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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.21 no.1 Campinas jan./jun. 2020
https://doi.org/10.26707/1984-7270/2020v21n103
10.26707/1984-7270/2020v21n103
ARTIGO
A Influência da Família na Tomada de Decisões de Carreira: Uma Revisão de Literatura
Family Influence on Career Decision Making: A Literature Review
Influencia Familiar en las Elecciones de Carrera: Una Revisión de Literatura
Jaisso VauteroI; Maria do Céu TaveiraI; Ana Daniela SilvaI
IUniversidade do Minho, Braga, Portugal
RESUMO
A família tem sido foco de diversos estudos sobre sua influência no processo de tomada de decisão de carreira. Contudo, foram identificadas poucas revisões sobre o assunto. Nesse sentido, o presente artigo fornece uma revisão dos estudos publicados sobre o tema entre 2002 e 2016. A seleção de trabalhos utilizou métodos de revisão sistemática e a análise manteve o caráter narrativo. Os resultados confirmam a divisão entre fatores de processo e estruturais da influência familiar, os quais diferem em relação ao aspecto de carreira que abordam. Concluiu-se que existe a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a influência familiar em etapas específicas do processo de tomada de decisão de carreira, como a implementação e a investigação em contextos culturais diversos.
Palavras-chave: família; tomada de decisão; escolha profissional
ABSTRACT
Several studies have focused on family influence on the career decision making process. However, a few reviews on the subject have been identified. In this sense, the present article provides a review of the studies on the subject published between 2002 and 2016. The selection of works was thought systematic review technics, and the analysis kept the narrative character. The results confirm the division between structural and process factors of family influence, which differ between them concerning the career aspect they address. It was concluded that there is a need to deepen the knowledge about family influence in specific stages of the career decision-making process, such as implementation and research in different cultural contexts.
Keywords: family, decision-making, career choice
RESUMEN
La familia ha sido objeto de varios estudios sobre su influencia en el proceso de elección de carrera. Sin embargo, se han identificado pocas revisiones sobre el asunto. En ese sentido, el presente artículo proporciona una revisión de los estudios publicados entre 2002 y 2016 sobre el tema. Para la selección de los trabajos se utilizó el método de la revisión sistemática, y el análisis mantuvo un carácter narrativo. Los resultados confirman la división entre factores estructurales y de proceso de la influencia familiar que difieren en relación al aspecto de carrera que abordan. Se concluyó que existe la necesidad de profundizar el conocimiento sobre la influencia de la familia en etapas específicas del proceso en la elección de carrera, como la implementación y la investigación en diversos contextos culturales.
Palabras clave: familia; toma de decisiones; elección de carrera
Introdução
As bases de uma carreira são geralmente lançadas no ambiente familiar por meio do contato com ocupações, oportunidades educacionais, aptidões, interesses e aquisições educacionais (Holland, 1992). Em momentos de tomada de decisão, as variáveis familiares, como a transmissão parental do conhecimento sobre o trabalho, o envolvimento com os filhos, as aspirações e expectativas dos pais e o status socioeconômico e familiar são relevantes (Bryant, Zvonkovic, & Reynolds, 2006).
Os trabalhos de Schulenberg, Vondraeck e Crouter (1984) e Whiston e Keller (2004) são considerados por Bluestein (2004) os mais proeminentes na revisão da literatura sobre a influência da família nas carreiras (Bluestein, 2004). Em essência, esses estudos indicam que há algum tempo nota-se a preocupação em elaborar estudos sobre a influência da família na tomada de decisões de carreira. No entanto, se no passado o interesse estava em questões desenvolvimentais e mobilidade social, como notado pelo estudo de Schulenberg, Vondraeck e Crouter (1984), em anos recentes a preocupação recai sobre o processo de tomada de decisão de carreira, como demonstrou Whiston e Keller (2004). Ambos os trabalhos também identificaram que os estudos sobre o campo poderiam ser divididos em estudos sobre fatores processuais da família (e.g., apoio e expectativas), e fatores estruturais da família (e.g., status socioeconômico). Os autores ressaltaram que o processo pelo qual as famílias influenciam o desenvolvimento da carreira é complexo e é afetado por diversos fatores contextuais, como raça, gênero e idade. No que diz respeito a revisões específicas sobre a influência da família na tomada de decisão de carreira, foi localizado apenas um trabalho (Almeida & Melo-Silva, 2011).
