de stresse.
Os adolescentes com uma Identidade em Moratória procuram ainda respostas para as suas questões, remetendo para um período de forte exploração, em que os objetivos ainda são muito vagos, dada a dificuldade que os sujeitos evidenciam na tomada de decisões. Por este motivo, o indivíduo ainda não reúne as condições ideais para se comprometer, situação que o preocupa. Apesar das orientações parentais serem importantes para o adolescente, ele avalia cautelosamente as suas capacidades, bem como as exigências da sociedade. Resultados como os de Gonçalves (2006) sugerem que os sujeitos no início da construção da sua identidade, como é o caso dos alunos do 9.º ano de escolaridade, face às tarefas complexas de desenvolvimento com que são confrontados tendem a oscilar entre momentos de exploração com investimento e investimento sem exploração (foreclosure); ou ainda, não investem não exploram - (Marcia, 1966).
A Identidade Outorgada remete-nos para uma crise mal resolvida ou nem sequer processada, uma vez que apesar dos objetivos e do compromisso serem firmes, a decisão foi fortemente influenciada pelos desejos de outros significativos. No fundo, estes indivíduos tornam-se naquilo que os outros entendem ser o melhor para eles. Esta situação acarreta implicações na personalidade dos adolescentes, tornando-os geralmente rígidos, o que os faz sentir ameaçados quando numa determinada situação os valores e objetivos dos pais não são congruentes nem funcionais (Marcia, 1966).
Por outro lado, também com base em resultados de Gonçalves (1997) verifica-se a presença de uma correlação entre a variável orientação da família para o sucesso e os processos vocacionais de difusão e de investimento outorgados. Ou seja, contextos familiares onde se transmitem mensagens insistentes de que o sucesso se tem de conseguir a qualquer preço, pode levar as gerações mais jovens a realizar investimentos imediatos sem os explorar para responderem de forma vicariante aos projetos dos pais (Gonçalves & Coimbra, 2007).
Por último, a Identidade Difusa caracteriza-se pela existência de comportamentos exploratórios nos adolescentes, ainda que estes não tenham definido um sentido para a sua identidade. A crise pode ter sido experienciada ou não, apesar destes adolescentes manifestarem uma despreocupação aparente em tomar uma decisão consciente, um compromisso. Conclui-se, assim, que para Marcia (1966), a crise está sempre presente no adolescente até ao momento em que assume um compromisso, após uma análise das diversas alternativas significativas para si.
Na perspetiva de Marcia, os estatutos mais favoráveis em termos de desenvolvimento são a Identidade Realizada e a Identidade em Moratória, uma vez que os indivíduos nestas condições apresentam-se mais autónomos, encarando com uma atitude mais otimista as transformações que possam ocorrer na sociedade e nas relações sociais estabelecidas (Marcia, 1966; Shoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2003).
Envolvimento escolar e desenvolvimento global dos alunos
É também objeto do presente texto, explorar as dimensões associadas ao envolvimento escolar e à sua influência no desenvolvimento global dos alunos. Este construto, tem despertado, nos últimos anos, um interesse crescente, no campo da Psicologia Educacional pela sua associação com resultados educacionais importantes, de que éexemplo a relação existente entre o envolvimento escolar, o desempenho escolar e o desenvolvimento emocional e cognitivo dos alunos (Veiga, 2013). Trata-se de um construto multidimensional que integra dimensões afetivas, comportamentais e cognitivas (Jimerson, Campos, & Greif, 2003) e é definido por Veiga et al. (2012) como a vivência de ligação centrípeta do aluno à escola, em dimensões específicas como: cognitiva, afetiva, comportamental e agenciativa (o aluno como agente de ação).
Na generalidade, existe acordo quanto à natureza multidimensional do conceito de envolvimento escolar. Um número importante de referências neste domínio consubstancia o envolvimento em três tipos de dimensões dinamicamente interrelacionadas: cognições, emoções e comportamentos. A dimensão cognitiva refere-se ao investimento pessoal do estudante, bem como às estratégias autorreguladoras e de abordagem à aprendizagem (Veiga et al., 2012) e operacionaliza-se nas perceções e crenças acerca de si mesmo, da escola e dos colegas, incluindo ainda, crenças de autoeficácia, motivações e aspirações académicas (Jimerson et al., 2003 citado por Veiga et al., 2012). A dimensão afetiva refere-se às reações emocionais suscitadas por esta, pelos colegas e pelos professores; à ligação do estudante à escola, ou seja, à extensão em que ele se sente parte da mesma, próximo dos colegas, e feliz; e também, ao sentimento de pertença e de vinculação àescola (Johnson, Crosnoe, & Elder, 2001). A dimensão comportamental define-se pelas ações e práticas direcionadas para a escola e para a aprendizagem, incluindo condutas como a realização dos trabalhos de casa, a frequência e a atenção nas aulas, o empenho nas tarefas escolares, a participação em atividades extracurriculares, a ausência de comportamentos disruptivos, e a aceitação e o respeito pelas regras da escola (Veiga, 2013).
Finn (1993) estudou a relação entre o envolvimento e o desempenho escolar, tendo encontrado uma forte associação entre os dois construtos, independentemente do género e do nível socioeconómico. Também, estudos de (Voelkl, 1997) suportaram igualmente a relação entre participação, identificação com a escola e desempenho académico.
