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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.21 no.1 Campinas jan./jun. 2020

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2020v21n109 

10.26707/1984-7270/2020v21n109

ARTIGO

 

Repercussões da aposentadoria na dinâmica relacional das redes sociais significativas de aposentados

 

Reverberations of retirement in the relational dynamics within significant social networks of retired people

 

Repercusiones de la jubilación en la dinámica relacional de las redes sociales significativas de jubilados

 

 

Marcos Henrique AntunesI, 1; Carmen Leontina Ojeda Ocampo MoréI

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar as repercussões da aposentadoria na dinâmica relacional das redes sociais significativas. Participaram 12 aposentados, com idades entre 52 e 66 anos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e, complementarmente, do diário de campo do pesquisador. A organização e a análise dos dados fundamentaram-se na Grounded Theory e contaram com o auxílio do software Atlas.ti 1.6.0 for Mac. Os resultados evidenciam, por uma via, a ruptura dos vínculos associados ao trabalho que implicou sobre a perda do contato cotidiano e da confirmação da alteridade relacional, e, por outra via, um processo de reconstrução da rede através da ampliação da convivência familiar, da retomada de relações com amigos e da integração na comunidade.

Palavras-chave: trabalho; aposentadoria; redes sociais; família.


ABSTRACT

This study aimed at analyzing the reverberations of retirement in the relational dynamics of significant social networks. Twelve retired participants aged between 52 and 66 years old agreed to join the study. Data collection involved semi-structured interviews complemented by researcher field journals. Data organization and analysis were based on the Grounded Theory, aided by the software Atlas.ti (version 1.6.0 for Mac). Results, on the one hand, evidence the rupture of work connections, implying the loss of day-to-day contact and in confirmation of relational otherness. On the other hand, a network reconstruction process was observed by widening familial connections, reconnecting with friends, and integrating with their communities.

Keywords: work; retirement; social network; family.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar las repercusiones de la jubilación en la dinámica relacional de las redes sociales significativas. Participaron 12 jubilados, con edades entre 52 y 66 años. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas semiestructuradas y, complementariamente, el diario de campo del investigador. La organización y el análisis de los datos se basó en la Grounded Theory y contó con la ayuda del software Atlas.ti 1.6.0 for Mac. Los resultados evidencian, por un lado, la ruptura de los vínculos asociados al trabajo que llevó a la pérdida del contacto cotidiano y de la confirmación de la alteridad relacional; y, por otro lado, un proceso de reconstrucción de la red a través del aumento de la convivencia familiar, de retomar relaciones con amigos y de la integración en la comunidad.

Palabras clave: trabajo; jubilación; redes sociales; familia.


 

 

Introdução

Ao longo do ciclo vital, as pessoas transicionam entre diversos estágios evolutivos que acarretam modificações em seu desenvolvimento individual e, também, relacional, exigindo o desempenho de tarefas específicas atreladas a cada período. As fases de vida adulta e tardia são marcadas por eventos significativos que envolvem a consolidação e a manutenção tanto de um self autônomo, consubstanciado em objetivos pessoais, quanto de um sistema relacional, abarcando a família, o trabalho e outros vínculos sociais, capaz de proporcionar conexões afetivas e o sentimento de pertencimento (Andolfi, 2003; McGoldrick & Shibusawa, 2016).

Do ponto de vista do desenvolvimento vocacional, cabe considerar que a carreira é, igualmente, uma construção que transcorre interligada ao curso de vida, englobando diferentes decisões tomadas pelo indivíduo mediante o contexto histórico e a sua lógica de vida, decorrendo em mobilidade e necessidade de adaptação (Savickas et al., 2009). Trata-se de um processo contínuo e diversificado que resulta da interação de um conjunto de variáveis psicológicas, socioeconômicas e culturais, sendo a vinculação com o trabalho demarcada por sucessivas transições que demandam a implementação de procedimentos para redefinir prioridades e obter recursos de apoio (Duarte, 2009; Ribeiro, 2014).

Nessa perspectiva, a aposentadoria, enquanto etapa do ciclo de vida e da carreira, representa um processo longitudinal no qual o indivíduo diminui seu compromisso psicológico e comportamental com o trabalho, com vistas a retirar-se desse contexto, abrangendo desde a visualização e a preparação ao novo período até o ajustamento propriamente dito (Wang & Shi, 2014). É consenso na literatura que esse fenômeno caracteriza-se complexo e multifacetado, uma vez que, para além dos aspectos individuais, implicam sobre essa experiência os fatores sociais, laborais, organizacionais e familiares, os quais variam, inclusive, de acordo com os grupos populacionais a que se referem (França, Menezes, Bendassoli, & Macedo, 2013; Wang & Shultz, 2010).

Com efeito, a aposentadoria é considerada um momento oportuno para o estabelecimento de novos projetos, posto que o rompimento do vínculo laboral confere tempo livre para inserção em outros espaços e ações (Taylor & Schaffer, 2013; Zanelli, Silva, & Soares, 2010). Em certa medida, esse aspecto interliga-se ao fato de que, na vida adulta, as obrigações profissionais não propiciam a integração harmoniosa entre papéis centrais desempenhados em domínios como, por exemplo, trabalho e família (McGoldrick & Shibusawa, 2016). Nessa direção, os estudos sobre o tema demonstram que as relações familiares e sociais adquirem proeminência após o desligamento laboral, quer seja na intenção de realizar atividades em conjunto com esses atores, quer seja na execução do planejamento (Bressan, Mafra, França, Melo, & Loretto, 2013; França, Menezes, & Siqueira, 2012; Loureiro et al., 2016).