Nesse sentido, identifica-se que existem poucos estudos recentes sobre o tema, e dada sua relevância, considera-se necessária a elaboração de novos trabalhos. Para colmatar esta lacuna, o presente estudo teve por objetivo realizar uma revisão de literatura sobre a influência da família no processo de tomada de decisão de carreira. Esta revisão utiliza estratégias derivadas de revisões sistemáticas em relação aos critérios de procura de artigos; já no processo de análise, utiliza estratégias de revisões narrativas. Esse formato de procura oferece confiabilidade em relação aos estudos a serem incluídos, atende ao critério de uma seleção abrangente com fontes explícitas, baseada em critérios uniformes e replicáveis (Haynes, Sackett, Gray, Cook, & Guyatt, 1997; King, 1995). Já a análise nos moldes de uma revisão narrativa utiliza um desenho qualitativo descritivo na análise do material identificado. Esse tipo de análise é mais adequado ao tema que, por sua abrangência e diversidade, em algum sentido, torna adequada a utilização de análises que procurem interpretar processos e contextos (Denzin & Lincoln, 2006).
Algumas definições iniciais são particularmente importantes por estabelecerem um guia ao restante do trabalho; são elas tomada de decisões de carreira e família. Nesse sentido, a tomada de decisão de carreira se refere a processos que podem ocorrer ao longo de toda a vida profissional de uma pessoa (Super, 1990). O processo de tomada de decisão de carreira inclui duas etapas diferentes - planejamento ou antecipação e implementação da decisão (Carvalho & Taveira, 2012; Tiedman, 1961) - que são abordadas indiscriminadamente nesta revisão. A família, tal como postulado por estudos anteriores (Fouad et al., 2010; Whiston & Keller, 2004), será considerada como aquela em que as pessoas passam seus primeiros anos de vida, ou seja, o grupo junto do qual a pessoa viveu na sua infância. Apesar da família incluir outros membros além dos pais, como irmãos, padrastos, avós e outros que tenham desempenhado um papel central no desenvolvimento do indivíduo, a maioria dos estudos apurados por Whiston e Keller (2004) refere-se apenas a pai ou mãe, ou às pessoas que assumem estas funções. A definição se refere à família de origem, contudo, são utilizadas indiscriminadamente as expressões família e família de origem.
Metodologia
Palavras-chave
As palavras-chave utilizadas derivam de uma combinação de termos relacionados a career decision making (tomada de decisão de carreira) e family (família) retirados do índice de termos PsycNET Thesaurus (American Psychological Association, 2015). Este índice foi selecionado por apresentar os termos mais citados na base PsycNET e associar cada termo a diversos outros, tendo em vista sua utilização e relevância. Explorada cada expressão, foram encontradas simultaneamente oito expressões relacionadas a career decision making: career choice (escolha de carreira), vocational choice (escolha vocacional), occupational choice (escolha profissional), job selection (seleção de trabalho), occupational preference (preferência profissional), career preference (preferência de carreira) e vocational preference (preferência vocacional). Os termos associados a family foram: parents (pais), parental (parental), siblings (irmãos), mother (mãe)e father (pai). Os oito termos relacionados à carreira foram combinados com os seis termos relacionados à família. Todas as pesquisas foram construídas com operadores booleanos para aperfeiçoar a consulta. As combinações de termos foram traduzidas para português e espanhol de acordo com os descritores de palavras-chave nestas línguas.
Critérios de Inclusão
Incluíram-se estudos publicados em revistas científicas revisadas por pares, entre 2002 e 2016, centrados em variáveis familiares e de carreira tais como definidas acima. O período inicial foi escolhido como uma continuação ao estudo de Whiston e Keller (2004), o qual incluiu artigos publicados até o ano de 2002. Ainda que o trabalho citado aborde a influência da família sob aspectos gerais de carreira e não apenas decisões, acaba por incluí-las, o que cria um contínuo para pesquisadores observarem o estado da arte. A revisão pesquisou textos escritos em espanhol, inglês e português.