Ao nível do contexto de sala de aula, a investigação tem mostrado a influência da dimensão contextual Relação Professor-aluno, no que se refere ao apoio prestado pelos professores, no envolvimento comportamental, afetivo e cognitivo dos alunos (Fredricks, Blumenfeld, & Paris, 2004). Wang e Holcombe (2010) sugerem que os professores, podem promover a identificação com a escola e estimular a participação dos alunos, ao fazerem elogios, enfatizando o esforço em lugar do desempenho. O apoio do professor também parece estar associado a vários indicadores de envolvimento comportamental, como a elevada participação em atividades relacionadas com a escola.
O Controlo e relevância do trabalho escolar é também uma dimensão contextual do envolvimento e refere-se à significação que os alunos atribuem às atividades académicas e ao controlo do seu trabalho escolar, desenvolvendo e otimizando recursos cognitivos, afetivos e comportamentais, que conduzam àobtenção de melhores resultados escolares (Rola, 2012).
Outra dimensão contextual do envolvimento é o Apoio da família, entendido como o conjunto dos comportamentos parentais direcionados para a educação que desempenham um papel importante no envolvimento dos alunos na escola e influencia, igualmente, o seu desenvolvimento vocacional. O seu envolvimento na realização dos trabalhos de casa, o estilo parental e a transmissão dos valores educacionais, constituem três das formas apresentadas pela literatura, de como os pais e as famílias podem influenciar o envolvimento dos alunos na escola (Bempechat & Shernoff, 2012; Prata, Barbosa-Ducharne, Gonçalves, & Cruz, 2013).
Também num estudo realizado por Rola (2012) verificaram-se correlações positivas e significativas entre o envolvimento escolar e o rendimento escolar, e entre as dimensões do envolvimento escolar e os fatores contextuais relativamente ao apoio da família e dos pares na aprendizagem, à relação professor-aluno, ao controlo e relevância do trabalho escolar, e às suas aspirações e objetivos futuros. Assim, os alunos que percecionaram melhor relação com o professor, um maior apoio familiar na sua aprendizagem e um maior controlo sobre o seu trabalho escolar e que mais reconhecem a sua relevância, foram também os que apresentaram níveis mais elevados nas dimensões cognitiva e afetiva do seu envolvimento.
Pertinência de novas respostas da escola ao desenvolvimento global dos alunos : O projeto ConheSer+
A escola, como contexto de educação, deve ter como objetivo primário, a promoção da excelência e o desenvolvimento máximo do potencial dos seus alunos em todas as áreas de realização, constituindo-se como um contexto desafiante e que promova o desenvolvimento dos alunos para os confrontos da sua existencia (Gonçalves, 2000). As experiências de desenvolvimento e de envolvimento com a escola, são, na atualidade, fatores diferenciadores da oferta educativa existente e, em muitos casos, um dos segredos da vinculação dos alunos àescola.
Numa linha de ação, dirigida aos alunos, importa considerar não só uma intervenção que possa dar resposta às suas necessidades cognitivas, sociais e afetivas mas também às suas necessidades vocacionais, pois trata-se não só de intervir no presente, na aquisição de conhecimentos e competências académicas, mas também, proativamente, de uma forma que possa repercutir-se no processo de construção dos múltiplos percursos profissionais que se venham a mostrar possíveis no futuro.
Durante a sua escolaridade os alunos merecem respostas educativas apropriadas e experiências de aprendizagem que lhes permitam alargar, questionar e transformar os seus investimentos no sentido de rentabilizarem as suas potencialidades (Almeida & Miranda, 2012). Com base nestes pressupostos e considerando a pertinência de novas respostas dos contextos educativos, foi desenvolvido o projeto de enriquecimento curricular, ConheSer+, delineado, do ponto de vista teórico, com base numa perspetiva desenvolvimental, ecológica e construtivista do desenvolvimento humano e, de forma particular, nos pressupostos do modelo da exploração reconstrutiva do investimento atrás exposto.
Na linha desta concetualização do desenvolvimento vocacional, em termos de objetivos, o projeto ConheSer+ pretendeu proporcionar um conjunto de experiências de exploração vocacional que permitissem (a) tornar mais diferenciada a sua relação com o mundo do conhecimento de modo a conseguirem explorar os seus investimentos e pôr em perspetiva as suas escolhas formativas e profissionais; (b) permitir-lhes continuar a encontrar na escola uma resposta e estímulo às suas próprias necessidades de desenvolvimento no contexto escolar; (c) e reforçar o seu envolvimento com a escola.
O projeto ConheSer+ foi desenvolvido durante um ano letivo junto da população de alunos do 3.º Ciclo. A proposta dirigida a uma equipa de 14 professores foi no sentido de desenvolver atividades, no âmbito das diferentes áreas de conhecimento, e cujo conteúdo não se enquadrasse nos programas curriculares constituindo, por isso, conteúdos mais aprofundados ou completamente novos para os alunos.
As experiências de aprendizagem do projeto ConheSer+ desenvolveram-se com uma periodicidade mensal numa média de uma atividade por semana, em horário extra letivo e de carater facultativo. Realizaram-se 29 atividades e participaram 80 alunos do 3.º Ciclo. Assim sendo, todos os meses os alunos tiveram a possibilidade de participarem em cinco atividades relacionadas com diferentes domínios de conhecimento tendo-se adotado como referencial para a diversificação dos conteúdos exploratórios, as áreas de interesse do Inventário de Interesses Profissionais (IPP) de (De la Cruz, 2000). A tabela 1 mostra exemplos de atividades desenvolvidas no projeto ConheSer+ em função das áreas do IPP.