Há também evidências de que a aposentadoria acarreta distanciamento afetivo entre colegas de trabalho, redução no número de amigos e, consequentemente, contração de contatos sociais (Sluzki, 2000, 2003; Requena, 2013; Walsh, 2016). Diante disso, o sujeito pode experimentar sentimentos de vazio e solidão, os quais podem desencadear tanto sofrimento mental quanto a percepção da necessidade de reestruturar sua rede relacional (Carter & Cook, 1995; Hermida, Tartaglini, Feldberg, & Stefani, 2017; Loureiro et al., 2016; Zanelli et al., 2010).

Acerca da família, Azevedo e Carvalho (2006) identificaram que esse contexto concentra significativamente os relacionamentos instituídos na aposentadoria, sendo que as interações intergeracionais passam a ser de grande valia. Apesar disso, a relação com os filhos e netos parece envolver conotações diversificadas que geram sentimentos ambivalentes, tendo em vista que ao mesmo passo em que obtêm maior liberdade de escolha sobre como usar seu tempo, o aposentado enfrenta pressões sociais para cooperar através do exercício dos papéis de pai e/ou avô (Rengifo & Valencia, 2016). Nessa linha, ressalta-se ainda que, embora estejam em mudança, os padrões tradicionais de gênero influenciam a formatação da estrutura familiar, depositando especialmente sobre as mulheres o encargo das tarefas domésticas e/ou oferta de cuidados aos membros da família nuclear e/ou extensa (Knudson-Martin, 2016).

Antunes, Soares e Moré (2015) constataram que, nesse período, os casais aposentados enfrentam diferentes desafios individuais, conjugais e parentais que provocam a reorganização de sua dinâmica relacional, o que pode exacerbar a presença de conflitos e estresse caso não procedam negociações e a revisão das regras implícitas e/ou explícitas que sustentam os vínculos. Além disso, outros estudos indicam que a conjugalidade desponta como um moderador da tomada de decisão, sendo que a qualidade do relacionamento entre os parceiros pode impulsionar ou repelir o desligamento laboral (Bhatt, 2017; Eismann, Henkens, & Kalmijin, 2017; Figueira, Haddad, Gvozd, & Pissinati, 2017).

Por meio dessa caracterização, é possível observar que a experiência de aposentadoria é engendrada face a um conjunto de vivências que ressaltam acontecimentos e desdobramentos no cenário dos diversos vínculos de que o aposentado participa. Ancorando-se na conceituação proposta por Sluzki (2003), entende-se que o nicho de relações estabelecidas por um indivíduo em diferentes contextos (família, amigos, comunidade, estudos e trabalho), cuja interação é nomeada como importante e acontece de forma regular, formam a sua rede social significativa. Segundo o autor, tais relações implicam sobre a constituição da identidade, a autoimagem, os cuidados de saúde, a capacidade de adaptação e o enfrentamento às situações de crise, uma vez que cumprem funções tais como: companhia social, apoio emocional, guia cognitivo e de conselhos, regulação social, ajuda material e de serviços, além de acesso a novos contatos.

É importante mencionar que essas redes não são estáticas ou uniformes, posto que evoluem em consonância com a etapa de ciclo de vida do indivíduo. Nesse sentido, o intercâmbio interpessoal com cada membro que as compõem releva um grau de compromisso relacional exclusivo que alude à história e à qualidade do vínculo em um determinado momento (Sluzki, 2003). Assim, a noção de dinâmica relacional expressa as pautas que organizam e sustentam, recursivamente, os padrões interacionais com as redes sociais significativas, traduzindo sua estrutura e funcionamento (Andolfi, 2003).

Mediante as colocações apresentadas, este estudo foi desenvolvido com vistas a analisar as repercussões da aposentadoria na dinâmica relacional das redes sociais significativas na perspectiva de pessoas aposentadas. Em termos de relevância científica, é plausível considerar que estudos antecedentes de revisão de literatura indicaram a escassez de produções brasileiras que examinem especificamente as interfaces entre aposentadoria e redes sociais significativas (Antunes & Moré, 2017), bem como entre aposentadoria e família (Antunes & Moré , 2014). A relevância social, por sua vez, interliga-se às mudanças sociodemográficas da população brasileira, tendo em vista a elevação do índice do público de aposentados e idosos transcorrida nas últimas décadas (Simões, 2016). Nessa medida, aponta-se que os resultados deste artigo poderão contribuir, sobretudo, para a formulação de práticas profissionais condizentes com a realidade nacional, enfatizando os aspectos relacionais envolvidos na apreensão e intervenção acerca da aposentadoria.

 

Método

Participantes

Esta investigação, de caráter qualitativo, exploratório e transversal, envolveu 12 pessoas aposentadas, sendo que a definição do número de participantes referenciou-se no criterioso estudo de Guest, Bunce e Johnson (2006), o qual constatou que essa quantidade de sujeitos possibilita a saturação teórica de informações coletadas a partir de entrevistas no contexto da pesquisa qualitativa. Para efetivação da participação foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: i) estar aposentado num período entre 01 e 08 anos; ii) não ter estabelecido novo vínculo de trabalho formal e/ou informal no último ano; iii) residir em meio urbano.