Procedimentos de procura de artigos
Foram empregadas bases de dados multidisciplinares com uma ampla cobertura como o Scopus e tradicionais como Web of Science. Além de bases de dados multidisciplinares e tradicionais, foram incluídas bases de dados regionais a fim de atender a produção científica local. Em acordo com o destaque regional pretendido, foram incluídas bases de dados nos idiomas português e espanhol, como Redalyc. Assim, foram utilizadas as bases de dados PsycArticles, PubMed e ERIC por seu enfoque nas áreas de psicologia e educação e Web of Science e Scopus por seu caráter multidisciplinar e por serem bases de dados com um expressivo número de periódicos vinculados. Como bases de dados regionais utilizou-se Pepsic, e Redalyc e REDIB (Red Iberoamericana de Inovação e Conhecimento Científico), a qual inclui Scielo. O procedimento está descrito na Figura 1.
A etapa inicial de seleção reteve 2480 artigos, dos quais 147 foram selecionados para a revisão do texto completo. Após a leitura detalhada de cada um dos trabalhos, notou-se a existência de duas grandes categorias: estudos que abordavam diversas variáveis contextuais, dentre elas a família, e estudos que abordavam especificamente a influência familiar. Tendo em vista os objetivos desta revisão, optou-se por manter apenas os trabalhos referentes a essa última categoria, a qual somou 72 artigos.
Classificação e organização
Depois de delimitados os artigos a serem analisados, decidiu-se por classificar os estudos em acordo com o critério utilizado por Schulenberg et al. (1984), que dividiu a influência familiar em fatores processuais e estruturais. Dentro de cada uma dessas grandes categorias ou fatores, surgiram subcategorias (e.g., apego e apoio, pertencentes aos fatores processuais; e nível socioeconômico e educação parental, pertencente aos fatores estruturais).
Quanto às dimensões relativas às decisões de carreira buscou-se também estabelecer uma classificação de forma que cada fator da influência familiar pudesse ser apresentado em relação às dimensões de carreira a que haviam sido associadas.
Resultados
Resultados preliminares
A presente revisão identificou 17 temas relativos à influência familiar; destes, 13 são fatores familiares processuais e os demais fatores estruturais. Muitos estudos possuem mais de um tema principal (e.g., Oren, Caduri, & Tziner, 2013). Quanto às dimensões relativas à carreira, o tema mais abordado é a escolha de carreira em si, relativa à área de estudo ou profissão, com 28 ocorrências, onde foi possível observar claramente que alguns estudos abordavam a fase de planejamento e outros, ainda que em menor número, a fase de implementação das decisões. A Tabela 1 apresenta uma síntese da revisão, com os fatores familiares abordados pelos estudos revisados, o número de ocorrências e as dimensões de carreira abordadas pelos estudos sobre cada fator familiar.
Embora nem todos os estudos façam referência ou assumam abertamente uma posição teórica, é possível identificá-la em 37 trabalhos. Um total de 20 referenciais teóricos são identificados, desde enquadramentos mais conhecidos como o Psicodinâmico e de Desenvolvimento de carreira até abordagens não tão usuais na área, como a teoria da Autodeterminação (Ryan & Deci, 1987). Contudo, o enquadramento teórico mais citado é a Teoria Social Cognitiva do Desenvolvimento de Carreira (TSCDC; Lent, 2013; Lent, Brown, & Hackett, 1994), referida em 12 trabalhos. A Teoria do Comportamento Planejado (Ajzen, 1985) é citada por quatro trabalhos, sendo o segundo referencial mais utilizado. Os referenciais Psicodinâmico, teorias de construção e desenvolvimento de carreira, teorias do capital humano e social e teorias econômicas baseadas em econometria são citados por três estudos cada.
Quanto à composição das amostras, 11 estudos incluem os pais, ainda que com diferentes estratégias de abordagem. Mais da metade dos estudos foram realizados com adolescentes e jovens adultos, com uma variação etária entre 12 e 24 anos. A maioria dos estudos mantêm uma proporção equilibrada entre o número de participantes do sexo masculino e feminino, ainda que alguns trabalhos incluam apenas população feminina (e.g., Hellerstein & Morrill, 2011; Novakovic & Fouad, 2013). Em relação ao desenho do estudo e à metodologia de investigação, oito utilizam abordagens longitudinais; 14 são estudos qualitativos e os restantes utilizam abordagens quantitativas. A estratégia de análise de dados mais utilizada são regressões, nos seus diferentes tipos, presente em 18 estudos, contudo, mais recentemente nota-se o aumento da utilização de equações estruturais (11 estudos).