O presente texto descreverá e sintetizará alguns dos principais resultados da avaliação da implementação experimental do projeto de enriquecimento curricular ConheSer+, que foi construído tendo em vista o desenvolvimento vocacional de alunos mas que ambicionou, igualmente, incrementar o envolvimento da generalidade dos alunos com a escola.
Método
Objetivo, Variáveis e Amostra
Em termos globais, esta investigação teve como objetivo explorar a influência que as atividades de enriquecimento curricular realizadas no âmbito do projeto ConheSer+ terão tido no desenvolvimento vocacional e no envolvimento escolar dos alunos.
O presente estudo apresenta um plano de investigação longitudinal a seis meses de tipo quantitativo (Pré-teste e Pós-teste). Foram especificamente avaliadas as seguintes variáveis: o desenvolvimento vocacional (avaliado através das dimensões identidade vocacional e interesses profissionais) e o envolvimento escolar (avaliado através das dimensões envolvimento cognitivo, atitudes face à aprendizagem, envolvimento afetivo, relação professor-aluno, apoio da família na aprendizagem, e o controlo e a relevância do trabalho escolar. Na categoria das variáveis independentes privilegiadas na análise dos dados encontra-se a Participação no ConheSer+. Relativamente à variável participação no ConheSer+, optou-se por agrupar os alunos em dois níveis: os que participaram, em uma ou mais atividades, e os que não participaram em nenhuma.
Participaram no estudo 96 alunos do 8.º ano de escolaridade com idades compreendidas entre os 13 e os 14 anos. A distribuição dos alunos no que se refere ao grau de participação no ConheSer+, apresenta-se relativamente equilibrada: 42.7% participaram em uma ou mais atividades do projeto e 57.3% não participaram em nenhuma atividade.
Instrumentos e Procedimentos de Recolha de dados
A utilização de um inquérito, na forma de questionário de autorrelato, mostrou-se o melhor meio de recolher as informações pretendidas a respeito das variáveis a avaliar dando a possibilidade de comparação estatística das respostas obtidas junto dos alunos.
Foi construído um questionário, dividido em 3 secções. Numa primeira secção "Eu, a escola e o futuro" estava incluído um conjunto de 34 itens, incidindo sobre as dimensões Relação professor-aluno; Controlo e Relevância do Trabalho Escolar; Apoio da família na Aprendizagem e Estatuto de Identidade Vocacional. Na segunda secção "Estar e aprender na escola"estava incluído um conjunto de 11 itens acerca do envolvimento escolar do estudante na escola nas dimensões cognitiva, afetiva e comportamental. A terceira secção "Eu como aluno"compreendia um conjunto de 8 itens referentes às atitudes face àaprendizagem.
Para a avaliação do envolvimento escolar dos alunos, nas suas dimensões cognitiva, afetiva e comportamental, bem como para a recolha de dados quanto às atitudes dos alunos face àaprendizagem e aos fatores contextuais foram usadas escalas do "Inquérito acerca do Envolvimento dos Estudantes na Escola (IEEE) "de Rola (2012) adaptadas a partir de um conjunto de escalas originais que apresentamos a seguir.
Student Engagement Instrument (SEI): o Student Engagegement Instrument (SEI) da autoria original de (Appleton, Christenson, Dongjin, & Rechly, 2006) é um instrumento constituído por 33 itens referentes a duas dimensões do envolvimento dos alunos na escola: envolvimento cognitivo e afetivo. Apresenta, mais especificamente, no que se refere ao Envolvimento Afetivo nove itens para a Relação Professor-Aluno, quatro para o Apoio da Família, seis para o Apoio dos Pares. No que se refere ao Envolvimento Cognitivo, apresenta nove itens para o Controlo e Relevância Escolar e cinco itens para as Aspirações e Futuro.
Foram usadas no presente estudo a generalidade das subescalas à exceção da relativa às "Aspirações e futuro"porquanto se optou, em alternativa, por avaliar o estatuto de identidade vocacional e à da "Relação com os Pares" pelo facto de não se ter considerado essa dimensão particularmente relevante no quadro dos objetivos do estudo.
Student Engagement in School Scale (SES): a Student Engagement in School Scale (SES) de Lam & Jimerson (2008) é uma escala multidimensional, constituída por 14 itens, com respostas de autorrelato sobre a ocorrência de comportamentos específicos de envolvimento nas dimensões cognitiva, afetiva e comportamental.
Questionário do Envolvimento Escolar dos Estudantes na Escola (QEEE): do Questionário do Envolvimento Escolar dos Estudantes na Escola de (Veiga, Pavlovic, García, & Ochoa, 2010) foi usada a subescala Atitudes face à Aprendizagem aqui utlizada para a obtenção de um indicador extra do envolvimento cognitivo. Foram excluídos os itens 1 e 7 para incrementar a consistência interna.
O estatuto de identidade vocacional foi avaliado a partir de uma versão breve da OIS-R - Occupational Identity Scale adaptado por Veiga e Moura (2005) à população portuguesa. Trata-se de uma escala originalmente composta por 28 itens classificados em quatro estatutos de identidade vocacional: realizada, moratória, outorgada e difusão.
Desta escala foram selecionados 12 itens (três relativamente a cada um dos quatro estatutos de identidade vocacional), tendo sido ligeiramente ajustados na sua redação de modo a fazer mais sentido aos participantes (alunos do 8.º ano de escolaridade), levando em conta as suas características em termos de desenvolvimento vocacional.