Em relação às características demográficas e socioeconômicas dos participantes, informa-se que 07 eram mulheres e 05 eram homens, com idades entre 52 e 66 anos. O tempo de aposentadoria variou entre 01 ano e 04 meses e 06 anos e 01 mês, sendo que nenhum deles retornou ao mercado de trabalho nesse período. A renda mensal média desses sujeitos era de, aproximadamente, R$ 3.800,00. O grau de escolaridade variou entre Ensino Fundamental Incompleto e Pós-graduação em nível Lato Sensu.

Quanto ao estado civil e coabitação: 09 eram casados e residiam com cônjuges e/ou filhos, 01 era divorciada, tinha namorado e morava sozinha, 01 era viúva e residia com a mãe, e 01 era solteira e vivia com a mãe e o irmão. Nos dois últimos casos, as participantes não possuíam filhos e não mantinham relacionamento amoroso no momento da pesquisa.

A investigação foi realizada em uma cidade de médio porte situada no interior do Estado de Santa Catarina. Embora tendo profissões distintas, todos os participantes eram aposentados do serviço público desse município.

Instrumentos

A coleta de dados foi empreendida por meio de entrevistas semiestruturadas, cujo roteiro contemplava 03 seções: i) Dados demográficos, socioeconômicos e de identificação dos participantes; ii) Significados e experiências decorrentes do processo de aposentadoria; iii) O contexto relacional: as redes sociais significativas configuradas no processo de aposentadoria. Além destas, o pesquisador utilizou o diário de campo, realizando o registro de informações complementares acerca da experiência de diálogo com os participantes.

Procedimentos

Coleta de dados

Para acesso aos sujeitos, empregou-se a técnica Snowball Sampling (Patton, 2002), sendo que, num primeiro momento, o pesquisador efetuou uma aproximação com o campo, visando constituir alianças com pessoas que facilitassem o seu ingresso naquele contexto, bem como a comunicação com possíveis participantes. A partir de sugestões recebidas, o pesquisador realizou contato telefônico com os indicados, com a finalidade de apresentar a proposta de pesquisa e convidar para participarem da mesma. Face à adequação aos critérios estabelecidos e ao aceite de participar, agendou-se o encontro para coleta de dados, tendo como local uma sala, com isolamento acústico, situada em uma instituição no município da pesquisa.

Antes de iniciar as entrevistas, o pesquisador voltou a expor os objetivos da pesquisa, consultando, uma vez mais, sobre o interesse em conceder informações. Mediante a nova confirmação do aceite, foi lido, explicado e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As entrevistas foram conduzidas individualmente, sendo que as informações captadas durante o encontro foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. Após a conclusão da conversação estabelecida com cada um dos aposentados, o pesquisador registrou em seu diário de campo as percepções e os tópicos centrais visibilizados durante a mesma.

Análise dos dados

Os dados da pesquisa foram organizados e analisados por meio do método da Grounded Theory, tendo como base os princípios indicados por Strauss e Corbin (2008), englobando 03 etapas: codificação aberta, axial e seletiva. Salienta-se que esse processo foi promovido pelo uso do software Atlas.ti 1.6.0 for Mac. Por meio dos procedimentos adotados, emergiram 03 categorias principais: contexto do trabalho, contexto da família, contexto das relações de amizade e de comunidade. A Figura 1 apresenta a sistematização das categorias e subcategorias, as quais congregam os elementos de análise que serão discutidos neste artigo.

 

 

Considerações éticas

Em relação aos preceitos éticos de pesquisa, afirma-se que todos os procedimentos adotados foram pautados na legislação vigente, sobretudo, na Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Após avaliação, o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, através do Parecer Consubstanciado sob o no 2.083.315, aprovou a execução da investigação. Para fins de preservação do sigilo, os participantes estão identificados pela letra "P" acrescida de um número de 01 a 12 (e.g. P1, P2) que alude a ordem das entrevistas.

 

Resultados

Contexto do trabalho

Esta categoria congrega elementos que evidenciam as mudanças que ocorrem nas relações instituídas no âmbito laboral mediante a aposentadoria. Nesse sentido, os aposentados expressaram que, enquanto trabalhavam, a rotina mantida proporcionava convívio e diálogo, direta e/ou indiretamente, com diversas pessoas, sendo que esse contato foi perdido após a aposentadoria. Também referiram que, com a aposentadoria, deixaram de acessar espaços sociais proporcionados através do trabalho, os quais oportunizavam a aquisição de conhecimentos e compartilhamento de experiências de vida. Como exemplos disso citaram o fato de não terem sido mais convidados para comemorações em datas específicas (e.g. festas de final de ano) e não participarem de atividades na área de treinamento e desenvolvimento (e.g. cursos e palestras).

Especificamente em relação ao vínculo com os colegas de trabalho, as falas dos aposentados exibiram a ocorrência de afastamento nas relações, devido ao fato de que as pessoas deixaram de conviver e participar dos mesmos espaços. Apontaram também que a passagem do tempo, após a aposentadoria, interfere na manutenção dessas relações, sendo que o movimento de afastamento aconteceu progressivamente, conforme ilustra P10: "muda tudo porque amigos de serviço é de serviço. Assim, no começo, a gente ia na casa deles e tal, eles vinham na casa da gente, mas passa os anos e isso acaba tudo né".