Os fatores processuais da influência familiar
O apoio constitui o fator processual da influência familiar mais estudado no conjunto de trabalhos avaliados; também é um dos fatores relacionados a um maior número de dimensões de carreira. Os estudos que associaram o apoio parental aos interesses profissionais dos filhos permitem identificar resultados diversos, mas nota-se que o apoio parental pode influenciar a escolha por determinadas áreas de estudos (e.g., Meszaros, Creamer, & Lee; 2009). Entretanto, a relação entre o apoio e autoeficácia para as decisões de carreira tem suscitado resultados mais consensuais. Estes trabalhos demonstram que a percepção dos pais sobre o apoio oferecido promove nos adolescentes um maior senso de apoio parental e, portanto, facilita a autoeficácia para decisões de carreira, com algum destaque para o apoio oferecido pelas mães (McCabe & Barnett, 2000). A autoeficácia para as decisões de carreira parece também mediar a relação entre apoio e indecisão, seus efeitos são no sentido de reforçar o apoio familiar (i.e., Nota, Ferrari, Solberg, & Soresi, 2007; Restubog, Florentino, & Garcia, 2010).
O apego constitui outro fator processual da influência familiar que tem captado atenção dos pesquisadores. A relação entre autoeficácia para as decisões de carreira e apego parece ser um aspecto bastante explorado, ainda que na maioria dos estudos seja avaliado o efeito do apego sobre outras dimensões de careira com a mediação da autoeficácia. Pode-se citar, como exemplo, a relação do apego com a qualidade das tarefas necessárias à decisão de carreira (Germeijs & Verschueren, 2009) e o compromisso com as decisões de carreira (Lee & Kim, 2015). A indecisão de carreira é associada negativamente ao apego seguro (Cenkseven-Onder, Kirdok, & Isik, 2010), ainda que nem todos estudos confirmem o papel preditor do apego seguro (Mojgan, Abdul-Kadir, Noah, & Hassan, 2013). Maiores níveis de apego ansioso também surgem associados a maior indecisão (Tokar, Withrow, Hall, & Moradi, 2003). Estudos sobre a relação entre comprometimento com as decisões de carreira e apego parental tem resultados contrários (e.g., Lee & Kim, 2015; Novakovic & Fouad, 2013). Todavia, na generalidade dos estudos, o apego seguro à mãe tem um efeito maior em comparação com o apego ao pai (e.g., Germeijs & Verschueren, 2009; Lee & Kim, 2015).
Os estudos com as expectativas parentais destacam as decisões de carreira em relação à área de estudos ou profissão e às expectativas de resultado de carreira. As expectativas parentais de sucesso acadêmico esperado são associadas a maior probabilidade de decisão por determinadas áreas de estudos (Shen, 2015). Também é identificado que as expectativas parentais atuariam na formação da autoeficácia para decisões de carreira que resultaria em expectativas positivas de resultado de carreira (Sawitri, Creed, & Zimmer-Gembeck, 2013). Esse achado leva os pesquisadores a indicar que as expectativas parentais e as da própria pessoa atuam em conjunto (Leung, Hou, Gati, & Li, 2011).