Os interesses profissionais dos alunos foram medidos através do Inventário de interesses e preferências vocacionais IPP (De la Cruz, 2000). O IPP é um instrumento de administração individual ou coletiva podendo ser aplicado a adolescentes e adultos a partir dos 13 anos de idade. Foi construído com o propósito de ajudar os estudantes a conhecer melhor os seus interesses através da avaliação dos interesses dos sujeitos em 17 campos profissionais, tendo em conta as profissões e as tarefas que cada um deles integra. Os elementos que integram o questionário são de dois tipos: os que requerem que o sujeito exprima a sua preferência por diversas profissões (apresentam-se os nomes de algumas das mais representativas de cada um dos campos de atividade profissional) e os que requerem que exprima a sua preferência por diversas tarefas e atividades (para cada profissão, incluíram-se as mais representativas da Classificação Nacional de Profissões). No estudo de validação português, os autores obtiveram um alpha de Cronbach para os itens superior a 0.70, o que evidencia uma boa consistência interna da escala, sendo que o dos campos profissionais do inventário variam entre 0.61 e 0.85.
Resultados e Discussão
Participação no ConheSer+ e desenvolvimento vocacional
Identidade Vocacional
Não obstante não terem sido encontradas diferenças com significado estatístico relativamente a nenhum dos estatutos de identidade vocacional, parece haver indícios de que a participação no ConheSer+ tenha produzido alterações ligeiras nos processos de exploração e de investimento de alguns dos alunos uma vez que a diminuição que se observa no valor médio desta variável do 1.º para o 2.º momento no grupo dos que participaram (1M: M = 7.45, DP = 2.51) e [2M: M = 6.93, DP = 2.45; t(39) = 1.27, p = 0.213, d = 0.20] é de maior amplitude do que a que se observa no outro grupo (1M: M = 6.56, DP = 2.60) e [2M: M = 6.48, DP = 2.36; t(51) = 0.27, p = 0.792, d = 0.04] no caso do estatuto de identidade realizada.
Também no caso do estatuto de identidade outorgada se verificam alterações ao nível dos processos de exploração e de investimento, nomeadamente, a diminuição do valor médio desta variável do 1.º para o 2.º momento no grupo dos que participaram (1M: M = 8.49, DP = 2.93) e [2M: M = 7.95, DP = 2.51; t(40) = 1.391, p = 0.172, d = 0.22] é de maior amplitude do que a que se observa no outro grupo (1M: M = 7.75, DP = 1.96) e [2M: M = 7.88, DP = 2.132; t(48) = -1.422, p = 0.161, d = -0.076].
Ainda que ligeiras, verificam-se alterações nos processos de exploração e investimento associada àparticipação no projeto ConheSer+.
O facto da participação no ConheSer+ não aparecer associado, de uma forma mais evidente, a alterações no estatuto de identidade vocacional dos alunos que nele participaram parece poder atribuir-se às insuficiências do projeto quanto à não intencionalização de momentos de integração cognitiva e emocional das experiências de exploração proporcionadas pelas atividades. Considera-se, no entanto, que os resultados apontam, igualmente, para a falta de oportunidades de exploração devidamente refletidas e significadas pelos alunos no contexto escolar como um todo.
Interesses Profissionais
No domínio Economico-Empresarial foram verificadas diferenças significativas entre o 1.º e o 2.º momento de avaliação tanto no grupo que participou no ConheSer+, [1M: M = 24.38, DP = 5.40; 2M: M = 27.03, DP = 6.51; t(52) = -3.672, p = 0.001, d = -5.21] como no grupo que não participou no ConheSer+ [1M: M = 26.09, DP = 5.84; 2M: M = 28.19, DP = 5.97; t(39) = -3.005, p = 0.005, d = -0.48]. Trata-se de uma subida nos valores médios de interesse relativos a esta área que poderá estar relacionada com a exposição dos alunos a um programa de empreendedorismo "É o meu negócio", que decorreu ao longo de seis sessões e que se prolongou durante um período letivo. Excecionalmente, esta atividade foi dirigida a todos os alunos da amostra e não só dirigida ao grupo que participou no ConheSer+, fator que explica a diferença significativa verificada nos dois grupos. Por outro lado constituiu uma atividade com maior número de sessões e prolongada no tempo.
No domínio Artístico-Plástico foram encontradas diferenças significativas no grupo que participou no ConheSer+, entre o 1.º momento de avaliação (M = 26.95, DP = 7.33) e o 2.º momento [M = 29.00, DP = 7.01; t(40) = -3.301, p = 0.002, d = -0.52]. No grupo que não participou no ConheSer+ não foram encontradas diferenças significativas, entre o 1.º momento de avaliação (M = 26.47, DP = 7.22) e o 2.º momento [M = 27.42, DP = 7.26; t(51) = -1.598, p = 0.116, d = -0.22]. A presença de diferenças significativas apenas no grupo que participou no projeto e a amplitude das diferenças observadas entre um e outro momento no interesse (crescente) por esta área, parecem legitimar a associação deste resultado ao potencial exploratório das atividades que foram proporcionadas neste domínio no âmbito do projeto na forma de workshops.