Associado a esses aspectos, os aposentados manifestaram sentir saudades dos colegas e do contato com o público atendido através do trabalho que realizavam. Duas participantes mencionaram que usualmente ainda visitavam o lugar aonde atuaram, com vistas a manter-se próximas das pessoas com as quais conservavam vínculos afetivos.

Os registros efetivados pelo pesquisador em diário de campo, após as entrevistas, destacaram a percepção de que as mudanças nessas relações pareciam não ser esperadas ou, pelo menos, desconhecidas até a efetivação da aposentadoria. Notou-se que, enquanto verbalizavam tais elementos, os aposentados traziam à tona, concomitantemente, sentimentos de surpresa e pesar em relação ao afastamento e às perdas ocorridas.

Contexto Familiar

Nesta categoria são abordados elementos que desvelam as repercussões da aposentadoria na dinâmica relacional familiar, distinguindo aspectos atinentes aos vínculos estabelecidos pelos aposentados com cônjuges, filhos, netos e outros membros da família extensa. No tocante à relação conjugal, a priori cabe ressaltar que, dos 12 participantes, 09 eram casados, dentre os quais 05 tinham cônjuges que permaneciam trabalhando, 03 tinham cônjuges aposentados e 01 a esposa trabalhou unicamente em atividades domésticas no lar da própria família. Nos casos em que os parceiros mantinham-se trabalhando, as narrativas mostraram que os membros aposentados do casal cumpriam suas rotinas pessoais e elaboravam projetos a curto e médio prazo de acordo com a disponibilidade de agenda dos primeiros, objetivando contar com a presença destes tanto em atividades cotidianas (e.g. refeições) quanto nos planos estabelecidos para esse período (e.g. viagens). Obteve-se relatos de que as iniciativas de efetivar ações individualmente geraram sentimentos de solidão e insatisfação, de modo que esses sujeitos passaram a aguardar com ansiedade pelo momento que os cônjuges encerrassem suas atividades profissionais, verbalizando questionamentos ou, ainda, pressionando essa decisão.

Nos casos em que ambos os cônjuges encontravam-se aposentados, os participantes mencionaram que a principal repercussão da aposentadoria refere-se à ampliação das condições para realizar atividades em conjunto. Nessa direção, verificou-se a expressão de sentimentos distintos, englobando, por um lado, a alegria de contar com a presença e a companhia do cônjuge, e, por outro lado, a preocupação com o aumento de conflitos relacionais cotidianos, tendo em vista a extensão do tempo de convivência diária no mesmo ambiente.

Ademais, 02 aposentados referiram que seus cônjuges não compartilhavam dos mesmos interesses de ação para esse período e que essas diferenças produziram sofrimento e frustração, haja vista que tal posição impedia a efetivação de seus planos pessoais. A esse respeito informou P9:

Eu pensava que quando me aposento, se a minha mulher tivesse o mesmo gosto que eu aí era uma boa. Eu gosto de chácara, ter as criações, uma plantaçãozinha. Queria viajar também né. Mas a mulher não acompanha, ela não é de nada disso.

Os relatos indicaram também que, após a aposentadoria, os homens passaram a assumir responsabilidades em relação às atividades de cuidado com o lar, visto que, anteriormente, esse trabalho estava sob encargo de suas esposas, embora estas mantivessem igualmente obrigações em outros espaços laborais. Por outra via, obteve-se referências de que "o homem aposentado não tem o que fazer em casa [...] ficar em casa, com mulher, não é fácil. Mulher põe tudo em ordem" (P12).

Acerca da relação parental, aponta-se que, dos 12 aposentados, 10 possuíam filhos, sendo que em 05 casos estes ainda residiam juntamente com a família. As narrativas revelaram que, mediante o desligamento do trabalho, transcorreu a ampliação da convivência com os filhos, a partir da realização de atividades em conjunto e de visitas, especialmente, nos casos em que estes residiam em cidades geograficamente distantes de seus pais. Além disso, os participantes explicitaram, também, que os filhos apresentam diferentes demandas de cuidado e de suporte de acordo com a etapa de ciclo vital, as quais ocasionam impactos distintos sobre as vivências dos aposentados e do casal, conforme ilustram as seguintes falas:

Tem meu filho, então levo e busco ele na escola todo dia, não deixo ir sozinho. Depois do almoço, descanso um pouco, ajudo a fazer tarefa de casa e depois a gente brinca, estuda. É tudo sem pressa, com calma agora, mas eu não estou liberada por causa dele (P3).

Queria pintar, arrumar o apartamento, mas por enquanto não dá. Minha filha precisa de ajuda pra pagar a Faculdade, então sempre ajudo ela nisso porque tá desempregada (P2).

No que diz respeito à relação com os netos, averiguou-se as seguintes peculiaridades: enquanto P9 manifestou alegria devido ao tempo disponível para brincar e conviver com as crianças, outros 02 participantes citaram ocupar uma posição central na criação desses sujeitos, o que interfere na concretização de ações propostas para a aposentadoria. Os motivos pelos quais isso ocorreu associam-se, no caso de P8, a esta manter a guarda do neto adolescente por razão da morte da filha, e, no caso de P6, aos avós assumirem os cuidados para ajudar a filha que não tinha subsídios para pagar creche. Acerca do último caso, o aposentado relatou insatisfação com essa tarefa: "Eu não gostei da ideia de ficar cuidando de neto. Não me aposentei para cuidar de neto. Você se aposentou quer viajar, passear, mas dai não pode" (P6). As anotações em diário de campo do pesquisador apontaram uma possível dificuldade desse participante comunicar o seu descontentamento diretamente à família, tendo em vista que, durante a entrevista, o mesmo expressou por várias vezes o assunto, justificando que somente conseguia tratar em função da confidencialidade.