Alguns estudos têm por base as teorias sistêmicas as quais indicam que decisões profissionais adequadas podem ser influenciadas pela qualidade das interações familiares, pelas fronteiras/regras das relações entre pais e filhos e pela interdependência emocional (Hargrove, Creagh, & Burgess, 2002). Com base nessa perspectiva, são identificados estudos sobre conflito, comunicação, estilo parental, individuação e coesão familiar. O conflito é associado a outros fatores como dificuldade de comunicação (e.g., Hargrove et al, 2002; Lustig, Xu, & Strauser, 2016). A dificuldade de comunicação familiar é associada à indecisão (e.g., Lo Cascio, Guzzo, Pace, & Pace, 2013; Lusting et al, 2016). O estilo parental também é analisado em relação à indecisão. O estilo autoritativo apresentou relação com menor indecisão e menor nível de conflitos internos e externos. Por sua vez, o estilo autoritário e autoritativo demonstram associação a maior autoconhecimento, informação sobre as profissões e menos crenças irracionais sobre a escolha de carreiras (e.g., Cenkseven-Onder et al., 2010). A separação psicológica dos pais é associada a indecisão de carreira (e.g., Tokar et al., 2003). A maior separação em relação ao pai foi preditor de maior indecisão. A coesão foi estudada frequentemente em conjunto com os demais fatores relacionais citados anteriormente (conflito, comunicação, estilo parental e autonomia), e atua no mesmo sentido destes. Junto, estes fatores relacionais parecem ser capazes de explicar em torno de 20% da variância das medidas de dificuldades de decisões de carreira (Koumoundourou, Tsaousis, & Kounenou, 2011; Lustig et al., 2016), e da autoeficácia para decisões de carreira (Hargrove, et al., 2002).
Os estudos sobre a percepção da influência familiar destacam que apesar de muitos filhos se mostrarem seguros sobre seu sucesso futuro nas suas decisões de carreira, os pais não corroboram essa confiança porque temem que as decisões não estejam bem fundamentadas e ainda consideram os filhos indecisos (Garcia, Restubog, Toledano, Tolentino, & Raffert, 2011; Paula, Dutra, & Boas, 2014; Rodríguez-Menéndez, Peña-Calvo, & Inda-Caro, 2016). Mesmo que os pais possam se ver como desengajados e a se esforçar por propiciar a autonomia nas decisões dos filhos, reconhecem que possuem influência e que apontam alguns caminhos (Fernanández-García, García-Pérez, & Rodrígues-Pérez, 2016). A questão dos valores familiares é abordada de diversas formas, mas, frequentemente, os valores familiares estão conectados a elementos culturais distais, como tradição (Guan et al., 2016) ou proximais, como a relação da família com uma determinada profissão (Laspita, Breugst, Heblich, & Patzelt, 2012).
Os fatores estruturais da influência familiar
Observa-se um aumento no número de trabalhos sobre os fatores estruturais familiares nesses últimos 15 anos em comparação com décadas anteriores. Os principais fatores abordados pelos estudos analisados referem-se ao emprego dos pais, seja sua situação frente ao emprego ou a profissão em si, a educação e o nível socioeconômico.
O tema do emprego parental é de especial interesse governamental por se relacionar com a mobilidade social e intergeracional, ou seja, o quanto os filhos se deslocam no espectro social e ocupacional. A influência do emprego parental se mostra maior do que o nível da educação na transmissão intergeracional de uma ocupação (Kraaykamp, Tolsma, & Wolbers, 2013). Tal é ilustrado em estudos sobre a transmissão de profissões empreendedoras entre gerações (Laspita et al., 2012; Schroder, Schmitt-Rodermund, & Arnaud, 2011). O efeito da profissão parental pode ser direto, através de conselhos ou vivências nas áreas de trabalho dos pais, e indireto, através da modelagem de papéis ou familiaridade com certas crenças profissionais dos pais (Chakraverty & Tai, 2013). Os valores culturais podem estar envolvidos na relação do emprego parental com as decisões de carreira dos filhos (Emran & Shilpi, 2011). Estes valores podem refletir-se nas relações de gênero relativamente à tradicionalidade das carreiras, o que pode ser observado no fato de que ao longo dos anos há um aumento da probabilidade de a filha seguir a profissão do pai mesmo em carreiras tradicionalmente masculinas (Hellerstein & Morrill, 2011). A situação ocupacional também pode exercer influência, pois os filhos com ao menos um dos pais em situação de desemprego apresentam crenças mais negativas sobre exploração de carreira (Faria, 2013).
Estudos sobre a influência da educação parental centram-se frequentemente em torno das decisões de carreira em termos da área de estudos ou profissão. Pais com diploma superior têm mais tendência a afetar as decisões ocupacionais de seus filhos, em favor ou contra certas carreiras (Boudarbat & Montmarquette, 2009; Kuz'mina, 2014). A probabilidade de os pais terem sido mencionados como um influenciador das decisões de carreira entre cientistas aumenta com o nível educacional dos mesmos (Sonnert, 2009).