Participação no ConheSer+ e envolvimento escolar
Relativamente ao envolvimento escolar, apresenta-se somente uma seleção dos resultados relativos a varáveis em relação às quais se observaram efeitos significativos, nomeadamente, as dimensões contextuais do envolvimento Relação Professor-Aluno e Controlo e relevância do trabalho escolar e a dimensão afetiva do envolvimento.
Relativamente àdimensão contextual do envolvimento Relação Professor-Aluno foram encontradas diferenças significativas no grupo que participou no ConheSer+, entre o 1.º momento de avaliação (M = 27.79, DP = 3.30) e o 2.º momento [M = 30.47, DP = 3.80; t(37) = -6.03, p = 0.001, d = -1.24]. No grupo que não participou no ConheSer+ também foram encontradas diferenças significativas, entre o 1.º momento de avaliação (M = 27.21, DP = 3.50) e o 2.º momento [M = 29.68, DP = 3.95; t(46) = -4.95, p = 0.001, d = -0.72.]. Observaram-se diferenças significativas, no sentido de uma evolução positiva nas perceções dos alunos quanto àrelação com os professores, tanto no grupo que participou como no grupo que não participou, pelo que a participação no ConheSer+ não parece ter sido um fator relevante nesta mudança. No entanto, parece natural que a regularidade dos contactos bem como os momentos de interação professor-aluno (que, ao contrário da participação no projeto, foram contínuos na vida escolar dos alunos) que foram ocorrendo ao longo do ano letivo possam ter contribuído para um aumento da proximidade relacional entre ambos e que apoio dos professores ao processo de ensino aprendizagem possa ter sido crescentemente mais reconhecido e valorizado pelos alunos.
Seja como for, tendo sido encontrada uma correlação positiva e significativa entre a dimensão contextual do envolvimento Relação professor-aluno e o envolvimento afetivo cuja intensidade se mostrou superior no grupo de alunos que participou no ConheSer+ [r(41) = 0.723, p = 0.000, r2 = 0,52) do que no grupo que não participou [r(51) = 0.646, p = 0.000, r2 = 0,42)] isso parece permitir antecipar que o envolvimento de mais professores (e não só de um pequeno grupo) em atividades extracurriculares deste género poderá favorecer o envolvimento dos alunos com a escola.
Relativamente à dimensão contextual do envolvimento Controlo e relevância do trabalho escolar foram encontradas diferenças significativas no grupo que participou no ConheSer+, entre o 1.º momento de avaliação (M = 29.23, DP = 3.60) e o 2.º momento [M = 27.36, DP = 4.38; t(38) = 3.081, p = 0.001, d = 0.61]. No grupo que não participou no ConheSer+ não foram encontradas diferenças significativas, entre o 1.º momento de avaliação (M = 29.28, DP = 4.03) e o 2.º momento [M = 28.28, DP = 3.91; t(49) = 2.344, p = 0.023, d = 0.33]. O decréscimo observado a nível do Controlo e relevância do trabalho escolar no grupo que participou no ConheSer+ pode, à partida, mostrar-se um resultado inesperado. No entanto, e tendo em conta que a maioria dos itens que avaliam esta dimensão põem a tónica nos aspetos que dizem respeito à aprendizagem em contexto de sala de aula (e.g., os testes, as notas, os trabalhos, as aulas), talvez a participação no ConheSer+, tenha levado os alunos a relativizar a importância desse tipo de aprendizagens e a considerar que essas oportunidades extracurriculares possam ter-se mostrado, em termos comparativos, mais relevantes. De resto, a correlação positiva e significativa encontrada entre a dimensão contextual do envolvimento relação professor aluno e a dimensão contextual do envolvimento Controlo e Relevância do Trabalho Escolar no grupo que participou no projeto [r(41) = 0.558, p = 0.000, r2 = 0.31] e no grupo que não participou [r(51) = 0.638, p = 0.000, r2 = 0.41] parece dar razão a esta leitura ao mostrar que estando o professor no centro dos processos que ocorrem em sala de aula, o modo como os alunos veem a sua relação com este, é um fator que ajuda a compreender a própria atitude dos alunos em relação às tarefas da aprendizagem.
Considerações finais
Apresentados os principais resultados que tiveram como base os dados da investigação e as questões de estudo, passa-se a expor algumas conclusões e considerações finais centradas na reflexão sobre as suas limitações e implicações para futuras investigações relacionadas com esta temática.
Relativamente à intenção de explorar a influência do enriquecimento curricular no desenvolvimento vocacional dos alunos, através das variáveis interesses profissionais e estatuto de identidade vocacional os resultados mostraram que, globalmente, a participação no projeto não foi um fator relevante nas diferenças que se verificaram do 1.º para o 2.º momento da avaliação. Contudo, verificaram-se diferenças significativas relativamente a dois domínios de interesses profissionais, aparentemente, associadas ao comportamento exploratório proporcionado pelas atividades nos domínios Económico-Empresarial e Artístico Plástico. O maior número de atividades desenvolvidas nestes domínios, bem como a exposição mais prolongada no tempo parecem ter produzido diferenças mais significativas no grupo que participou e, comparativamente com outros domínios de áreas de interesse, o que sugere uma relação entre a participação nas atividades e o reforço de interesses nesses domínios.
A este nível considera-se que o estudo teve duas limitações: por um lado, a dificuldade em assegurar na programação do projeto o mesmo número de atividades para cada domínio do IPP, chegando mesmo a acontecer um excesso de atividades num domínio e a inexistência noutros; por outro lado, para viabilizar a comparação estatística houve necessidade de agrupar na categoria dos que participaram no ConheSer+ todos os alunos que participaram mesmo que tenham estado presentes em apenas uma atividade o que, naturalmente, pode ter diminuído a possibilidade de apurar diferenças mais evidentesentre os alunos deste grupo e aqueles que não participaram no projeto.