Acerca das relações com membros da família extensa, os participantes caracterizaram como repercussão positiva da aposentadoria a possibilidade de visitar e conviver com parentes, principalmente os que residem geograficamente distantes, o que permitiu retomar relações afetivas que anteriormente não estavam sendo devidamente nutridas devido à intensa jornada de trabalho mantida. Associado a isso, as falas reportaram um movimento de resgate da história desses sujeitos, uma vez que reencontraram-se com tios e primos, revivendo e recuperando experiências de outras etapas do ciclo vital. P1, por exemplo, estava escrevendo sobre a história da cidade e de sua família de origem, tendo se reunido com vários familiares em busca de documentos e fotografias, o que, segundo ele, oportunizou reencontrar pessoas e elementos de sua cultura e genealogia.

Quanto aos 02 casos (P5 e P11) em que as aposentadas não tinham relacionamento conjugal e parental no momento da pesquisa, tais pessoas informaram aproximar-se mais de pais, irmãos e cunhados após encerrarem suas atividades profissionais. Inclusive, P5 declarou que, antes de sua aposentadoria, sentia medo da solidão a partir da desvinculação do trabalho, uma vez que não possuía marido ou filhos para conviver diariamente. Essa participante convidou a mãe para residir na mesma casa, com o objetivo de contar com o apoio e, ao mesmo tempo, oferecer auxílio a esta em virtude da morte do pai que ocorreu um mês após sua aposentadoria.

Referente à dimensão financeira, as narrativas mostraram que os aposentados encontravam-se em um movimento duplo, sendo que, enquanto alguns assumiram o provimento de subsídios econômicos de pais e irmãos, outros buscavam o auxílio dessas pessoas para suas necessidades pessoais. P5 referiu que, devido à redução de remuneração em função da aposentadoria e a sua condição de adoecimento físico, carecia da assistência financeira da mãe para concretizar projetos para esse período da vida, visto ter gastos significativos em seu tratamento de saúde. Com base nos registros efetivados em diário de campo, visualizou-se que as mudanças no orçamento pessoal e/ou familiar, além de terem sido recorrentemente salientadas na comunicação verbal dos participantes, foram acompanhadas de expressões emocionais que demonstravam preocupação e medo, tendo em vista a ausência de preparação nesse sentido, quer seja para contribuir com outras pessoas, quer seja para solicitar a ajuda destas.

Por fim, os aposentados mencionaram, também, que eram solicitados a cumprir tarefas de diferentes ordens, desde atividades cotidianas (e.g. ir ao banco e fazer compras no supermercado), até o cuidado com filhos de sobrinhos ou outros parentes distantes que encontravam-se doentes, cujo apelo ocorria justamente pelo fato de contarem com mais tempo livre do que as outras pessoas, conforme descreveu P7: "eu sou um quebra galho da família inteira, tipo assim, se é aposentado, é como que disponível pra todo mundo, não faz nada".

Contexto das relações de amizade e comunidade

Esta categoria reúne elementos que explicitam as modificações ocorridas com as relações de amizade e de comunidade na aposentadoria. Acerca dos vínculos de amizade, os participantes citaram que, após a aposentadoria, sucederam mudanças na dinâmica relacional em função dos amigos permanecerem trabalhando ou encontrarem-se impossibilitados de realizar atividades em conjunto por situação de adoecimento físico. Apesar disso, os aposentados manifestaram a expectativa de que os amigos percebessem o seu novo momento de vida, bem como convidassem e/ou recomendassem atividades para efetivar face à iminência do tempo livre.

Os participantes referiram, também, terem efetivado movimentos na direção de retomar vínculos do passado como, por exemplo, com colegas do tempo de escola e amigos de infância, com a finalidade de expandir sua rede de contatos e as possibilidades de obter companhia para as atividades. Essa questão foi promovida, especialmente, por meio das redes sociais virtuais e de grupos em aplicativos de comunicação, conforme declarou P3: "tem vários grupos de WhatsApp da galera das antigas que eu participo, então a gente conversa, a gente marca e se reencontra pra um jantar, uma pizza".

Em torno das relações comunitárias, os aposentados relataram que encontravam-se participando de diferentes grupos e/ou instituições como igrejas, associações de aposentados, grupos de idosos, pilates, dança e voluntariado. As narrativas mostraram que o acesso e a integração nesses espaços aconteceu tanto de forma planejada para ocupar o tempo e concretizar ações que, enquanto trabalhavam, não tinham tempo disponível, quanto de maneira inesperada, através de inserções pontuais ou convites recebidos, o que oportunizou a construção de novos vínculos com pessoas até então desconhecidas.

Os aposentados retrataram ainda que, para além de integrar grupos e/ou instituições, assumiram funções de coordenação ou diretoria dos mesmos, o que ocorreu, especialmente, em função do conhecimento, experiência e tempo livre disponível. Nessa direção, P7 salientou que essas responsabilidades geraram a ocupação significativa do seu tempo e, por esse motivo, pretendia rever sua continuidade no exercício de tais funções, a fim de contar com mais liberdade para executar ações em outros campos.