O efeito da situação socioeconômica é frequentemente abordado conjuntamente com a educação e profissão parental. O fato remete aos indicadores de avaliação das condições socioeconômicas da família, como o Hollingshead Four Factor Index of Socioeconomic Status (Hollingshead, 1975) que considera a classe social da família como uma composição entre o nível educacional e a profissão dos pais. Quanto mais alto o estudante classifica a condição socioeconômica de sua família, mais provável que, ao fazer sua escolha de carreira, ele seja guiado por seus interesses (Kuz'mina, 2014). O aumento no nível de dificuldade de acesso a uma carreira também prediz um aumento no nível socioeconômico do estudante, sendo que quanto maior a dificuldade, maior o nível socioeconômico familiar (Leitão, Guedes, Yamamoto, & Lopes, 2013).
A congruência com a ocupação parental se refere à semelhança das decisões de carreira dos filhos com a profissão dos pais. As percepções da pressão social e a percepção do sucesso parental em suas profissões prevê uma maior congruência (Oren et al., 2013). O apoio parental desempenha um papel nessa relação, pois um maior apoio da mãe revela uma congruência maior da escolha com a profissão da mãe, verificando-se o mesmo em relação ao apoio e à profissão do pai (Tziner, Oren, & Caduri, 2014).
A ordem de nascimento e o tamanho da família são temas menos estudados, e associados à escolha por determinadas áreas de estudo. Um estudo (González-Pinto Yllá, Ortiz &, Zupiria, 2003) identifica que essas variações podem se dever à interação entre traços de personalidade e os fatores familiares considerados (González-Pinto, Yllá, Ortiz & Zupiria, 2003).
Discussão
Após analisar uma lista tão variada de estudos, é necessário expor as impressões que esse conjunto deixa, seus principais achados e o que reserva o futuro para estudos sobre o tema. A conclusão, repetida quase que sem exceções ao longo dos trabalhos apresentados, é que a família assume uma influência inequívoca nas decisões de carreira. O modo como essa influência atua, contudo, é tão diversamente encarado quanto são diversas as teorias utilizadas e as regiões de cada estudo. Como exemplo, o estudo de Emran e Shilpi (2011) com jovens nepalesas e vietnamitas identificou que a influência das mães é muito maior no Nepal, o que os autores atribuem a elementos predominantemente culturais.
Pode-se também, brevemente, realizar algumas comparações gerais desta revisão com as revisões anteriores, sobretudo a mais recente (Wiston & Keller, 2004). Primeiramente, nota-se um crescente interesse pela temática da tomada das decisões de carreira. Também se nota maior clareza sobre o efeito de alguns fatores familiares sobre dimensões específicas de carreira, como é o caso do efeito do apoio sobre a autoeficácia para as decisões de carreira. Pode ser observado que os estudos voltam a abordar questões sobre mobilidade social, voltando às temáticas que haviam sido abordadas por Schulenberg e colegas (1984) há quase 40 anos.
Quanto às perspectivas teóricas, mesmo com toda a variedade, visto que foram encontradas referências a 20 enquadramentos teóricos diferentes, o mais utilizado é a TSCDC (Lent, 2013; Lent, Brown, & Hackett, 1994). A TSCDC tem sido foco das atenções aparentemente por incluir e conectar a família teoricamente com fatores sociocognitivos de carreira largamente estabelecidos, como a autoeficácia, seja nas decisões ou no desempenho de carreira (Lent, 2013). A partir da TSCDC, a família pode ser observada como um filtro (Lent, Hackett, & Brown, 2000) entre influências distais, relacionadas à cultura e fatores sociodemográficos, e fatores proximais, que incluem variáveis sociocognitivas e de carreira. Essa pode ser uma das razões responsáveis pela diversidade cultural dos estudos encontrados.