Relativamente ao estatuto de identidade vocacional, não se verificaram diferenças significativas do 1.º para o 2.º momento de avaliação mas parece haver indícios de que a participação no ConheSer+ tenha produzido alterações ligeiras nos processos de exploração e de investimento no caso do estatuto de identidade realizada e outorgada.
Neste sentido, sendo que é na escola que o indivíduo passa grande parte do seu tempo, constitui um contexto viável para o desenvolvimento da dimensão exploração através da transformação do contexto em que o sujeito estáinserido numa perspetiva de intervenção no sistema ecológico (Costa, 1997). A consequência é, naturalmente, a diferenciação e o compromisso académico e profissional numa lógica naturalmente dinâmica inerente à própria vida. Nesta linha de pensamento, faz todo sentido pensar-se também em estratégias de intervenção nas famílias, assumindo-se a sua influência no desenvolvimento vocacional dos seus educandos, no sentido de definir as fronteiras entre o que são os seus projetos para os filhos e os projetos dos próprios filhos. Tendo em conta a importância atribuída àrelação da família com o meio, é necessário alargar o foco da intervenção vocacional a outros agentes assim como a outros espaços e iniciativas (Blustein, McWhither, & Perry, 2005). Sugere-se esta modalidade de intervenção numa lógica de otimizar a implementação do projeto ConheSer+, tratando-se de proporcionar espaços de discussão com os pais, eles próprios agentes do desenvolvimento vocacional. Por um lado, sensibilizar para a importância de, como pais, proporcionarem eles próprios experiências de exploração vocacional, ao mesmo tempo que promover a integração dessas experiências, à semelhança das vividas no ConheSer+ num quadro de significação vocacional e de investimentos futuros.
Considera-se ainda como limitação, o facto de não ter sido possível organizar sessões de integração cognitiva e emocional dos resultados subjetivos do confronto dos alunos com as experiências de exploração vividas no âmbito das atividades do ConheSer+. Na linha da compreensão e intervenção construtivista, tais sessões permitiriam ajudar os jovens a dar sentido a essas experiências o que poderápassar por "identificar um ou mais temas significativos para si, emergentes dos dados obtidos nos diversos meios de exploração, permitindo integrar valores, interesses e talentos de um modo compreensivo"(Taveira, 2004, p.330). Considera-se, no entanto, que em edições futuras do projeto ConheSer+ se possa reservar um momento no final de cada atividade para que os alunos possam ter a oportunidade de refletir acerca dos ganhos pessoais decorrentes da experiência de participação na relação com variáveis pessoais significativas. De resto, parece ser possível intervir no desenvolvimento vocacional através da exploração de interesses profissionais mas tendo em consideração que a mera exposição a fontes de interesse por si sónão é suficiente para promover o autoconhecimento vocacional e que as intervenções visando a promoção dos interesses, de forma sistemática e profunda, devem induzir no sujeito comportamentos futuros de autoexploração e de exploração de aspetos importantes do ambiente (Blustein & Flum, 1999 citado por Leitão & Miguel, 2004).
Relativamente à intenção de explorar a influência do enriquecimento no envolvimento escolar dos alunos, encontrou-se uma correlação positiva e significativa entre a varável relação professor aluno e a dimensão do envolvimento afetivo, o que corrobora o que a investigação tem mostrado sobre a influência do apoio dos professores no envolvimento afetivo e cognitivo dos alunos (Rola, 2012; Fredericks et al., 2004). A criação, pelo professor, de um ambiente de aprendizagem caracterizado pelo respeito, cuidado, de apoio social e à autonomia dos alunos, tem sido associado à promoção do envolvimento afetivo dos mesmos (Stipek, 2002, citado por Fredericks et al., 2004). Este resultado surge, assim, alinhado com os resultados de outros estudos que haviam já concluído sobre a associação positiva entre o envolvimento de esforços por parte do professor no estabelecimento de uma ligação pessoal com os alunos e a promoção da sua motivação escolar (Skinner, Zimmer-Gembeck, Connell, Eccles, & Wellborn , 1998), bem como o do desenvolvimento de processos de autonomia afetivo-cognitivo nos alunos (Veiga & Moura, 2005): quando os alunos se sentiam apoiados pelos seus professores, estes apresentavam um maior número de atitudes positivas face à aprendizagem académica e desenvolviam o sentimento de pertença à escola.
Dado o papel positivo que os professores podem ter na promoção do envolvimento dos alunos na escola, seria importante incorporar o tema do envolvimento nos programas de formação de professores, de modo a aprofundar a complexidade do construto, bem como modelar e incentivar boas práticas neste âmbito, promovendo a consciencialização dos professores para o significado que representam no desenvolvimento global dos alunos que é também vocacional. Atendendo à influência que o professor pode ter nos alunos, também seria importante, promover a infusão curricular dos aspetos vocacionais inerentes às diferentes áreas disciplinares de modo a tornar os professores, eles próprios agentes do desenvolvimento vocacional (Ferreira, Nascimento, & Fontaine, 2009; Mouta, & Nascimento, 2008).