 

Discussão

Com base nos dados apresentados, é possível verificar que os participantes descrevem que, a partir da aposentadoria, os vínculos associados ao contexto laboral sofreram o distanciamento ocasionado pelas mudanças transcorridas em suas rotinas pessoais, as quais interligam-se ao fato de deixarem de integrar os mesmos espaços e de realizar atividades conjuntamente. Nessa perspectiva, de acordo com as falas dos aposentados, estão englobados tanto os colegas de trabalho quanto as demais pessoas com as quais estabeleceram contatos contingenciais, em seu cotidiano de vida, por meio dos serviços prestados profissionalmente. Esses dados elucidam a redução dessa rede, tal como averiguado por Requena (2013), cabendo observar que essa alteração é característica comum do ciclo vital tardio, posto que o desligamento laboral deflagra a transição do papel de trabalhador para o de aposentado, cujas repercussões atingem a identidade do indivíduo, bem como as possibilidades e os padrões de interação social (Sluzki, 2000; Walsh, 2016; Zanelli et al., 2010).

É importante frisar que, embora os aposentados tenham referido perceber emocionalmente a perda dessas relações, manifestando o sentimento de saudades e, também, a atitude de visitar os ex-colegas com a finalidade de sustentar o vínculo afetivo, o modo como comunicaram tais aspectos durante a entrevista demonstrou certo desconhecimento prévio sobre a possibilidade dessa mudança, o que, em certa medida, denuncia a ausência de preparação e/ou informação sobre as decorrências da aposentadoria. Visto que uma parcela significativa do tempo de vida é empregada em tarefas profissionais, o contexto do trabalho afirma-se como um espaço privilegiado de socialização que pode promover diálogo, amizade e apoio entre as pessoas (Zanelli et al., 2010). Assim, julga-se necessário reconhecer que o enfraquecimento e/ou a ruptura dessa rede devido ao desligamento laboral influencia os referenciais de segurança e pertencimento, uma vez que as funções cumpridas por essas conexões tornam-se restritas ou desativadas, o que pode conformar um cenário de vulnerabilidade para o aposentado, caso não haja a consolidação de intercâmbios relacionais em outras esferas. Nos casos das pessoas que contam com uma escassa rede extra-laboral, conforme pontuam Carter e Cook (1995), a adaptação tende a ser particularmente difícil, pois a presença limitada de outros contatos sociais é capaz de impedir a substituição satisfatória de potenciais recursos de ajuda e, consequentemente, reforçar o apego ao trabalho.

No tocante ao conjunto de relações engendradas na família nuclear e extensa, de acordo com as narrativas dos aposentados, observa-se que a aposentadoria produz a ampliação das oportunidades de convivência direta, bem como de participação nas atividades desenvolvidas conjuntamente com essas pessoas. Esses dados corroboram resultados de outros estudos, evidenciando que, ao encerrar a carreira, o indivíduo desprende-se das tarefas profissionais e passa a investir em outros relacionamentos, cujas intenções e implementações de ações concentram-se consideravelmente no âmbito familiar (Azevedo & Carvalho, 2006; Bressan et al., 2013; França et al., 2012). Associado a isso, os dados descritos na segunda categoria permitem constatar ainda que, nessa etapa do ciclo vital, emergem desafios específicos para serem enfrentados nos subsistemas conjugal, parental e com a família extensa, considerando as peculiaridades das relações estabelecidas entre os aposentados e os diferentes membros envolvidos.

Acerca da conjugalidade, os resultados demonstram que a aposentadoria acarreta repercussões que atingem ambos os membros dessa díade. Para os casais nos quais apenas um dos cônjuges estava aposentado, observa-se que a flexibilização dos desejos e interesses individuais é um fator que baliza a organização do cotidiano particular e, também, do casal. Pesquisas anteriores já revelaram que os cônjuges influenciam a tomada de decisão pela aposentadoria, bem como que o ajustamento transcorre consoante ao membro que se aposenta primeiro (Figueira et al., 2017; Loureiro et al., 2016). Todavia, os achados deste estudo permitem identificar que o planejamento e a execução de ações para esse período, em termos de projeto de vida, sustentam-se na cadência com a qual os membros do casal rompem o vínculo laboral e conseguem integrar-se às vivências propostas pelo parceiro aposentado. Baseado nisso, entende-se que, quando os cônjuges aposentam-se em épocas distintas, esse processo pode originar um movimento bidirecional no casal, visto que as intenções pessoais de ação para esse período são influenciadas pelas condições da díade.

Reforça essa compreensão o fato de os aposentados terem relatado atitudes de pressão para que os cônjuges também encerrassem suas atividades profissionais, o que pode representar uma dificuldade desses sujeitos em enfrentarem suas demandas pessoais. A esse respeito, Eismann et al. (2017) averiguaram que a existência de vínculo afetivo significativo e o compartilhamento do mútuo desejo de aposentar-se entre os cônjuges influenciam diretamente sobre a preferência em efetivar essa transição em conjunto. Tal questão, conforme aponta Bahtt (2017), precisa ser considerada à luz de fatores geracionais, socioeconômicos e de saúde, haja vista que casais de gerações recentes apresentam posições distintas em relação ao trabalho e à decisão pela aposentadoria.