O presente trabalho organizou os estudos em relação aos fatores da família e às dimensões de carreira abordadas. A partir dessa estratégia, parece confirmar-se a divisão sugerida por Schulenberg et al. (1984) e Whiston e Keller (2004), entre variáveis familiares processuais e estruturais. Estudos com os fatores processuais familiares os associam, em mais destaque, a dimensões de carreira como autoeficácia para decisões de carreira (e.g., Germeijs & Verschueren, 2009; Lee & Kim, 2015), expectativas de resultado (e.g., Leung et al, 2011) e indecisão (e.g., Mojgan et al., 2015). Note-se que os dois primeiros são fatores sociocognitivos, o que reforça a relação com a TSCDC. Em relação aos fatores estruturais, os estudos dão destaque à relação com as decisões em termos da área de interesse, estudo ou trabalho. Mais da metade dos estudos que utilizaram fatores familiares estruturais (27 de um total de 39) abordaram as decisões de carreira com esse viés. Em outras palavras, a maioria dos estudos que utilizaram fatores familiares processuais investigou o efeito destes sobre o processo de decisão de carreira, e a maioria dos estudos sobre fatores estruturais abordou a influência da família sobre o conteúdo das decisões, seja a área de estudos ou o trabalho.
Em relação aos fatores processuais, alguns são mais frequentemente citados, como estudos sobre a influência do apoio. Fica claro o papel do apoio parental sobre a autoeficácia para decisões de carreira (e.g. Restubog et al., 2010). Já o apego aos pais, de uma maneira geral, parece diminuir a indecisão. Observados em conjunto com os resultados de estudos sobre a separação dos pais (e.g., Tokar et al., 2003) os dados permitem inferir que maiores níveis de separação dos pais estão associados a maior indecisão. O apego, contudo, parece reduzir a indecisão, mas também o comportamento exploratório.
Os achados em torno do conflito familiar fornecem mais evidências para o princípio de que, para algumas culturas como os asiáticos americanos, a decisão de -carreira é profundamente baseada no contexto familiar em conjunto com o cultural (Fouad & Kantamneni, 2008). O fato remete para a atuação da família como um filtro entre fatores distais e as dimensões de carreira (Lent -et al., 2000).
A influência do sexo é um fator de peso; notam-se diferenças entre o apoio dado pelo pai e pela mãe e o sexo dos filhos. A atuação da mãe ainda continua a ter destaque sobre a carreira de sua prole, tal como já havia sido observado por Whiston e Keller (2004). Estudos sobre autoeficácia para decisões de carreira (Ginevra et al., 2015; Lee & Kim, 2015), estilos parentais (Koumoundourou et al., 2011) e apego (Emanuelle, 2009) identificaram uma atuação mais acentuada da mãe.
Os fatores familiares estruturais, como já referido, atuam mais sobre as decisões em termos de áreas de estudo ou profissão. A partir deste fato, pode-se inferir que estes fatores atuam mais na formação de interesses, e menos na implementação dessas decisões ou outros elementos do processo de decisão. As diferenças encontradas pelos estudos apontam para o peso dos fatores socioeconômicos familiares sobre a escolha da área de estudos ou trabalho. Um aspecto a ser considerado é que, a depender do país e das políticas públicas empregadas, o ingresso em determinadas carreiras, frequentemente aquelas com melhor remuneração, demandam um investimento maior na formação dos filhos. Investimento este que famílias com menores recursos não teriam como expender (Leitão et al., 2013). Aqueles que possuem uma posição familiar que lhe dê esteio podem seguir seus interesses, onde sua manutenção não é um problema tão premente, ao menos no início da vida adulta. E com isso, a área de estudos ou profissão seguida acaba por ser afetada por fatores sociodemográficos.
Apesar desta revisão ter considerado o processo de tomada de decisão de carreira como um todo, entende-se que é um processo complexo que se estende por um longo período e em diversos momentos da vida de uma pessoa (Carvalho & Taveira, 2012). Nos trabalhos revisados, nota-se uma concentração de estudos nas decisões acadêmicas. Todavia, é digno de nota que destarte haver tantos estudos com universitários, a maioria das pesquisas continua a ser sobre a etapa de planejamento da decisão de carreira (Carvalho & Taveira, 2012). Uma possível explicação a esse fenômeno poderá ser que a depender da organização do ensino superior no país da pesquisa, o estudante só terá de optar por uma carreira específica ao final do segundo e terceiro ano, como no sistema de majors americano. Logo, mesmo sendo um estudante universitário, este ainda não realizou sua decisão de carreira, isto é, não optou por uma área específica. O mesmo não ocorre em países como Portugal, Brasil e Espanha, onde a escolha é feita no momento do ingresso à universidade. Nesses casos, nos estudos com universitários, seria mais recomendável abordar a etapa de implementação das decisões, onde, para além da escolha em si, são relevantes variáveis como comprometimento, satisfação e adaptação. A pesquisa da influência da família sobre a implementação das decisões de carreira estaria mais atenta à influência da família sobre a estabilidade e progresso da escolha e a satisfação da pessoa com essa escolha (Harren, 1979).