Por outro lado, o decréscimo na dimensão Controlo e relevância do trabalho escolar no grupo que participou no projeto poderá estar relacionado com o significado das aprendizagens em contexto de sala de aula e circunscritas ao currículo, uma vez que essas dimensões se relacionavam com essas aprendizagens. A leitura destes resultados poderá ser considerada na reflexão sobre as metodologias de ensino e processos de ensino aprendizagem, nomeadamente, sobre aqueles que assumem um significado mais positivo para os alunos e por isso mais consequente.
Assim, parece mostrar-se necessário continuar a investigação no trilho da complexidade das influências do enriquecimento curricular nas suas variadas formas, no desenvolvimento vocacional e no envolvimento dos alunos na escola em todas as dimensões e desenvolver modelos concetuais integrados de intervenção orientados para esses objetivos. Paralelamente, considera-se fundamental a identificação dos elementos contextuais que interferem no envolvimento dos alunos na escola e a compreensão da forma como o favorecem. Tais conhecimentos ajudarão o psicólogo e os outros agentes educativos a desenvolver intervenções mais válidas e, integradas a fim de potencializar esse envolvimento dentro como também fora dos limites da escola, preparando os jovens para uma participação produtiva e significativa, numa sociedade de grandes e rápidas transformações científicas, tecnológicas e sociais, e que os obriga a uma adaptação e atualização constantes.
Referências
Almeida, L. S., & Miranda, L. (2012). Programa Odisseia: Um programa de enriquecimento escolar para alunos sobredotados. Imagens da Educação, 2(2), 57-66. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/imagenseduc.v2i2.16101 [ Links ]
Appleton, J. J., Christenson, S. L., Kim, D., & Reschly, A. L. (2006). Measuring cognitive and psychological engagement: Validation of the Student Engagement Instrument. Journal of School Psychology, 44(5), 427-445. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jsp.2006.04.002 [ Links ]
Bempechat, J., & Shernoff, D. J. (2012). Parental influences on achievement motivation and student engagement. In S. L. Christenson, A. L Reschly, & C. Wylie (Eds.) Handbook of research on student engagement (pp. 315-342). Springer US. [ Links ]
Blustein, D. L., Devenis, L. E., & Kidney, B. A. (1989). Relationship between the identity formation process and career development. Journal of Counseling Psychology, 36(2), 196-202. DOI: http://dx.doi.org/10.1037/0022-0167.36.2.196 [ Links ]
Blustein, D. L., McWhirter, E. H., & Perry, J. C. (2005). An emancipatory communitarian approach to vocational development theory, research, and practice. The Counseling Psychologis 33(2), 141-179. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0011000004272268 [ Links ]
Campos, B. P., & Coimbra, J. L. (1991). Consulta psicológica e exploração do investimento vocacional. Cadernos de Consulta Psicológica, 7, 11-19. Recuperado em 05 abril 2017, de https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/14802/2/82966.pdf [ Links ]
Campos, B. P., Coimbra, J. L., & Imaginário, L. (1994). Career intervention from a psychology perspective: definition of thee main ingredients of an ecological-developmental methodology. Comunicação apresentada no 23º International Congress of Applied Psychology, Madrid. [ Links ]
Costa, M. E. (1997). Desenvolvimento da identidade em contexto escolar. In B. P. Campos (Org.). Educação e desenvolvimento pessoal e social (pp. 143-173). [ Links ]
De la Cruz, M. V., & López, C. (2000). IPP: intereses y preferencias profesionales: manual. Tea. [ Links ]
Dias, L. M., & Nascimento, I. (2010). O desenvolvimento vocacional na infância: realidades de um mito (Childhood career development: realities of a myth). In A. Leite, J. M. Castro, & J. L. Coimbra (Eds.), Os novos profissionais da educação e formação para o trabalho: Desafios e exigências da aprendizagem ao longo da vida (pp.135-139). [ Links ]
Ferreira, A. F., Nascimento, I., & Fontaine, A. M. (2009). O papel do professor na transmissão de representações acerca de questões vocacionais. Revista brasileira de orientação profissional, 10(2), 43-56. Recuperado em 18 março 2017, de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v10n2/v10n2a06.pdf [ Links ]
Fredericks, J. A., Blumenfeld, P. C., & Paris, A. H. (2004). School Engagement: potential of the concept, state of the evidence. Review of Educacional Research, 74(1), 59-109. Recuperado em 18 março 2017, de http://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.3102/00346543074001059 [ Links ]
Finn, J. D. (1993). School Engagement & Students at Risk. Recuperado em 18 março 2017, de http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED362322.pdf [ Links ]
Gonçalves, C. (1997). A influência da família no desenvolvimento vocacional de adolescentes e jovens. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto. [ Links ]
Gonçalves, C. M. (2000). Desenvolvimento vocacional e promoção de competências. In Actas do II Encontro Internacional de Formação Norte de Portugal/Galiza2000. [ Links ]
Gonçalves, C. (2006). A família e a construção de projetos vocacionais de adolescentes e jovens. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Porto. [ Links ]
Gonçalves, C. M., & Coimbra, J. L. (2007). O papel dos pais na construção de trajetórias vocacionais dos seus filhos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 8(1), 1-17. Recuperado em 18 março 2017, de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v8n1/v8n1a02.pdf [ Links ]