Referente aos casais em que ambos os cônjuges encontravam-se aposentados, as narrativas mostraram que os movimentos constituídos direcionaram-se ao estabelecimento de um arranjo que contemplasse objetivos individuais e conjugais. Taylor e Schaffer (2013) mencionam que o planejamento para aposentadoria é um moderador do ajuste individual, sendo que em sua elaboração devem ser consideradas tanto as necessidades e características pessoais quanto as contextuais. Assim, considerando as narrativas que explicitaram a ocorrência de divergências de planos para esse período, ressalta-se a importância de os cônjuges examinarem limites e possibilidades de compartilhar atividades, tomando decisões que abarquem os interesses individuais e, também, os que são mantidos em comum, respeitando as diferenças. Essa demanda desafia os membros da díade a repensarem sua identidade e seus padrões relacionais, reestruturando o cotidiano através da negociação de papéis desempenhados no contexto da família, conforme discutido em outras produções (Antunes et al., 2015; Walsh, 2016).

Os resultados suscitam, ainda, a discussão acerca das questões de gênero, uma vez que, embora haja dados denotando a divisão de trabalho doméstico, as narrativas fazem referência também à existência de configurações tradicionais de família heteronormativas nas quais os homens não reconhecem e isentam-se da incumbência dessas tarefas. Knudson-Martin (2016) afirma que o gênero é um construto social que reproduz expectativas culturais acerca dos comportamentos considerados apropriados para homens e mulheres, cuja mensagem interpela a adequação de todas as pessoas a tais normas, e, consequentemente, padroniza a organização familiar. Ancorado nesse pressuposto, analisa-se que a aposentadoria é um período que desafia as construções sociais que diferenciam performances entre os cônjuges, especialmente, quando estes definem por permanecer total ou parcialmente seu dia em casa, demandando a reconfiguração da relação para o cumprimento de atividades nesse ambiente compartilhado.

No que diz respeito à parentalidade e o vínculo com os netos, de acordo com as falas dos aposentados, nota-se que a dinâmica relacional conforma-se no entrecruzamento dos fatores liberdade de tempo para conviver e assistência às demandas desses sujeitos. Cabe ressaltar a singularidade dos participantes desta pesquisa, os quais tinham filhos em diferentes faixas etárias, englobando desde crianças (e.g. P3) até adultos (e.g. P9), o que confirma as variações contemporâneas do curso de vida familiar derivadas das mudanças sociais transcorridas nas últimas décadas como, por exemplo, a postergação da maternidade e o prolongamento da oferta de cuidados aos descendentes (Walsh, 2016). Nessa perspectiva, em consonância com outros estudos (Antunes et al., 2015; McGoldrick & Shibusawa 2016; Rengifo & Valencia, 2016), observa-se que os dados obtidos acerca da relativa dependência dos filhos, nessa etapa do ciclo vital, ocasiona a permanência, por parte dos aposentados, no cumprimento dos papéis de pais e avós fornecendo amparo emocional e financeiro, o que pode, inclusive, dificultar a execução de outros propósitos de vida.

De igual maneira, os participantes também referiram o exercício de funções de cuidado e atenção aos membros da família extensa, o que se associa ao atendimento de necessidades desses sujeitos (e.g. financeiras e de saúde) e à ocupação do tempo livre em decorrência do desligamento do trabalho. A metáfora "quebra galho da família" expressada por P7, expõe, em certa medida, os significados atribuídos a esse momento da vida por seus familiares, a partir dos quais presume-se a noção de aposentadoria como disponibilidade para desempenhar obrigações de outras pessoas. Segundo Zanelli et al. (2010), a família deposita expectativas sobre o aposentado que podem sobrecarregá-lo, o que acontece aliado aos estigmas sociais de ociosidade, cabendo que tais questões sejam revisadas para estabelecer relacionamentos mais gratificantes.

Em contrapartida, é digno de nota o fato de que os parentes respondem às demandas dos aposentados através da oferta de subsídios econômicos, bem como da intensificação da presença e do convívio. Isso é particularmente importante de ser ressaltado no caso das participantes solteiras, pois o envolvimento com a rede ampliada da família, para as pessoas que não são casadas, impacta no ajustamento satisfatório à aposentadoria (Carter & Cook, 1995). Nessa medida, compreende-se que as famílias desses sujeitos encontram-se protagonizando o apoio intergeracional, sendo este uma das tarefas do ciclo vital tardio, cuja finalidade refere-se, principalmente, a aferir suporte mediante as situações de insegurança e dependência atreladas às experiências desse período (McGoldrick & Shibusawa, 2016).

Concernente às amizades, os resultados apreciados permitem averiguar que essas relações podem ser valorizadas na aposentadoria, principalmente, por meio da retomada de vínculos do passado, corroborando o estudo de Azevedo e Carvalho (2006). É particularmente importante observar que o acesso às tecnologias de informação e comunicação parecem facilitar potencialmente o contato e a convivência com esses sujeitos, elucidando meios utilizados por esse público, na contemporaneidade, para manter-se inserido socialmente e firmar antigos ou novos relacionamentos, o que favorece o suporte social como indicado por Sluzki (2003) e Walsh (2016).