Limitação e estudos futuros
Podem ser identificadas duas limitações principais desta revisão. A primeira, relativa ao escopo, tem influência direta dos critérios de inclusão, notadamente os idiomas utilizados e as bases de dados pesquisadas. Quanto aos idiomas, não seria possível incluir tantos idiomas quantos os existentes nas publicações ao redor do mundo. Foi necessário circunscrever os idiomas, ao menos para aqueles que são mais afetos aos autores dessa revisão. Contudo, idiomas que representam grande parte da população mundial, como árabe e mandarim, não foram incluídos, mas publicações nessas línguas podem conter material pertinente. Além de ser uma limitação do trabalho, é também uma recomendação para estudos futuros. Quanto às bases de dados, foram incluídas grandes bases de dados afetas à psicologia, como PsycArticles e ERIC, algumas amplas como Web of Science, e ainda foram incluídas bases com diversos textos em português e espanhol, como Redalyc. Contudo, entende-se que existem outras bases de dados regionais que poderão dar acessos a trabalhos relevantes, as quais esse estudo não incluiu.
A segunda limitação é referente à natureza dessa revisão, que se baseou em revisões sistemáticas na coleta de estudos, mas não na análise, onde passou a ter características de uma revisão narrativa, qualitativa. Esse tipo de revisão não possibilita os mesmos resultados de uma revisão sistemática com meta-análise, mais acurada. Contudo, dada a extensão dos conceitos influência familiar e decisões de carreira, não seria possível efetuar uma revisão nos moldes de uma meta-análise. Em alguns construtos específicos, como no caso da relação do apoio família com a autoeficácia para as decisões de carreira, já existe material suficiente para empreender esse tipo de revisão.
Com base nas conclusões, limitações e hiatos identificados podem ser sugeridos também alguns caminhos para estudos futuros. Primeiramente, notam-se poucos trabalhos sobre a influência familiar nas competências basilares das decisões de carreira que se desenvolvem em crianças. As aquisições educacionais são um dos principais temas quando se trata do efeito da influência familiar. Tendo em vista a extensão do efeito da família na construção de interesses e durante todo o processo de decisão de carreira, estudos sobre como se processa essa influência da família ainda na infância dariam uma boa contribuição. A implementação das decisões foi outro ponto pouco abordado. Essa fase pode ser entendida como uma fase de estabilização das decisões, onde seria importante observar se há diferenças na influência da família em relação às fases anteriores. Principalmente no caso do jovem adulto ainda na universidade ou que acaba de chegar ao mercado de trabalho.
Referências
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Endereço para correspondência:
Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis Campus Santa Maria - UFSM
Av. Roraima, 1000, Prédio 48D (3º Andar)
CEP: 9705-900 Santa Maria RS
jaisso.vautero@ufsm.br
Recebido: 09/05/2018
1ª Reformulação: 22/09/2019
2ª reformulação: 02/04/2020
Aceito: 16/04/2020
Sobre os autores:
Jaisso Vautero é doutorado em Psicologia Aplicado pela Universidade do Minho, Portugal, e Psicólogo da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.
E-mail: jaisso.vautero@ufsm.br
Maria do Céu Taveira é Professora Auxiliar da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Portugal, coordenadora do Grupo de Investigação em Desenvolvimento Vocacional e Aconselhamento no Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) daquela universidade.
E-mail: ceuta@psi.uminho.pt
Ana Daniela Silva é pesquisadora do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi) da Universidade do Minho e doutorada em Psicologia da Educação, especialidade em Psicologia Vocacional. Atualmente é Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Carreira (APDC).
E-mail: danielasilva@psi.uminho.pt