Jimerson, S. R., Campos, E., & Greif, J. L. (2003). Toward an understanding of definitions and measures of school engagement and related terms. The California School Psychologist, 8(1), 7-27. DOI: http://dx.doi.org10.1007/BF03340893 [ Links ]
Johnson, M. K., Crosnoe, R., & Elder Jr, G. H. (2001). Students' attachment and academic engagement: The role of race and ethnicity. Sociology of Education, 74(4), 318-340. DOI: http://dx.doi.org10.2307/2673138 [ Links ]
Kroger, J. (2004). Identity in adolescence: The balance between self and other. Psychology Press. [ Links ]
Lam, S. F., & Jimerson, S. R. (2008). Exploring student engagement in schools internationally: Consultation paper. H. Chicago: International School Psychologist Association. [ Links ]
Leitão, L. M. & Miguel, J. P. (2004) Avaliação dos interesses. In L. M. Leitão (Org.). Avaliação psicológica em orientação escolar e profissional (pp. 179-262). Coimbra: Quarteto. [ Links ]
Marcia, J. E. (1966). Development and validation of ego-identity status. Journal of personality and social psychology, 3(5), 551-558. DOI: http://dx.doi.org/10.1037/h0023281 [ Links ]
Marcia, J. E. (1980). Identity in adolescence. Handbook of adolescent psychology, 9(11), 159-187. [ Links ]
Mouta, A., & Nascimento, I. (2008). Os (novos) interlocutores no desenvolvimento vocacional de jovens: Uma experiência de consultoria a professores. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 9(1), 87-101. Recuperado em 18 março 2017, de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v9n1/v9n1a08.pdf [ Links ]
Prata, A., Barbosa-Ducharne, M., Gonçalves, C., & Cruz, O. (2013). O impacto dos estilos educativos parentais e do desenvolvimento vocacional no rendimento escolar de adolescentes. Análise Psicológica, 31(3), 235-243. Recuperado em 27 março 2017, de http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v31n3/v31n3a02.pdf [ Links ]
Rola, A. S. (2012). Envolvimento dos alunos na escola: um estudo com alunos do 7º e do 9º ano. Dissertação de Mestrado. Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Lisboa. [ Links ]
Renzulli, J. S. (2012). La educación del sobredotado y el desarrollo del talento para todos. Revista de Psicología, 26(1), 23-42. [ Links ]
Renzulli, J. (2014). Modelo de enriquecimento para toda a escola: um plano abrangente para o desenvolvimento de talentos e superdotação. Revista Educação Especial, 27(50), 539-562. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X14676 [ Links ]
Schoen-Ferreira, T. H., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. D. M. (2003). Adolescent's identity construction: an exploratory study. Estudos de Psicologia (Natal), 8(1), 107-115. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2003000100012 [ Links ]
Skinner, E. A., Zimmer-Gembeck, M. J., Connell, J. P., Eccles, J. S., & Wellborn, J. G. (1998). Individual differences and the development of perceived control. Monographs of the society for Research in Child Development, 63(2-3), 1-220. [ Links ]
Taveira, M. C. (2000). Exploração e Desenvolvimento Vocacional de Jovens: Estudo sobre as relações entre a exploração, a identidade e a indecisão vocacional. Tese de Doutorado. Universidade do Minho, Braga. [ Links ]
Veiga, F., & Moura, H. (2005). Adolescents' vocational identity: adaptation of the Occupational Identity Scale (OIS). International Conference AIOSP 2005: Careers in context: new challenges and tasks for guidance and counseling. [ Links ]
Veiga, F., Pavlovic, Z., García, F., & Ochoa, M. (2010). Escala de envolvimento dos alunos na escola: primeiros elementos da adaptação portuguesa da "student engagement in school scale". Anais do I Seminário Internacional "Contributos da Psicologia em Contextos Educativos", 401-408. [ Links ]
Veiga, F., Festas, I., Taveira, M. D. C., Galvão, D., Janeiro, I., Conboy, J., & Almeida, A. (2012). Envolvimento dos Alunos na Escola: Conceito e Relação com o Desempenho Académico - Sua Importância na Formação de Professores. Revista Portuguesa de Pedagogia, 31-47. Recuperado em 18 março 2017, de http://impactumjournals.uc.pt/index.php/rppedagogia/article/viewFile/1735/1112 [ Links ]
Veiga, F. H. (2013). Envolvimento dos alunos na escola: elaboração de uma nova escala de avaliação. International Journal of Developmental and Educational psychology, 1(1), 441-440. Recuperado em 18 março 2017, de http://repositorio.ul.pt/handle/10451/10032 [ Links ]
Voelkl, K. E. (1997). Identification with school. American Journal of Education, 105(3), 294-318. DOI: http://dx.doi.org/10.1086/444158 [ Links ]
Wang, M. T., & Holcombe, R. (2010). Adolescents'perceptions of school environment, engagement, and academic achievement in middle school. American Educational Research Journal, 47(3), 633-662. Recuperado em 18 março 2017, de http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.3102/0002831209361209 [ Links ]
Endereço para correspondência:
Helena Rodrigues
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Rua Alfredo Allen
4200-135, Porto, Portugal
E-mail: jhhlmj@gmail.com
Recebido: 24/04/2015
1ª reformulação: 24/06/2016
2ª reformulação: 15/02/2017
Aceite final: 16/03/2017
Sobre as autoras
Helena Rodrigues é psicóloga no Colégio Luso-Francês do Porto e mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, com pré-especialização na área de Consulta Psicológica de Jovens e Adultos.
Inês Nascimento é Professora-Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Licenciada em Psicologia pela referida Faculdade, e Doutora em Psicologia por esta mesma instituição.