Para além disso, os dados obtidos especificam que alguns amigos apresentam restrições para retroalimentar o vínculo devido à permanência no trabalho ou a situações de adoecimento. Esses achados provocam a reflexão em torno dos estágios do ciclo vital em que os membros da rede dos aposentados encontram-se, tendo em vista que as oportunidades de interação sustentam-se nas condições desses sujeitos atenderem demandas de acordo com os desafios e tarefas que estão manejando em seu próprio processo desenvolvimental (McGoldrick & Shibusawa, 2016; Walsh, 2016). Analisa-se, ainda, que esses fatores podem, inclusive, impedir o cumprimento da expectativa revelada pelos participantes de receber convites e/ou sugestões de atividades para serem desenvolvidas através dos amigos. Conforme Sluzki (2003), as reações das redes agenciam o suporte para a tomada de decisões, de modo que a impossibilidade de resposta às solicitações de ajuda pode influenciar o autocuidado e o enfrentamento às situações de crise.

Por conseguinte, visualizou-se que a aposentadoria oportunizou o engajamento dos participantes em agrupamentos comunitários e a realização de práticas diversas, tais como pilates e dança, cabendo frisar o fato que, para além de simplesmente participarem desses espaços, passaram a se relacionar com outras pessoas e, inclusive, assumiram funções de coordenação dos trabalhos desenvolvidos nos mesmos. Esses elementos indicam um processo de reconstrução das redes nessa etapa do ciclo vital, fomentado a partir da integração em lugares que passam a fazer parte do cotidiano do aposentado nesse período e permitem o acesso a novos contatos. Fundamentado em produções antecedentes (Hermida et al., 2017; Sluzki, 2000; Zanelli et al., 2010), denota-se que essa inserção é relevante para a promoção de saúde mental, posto que permite o desempenho de papéis alternativos frente ao rompimento do vínculo laboral e das relações instituídas nesse âmbito. Cumpre salientar que o modo como transcorre tal participação deve corresponder aos objetivos elencados pelos sujeitos para esse período de vida, a fim de que esse processo possibilite redimensionar os contatos na perspectiva das redes sociais e não apenas substituir as obrigações laborais.

 

Considerações finais

Respondendo aos propósitos deste estudo, os achados elucidam que a aposentadoria afeta a trama dos vínculos engendrados nos diversos contextos em que o aposentado participa, produzindo um movimento complexo de ruptura e reconstrução das redes sociais significativas. Constata-se que, com a redução da frequência de contato entre colegas, a rede configurada no trabalho deixa de ser retroalimentada, impactando sobre os níveis de intimidade e afetividade que balizam tais relações, o que pode acarretar, até mesmo, a sua desativação. Por sua vez, as interações na família, com os amigos e a comunidade sofrem o tensionamento gerado pela ampliação da convivência direta, sendo ainda mais valorizadas e buscadas a partir do desligamento laboral. Essas repercussões evidenciam alterações no grau de compromisso relacional estabelecido com os membros dessas redes, posto que, na medida em que acontece a diminuição da intensidade dos relacionamentos associados ao trabalho, emergem novas possibilidades de conversações em outros âmbitos, reafirmando relações do passado e/ou constituindo outros contatos sociais.

Com base nisso, é possível depreender que, ao passo em que o indivíduo encontra-se enfrentando a iminência do tempo livre e a construção de um projeto de vida para esse período, os diversos membros de sua rede são também incitados a rearticular os papéis tradicionalmente cumpridos, de acordo com a especificidade de cada contexto. Nesse sentido, denota-se que a aposentadoria demanda a ressignificação dos vínculos presentes nas redes sociais significativas com vistas à consolidação de uma nova proposta relacional, haja vista que os mesmos sustentam a organização do cotidiano e o estilo de vida nessa etapa do ciclo vital, influenciando recursivamente sobre a adaptação e o ajustamento pessoal.

Ao evidenciar tais aspectos, o presente estudo avança na produção de conhecimento científico, permitindo o reconhecimento de elementos de análise atrelados à dinâmica relacional estabelecida por pessoas aposentadas, os quais somam-se à visão tradicional do tema sob uma perspectiva individual. Em termos de implicações para a prática profissional, destaca-se a importância da inclusão dessa ótica de compreensão nas intervenções, através da escuta atenta e da identificação da mobilização das redes no processo de aposentadoria, o que pode contribuir na coconstrução de estratégias de enfrentamento às transformações vivenciadas nos vínculos afetivos e sociais.

Quanto às limitações desta investigação, aponta-se que as mesmas delineiam-se a partir de questões socioculturais de vida dos participantes e do tipo de carreira por eles desenvolvidas, visto que todos residiam em uma mesma cidade e foram trabalhadores do serviço público. Recomenda-se que novas pesquisas sejam executadas com aposentados de diferentes localidades e trajetórias laborais diversificadas (e.g. profissionais autônomos), visando examinar a configuração das redes sociais em outros cenários.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Capitão Romualdo de Barros, 611
Carvoeira, Florianópolis/SC
CEP: 88040-600

Recebido: 13/05/2019
1ª Reformulação: 21/01/2020
Aceito: 09/03/2020

 

 

1 Os autores agradecem à CAPES pelos subsídios para realização deste estudo.
Sobre os autores:
Marcos Henrique Antunes é Graduado em Psicologia pela UNOESC, Mestre e Doutor em Psicologia pela UFSC. Professor do Curso de Graduação em Psicologia da UNISOCIESC.
E-mail: marcos.antunes@live.com
Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré é Graduada em Psicologia pela UFSC, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC
E-mail: carmenloom@gmail.com

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